Contratados: A Rendição - Capítulo 22 ( Último Capítulo)

Um conto erótico de M.J. Mander
Categoria: Gay
Contém 5081 palavras
Data: 28/07/2024 18:28:59

CAPÍTULO 22

*** ANTHONY RODRIGUES ***

— Ele... Ele sofreu um ataque cardíaco. Eu tentei ligar pra você, mas você deixou o telefone em casa e eu não tinha ideia de onde você estava. — Explico para um Marcos estático, de olhos vidrados e que eu nem mesmo sei se continua me ouvindo.

Apesar da minha determinação, lágrimas começam a escorrer pelas minhas bochechas sem que eu possa impedi-las. Eu disse a mim mesmo que já havia chorado todas as lágrimas que tinha para chorar, mas não é simples assim. Definitivamente, não é. Principalmente porque as lágrimas que molham meu rosto agora têm um motivo completamente diferente daquelas que deixaram meus olhos vermelhos horas atrás.

Antes eu chorei por mim. Agora, choro por Marcos. Seu pai sempre foi seu herói. Eu não sei o que ele está, mas ainda tendo o medo da perda revestindo cada centímetro da minha pele, não é tão difícil assim de imaginar.

— Me-meu pai? — Apesar de gaguejar a primeira palavra, o tom de voz é firme e ele aperta olhos e sobrancelhas em uma careta incrédula enquanto sua atenção continua completamente em meu rosto.

— Ele está em casa. Sua mãe preferiu não levar o hospital até ele, preocupada com a mídia. Eu só estava esperando você chegar. — Isso o desperta e Marcos volta a se mover.

— Tudo bem! Vamos! — Segura em minha mão e sem me dar tempo de qualquer coisa, praticamente me arrasta até o elevador, claramente, focado em uma única coisa. É só quando as portas já estão se fechando que ele se vira para mim.

— Isabella?

— Carmem está aqui. Está com ela. — Balança a cabeça e eu não suporto o olhar perdido em seu rosto. Me aproximo e envolvo sua cintura em meus braços. Que se dane toda a merda que estamos vivendo. Eu não vou deixa-lo sozinho. Marcos leva alguns segundos, mas seus braços se fecham ao meu redor e ele afunda o nariz em meus cabelos.

Eu não deveria gostar tanto disso, mas gosto. E, tanto quanto ele, em silêncio, apenas me deixa ser amparado por nosso abraço.

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Giovanna se lança nos braços de Marcos no momento em que atravessamos a porta. Ele abraça a mãe e, exatamente como fez comigo hoje mais cedo, deixa que ela chore em seus braços. Apesar de seu estado de alerta e de eu ter certeza de que ele está profundamente abalado, Marcos não derrama uma lágrima sequer.

Ele aceitou meu conforto, mas desde que saímos de casa, sua postura é, indiscutivelmente, a de alguém que tem tudo sob controle. Mentiroso.

Quando consegue se acalmar, Giovanna nota minha presença e me abraça também. Eu a conforto e digo que vai ficar tudo bem, que estamos aqui para o que ela precisar. Sua dor é uma marca vermelha e gigante em seu corpo inteiro. Arrisco dizer que até mesmo alguém que não a conhece seria capaz de perceber, apenas olhando para ela neste momento, que algo está muito errado.

— O que o doutor Paulo disse? — Marcos pergunta.

— Nada ainda, meu filho. Nada ainda. Eles montaram uma CTI no quarto e estão lá desde que chegaram.

As próximas horas são agoniantes. Poucas palavras são trocadas enquanto esperamos por notícias. A impressão que tenho é que pra Giovanna a experiência inteira deve ser muito pior do que se ela estivesse em um hospital. Afinal, ela está dentro da própria casa e não pode simplesmente invadir o quarto e exigir por notícias.

