O Vizinho - Capítulo XVI

Da série O Vizinho
Um conto erótico de M.J. Mander
Categoria: Gay
Contém 8751 palavras
Data: 30/07/2024 01:00:47
Última revisão: 02/08/2024 00:15:42
Assuntos: Gay, Homossexual

CAPÍTULO XVI

*** ERIC VIANA ***

Bem fodido, mal fodido, bem fodido, mal fodido, bem fodido, mal fodido... Faço minha própria versão de bem me quer, mal me quer, conforme despejo a água morna na xícara para um chá. Brincadeira essa, diga-se de passagem, que é mera formalidade. Não é preciso ser nenhum grande gênio para saber que eu estou sendo muito, muito, mas muito mesmo, bem fodido. Deus, bem fodido demais.

Um arrepio escala minha espinha quando lembranças da tarde na nascente assaltam minha memória. Perfeita, nenhuma outra palavra descreveria, além de perfeita. Só teria sido mais perfeita se tivéssemos levado o lubrificante.

Uma gota morna pinga em minha perna, arrancando-me de meus pensamentos e mostrando o tamanho da merda que eu estou fazendo. Mexi tanto o chá que, agora, a maior parte dele já não está mais na xícara, e sim no pires. Puta merda.

Levanto-me da banqueta, dou a volta na bancada e, na pia, pego papel toalha o suficiente para limpar a bagunça que fiz. Depois, deixo a xícara suja dentro da cuba, e a substituo por uma limpa, determinado a tomar meu chá. Acho que estou sendo contaminado pelo vício de Gustavo em bebidas quentes.

E, como parece ser algo dele, atraído pelos meus pensamentos, meu vizinho cretino manda uma mensagem.

“Te pego em duas horas, quero te levar num lugar. Esteja pronto, ok?” Rio da audácia do infeliz. Ele pensa o quê?

“Você acha o que, Gustavo? Que eu não tenho mais o que fazer além de ficar à sua disposição?”

“Amor, quero te fazer uma surpresa. Consegue estar pronto daqui a duas horas?”

“Bem melhor assim...”

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– Todo esse suspense pra me trazer pra almoçar?

– Não... Mas eu achei que você gostaria de ser alimentado antes do que eu tenho em mente...

– Ah, que fofo! Já sabe que pra me manter feliz é só me manter alimentado. – Deixo um selinho nos seus lábios e Gustavo ri. Solto o cinto de segurança, abro a porta e desço do carro.

– É incrivelmente bizarro o quanto isso é verdade... E eu acho que você realmente vai gostar desse restaurante. - Acaricia meu rosto com a ponta dos dedos e eu dou de ombros. Gustavo segura minha e, juntos, caminhos para o restaurante.

– Já veio aqui?

– Não, Rodrigo trouxe a Cami, e, pelo que me disse, é o seu tipo de lugar... -Comenta, fazendo eu me perguntar o que exatamente isso quer dizer.

Não levo muito tempo para descobrir. E, tampouco, para concordar. Definitivamente, é o meu tipo de lugar. O restaurante serve um menu degustação com nada menos do que doze pratos incríveis e diferentes, e essa não é a melhor parte. A melhor parte, definitivamente, é o menu degustação de sobremesas, que inclui um exclusivo de cheesecakes, são seis tipos da melhor torta do mundo. Quando deixamos o lugar, tenho certeza de ter encontrado o amor da minha vida, e ele se chama Maison Brunéèt.

– Pra onde vamos agora? -pergunto com a barriga estufada de tanto comer, e, provavelmente, atraído pelas minhas mãos sobre ela, é para lá que Gustavo olha, rindo.

– Gostou do restaurante? -questiona ironicamente, mas eu realmente não me importo.

– Siiiim! -arrasto a vogal para dar toda a ênfase que a respostamerece: ͞ Tenho um novo amor!

Ergue uma sobrancelha, desconfiado.

– Eu sabia que podia comprar sua atenção com comida, mas seu amor também?

– Do que você tá falando, Gustavo? Porque eu tô falando do restaurante! Ele é o meu novo amor!

Gustavo gargalha e nega com a cabeça, como se não pudesse acreditar no que acabei de dizer. Ele dirige pelas ruas da cidade de maneira tranquila. Mpb toca pelos autofalantes e, vez ou outra, desvio meus olhos da paisagem para espiar seu porte indiscutivelmente gostoso. Os braços fortes, vestidos por uma camisa dobrada até os cotovelos deixam veias saltadas à mostra e as pernas musculosas, delineadas pelo jeans escuro, fazem uma imagem e tanto do motorista.

É um momento confortável de companhia silenciosa e eu não posso evitar o pensamento do quanto isso parece natural. Do quanto tudo com Gustavo parece extremamente natural. E essa constatação força uma outra pela minha garganta. Eu não quero que isso acabe, não ainda... Mas o calendário não se importa e os dias avançam como sempre. Suspiro, encosto a testa na janela e fecho os olhos.

– No que você está pensando?

– Em você... -Respondo ainda na mesma posição.

– No quanto eu sou um namorado incrível? -Isso me faz abrir osolhos e encontro um sorriso cafajeste me esperando.

– Incrível pode ser exagero da sua parte...

