Juh e eu nos dividimos muito bem na cozinha, final de semana a gente geralmente sai para fazer algo diferente no jantar, e era o que eu achava que iríamos fazer mas no meio do caminho, ela e Mih começaram a falar sobre cozinhar juntas.
- Gente, mas tá tudo congelado em casa - me intrometi
- Vamos, maaaae, por favor, por favor, por favor... - disse minha filha
- Amor, a gente descongela rapidinho... - falou Juh
- Tá bom então, só estou lembrando que vai demorar - aceitei a opção delas
Chegamos em casa, fui tomar banho, elas foram para cozinha, quando terminei fui me juntar aos meus amores.
- Qual o cardápio, chef? - Perguntei para Mih
- Strogonoff com arroz - me respondeu animada
Abracei Juh por trás e dei um beijinho, perguntei se ela precisava de ajuda com algo e ela disse que não, que Mih dava conta e eu sentei, ainda na cozinha, para checar uns e-mails, enquanto eu respondia um, ouvi um grito agudo de dor da minha namorada, quando olhei em sua direção, esguichava sangue.
Na tentativa de enfiar a faca na placa do frango congelado, o talher derrapou e foi com tudo no seu dedo.
Milena começou a chorar, Juh se desesperou e eu fui lá ver o que conseguia fazer.
- Calma, amor, deixa eu ver - peguei sua mão, e era muito sangue, não dava para ver o corte
- Filhinha, você consegue ajudar a mamãe? - tentei ocupa-la para que se acalmasse - Vai lá no quarto e procura o kit de primeiros socorros - e ela foi correndo
Coloquei a mão debaixo da torneira e não parava, ela encostou a boca em mim pra não gritar porque ardeu.
Mih voltou e eu peguei um bolo de gaze para tentar estancar, saiam ensopada e nada de parar o sangramento.
- Amor, vai precisar de sutura - falei pra ela
- Vamos tentar resolver aqui, não quero, não - falou olhando para mim
Tentei por mais um tempo e consegui ver o foco, não era tão pequeno, tinha gordura aparente também.
- Olha, a gente vai ter que ir mesmo... - falei já procurando a chave do carro
Fiz o pior curativo do mundo, e fomos nós três. Mih estava mais calma e segurava com todo cuidado do mundo o curativo, eu falava pra pressionar mas ela tinha medo de machucar mais, então não rolou.
Chegando lá, Juh toda apreensiva, ela morre de medo de agulha, nunca tinha levado 1 pontinho na vida e ia levar 6.
- Amor, não dói, vai ter anestesia - falei dando um beijinho nela
- Eu sei, só não gosto... - falou meio nervosa
- A mamãe tá com medo, dá um beijo nela - falei pra Mih, que sentou na maca ao seu lado
Estávamos no hospital que eu trabalhava no momento, e quando a enfermeira me encontrou e olhou para as duas falou: - Aaaah, Júlia e Milena???
Eu ri e confirmei, apresentei ela, que era uma ótima colega, para as duas
- Vocês são famosas na boca da Drª - falou sorrindo e fez Juh sorrir um pouco também
Contamos pra ela como foi e já iria começar a sutura, chamei Mih para ela não ver e ela disse: - Mas mãe, eu quero ver mesmo!
Juh pálida, coitada, a enfermeira perguntou se não queria deitar, ela negou e só encostou a cabeça na minha barriga, na hora da anestesia ela tirou a mão...
- Oxe, a anestesia é DENTRO do corte? - perguntou assustada
- Ué, amor, sim... - respondi rindo e segurando firme a mão dela
- Tá, eu acho que quero deitar, sim - falou de um jeito tão dramático que eu ri com minha colega.
Deu tudo certo, um ótimo curativo feito e fomos para casa, no caminho compramos comida e jantamos, fiz aviãozinho na boquinha dela e tudo.
Depois que limpei a casa que parecia uma cena de crime, com o clima mais descontraído, já estávamos rindo da situação, eu falei: - Eu avisei que era melhor a gente sair pra jantar! 😌
No outro dia, Juh estava de atestado e Mih não queria ir pra escola de jeito nenhum para ficar com ela, se fosse um dia comum eu deixaria, mas estava tendo conteúdo para as avaliações, não tinha como ela faltar.
- A mamãe vai ficar sozinha???? Quem vai cuidar do dodói dela??? - me perguntou enquanto eu a vestia, ela já fazia isso sozinha mas eu precisava de agilidade, coisa que não estava recebendo
- Filha, a mamãe tá bem, você vai pra escola, eu vou para o trabalho e quando a gente voltar a gente avalia o machucado, tá bom?