A mim, pelo menos, o ar “oficial” do hospital parece tornar os limites mais claros. Faço o meu melhor garantindo que meu marido e sua mãe tenham sempre água, café e silêncio a sua disposição. Além disso, não solto a mão de Marcos nem por um segundo e a força com que ele segura minha palma me diz que isso é algo bom. Algo muito bom.

Nós três nos levantamos quando as portas do quarto se abrem e o médico passa por elas. Depois de horas na expectativa de notícias, tenho certeza de que não sou o único prendendo a respiração enquanto o homem caminha até nos.

— Marcos, Giovanna. — Cumprimenta, me deixando de fora, provavelmente por não saber meu nome. Mas meu marido logo remedeia isso.

— Doutor Paulo, essa é meu esposo, Anthony. — Ele acena, reconhecendo minha presença. O que faz muito sentido. Afinal, o que ele diria? Repetiria meu nome ou diria que é um prazer me conhecer? Com o coração acelerado, abro e fecho a mão que não segura a de Marcos.

— Ele está bem e estável. — Três expirações profundas soam ao mesmo tempo, fecho meus olhos e dou passos para trás, me afastando o suficiente para que Giovanna, outra vez, se jogue nos braços do filho.

A cena é linda e me lembra, imediatamente, Isabella. Meus olhos ardem e eu respiro fundo, tentando controlar minhas próprias emoções, mas falho e as lágrimas escorrem.

Não foi fácil ficar frente a frente com Danillo e reconhecer que lhe roubei anos do desenvolvimento de Isabella. Não foi fácil admitir para mim mesmo o quanto isso foi errado e injusto com ela. Ainda não é. Mas eu fiz uma escolha e a faria quantas outras vezes fossem necessárias.

O próprio Danillo admitiu que era muito provável que, naquela época, há cinco anos, era muito provável que seu pai tivesse tentado tirar minha filha de mim, porque sim, Isabella é minha filha e sempre será. E, sozinho, abandonado pelos meus próprios pais, a quem eu poderia recorrer. É errado, é injusto. Mas a vida não é justa e eu não me arrependo nem por um segundo de na hora da minha escolha.

Arrependo-me de muitas outras coisas. De não ter contado a verdade a Marcos antes. De não ter dito que o amava antes. De não ter sido eu a procurar Danillo agora que a situação é completamente diferente. Mas não me arrependo da decisão que tomei quando nenhuma opção me havia sido dada.

O abraço de Giovanna me traz de volta ao presente e eu a aperto forte.

— Obrigada, meu filho! Muito obrigada! — Me agradece e eu nego.

— Não tem motivo pra isso, dona Giovanna! — Sou rápido em responder e seu olhar viaja imediatamente para Marcos que ainda está conversando com o médico.

— Eu tenho sim! — Balança a cabeça e sorri para mim. Eu não fazia ideia de que precisava tanto ver um sorriso em seu rosto até ele estar lá. Mesmo que eu não me sinta merecedor do motivo dele, não depois de tudo o que aconteceu hoje.

Marcos se aproxima de nós, basicamente, trocando de lugar com sua mãe que vai conversar com o médico. Olho para ele sem saber exatamente como me comportar agora que meu conforto não é exatamente necessário. Passo a língua sobre os lábios, ele estende os braços para mim, eu me encaixo neles e meu marido me aperta em um abraço.

Levanto a cabeça para encontrar seu olhar, mas não consigo evitar a parada nada digna de meus olhos em seus lábios.

— Obrigado... — Eles se movem para dizer uma única palavra e a frase que ouvi Grazi me dizer tantas e tantas vezes corre, louca para sair da minha boca. “Amor não se agradece.” Mas, ao invés disso, digo:

— Você não precisa me agradecer, Marcos. Nunca. — Ele balança a cabeça, confirmando.

— Quer ir pra casa?

— Você vai?

— Não... Eu vou passar um tempo aqui. — É a minha vez de concordar com um aceno.

— Então eu fico. Isabella já está dormindo. Amanhã de manhã eu vou.