– Quê? Eu cozinho pra você, te dou carinho, alimento todas assuas fomes, faço suas vontades, minha família te adora, eu sou um namorado incrível... -Mordo o lábio.

– E por que você nunca foi um namorado incrível pra ninguém antes, Gustavo? -diferente do que imaginei, sua resposta não demora.

– Eu nunca encontrei alguém me fizesse querer ser incrível... -Responde com uma naturalidade assustadora, como se suas palavras não tivessem peso ou valor algum: ͞ E você? Por que estava solteiro, Eric?

– Relacionamentos são difíceis... Eu só tava me poupando... -Assim como ele, não preciso pensar na resposta.

– O nosso é fácil...

– Isso é porque-

– Se você for dizer que é porque é uma grande brincadeira, é melhor não dizer nada... -Me interrompe e, de repente, seu semblante ficou sério.

Reviro os olhos e meu coração decide imitar o movimento, revirando-se também em meu peito.

– Eu não ia dizer isso, mas por que te incomoda tanto?

– Porque não é verdade, eu não sou de mentira, Eric, não tenho paciência pra ser, e, cada segundo que eu estive com você, fui verdadeiro... Cada segundo em que estivemos juntos, foi de verdade!

Sua resposta fecha minha garganta e me rouba a capacidade de respirar. Pisco algumas vezes e mordo o lábio, tentando me recuperar das porradas que Gustavo decidiu me dar uma atrás da outra no último minuto. Quer dizer, o que eu deveria responder a isso?

Você não pode dizer coisas assim, Gustavo... Você... Simplesmente... Não pode... Me lamento.

– E por que não, Eric? - Ah, porra! Eu disse em voz alta, não disse? Abro a boca e fecho, olho para seu rosto, focado no trânsito, e desvio o olhar quase imediatamente, sinto-me um covarde, coisa que não sou, mas eu simplesmente não estou pronto para essa conversa.

Ele toma meu silêncio como resposta, porque fala outra vez.

– Eu acho que a gente precisa conversar, amor... -O começo do fim... É isso que essa frase sempre precede, não é?

– Sou todo ouvidos...

– Não, lindo... A gente não vai ter essa conversa no trânsito, enquanto eu não posso olhar pra você...

– Gustavo... Eu... -Pega minha mão, e, aproveitando a parada no semáforo, olha para mim.

– É só uma conversa... Só uma conversa... -Beija minha mão semque seus olhos deixem os meus. O sinal abre e volta a olhar para frente, mas sua mão continua na minha.

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– Quem mora aqui? -pergunto assim que o carro estaciona nafrente de uma mansão digna de um dos vídeos que eu vivo assistindo no youtube. Eu estranhei quando entramos em um condomínio luxuosíssimo, mas realmente não imaginei que ele iria parar o carro. Achei que fosse caminho para algo outro lugar, não sei.

– Por enquanto? Ninguém... Mas, essa tarde, nós vamos fingir que queremos morar. -Franzo o cenho sem entender absolutamente nada.

– O quê? -Gustavo sorri imenso. Um sorriso como o do gato deAlice no país das Maravilhas, deixando-me ainda mais confuso.

– Eu pensei que se você gosta tanto de assistir vídeos de mansões que estão à venda, gostaria mais ainda de ver algumas ao vivo...

Minha boca se abre em choque, meus olhos se arregalam e eu me esqueço de que preciso respirar.

– Você... Você... Quê? -Ele gargalha.

– Hoje nós somos um casal de pombinhos apaixonados procurando pelo nosso ninho de amor, tudo bem? Eu marquei várias visitas nesse condomínio... -Pisca para mim, sorridente, solta o cinto de segurança e desce do carro. Estou tão atordoado que nem mesmo sou capaz de fazer o mesmo. Continuo sentado, conseguindo, apenas, mudar a direção do meu olhar, que abandona o banco vazio, e passa fitar a imensa casa de arquitetura impecável a minha frente.

A porta ao meu lado é aberta, assustando-me, ainda que eu soubesse que isso aconteceria.

– Amor? — chama. Olho para ele, mordo o lábio, abro a boca, nada sai dela. Tomo uma respiração profunda.

– Gustavo...

– Vai ser divertido! - Declara e solta meu cinto de segurança. Desço ainda incrédulo de que realmente faremos isso. Se eu estou animado com a perspectiva de realmente entrar nessas casas? Imensamente! Mas não significa que isso soe menos absurdo.

Gustavo tranca a porta e pega em minha mão, quando estamos a apenas alguns passos do caminho que conduz até a porta de entrada, ele me para e, olhando para mim, repete as instruções:

– Somos um casal de pombinhos apaixonados procurando nossoninho de amor, ok?

– Você é louco! - O sorriso, aquele sorriso responsável por transformar qualquer cueca em um pedaço miserável de pano derretido, toma seu rosto.

– Eu nunca disse que não era. - Deixa um beijo suave em meuslábios antes de me conduzir através do gramado da imensa propriedade.

Instantes depois de tocarmos a campainha, a porta é aberta por um homem elegantemente que se apresenta como Gabriel, o corretor. Ele nos recebe com uma simpatia assustadora e é dedicado em exibir e elogiar cada metro quadrado da casa de cinco suítes, garagem para oito carros, salão de festas e sala de cinema próprios e, é claro, uma vista de tirar o fôlego.