- E se começar a sangrar de novo e ela estiver sozinha aqui??? - me perguntou
- Não vai voltar a sangrar porque a enfermeira fechou tudinho, você mesma viu e se ela sentir qualquer coisa, vai me ligar - falei trazendo-a para sala
- Então eu quero dar um beijinho - e empacou no meio da sala
- Mih, a mamãe tá dormindo, por favor vamos logo - falei
- Se eu não der um beijo eu sei que ela vai acordar muito, muito triste - e me olhou chateada
Eu já estava atrasada, ficando sem paciência com tantas perguntas, mesmo sabendo das boas intenções. Parei, respirei fundo e disse:
- Tá bom, amor, vamos rápido então...
E ela correu em direção ao quarto, quando cheguei lá, já estavam grudadas em um abraço e até eu me esqueci que estava atrasada vendo aquela cena.
- Mamãe, se a senhora sentir qualquer coisa ou sair muito sangue de novo liga pra gente, tá?
- Tá bom, linda, eu ligo - e deu mais beijinhos nela
Fui lá dar um beijo de bom dia também
- Bom dia, gatinha, tá doendo muito?
- Não, amor, só um pouquinho - e grudou nossos rostos
- Estamos atrasadas - mostrei o horário
- Verdade, vão logo, ou Mih não vai conseguir entrar - falou
- Deixa eu dar um beijinho no seu dedo - falou enquanto eu já a pegava pela cintura, mas conseguiu concluir sua missão
- Deixe de ser enrolona, Milena, boraaaaa - e saí correndo com ela nos ombros, e pude ouvir as duas rindo
Chegamos na escola no limite do limite, depois de eu jurar que se Juh ligasse, primeiro eu iria buscar ela e depois iríamos para casa.
Fui voando para o hospital, e quando cheguei já tinham 11 fichas na minha mesa. Odeio quando isso acontece, faço de tudo para não ser ou parecer descompromissada. Mas foi um dia atípico, fugiu do meu controle. Tentei ser o mais simpática possível para compensar, mas nem todo mundo gostou, e é compreensível.
No meu horário de almoço, Juh me ligou e eu atendi assim:
- Oi, amor, não me diga que Mih acertou e o mar vermelho se abriu no seu dedo?
Ela riu de um jeito gostosinho e eu daria tudo para ver aquele sorriso
- Não, amor, liguei porque estou com taaaanta saudade...
- Aaaaah, eu te amo sabia?! Daqui a pouco eu chego aí pra te encher de beijo
- Eu também te amo muito... - respondeu - Atrapalhou muito o atraso?
- Um pouquinho, mas já foi... Agora a tarde é mais tranquilo, só preciso fazer algumas avaliações e casa
- Não demora muito...
- Tenho medo de demorar e você fazer hot dog com o restante dos dedos - falei brincando
- AMOOOOR! - fingiu estar brava mas ria também
- Já almoçou? - Perguntei logo em seguida
- Já, e todos meus dedos estão intactos - pontuou
- Todos, todos... não né... - brinquei, foi mais forte que eu
- Aaaah, não dá com você, tchauzinho - tentou parecer brava e novamente falhou, porque eu sabia que ela estava achando graça
- Tchau, meu amor, beijo... na boca e no dedinho, tá?
- Tá, beijinho também, bom trabalho!
Quando desliguei fiquei, como ela mesmo diz, toda boiolinha, com a sensação de "AF, EU AMO TANTO ESSA MULHER QUE EU VOU EXPLODIR DE AMOR" mas eu não queria atrasar novamente e voltei para os poucos atendimentos que tinha a tarde.
Olhei o calendário para marcar a próxima consulta de um paciente e me dei conta que o dia dos namorados estava se aproximando, eu não era tão fã da data, mas seria legal pensar algo especial para celebrar com Juh, sendo que era o primeiro de muitos que passaríamos juntas e o primeira vez que ela passaria a data namorando. Eu queria que fosse inesquecível, para nós duas!
Já no carro com minha filha, ela estava quieta achei estranho, mas pensei que poderia ser ainda por não ter a deixado ficar em casa até que quebrando o silêncio, disse:
- Mãe... Tenho que mostrar uma coisa - falou insegura
- O que, amor? - Perguntei olhando para ela
E Mih me entregou a agenda, que tinha uma anotação sobre ela não ter colaborado com a aula, pedindo que eu conversasse sobre o assunto.
Parei o carro na garagem e a chamei para conversar ali mesmo.
- Filha, me conta o que aconteceu hoje... - Pedi
- Eu não respondi as atividades - me disse
- Mas por quê? Você é ótima aluna, não tem esse comportamento - continuei querendo saber
- É que eu queria ficar em casa... - falou devagar
- Olha, você sabe que a gente não faz o que quer, e sim o que tem que ser feito. Essa sua atitude de hoje foi muito errada, e eu não quero que se repita. Não te ajuda em nada, complica a vida da pró, e deixa eu, a mamãe e o papai preocupados com seu desempenho.