— Tem certeza?

— Tenho! — respondo e nenhum de nós dois diz mais nada. Permanecemos em silêncio, apenas nos olhando até Marcos ser chamado pelo médico. Seus braços me soltam devagar e meu coração pula, adorando a ideia de que ele não queira realmente me soltar. Mas por mais devagar que seja, ele solta, ainda me olhando, expira profundamente e se vira, me deixando para trás.

##########

— E você falou com Danillo esses dias? — Grazi pergunta. Sentado, sozinho na cama de Marcos, aceno positivamente com a cabeça.

É patético que eu tenha passado as duas últimas noites aqui só porque ele não está em casa, eu sei disso, mas só Deus pode me julgar por isso. Seu Joaquim está bem melhor e hoje as medicações foram retiradas. O médico acredita que como foi apenas um princípio de infarto, seu corpo já dormiu por tempo o suficiente para recuperar as partes que foram mais severamente atingidas.

Agora, ele pode acordar a qualquer momento. Tenho estado lá todos os dias, algumas horas por dia. Mas não acho uma boa ideia que uma criança ativa como Isabella esteja presente em um ambiente que precisa ser calmo. Então aproveito seu horário no ballet para fazer minhas visitas e as estendo até um pouco mais.

Carmem tem sido, como sempre, fundamental nesse processo. Ela é uma amiga muito querida da família e também tem tido seu tempo de vigília. Quando eu chego, ela sai. É ela quem busca Isabella no ballet, a traz para casa e faz companhia até que eu chegue.

Apesar do diagnóstico de estabilidade ter feito seu papel em tranquilizar a todos nós, a necessidade de manter seu Joaquim em coma induzido pelas primeiras quarenta e oito horas não deixou que realmente nos sentíssemos aliviados. Só respiraremos quando ele estiver acordado, todos os exames necessários forem feitos e os resultados forem satisfatórios.

— Não. A última vez foi anteontem quando expliquei a ele o que tinha acontecido e que qualquer aproximação que ele queira fazer vai precisa esperar nossa rotina se normalizar.

— E hoje você já está lidando melhor com isso do que estava ontem?

— Você fala como se ontem eu estivesse surtando!

— Na verdade, é justamente o fato de você não estar que me assusta.

— Por que eu surtaria, amiga? Danillo parece realmente interessado em fazer parte da vida de Isabella e não existe nada nesse mundo que eu queira mais do que ver minha filha feliz. Se isso não aconteceu antes é porque aproximar Bella do pai era diretamente proporcional à me afastar dela. Mas eu não tenho mais dezessete anos, nem estou sozinho. Mesmo que... — Fecho os olhos, com dificuldade de colocar em palavras o pensamento doloroso que já atravessou meus pensamentos um milhão de vezes nos últimos dias. — Mesmo que Marcos e eu não... Não continuemos casados, eu sei que ele não me desampararia legalmente nem deixaria Isabella a própria sorte. A aproximação de Danillo realmente não é algo pra me preocupar. Apesar da forma como tudo aconteceu, eu estou feliz por isso. É simples.

— Tuuuudo bem! — concorda, estendendo o u para dar ênfase. — E quanto ao Marcos? Essa sua postura de “se não continuarmos casados” não me engana? Ou você acha que eu não notei você gaguejando?

— Eu não tinha qualquer intenção de te enganar, Grazi!

— Unhum! Senta lá, Cláudia! Em que pé estão as coisas entre vocês dois?

— Não estão... — Afundo o rosto no travesseiro dele e inspiro seu cheiro profundamente. — Eu entro e saio da casa e nos tratamos como dois conhecidos.

— E você está deitado na cama dele de novo?

— Eu sinto falta dele. Eu queria tanto que ele me deixasse cuidar dele, conversar, que respondesse às minhas mensagens com mais do que palavras monossilábicas, Grazi! Eu sei que é egoísmo, que o momento é uma merda, mas eu só queria que ele me deixasse fazer mais.