Gustavo faz perguntas como se realmente tivesse interesse no imóvel e explora cada canto por onde passamos com olhos e mãos, tocando, testando, e até mesmo fotografando alguns detalhes sob a justificativa de querer se lembrar quando for comparar com as nossas outras opções. Deixamos a casa dando a Gabriel a garantia de que entraremos em contato com nossa decisão, e, assim que entramos no carro, não consigo mais me conter e gargalho.

Rio descontroladamente pelo absurdo sem tamanho dessa situação. Eu amei a experiência e, agora que já passamos pela primeira, estou ansiosíssimo pelas próximas, mas isso não diminui em nada o quão inacreditável é tudo isso. Minha barriga dói e meus olhos lacrimejam, e, mesmo assim, sou incapaz de me parar. Durante os poucos instantes em que mantenho meus olhos abertos, vejo a expressão satisfeita e divertida no rosto de Gustavo.

Conforme a crise de risos vai passando e eu consigo respirar normalmente outra vez, recosto-me no banco e tomo várias inspirações profundas seguidas por expirações que têm a mesma intensidade. Me sentindo pronto, viro o rosto, encontrando o olhar analítico do meu namorado. A palavra soa certa demais em minha mente, muito mais do que deveria.

– Por que você faria algo assim?

Ele inclina a cabeça, pensa por dois segundos, e marreta meu peito com a resposta.

– Pra te ver feliz...

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*** GUSTAVO FORTUNA***

Eric me encara como se eu tivesse acabado de falar o maior dos absurdos, mas enquanto via o brilho nos seus olhos tendo uma experiência que, até hoje de manhã, ele pensava ser impossível, enquanto via sua felicidade escorrer pelos seus olhos, e pela sua garganta na forma de gargalhadas e lágrimas de alegria, qualquer dúvida que eu pudesse ter sobre as razões para que eu tenha pegado o telefone essa manhã e pedido para minha secretária agendar visitas à casas que estivessem a venda em meu próprio condomínio, evaporou.

Eu procurava forma de preparar o terreno antes de fazer um pedido que, com toda certeza do mundo, vai deixá-lo irritado? Sim, eu procurava. Mas não foi o fato de precisar convencê-lo de ir à festa que me deu a ideia, não foi isso que me motivou a colocá-la em execução e, definitivamente, não é isso que está deixando meu coração acelerado nesse instante. Eu posso ter sido lento em entender, porque nunca senti nada parecido antes, mas eu não sou burro, e essa é a peça final do quebra-cabeças que vem se montando sozinho em minha cabeça há dias.

Eu queria vê-lo feliz, puro e simplesmente, assim como eu sempre quero ser incrível com e para ele. E se isso não significar que eu estou muito fodido, eu não sei o que significará. Se as horas que passo pensando nele, ou ansiando estar com ele quando não estamos juntos não fossem o suficiente, se o fato de seu rosto ser a primeira coisa que quero ver ao acordar e a última ao dormir não me dissesse nada, se a cada coisa boa que me acontece, dividir com ele não fosse o meu primeiro pensamento, definitivamente, a vontade imparável de vê-lo sorrir por mim e para mim, seria. É um fato, nós dois precisamos conversar.

Eric foge das palavras, de novo, mas, dessa vez, não me deixa sem resposta. Ergue-se em seu banco e avança na minha direção sobre o console do carro, atacando minha boca com uma intensidade que me dá esperanças de que, talvez, eu não esteja tão fodido assim.

O resto da tarde avança da mesma maneira, a cada visita que fazemos, ao voltarmos para o carro, Eric tem uma crise de risos deliciosa, e, depois dela, me beija intensamente, não sei se como agradecimento, ou fuga silenciosa. Arrisco dizer que há um pouco dos dois.

Na última casa, sinto-me ansioso, porque nosso próximo destino é a minha própria casa, e como consequência, a conversa. Honestamente, não sei qual das duas coisas é maior responsável pelo bolo em meu estômago. Eu nunca fui um covarde e, com certeza não vou começar agora, mas isso não torna as coisas mais fáceis. Passo pela visita quase mecanicamente, não faço perguntas e mal presto atenção ao que a corretora diz, provavelmente, parecendo um cliente muito desinteressado.

– Tá tudo bem? - Eric questiona ao chegarmos à calçada, do lado de fora.

– Unhum...

– Essa foi a última?

– Foi.. E ag- Minha fala é interrompida pelo toque do meu celular.Tiro-o do bolso, caminhando para o carro, o visor anuncia uma ligação de Rodrigo.

– Eu preciso de você na empresa, nós temos um problema... – fala assim que o celular alcança minha orelha.

– Quão grande é esse problema?

– Imenso.

– Tudo bem, estou indo.

Desligo o telefone, vergonhosamente, sentindo-me aliviado, minha conversa com Eric vai ter que esperar. Talvez essa seja mais uma mudança, afinal. Talvez eu esteja me tornando um covarde.

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– O que houve? -Entro na sala de Rodrigo sem bater e sinto-me ainda mais preocupado com seu estado desalinhado do que com o tom de voz que usou no telefone.