- Desculpa, mãe... Eu não vou fazer isso de novo... - falou bem triste - A senhora vai contar?
- Não, você vai contar, que nem me contou - falei - e amanhã vai pedir desculpas a pró, porque com certeza ela se esforçou demais para preparar uma boa aula, e você não aproveitou, dando mais trabalho para ela
- Tá bom - e começou a chorar silenciosamente
Chamei-a para meu colo e esperei até que ela acalmasse, começou a apertar o abraço e eu enchi aquele pescocinho de beijo, e falei que a amava muito, ela ressaltou que estava muito arrependida e também me amava.
Quando achei que estava tudo sob controle, entramos em casa, deixei ela na minha cama e dei um beijinho em Juh, quando puxei o celular pra falar com o pai dela, Mih começou a dizer: - Mamãe, não briga comigo - e abriu o berreiro se jogando no colo e entregando a agenda
Júlia sem entender nada, tentando acalma-la
- Nossa, é... O que aconteceu? - perguntou lendo a agenda - calma, calma, eu não vou brigar...
E a bichinha choraaaava, até que pegou no sono
Eu expliquei o que foi e conversei com o pai de Milena, explicando passo a passo de como ele deveria reagir, porque conhecendo a peça, facilmente traumatizaria a criança, ele perguntou: - Não é melhor aplicar um castigo?
Eu falei que não achava necessário, porque tivemos uma boa conversa e não era rotina acontecer isso, se repetisse, aí sim poderíamos pensar em tirar alguma diversão dela e no final, ele concordou.
Voltando para o quarto Juh me perguntou: - Amor, você não pegou pesado?
- Não, amor, eu tive uma conversa sincera somente, consegui esclarecer o erro e depois a acalmei...
- Certo, então... Vou trocar umas palavrinhas com ela também...
- E não deixa ela dormir muito, tem banho e as atividades que ela não fez
- Deixa que eu ajudo na atividade
Depois ouvi elas conversando, Juh aconselhando ela a pedir desculpa a professora no outro dia, Mih concordando, ligou para o pai, contou tudo, ele falou que se acontecesse novamente ficaria de castigo, ela jurou que nunca mais ia fazer esse tipo de coisas...
Antes de dormir, eu deitei na cama dela e fiz questão de dar muito carinho, expressar o meu amor, para que ela entendesse que nada tinha mudado na nossa relação, era só um erro sendo consertado.
Quando voltei, Juh esticou os braços para me acolher e eu me encaixei a abraçando também.
- Essa parte é difícil não é, amor? - perguntou
- Muito... - concordei
- Será que eu estou pronta? Digo isso porque você pareceu tão segura, sabendo o que fazer e o que falar...
- Gatinha, tem coisas que a gente não se prepara, isso nunca tinha ocorrido, eu não esperava, então eu agi de acordo ao que estava acontecendo... Se você está pronta? Não, ninguém está, eu não estou... não pra tudo... Estar pronta é um processo crescente, evolutivo e mutável... A gente sempre vai achar que falta algo, tem coisas que só aprendemos e nos preparamos vivendo, no meio do caos... Agora o que eu não tenho dúvida - dei um beijinho - é que você é uma ótima mamãe - e ela me deu outro beijo, com o sorrisinho mais lindo do mundo.
- Você está filósofa hoje né - brincou
- É, acho que trabalhei demais... - respondi
- Eu estava pensando e talvez fosse melhor a gente adotar um nenê, o que você acha? Eu ainda quero muito poder gastar, mas acho que pode ser mais para frente, quero regular minha saúde, meus hormônios para não ter nenhum problema, sabe?
- Eu acho ótimo, amorzinho... Então você quer montar um time de futebol comigo, é? - falei mordendo a pontinha da orelha
- Quero continuar construindo a nossa família linda - e me abraçou
E nós dormimos depois de passar horas conversando sobre planos futuros; como a gente achava que nossos filhos seriam, mudar de casa para uma maior, começar logo o projeto da clínica e... casar!
No outro dia, eu não trabalhava, entramos juntas na escola, a mãozinha de Mih gelada presa a minha. A primeira coisa que ela fez foi abraçar a professora e pedir perdão, conversei um pouco também, foi me pedido que eu ficasse despreocupada porque Milena era uma ótima aluna e eu fiquei mais tranquila com o assunto sendo encerrado e vendo meu pinguinho de gente cheia de animação outra vez.
Fui com Juh conhecer a sua nova sala e quando entramos a agarrei, virando para mim.
- Coordenadora, eu nunca te peguei nessa sala - falei sorrindo e sem esperar resposta a beijei
- Amor... Chega... Se alguém entrar...
E eu me despedi com um selinho e disse: - Bom trabalho, gatinha...
Ela me puxou deu um último selinho e tirou o excesso do gloss que saiu da boca dela para a minha.