— Eu não acredito que vou dizer isso, mas ele precisa de tempo, Anthony. Contrariando todas as expectativas, Marcos foi sensato todo esse tempo e continua sendo, ele só precisa de tempo. — Tempo. A lembrança da última vez que ouvi essa palavra me atinge com violência.

A noite no barco. Marcos estava enterrado em mim e nós conversávamos silenciosamente. Ele nunca realmente colocou vogais e consoantes nessa ordem em uma frase recitada, mas eu tenho certeza de tê-las ouvido. Tenho certeza absoluta de que ele me disse que nós tínhamos muito tempo, todo tempo do mundo.

— Por que você não vem me visitar? Suas desculpas acabaram, sabe? Seus pais estão devidamente avisados pra se manter longe, o Danillo agora é parte da sua vida, talvez seja hora de voltar pra casa... — pergunta e, como em um quebra cabeças, ouvir suas palavras faz todas as minhas peças se encaixarem.

— Talvez...

— Jura?

— Eu disse talvez. Não te fiz qualquer promessa! E Grazi?

— Sim?

— Eu estou em casa.

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*** MARCOS VALENTE ***

Seguro firme uma das mãos do meu pai enquanto, do outro lado da cama hospitalar, minha mãe segura a outra. A qualquer momento agora. Depois de mais de vinte e quatro horas desde a suspensão da medicação, é impossível lidar com a ansiedade. Afinal, já fazem mais de vinte e quatro horas que ele pode acordar a qualquer momento e ainda não acordou.

Seu rosto sério durante o sono não esconde as marcas do tempo. As marcas de uma vida inteira bem vivida, mas que ainda tem muitos anos pela frente. Que precisa ter. Abaixo a cabeça, apoiando-a na beirada da cama e fecho os olhos. Peço a toda e qualquer divindade que nos ajude, que faça com que ele acorde. Eu não posso, eu simplesmente não posso perdê-lo. Eu não estou pronto para isso e se meu pai nunca me forçou a coisas para as quais eu não estava pronto antes, ele simplesmente não pode começar agora.

— Por favor. Por favor. Por favor. — murmuro baixinho para mim mesmo, para o universo, para Deus, para o meu pai e não recebo qualquer resposta.

O tempo se arrasta lentamente e tudo continua exatamente igual. Em meio a tudo isso, é impossível impedir meus pensamentos de irem até Anthony. Os últimos dias foram terríveis, mas teriam sido muito piores se ele não estivesse por perto.

É uma porra, que, ainda assim, eu simplesmente não consiga decidir para onde levar meus próximos passos. Levanto a cabeça, decidido a me levantar e esticar as pernas um pouco. Encontro minha mãe adormecida do outro lado. Solto a mão do meu pai apenas para dar a volta na cama e ajustar dona Giovanna, deixando-a tão confortável quando é possível em uma poltrona e em momento algum sua mão solta a do meu pai.

Olho para as mãos unidas, admirando o gesto, a parceria, o companheirismo deles nos momentos mais difíceis, exatamente a mesma que ao longo de toda a minha vida os vi dividir nos momentos mais fáceis e felizes. Expiro profundamente e me viro na direção da porta, mas sou parado por um som seco que me faz virar, outra vez, na direção da cama. Puta que pariu!

Corro, agarrando, com certeza, com mais força do que deveria, a mão que eu tinha acabado de soltar. Meu pai abriu os olhos.

— Pai? — chamo baixinho e aperto o botão ao lado da cama. — Pai? — chamo outra vez, ansioso por uma resposta.

O médico entra e sorri ao se deparar com os olhos dele abertos.

— Bem vindo de volta, Joaquim!

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— Por que parece que um caminhão passou por cima de você? — Meu pai pergunta horas depois de ter acordado. Depois de todos os procedimentos e exames necessários, apesar de estar claramente exausto, ele finalmente pode conversar livremente, com moderação, é claro, mas pode.