Rodrigo está sempre impecável, às vezes tenho a impressão de que isso dá a ele a sensação de que a vida está em ordem. Sempre foi assim, desde que éramos crianças. Por isso, Vê-lo sem o paletó, com as mangas da camisa dobradas, a gravata frouxa, os cabelos bagunçados e o corpo jogado na cadeira é realmente muito preocupante.

– Perdemos a intérprete do evento de lançamento... -Noticia à queima roupa, e paro meus passos, impactado com a declaração e entendendo seu princípio de desespero.

– O que você quer dizer com “perdemos a intérprete” do evento de lançamento, Rodrigo? É uma pessoa, não dá pra perder uma pessoa, Rodrigo! - São as únicas palavras que consigo dizer, procurando, de qualquer maneira uma esperança de ter entendido errado.

– O pai dela faleceu e morava em outra cidade, não há a menor possibilidade de ela estar de volta a tempo, ou de ter estrutura emocional para trabalhar...

– Ah, porra... -Jogo-me na cadeira de frente para sua mesa, derrubando a cabeça no encosto e fixando os olhos no teto.

– Exatamente... Eu não sei o que fazer... o evento é em dois dias, Gustavo! Dois dias! O que fazemos com os três maiores investidores do empreendimento se eles não forem capazes de nos entender? Eu não sei qual das alternativas é pior... Não ter intérprete, ou, a essa altura, pedir para que eles tragam os seus, o que, aliás, seria impossível, já que dois deles já estão no Brasil...

– E ter três intérpretes é inviável... Seria uma grande confusão... Além de que, as informações tratadas, confidenciais, ficariam ainda mais espalhadas, puta que pariu, Rodrigo! -Vejo toda a sensação de paz trazida pela tarde que passei com Eric se esvair pelos meus dedos ao constatar que passarei as próximas horas tentando resolver esse pepino.

– Talvez devêssemos começar com os bilíngues, trilíngues e poliglotas da casa... Pedir ao RH que faça uma relação de quais deles são fluentes nas línguas que precisamos, e analisar se é possível aproveitar algum... Se não encontrarmos uma única pessoa, talvez seja mais eficiente traçarmos uma estratégia para articular três intérpretes, do que ficar dando murro em ponta de faca atrás de um só...

– É uma boa ideia... Não é o ideal, mas é o que temos... porque onde nós vamos achar uma intérprete capaz de traduzir francês, alemão e inglês e que possa ser instruída sobre as particularidades do empreendimento, faltando dois dias para o evento? Em porra de lugar nenhum...

Franzo o cenho e levo a mão à têmpora, deslizando o polegar e o indicador ali.

– Espera... Francês, alemão e inglês? -Pergunto, não querendo acreditar na coincidência.

– É Gustavo! - responde, impaciente: ͞ Não são essas as nacionalidades dos nossos investidores?

Surpreendendo até a mim mesmo, não consigo evitar, gargalho. A vida, às vezes, pode ser uma tremenda filha da puta!

– No apartamento 604 do edifício Uno...

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O elevador avança pelos andares e eu reflito sobre o quão diferente do que tinha planejado a noite está se saindo. Mas, apesar de todas as diferenças, há uma constante, a perspectiva de ter uma conversa difícil com Eric. Arrisco dizer que a que estamos prestes a ter será muito mais difícil do que aquela que eu planejava, mas que por motivos de força maior, precisou ser adiada.

Eu sabia que a festa seria um problema desde o instante em que decidi que queria Eric comigo. Afinal, trata-se da festa de lançamento do empreendimento que ele tanto despreza. No entanto, minha vontade de tê-lo ao meu lado, nesse momento tão importante para mim, superava meu senso de autopreservação, uma vez que a possibilidade de Eric tentar me matar ao se dar conta da minha audácia é real.

A vida era mais simples horas atrás quando esse era todo o meu problema. Lidar com Eric seria difícil, potencialmente, nocivo à minha saúde, mas, ainda assim, ficaria tudo bem. O pior que poderia acontecer seria ele ficar muito irritado, me expulsar de sua casa e me dar mais doses de seu adorado tratamento de silêncio. Mas, eventualmente, as coisas voltariam ao normal. Eram bons tempos esses... Nego, lamentando a nossa falta de sorte.

Porra, com todo o respeito aos recursos humanos celestiais, mas o pai da mulher tinha que morrer logo hoje? Logo essa semana? Não podiam ter dado mais uma semana de convivência familiar para o cara e, de quebra, ter me livrado de um imenso problema?

O evento acontecerá em dois dias, isso quer dizer que eu tenho um dia para convencer Eric, e outro para prepará-lo. Não sei estimar minhas chances de sucesso, mas as de ele acabar comigo, certamente são altíssimas. Até eu sou capaz de reconhecer que vai soar, no mínimo, absurdo, pedir para que o homem colabore na concretização daquilo que está tão determinado a impedir. Mas eu realmente não tenho opções, e, depois de muito pensar, concluí que, talvez, essa seja uma oportunidade.

É possível que eu estivesse cometendo um clássico erro de vendedor ao não mostrar para Eric aquilo que seria capaz de convencê-lo. Um bom vendedor é aquele que vende um produto para cada cliente, mesmo que o embrulho dentro da sacola de todos eles seja o mesmo. Antes, isso não faria a menor diferença, mas, com a nova realidade que se agiganta sobre nós dóis a cada dia, tenhamos nós dois já conversado sobre isso, ou não, seria muito bom que Eric abandonasse o voto de ódio perpétuo que fez ao empreendimento.

