EPÍLOGO
*** MARCOS VALENTE***
#8 MESES DEPOIS#
— Grande dia! — Ofereço uma cerveja à Danillo que está sentado à bancada da cozinha, diante de mim. Ele sorri, aceita a cerveja e a ergue para mim em um brinde silencioso.
Depois de um longo período de adaptação, decidimos que é hora de contar à Isabella a verdade. Danillo, como qualquer um que se aproxime dela, está completamente apaixonado e não irá a lugar algum pelos próximos cinquenta anos.
Apesar de morar no Rio, quinzenalmente ele vem à São Paulo visitar à filha e quase todos os dias conversa com ela por telefone ou chamada de vídeo. Na prática, ele já é seu pai. Falta apenas darmos nomes aos bois.
Honestamente, no começo, me preocupei com como as coisas se arranjariam entre nós quatro. Mas desde os nossos primeiros contatos, o pai de Isabella deixou muito claro que nós dois só não construiríamos uma relação de amizade se eu não quisesse, e pela felicidade de Isabella, não há nada que eu não faria.
— Você acha que ela vai lidar bem com isso? — pergunta e me arranca um sorriso.
— Pra Isabella tudo é festa, Danillo, e ela adora você. Pode se preparar pra passar os próximos meses ouvindo pai a cada dois segundos! — Rio da imagem que se formou em meus pensamentos de Isabella conseguindo encaixar a palavra “pai” a cada outras duas que disser. — E seus pais? Já aceitaram melhor a situação?
Um som de desgosto deixa seus lábios e ele balança a cabeça, negando.
— Sabe qual é o pior, Marcos? Eu simplesmente não consigo me sentir mal porque minha filha não convive com eles. Porra! É impossível! Eu sinceramente não sei como é que eu e Anthony demos certo com os pais que temos, porque puta que pariu!
Gargalho, embora ele não pudesse soar mais verdadeiro nem se tentasse. Os pais de Danillo se mostraram tão filhos da puta quando Anthony imaginou que seriam anos atrás. Sua primeira reação ao saber da existência da neta não foi querer conhecê-la, mas tirar sua guarda do falso pai “degenerado” que havia sido deserdado pelos ilustríssimos Machado Rodrigues. Ridículo. Ridículo para caralho.
— Danillo! — O grito de Isabella nos alcança antes de suas pernas curtas e quando ela finalmente chega à cozinha, o homem já está agachado, pronto para abraçá-la e tirá-la do chão.
Ele a ergue nos braços, girando com ela sem sair do lugar, sua gargalhada preenche a casa inteira. Anthony se aproxima de mim com um sorriso tão grande quanto o meu no rosto e eu deixo um beijo em sua bochecha.
— O que nós vamos fazer hoje, Danillo? — pergunta,
interesseira, sabendo que a cada visita de Danillo ela é mimada de um jeito diferente.
— Nós vamos à praia! Mas, primeiro, a gente vai conversar. Seu pai, o Marcos e eu temos uma notícia pra você!
— Uma notícia? — ajeita o corpinho pequeno na banqueta e arregala os olhos. Anthony abre a boca para começar a falar, mas Isabella o interrompe antes mesmo de começar quando um som de surpresa deixa sua boca.
— Eu vou ganhar um irmãozinho, mamãe?
— Quê? — Anthony engasga com a própria saliva logo depois de dizer a palavra e eu viro de lado para rir enquanto dou leves batidinhas em suas costas. Quando volto a olhar para ele, seus olhos estão estreitados e acusadores, mas não é minha culpa, ué.
Ergo as mãos em sinal de rendição, meu esposo bufa e volta a olhar para a filha.
— Não, Bella... Você não vai ganhar um irmão. — pausa. Respira fundo, olha para mim, para Danillo e, depois, continua. — Mas vai ganhar um pai. — solta as palavras e três pares de olhos atentos acompanham as sobrancelhas infantis se franzirem quando uma careta confusa toma conta do rosto de Isabella.
— Um pai? — repete com a cabeça abaixada. — Mas então eu vou ter três pais? — Levanta os olhos procurando a resposta para a pergunta que fez no rosto dos adultos, mas tudo o que encontra são expressões muito mais confusas do que a ela mesma tem.
Anthony pisca, depois, olha para mim. Balanço a cabeça sutilmente, dizendo que não faço a menor ideia do que Isabella pode estar falando. Maldito youtube. Esfrego a mão na nuca.
— Como assim, Três pais, Bella? — Thony faz a pergunta de um milhão de dólares e eu levo a garrafa de cerveja à boca.