— Provavelmente tem alguma coisa a ver com o susto que o senhor me deu. — respondo sinceramente e o sorriso em seu rosto traz lágrimas aos meus olhos. Porra! Eu achei que nunca mais veria esse sorriso.

— Eu estou bem, Marcos. Foi só um susto! — Me tranquiliza, entendo o motivo da minha emoção.

— Está! Graças a Deus! Agora você está! — Trago sua mão até meus lábios e deixo um beijo nas costas dela.

— Onde está seu esposo?

— Em casa, com Isabella. Ele vem mais tarde. Achou melhor deixar Isabella no ballet antes. — Ele balança a cabeça, concordando.

— E o que há de errado entre vocês? — Ergo as sobrancelhas, surpreso. Não é possível que tenha ficado tão óbvio assim. Quer dizer, eu só respondi a uma pergunta.

— Não há nada de errado, pai. É só... Foram dias difíceis. — Uma sobrancelha arqueada é a única resposta que recebo. — Você está cansado, pai. Tudo está bem. — Aperto levemente sua mão.

— Se convenceu?

— O quê?

— Quero saber se você convenceu a si mesmo, porque a mim não. E, sinceramente, Marcos! Tenha um pouco de dó desse velho cansado! Eu vou dormir nos próximos dez minutos, então você não tem muito tempo. — Um som de incredulidade deixa meus lábios e eu suspiro.

— Eu amo meu marido, pai. — Digo as palavras e exatamente como eu sabia que aconteceria, um sorriso imenso se desenha em seu rosto. — Mas coisas aconteceram e eu estou me perguntando se amor é o suficiente. — A testa dele se franze em confusão.

— Por que você está falando como se o amor pudesse ser gastado? Consumido?

— E não pode? — protesto e tanto seu olhar quanto o tom que usa em suas próximas palavras poderiam ser dirigidos a uma criança, de tão condescendentes.

— O amor é uma escolha, Marcos. Uma escolha diária. O amor não se esgota. O que se esgota é a sua vontade de amar alguém. A sua vontade de continuar escolhendo aquela pessoa todos os dias. Pense nisso. Você disse que ama Anthony. E como você chegou até aqui? Como foi que esse amor se construiu? — Franzo o cenho ao fazer o que ele pede e perceber que a cada passo do caminho, foi sempre uma escolha. Tudo o que eu fiz, tudo o que vi em Anthony e amei, só foi visto e amado porque eu fiz escolhas que me levaram até aqueles momentos. Mas e as escolhas dele? O amor pode ser uma escolha, mas construir uma relação de confiança também é.

— Mas se eu for o único que estiver escolhendo isso? E se eu for o único que estiver escolhendo amar, pai? — Passo a mão livre pelos cabelos e aperto minha nuca.

— E o que te faz pensar que alguém pode não estar escolhendo te amar? Decepções? Marcos... Às vezes, as pessoas são estúpidas e ao precisar escolher entre si mesmas e alguém que amam muito, elas escolhem a si mesmas, mesmo que naquela situação, seja a alternativa errada.

— Isso não faz sentido, pai...

— Sério? — seu tom e expressão são pura ironia. —Imagine se todas as vezes que você me decepcionou eu tivesse assumido que você não me amava!

— Isso foi pesado! — acuso.

— Isso foi necessário! — argumenta. — O amor é uma escolha diária e continua, mas não é a única escolha diária e continua. Às vezes as pessoas escolhem errado, outras vezes elas escolhem coisas que não tem qualquer relação com a gente. Parte de amar e ser amado é entender que o mundo não gira ao redor do nosso próprio umbigo. Parte de amar, Marcos, é saber que às vezes, a pessoa amada não vai nos escolher, mas isso não é um passe livre para fazermos o mesmo, porque o amor não é uma competição. O amor é uma escolha.

— E, às vezes, não importa o quanto a gente queira ser escolhido, isso simplesmente não acontece. E se isso acontece?