Eric pensa no Ilha nova como o destruidor dos seus sonhos. Talvez tudo o que ele precise seja começar a enxergá-lo como o princípio dos sonhos de outras pessoas. E, se eu tiver sucesso, serão três coelhos com uma cajadada só: mantenho minhas bolas intactas, consigo o melhor intérprete que poderia ter, e deixo o caminho para a nossa próxima conversa muito mais fácil.

Depois do que parece uma eternidade, as portas do elevador finalmente se abrem em nosso andar e eu engulo em seco ao pisar no corredor. Vamos lá, Gustavo... Você não é a porra de um covarde, lembra? Se quer tanto preservar suas bolas, que tal começar tendo um motivo para mantê-las? Use-as!

Respiro fundo e bato na porta do apartamento 604. Leva alguns minutos, mas logo ouço os passos de Eric e a porta se abre.

– Oi! - Me recebe com um sorriso no rosto e eu não preciso de nenhum outro motivo. Em passos largos a tenho em meus braços e beijo sua boca. Ele não resiste ou receia, beija a minha boca com a mesma fome com que devoro a sua até que o ar nos falte, e, mesmo quando isso acontece, deixo nossas testas coladas, aproveitando esses minutos de paz que eu tenho certeza estarem muito perto de acabar.

– Você sabe que a gente se viu hoje a tarde, né? Ou era seu gêmeo mal se passando por você? Se bem que ele era bem legal, me levando pra comer, depois, pra visitar casas imensas, então não tenho muita certeza se devo chamá-lo de mal... -diz em minha boca, fazendo-me sorrir.

– O que você acha de a gente entrar, garotão? -balanço a cabeça pelo apelido que ele passou a usar recentemente, para ser sincero, eu me sinto um golden retriver quando me chama assim, mas, ao mesmo tempo, gosto, então deixo para lá: ͞ Acabei de fazer um café...

– Você fez café? A essa hora? -questiono, desconfiado, e ele sorri. Afastando-se de mim, puxa-me para dentro do apartamento e, logo em seguida, fecha a porta.

– Pela forma que você me deixou em casa mais cedo, imaginei que algo complicado estivesse acontecendo na empresa, da última vez, você sumiu por sete dias, mas eu tive esperanças de que você tivesse aprendido a lição e que, se fosse pra sumir, pelo menos, passaria aqui pra se despedir... E, se não fosse sumir, passaria aqui de qualquer maneira...

Ergo uma sobrancelha, pensativo. Adorando ouvir cada palvra que saiu da sua boca, e, outra vez, sem conseguir evitar, como tivesse a porra de um imã atraindo-me e colando-me a ele, me aproximo.

– Eu aprendi minha lição, amor...

– Viu só? Eu sou um professor excelente...

Bufo.

– Ou o seu tratamento de silêncio é um péssimo castigo...

– É um método eficiente para a reabilitação de namorados de merda... Olha só pra você...Começou dando perdido e, agora, até sabe que pra me manter feliz, cem porcento do tempo, é fundamental manter meus níveis de glicose lá no alto...

Rio, mas já não mais um riso divertido, porque a perspectiva do que está prestes a acontecer aperta meu estômago.

– Quer falar sobre o que aconteceu? -Nota minha apreensão e desliza a palma quente das mãos pela minha bochecha. Fecho os olhos, aproveitando o toque e expiro com força.

– Na verdade, eu preciso da sua ajuda... Porque a gente não senta? -Seu cenho se franze, mas ele concorda e nós caminhamos até a cozinha. Eric senta em uma banqueta, eu vou atrás do meu café, dando-me conta de que é a primeira vez que ele faz um para mim. Mesmo na sua casa, todas as vezes que tomei café, fui eu quem o fez, até agora.

É mais forte do que eu. Enquanto despejo o líquido escuro na caneca, analiso sua consistência, cor, aspiro o cheiro, e, ao levar mais tempo do que seria necessário para a simples ação de servir o café, ouço o bufo indignado de Eric.

– Você tá julgando meu café! -Acusa e eu me viro para ele, trazendo comigo a caneca.

– Não... Eu to analisando...

– Unhum... o que, a grosso modo, quer dizer julgar! Bebe logo e acaba com o suspense, droga!

Faço uma careta de concordância e levo a caneca à boca sem adoçar, como prefiro. Olhos ansiosos me observam e, assim que o sabor forte atinge meu paladar, me surpreendo, não é incrível, mas também não é ruim, o que já é muito para um paladar exigente como o meu.

– Bebível... -dou o veredito e Eric estreita os olhos, nega, e chia, ultrajado.

– Pois esa é a última vez que eu faço café pra você!

– Não é não! Deixa de ser malcriado, Eric... Eu vou te ensinar...

Revira os olhos.

– Eu não quero aprender, Gustavo... Tô pra lá de satisfeito com meu café bebível, se não é bom o suficiente pra você... Você que lute... A cafeteira é toda sua...

Estalo a língua para sua atitude malcriada, e ele me dispensa com um aceno.