— Ué, papai. Eu já tenho o Marcos, ele não gosta que eu fale, mas todo mundo sabe que ele é meu outro papai! — Cuspo a cerveja sem nenhuma elegância e engasgo tão violentamente que eu não consigo respirar. Por sorte, consegui virar o rosto e a única vítima do jato de bebida que deixou minha boca foi a bancada da cozinha.
Anthony vem em meu socorro, batendo em minhas costas, mas isso não faz nada para aliviar nenhum dos meus dois desesperos, nem o da falta de ar, nem o do ataque cardíaco que estou tendo nesse momento. Eu juro que estou!
— Marcos! — Meu marido chama, mas tudo o que eu faço é tossir, desesperadamente, e tentar, sem sucesso algum, respirar. Minutos que mais parecem uma eternidade se passam até que o ar volte aos meus pulmões e é com olhos vermelhos que eu olho para uma Isabella com uma expressão cansada no rosto.
— Viu? Quando eu falo que ele é meu papai acontece isso! Foi igual da primeira vez! — Explica e eu pisco confuso, sem entender do que ela pode estar falando. E, então, a memória surge, clara como água. Quando Anthony apresentou Isabella para mim ela e perguntou se eu seria seu papai e eu engasguei, apavorado com a ideia.
Como as coisas mudaram... Dessa vez, minha reação foi motivada apenas pela surpresa, porque não nada apavorante na ideia de Isabella me chamar de pai. Olho para a criança que tem mania de me desestabilizar e não consigo dizer nada. Sua certeza é tão surpreendente quanto emocionante.
Porra! Eu nunca tive a intenção de substituir o pai de Isabella. Mesmo quando eu não sabia da existência de Danillo e percebi que não havia nada que eu não faria para protegê-la, para cuidar dela, eu nunca tive a ambição de um dia ser chamado de pai. Puta que pariu! Enquanto continuo atônito, é Danillo quem procura por explicações.
— E por que é que todo mundo sabe que o Marcos é seu papai, Bella?
— Porque ele, ué! — afirma, categórica e leva as mãos à cintura. — Ele faz todas as coisas que os papais fazem! Ele me leva pra escola, pro ballet, ele vai me ver dançar, me coloca pra dormir, me dá comida, vê filme comigo, brinca comigo, e às vezes, quando eu faço besteira, ele também briga comigo. Ah! — Levanta um dedo, sinalizando que se lembrou de mais alguma coisa. — E eu amo o Marcos e ele me ama! Então é isso!
Abro a boca precisando dizer alguma coisa, mas preciso virar as costas quando sinto as lágrimas escorrerem pelo meu rosto. Ah, caralho! Puta que pariu! Esfrego as mãos pelas bochechas e pelos olhos, secando-os e volto a me virar.
— Por que você tá chorando, Marcos? — Olho para Anthony que também tem os olhos marejados e depois para Danillo, ah, porra! Esse era pra ser o momento dele e, agora, eu estou aqui que nem a porra de uma vela, todo choroso.
Ele sorri para mim e acena com a cabeça, como se soubesse exatamente o que estou pensando e quisesse me tranquilizar.
— A resposta pra sua pergunta é sim, Bella! Você vai ter três pais! — É ele quem diz e, outra vez, preciso levar as mãos ao rosto para enxugar novas lágrimas.
— Papai, porque você e o Marcos estão chorando? — Apela para o pai quando eu não lhe respondo. Dou a volta na ilha da cozinha para alcançá-la e a abraço. Abraço apertado e fico grato porque mesmo sem entender o motivo, ela retribui.
— Eu estou chorando, Bella, porque não sabia que você achava que eu não gostaria de ser chamado de papai. Eu vou gostar sim. Eu vou amar ser seu pai também!
— Jura? — Arregala os olhos e abre a boca, olhando para mim. — Eu vou poder chamar você de pai na frente de todo mundo?
— Do mundo inteiro! — Joga-se em meus braços e eu a pego apertando os dentes, tentando conter a vontade fodida de chorar de novo. Mas que porra, garota!
Antes que eu esteja pronto para soltá-la, Isabella demonstra vontade de voltar a sentar e eu a deixo na banqueta. Então, surpreendendo-nos mais uma vez, ela vira-se pra Danillo e pergunta.
— E você? Eu também vou poder chamar você de pai na frente de todo mundo? — Agora, são os olhos dele que estão vermelhos.
E lá vamos nós outra vez.
A felicidade é uma escolha e eu não poderia ter feito uma melhor.