— Então, talvez, seja a hora de se escolher em primeiro lugar. Mas você realmente acha que é isso o que está acontecendo? — Agora, sua voz soa baixa e ao olhar para os seus olhos, percebo que eles estão pesados. Sorrio e, mais uma vez, beijo as costas de sua mão.

— Eu não sei, pai... Não sei...

— Você realmente não sabe, ou está com medo de se magoar?

— Eu só...

— Marcos — Me interrompe. — A vida é uma só e quase tudo nela é incontrolável, exceto pelas nossas escolhas. É normal ter medo, mas se nos deixarmos ser governados por ele, então nós estamos escolhendo não viver. — Com lentidão, sua mão se ergue, alcançando, meu rosto e ele deixa alguns tapinhas leves. — Você é mais esperto que isso! São suas últimas palavras antes de ser vencido pela exaustão.

############

Enquanto o elevador faz seu caminho até a cobertura, digo para mim mesmo que é normal que depois de praticamente uma semana fora, meu coração esteja batendo acelerado por voltar para casa. Hoje meu pai finalmente foi liberado dos aparatos médicos e não havia mais razão para que eu permanecesse em sua casa.

No entanto, as palavras ditas por ele praticamente assim que acordou vieram junto comigo e continuam martelando em minha cabeça. Exatamente como começaram a fazer assim que as ouvi. Escolhas, medo, altruísmo, amor.

Estranho a escuridão que me recebe. O hall de entrada, assim como a sala, está apagado. Olho o relógio em meu pulso conferindo o horário e só então me dou conta de que a essa hora Isabella está no ballet. Anthony provavelmente está com ela. Balanço a cabeça, dispensando o aperto sutil que toma conta do meu peito por não poder estar com eles depois de todos esses dias.

Uma lâmpada acesa em meio a escuridão do corredor chama a minha atenção para um aparador. Me aproximo e encontro um pequeno pedaço de papel dobrado. Franzo o cenho e um medo desconhecido brota no fundo do meu estômago ao me dar conta de que esse silêncio, essa escuridão e abandono podem não significar apenas uma ida até a academia. Mas Anthony não faria isso, faria?

Abro o bilhete com tanta pressa, que me atrapalho e o deixo cair no chão.

— Puta que pariu! — resmungo nervoso, preocupado com as palavras que vou encontrar. Há apenas três. “Vá para o escritório.”

Com o coração acelerado e boca subitamente seca, obedeço à instrução e caminho a passos largos até o inesperado. Encontro a porta levemente encostada e paro antes de empurrá-la. A imagem do meu contrato de casamento abandonado sobre o tampo da mesa junto com o anel de noivado de Anthony toma minha mente de assalto e eu fecho os olhos. Porra, porra, porra!

Com eles ainda fechados, empurro a porta, mas é só quando ouço sua respiração profunda que solto a minha. Abro os olhos e encontro meu marido sentado atrás da minha mesa.

Hoje, seu rosto é decidido, não há lágrimas ou medo nele. Há aquela segurança e determinação que me enlouqueceram desde o primeiro momento, mesmo que eu tenha, por muito tempo, me recusado a reconhecer. Diante dele, lá uma pequena lata de ferro preta e eu franzo o cenho sem saber exatamente o que tudo isso significa.

— Eu preciso de um marido. — diz e a sensação é de um dejavu ao contrário. Porque há meses atrás, eu lhe disse exatamente as mesmas palavras.

— Eu estou sendo demitido, é isso? — respondo antes mesmo que eu possa pensar sobre isso, usando também as mesmas palavras que ele usou para responder à minha declaração.

— Não, Marcos. Você está sendo promovido, se aceitar minha proposta, é claro. — Segue o script e muito curioso sobre onde isso vai dar, cumpro meu papel, outra vez, repetindo as palavras que um dia foram ditas por ela.