– Enfim... me conta... O que houve e como eu posso te ajudar? - Tudo bem... Lá vamos nós...

– Em dois dias vai acontecer um evento de lançamento muito importante para a empresa. Nossos investidores internacionais estarão presentes, e o pai da nossa intérprete morreu. É isso. Agora, eu preciso de um intérprete que fale Francês, alemão e inglês...

– E você precisa da minha ajuda pra quê? Pra encontrar esse intérprete? Eu posso ver com alguns contatos, mas é uma lista bem específica de três idiomas, então não sei se consigo, ainda mais com esse prazo curto...

– Na verdade, eu estava esperando que você pudesse ser esse intérprete. Acontece que os termos que discutiremos são confidenciais, então é preciso que seja alguém de confiança... E, além disso, vai requerer certo tempo de preparação, pelo menos um dia para que a pessoa possa entender o que vai intermediar...

– Gustavo, eu não sou intérprete... Nunca trabalhei com tradução simultânea na vida, isso envolve muito mais do que traduzir palavras... Assim como tradução de textos... Cada especialista faz uma coisa...

Esse não é o meu trabalho...

– Eu sei, Eric... É só que... Eu tô bem desesperado... E eu... -suspiro: ͞ Eu realmente não pediria se achasse que tenho outra opção...

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*** ERIC VIANA ***

Suas palavras soam tão sinceras que me intrigam. Quer dizer, porque tanto receio em pedir para mim? Minha cabeça trabalha em velocidade máxima tentando encontrar motivos, e o único que encontro, não é crível. Ele não seria tão cara de pau, seria?

– Gustavo, esse evento é de lançamento de quê? - Seus lábios formam um bico e movem-se de um lado para o outro, para cima e para baixo, em movimentos nervosos. Minha desconfiança cresce, mas é seu olhar de cachorro perdido que me dá a confirmação que eu não precisava receber. Cretino!

– Você é inacreditável! - Seus olhos se fecham e ele os aperta, um resmungo parecido com “isso é mais difícil do que eu achei que seria!” escapa da sua boca, e meu primeiro pensamento é estapeá-lo. Sério, Gustavo?

Tomo uma respiração profunda, deixo que o silêncio se estenda entre nós, procurando palavras que expressem toda a minha raiva e indignação, só para perceber que elas não estão lá, nem as palavras, nem os sentimentos. Os lugares que deveriam ser ocupados por eles em meu coração estão completamente vazios, mas há outros, que definitivamente deveriam estar desertos, e que, no entanto, não poderiam estar mais preenchidos nem se quisessem.

Aqueles que abrigam preocupação e vontade de ajudar Gustavo. Ah, porra! Não, não mesmo, cérebro! Qual é o seu problema? O infeliz bate em minha porta com esse pedido sem pé nem cabeça e, ao invés de meu primeiro sentimento coerente ser esquartejá-lo, não? O que você me manda é a vontade de ajudá-lo?

Pois eu me recuso! Troque! Mande outra coisa! O ideal seria a vontade de matar, mas se ela não estiver disponível agora, eu aceito a de bater, de acertar as bolas e até a de dar para cachorros comerem, mas a de ajudar não! Essa eu não aceito!

Bufo e Gustavo fecha os olhos. Provavelmente, interpretando minha reação de maneira completamente equivocada, o que é ótimo, já que não tenho a menor intenção de deixá-lo saber o que realmente se passa dentro de mim. Não sou obrigado a seguir minhas próprias vontades! Não quando elas são nocivas à minha sanidade! Se sou capaz de controlá-las para não mandar um estranho à puta que pariu, para não brigar no trânsito, e para me manter socialmente inserido das mais diversas formas, as controlarei para isso também.

– Eric... Eu juro que não pediria se não estivesse realmente desesperado... -a voz é suave, baixa, quase lamurienta, como se pedir isso realmente o afetasse de alguma maneira, e, meu tolo coração, já mais do que disposto a entregar o que quer que esse homem peça, solidariza-se... Ah... Estúpido! Ele não está fazendo mais do que a obrigação dele! O mínimo que ele pode fazer é sentirse mal por nos pedir algo assim!

– Mas eu ainda não tô te pedindo isso, tudo o que eu quero, é que você me dê a chance de te convencer a me ajudar! -Continua com sua quase súplica.

– E como você vai fazer isso, Gustavo? Porque se eu fosse você, pouparia saliva e palavras, o céu pode cair, e eu ainda não vou ser convencido... -Digo palavras que me pareçam coerentes ao invés daquelas que meu cérebro teimoso empurra para a minha boca, dividindo minha atenção entre a conversa real que estou tendo, e o debate interno que se desenrola dentro de mim como uma verdadeira luta de gaiola.

Uma gaiola na qual mente e coração trocam chutes, pontapés e palavras gritadas. - Não adianta... Eu não vou te ouvir... Eu não vou ajudar Gustavo a foder com a gente! – É meu lado racional falando, ao que o emocional, burro, responde: - E o que seria isso, Eric? Porque já faz tempo que essa aposta... - CALA A BOCA, coração! Ninguém se importa com o que você tem a dizer! – A mente interrompe a fala do outro, não querendo ouvir o que ele tem a dizer, não sei se por convicção nas próprias certezas, ou medo de escutar verdades inconvenientes.

Reviro olhos internos, discutindo comigo mesmo, como se meu subconsciente fosse a perfeita separação do anjinho e do diabinho.

– ...chance? -Gustavo continuou falando e eu não ouvi nenhuma palavra. E quando ele termina seu discurso com a palavra chance e uma entonação de pergunta, eu concordo, porque pedir para que ele repetisse o que disse acabaria com toda a minha pose de homem irritado. Imagino que ele estivesse me pedindo para escutá-lo, provavelmente, era isso.

No entanto, ao invés de começar a despejar argumentos inúteis sobre meus ouvidos muito bem orientados a fingir indiferença, o homem se levanta, deixa um beijo em meus lábios desprevenidos, e caminha para a porta, deixando a confusão estabelecida em meus olhos, pele e membros. Quer dizer, para onde ele está indo?

– Eu te pego amanhã às dez. Use roupas confortáveis... -Quê?Deus, do que ele está falando?

E, sem que eu precise gritar, ameaçar, ou chutar sua bunda, com as próprias pernas, Gustavo sai do meu apartamento. Sem gracinhas, piadas ou insinuações. Puta merda! Com o que foi que eu concordei?

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Reviro-me na cama pela milésima vez. Meu debate interno continuou se desenrolando por horas após a saída de Gustavo, mas em algum momento, senti-me exausto de criar justificativas para mim mesmo. O fato é que tudo isso leva a apenas uma conclusão: me fodi. Lindamente.

Porque se querer colocar os interesses de Gustavo a frente dos meus não disser nada sobre os resultados dessa aposta, definitivamente, perdi minha capacidade de interpretar textos. Esta aí! Nenhuma outra palavra me definiria melhor do que essa. Perdido, é exatamente como estou. Completamente perdido.

Afundo o nariz no travesseiro que Gustavo usa quando dorme em minha cama, aspirando o seu cheiro e sentindo meu corpo inteiro vibrar, ainda que essa não seja a dose que ele quer, é melhor do que nada. Viciado. Um maldito viciado foi o que me tornei.

Choramingo, frustrado. Querendo dormir, mas incapaz, com saudade do seu corpo enrolado no meu, do seu cheiro, do gosto da sua boca. Inferno.

– Também não consegue dormir? -A voz soa baixa, mas perfeitamente clara, através da parede.

– Não... - Admito.

– Eu poderia ir praí... Nós na precisamos conversar... Só dormir... -Sugere e, depois de lutar contra mim mesmo por horas a fio, toda a energia depositada em na conta corrente de ir contra as minhas próprias vontades foi gasta. Não nem mesmo a sombra de uma economia que me torne capaz de dizer não.

– Eu vou abrir a porta... -Sem ninguém para discutir, argumentar ou regular suas vontades, meu coração expulsa as palavras pelos meus lábios mais rápido do que um corredor de fórmula um dá partida durante uma corrida. Levanto da cama e em passos controlados para não parecer afobado demais, caminho até a sala, abro a porta, e volto para a quarto.

Sem ter a mesma preocupação que eu, no instante em que piso no meu quarto, ouço Gustavo abrir a porta. Do lado de dentro, ele passa a chave na fechadura, e eu me deito na cama, de costas para a direção da qual ele virá. Seus passos são firmes, e quase ansiosos, eu diria.

O colchão afunda e meu corpo inteiro reage à sua presença e proximidade. Mais do que isso, meu coração, esse tolo, inconsequente, pula no peito, reagindo ainda mais intensamente que minha pele quando Gustavo me abraça e afunda o nariz em meus cabelos.

Ele não diz nada. Eu não digo nada. Mas como se tivesse tomado uma fórmula mágica, em um piscar de olhos, durmo.

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*** GUSTAVO FORTUNA ***

͞ Como você vai me convencer a te ajudar me trazendo pra um passeio em um condomínio de luxo na Barra da Tijuca, Gustavo? — Eric quebra o silêncio que dominava o carro desde que entramos nele ao passarmos pela portaria do Alfa Village, um condomínio de luxo em um dos bairros mais nobres do Rio de Janeiro, onde até mesmo o atual presidente do país costumava morar, antes de assumir o cargo.

Sorrio e desvio meus olhos da estrada por alguns instantes. Olho para ele. Lindo, como sempre. Nu, de pijamas, jeans ou numa roupa de grife, sempre lindk. Noite passada, eu não tinha a menor esperança de conseguir dormir. Não sem ele em meus braços, não sem seu corpo aninhado ao meu e, definitivamente, não com a lembrança da frieza em sua voz martelando em minha cabeça.

Eu sabia que não seria fácil, mas não imaginei que seria tão difícil. A sensação que tive era que os sentimentos tão duramente empunhados por Eric não eram uma reação, mas sim, pura determinação. Ele parecia determinado a enxergar toda a situação com um olhar distante. O olhar que ele tinha no rosto há quase dois meses atrás, quando ensaiou colocar minha porta abaixo, procurando um judas para sua raiva.

Noite passada ele não tinha esse olhar, mas era quase como se estivesse fazendo de tudo para ter. Nem mesmo deitei na cama. Sentei-me nela, com as costas contra a cabeceira e o corpo vestido por uma calça de moletom e camiseta. Olhei para o lado em que ele costuma dormir, e o vazio ali, que antes nunca nem mesmo havia sido digno de atenção, doeu.