— Promovido? — questiono e meu coração que bateu acelerado com medo da simples ideia de que ele tivesse me deixado, continua se movendo em um ritmo alucinado, agora, em expectativa.

— Marcos... — diz meu nome e morde o próprio lábio. — Eu quero me casar com você, mais especificamente, daqui a quatro minutos e dois segundos.

— Eu devo me engasgar com a minha própria saliva também? — pergunto, fazendo referência ao fato de que foi isso o que aconteceu depois que eu lhe disse exatamente essas palavras e Anthony ri.

Ele se levanta da cadeira e de pé, pega um envelope preto que eu conheço muito bem. Franzo as sobrancelhas quando ele ergue o papel grosso diante dos olhos e com a mão livre, tira de cima da mesa um isqueiro que eu não tinha notado.

Inclino a cabeça levemente para o lado e estreito os olhos ainda não entendendo muito bem ou não acreditando no que ela parece prestes a fazer. Em uma das mãos, Anthony segura o que eu tenho quase certeza que é o nosso contrato de casamento, aquele que lhe daria segurança financeira para o resto da vida. Com a outra, aciona o isqueiro. Sem desviar os olhos dos meus nem por um segundo, incendeia os papéis e os derruba dentro da lata preta. Puta que pariu!

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*** ANTHONY RODRIGUES ***

Olhos azuis acompanham cada um dos meus movimentos e eu respiro fundo na tentativa de manter minhas emoções sob controle enquanto, dentro da pequena lixeira de metal, o fogo consome cada grama de papel que havia em minhas mãos, se alimentado dele e tornando-se cada vez maior. Não funciona.

As batidas do meu coração continuam completamente descontroladas, minhas mãos parecem cada vez mais trêmulas e tenho quase certeza de que meus olhos estão piscando alucinadamente sem que eu nem mesmo me dê conta disso.

Eu estava disposto a me afastar e dar a Marcos o tempo que Grazi sugeriu que ele precisava. Mas isso foi só até eu entender que Marcos é minha casa, meu lar. E quando sua casa está bagunçada, você não sai e espera que ela se organize sozinha, você arruma. Foi isso o que decidi fazer.

— Não. — Finalmente declaro. Dou a volta na mesa e me posiciono a frente dela. Deixando que o caminho até a porta defina a distância entre Marcos e eu. Puxo uma inspiração profunda e solto antes de continuar. — Marcos. Eu errei. Muito. Tanto, mas tanto, que eu não sei se um dia vou ser capaz de encontrar uma palavra que dimensione a quantidade de erros que cometi quando o assunto é você. — Mal começo a falar e meus olhos já estão ardendo, querendo derramar lágrimas. — Eu desconfiei, dissimulei, eu menti, fingi e te afastei, mas nada disso te impediu de se tornar algo que eu nunca imaginei que teria além da minha filha, o meu lar. — Pauso, desistindo da batalha inútil e deixo que lágrimas rolem pelas minhas bochechas, com certeza, já avermelhadas. — Eu não tenho muito o que te oferecer, Marcos. Eu sou quebrado, medroso, eu passo boa parte do tempo sentindo que sou um impostor da minha própria vida, mas o que eu tenho de mais precioso, eu quero dividir com você. — Dou um passo à frente, diminuindo um pouco a distância entre nós. — Eu nunca disse meus votos, então eu acho que agora pode ser um bom momento pra fazer isso. —

Transbordando nervosismo, puxo o ar pela boca e solto pelo nariz e movo os olhos para os lados, tentando espantar novas lágrimas.— Eu já te fiz algumas promessas, eu quebrei a maioria delas. Então, hoje, achei melhor começar já te dizendo tudo o que eu não posso te prometer. — Dou mais um passo para frente. — Eu não posso prometer que vou ser fácil, ou simples, ou tranquilo. Eu não posso te prometer todas as horas das minhas noites ou do meu dia. — Outro passo a frente. — Eu não posso te prometer nunca errar, nunca me sentir inseguro, ou nunca te fazer ter vontade de me deixar. — Mais um passo e agora há apenas dois entre nós. — Eu não posso te prometer nunca mais temer, nem posso te prometer só felicidade. Eu não posso te prometer uma vida sem preocupações, eu não posso te prometer que vou aprender a gostar de velejar. — Os olhos de Marcos estão vermelhos quando ele ri da minha última frase. Isso deve significar alguma coisa boa, certo? Precisa significar alguma coisa boa! — Mas eu posso te prometer ser seu lar. Eu posso te prometer apreciar cada um dos seus gestos e verdades, eu posso te prometer, nunca mais te afastar. Eu posso te prometer, Marcos, que a partir desse momento, eu não terei nenhum interesse casamento além de você e da sua felicidade. — Mais um passo e, agora, há apenas um nos separando. — Uma vez, você me disse que só andaria até metade do caminho. Hoje, eu prometo andar todas as partes que são minhas e também aquelas que eu te obriguei a retroceder com os meus medos e com as minhas inseguranças. Hoje eu prometo te escolher Marcos, não importa o quanto isso me apavore. Eu prometo escolher pertencer a você. Porque no fim, sempre será sobre escolhas. Quando o assunto somos nós dois, eu fiz muitas erradas, mas ho— Ele me beija. Engole minhas palavras e declarações em uma troca que tem gosto de lágrimas e felicidade.

Todo o meu corpo reage à proximidade, ao toque, à aceitação que a língua de Marcos em minha boca declara. Envolvo meus braços em seu pescoço e com a mesma intensidade que me empurro em sua direção, o puxo para mim. É o beijo mais gostoso de toda a minha vida e eu não quero que acabe nunca, nunca mesmo, mas chega o momento em que nós precisamos respirar.

— Você me ganhou quando disse que queria me promover... — diz, ofegante, com a testa colada à minha, o nariz encaixado no meu, e a boca insignificantemente distante.

— Então eu podia ter guardado todo o resto?

— Nunca mais! — pede, e apesar do momento leve, o apelo em sua voz é evidente.

— Nunca mais! — Prometo. — Eu te amo! — Aproveito para repetir as palavras, porque outra coisa que eu nunca mais farei é perder oportunidades de dizê-las. — Eu te amo! — Beijos seus lábios de olhos aberto. — Eu te amo! — Beijo a ponta de seu nariz. — Eu te amo! — Beijo suas bochechas. — Eu te amo!

— Papai! Já é minha vez? — A voz infantil soa do lado de fora me fazendo gargalhar e Marcos ergue as sobrancelhas em uma pergunta silenciosa.

— Já, meu amor! Pode entrar! — peço e uma Isabella vestida por um vestido branco e fofo, o mesmo que ela usou no nosso casamento, e o qual ela fez questão de vestir hoje também quando lhe expliquei o que ela teria que fazer, entra praticamente correndo e vem até nós. Em suas mãos, há uma pequena caixinha preta que ela me oferece antes de erguer os braços para Marcos, pedindo colo.

Sorrio e outra lágrima desliza pelo meu rosto, porque esse momento não seria mais perfeito nem se eu o tivesse planejado assim. Olhando para Marcos, que segura Isabella no colo, abro a caixinha diante dos seus olhos lhe mostrando o que há dentro. Três alianças. Duas adultas e uma infantil.

— O que eu tenho de mais precioso, eu quero dividir com você. — Repito as palavras baixinho, para que apenas ele escute, e lágrimas rolam por suas bochechas também. Ele aproxima o rosto do meu e responde também, bem baixo.

— Eu não poderia me sentir mais honrado. — Beija minha testa.

— Papai, Marcos! Por que vocês tão chorando? Eu não vou ganhar meu anel agora? — Isabella pergunta em um tom de voz bem alto e Marcos e eu rimos.

Casa. Eu finalmente estou em casa.

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