Foi estranho, e por mais que eu tenha tentado organizar meus pensamentos, compreender a forma como me sentia, foi inútil, não consegui. Peguei um livro, esforcei-me para prestar atenção nas palavras técnicas, nenhuma delas pareceu ter sentido para mim. Liguei o notebook, coloquei-o sobre minhas pernas e tentei ler artigos recentes sobre os avanços tecnológicos na engenharia e não importou o quão revolucionária fosse a descoberta, ela simplesmente não se provou digna de atenção.

Nada se provou, não até que eu ouvisse o que estava esperando desde o momento em que decidi passar o tempo sentado em minha cama, com a orelha praticamente grudada à parede que divido com Eric. Não até que eu ouvisse seus movimentos sutis e leves, mas que meu corpo e mente, de repente, pareceram treinados para reconhecer.

Não até que, de alguma forma, eu sentisse sua presença perto de mim. Mas durou pouco, muito pouco. E eu, como um cachorro, olhando os frangos que giram na vitrine de uma padaria, continuei parado no mesmo lugar, esperando por qualquer migalha dele que eu pudesse ter.

Se eu já não soubesse que estava fodido, teria descoberto naquele momento, porque eu estava ridículo. Incontestável e indubitavelmente ridículo, e eu não me importava. Não se isso significava ter nem que fosse só um pouquinho da paz que sinto quando ele está ao meu lado.

Então, ouvi seu choramingo, lamurioso e, ao mesmo tempo, indignado. Impossível de se parecer mais com ele do que isso. Arrisquei, eu não tinha nada a perder, e quando deitei na cama e puxei seu corpo na minha direção, aninhando-a em meus braços, o mundo pareceu voltar a girar na direção certa. E, tornando a noite ainda mais ridícula, meu último pensamento antes de dormir foi o quão apertado seria o abraço de Rodrigo.

– Aguarde e confie... -respondo, e ele bufa. Ando devagar pelas ruas bem cuidadas e a atenção de Eric se dispersa pelas mansões ao nosso redor. É impossível não me lembrar de como ainda ontem estávamos fingindo ser um casal apaixonado e visitando algumas muito parecidas com essas em luxo e tamanho. Fingindo? Onde, Gustavo? Um pensamento atrevido atravessa os outros, fazendome sorrir mais do que a lembrança.

Divido minha atenção entre observar as ruas por onde dirijo e o homem ao meu lado, encantado com o luxo das construções pelas quais passamos, e o salto no meu peito quando a imagino em minha casa não é sinal de problema cardíaco.

– Esses dias vi um vídeo daquela casa azul ali na esquina.

– Jura?

– Unhum...

– E o que achou?

– Que ou eles não contrataram um decorador, ou o decorador era péssimo, ou os donos da casa tem muito mal gosto, viu? Porque, sinceramente, a decoração do meu apartamento, que não custou nem 1% do que a daquela casa deve ter custado, é muito mais bonita...

Gargalho.

– Estamos chegando?

– Unhum... É logo ali na esquina... -respondo, entre risos, e olhopara ela, que franze o cenho.

– Mas é um canteiro de obras!

– É sim!

– Gustavo, por que você tá me trazendo a um canteiro de obras? -questiona enquanto estaciono o carro, mas não respondo, apenas dou uma piscadinha para ele.

Desligo o carro e saio dele, Eric, obviamente, já desceu também quando eu chego ao outro lado. Ele, definitivamente, não faz o tipo que espera sua porta ser aberta. Estendo minha mão e ele torce os lábios. Estreio os olhos e, depois de uma careta malcriada, segura minha mão estendida. De mãos dadas, passamos pelos tapumes que cercam o canteiro.

Paramos rapidamente na guarita, onde pego dois capacetes, equipamento de segurança indispensável em qualquer canteiro, seja você um visitante ou um trabalhador. Entrego um a Eric. Enquanto ele olha para ele com curiosidade, coloco o outro sobre sua cabeça, e ele levanta olhos surpresos para mim. Sorrio, porra! A imagem dele vestindo apenas isso, o capacete, se revela em minha mente quase como se fosse uma lembrança vívida.

– Se controla, Gustavo! -Resmunga e eu me faço de desentendido.

– O quê?

– Esse olhar de fodedor na sua cara, se controla! Porque, seja lá o que você tá imaginando, não vai rolar!!!

O sorriso corre para um único canto da minha boca, junto com a sensação de desafio que desafio que toma conta de mim. Ah, mas, agora, vai! Vai sim! Pego o capacete ainda em suas mãos e o coloco em minha própria cabeça. Tomo sua mão na minha, sem dar-lhe a chance de resistir outra vez, e conduzo-o para a parte atrás dos muros, onde a atividade está realmente acontecendo.

Ouço seu arfar surpreso assim que entra na casa. Em três meses, ela estará exatamente como as demais mansões ao nosso redor, mas, por enquanto, é uma grande bagunça. Caminhamos pela obra, passamos por inúmeros trabalhadores da construção civil, andando na direção do escritório do engenheiro responsável pelo local.

– Eu preciso ter uma conversa com o responsável, você quer entrar comigo, ou quer ficar aqui fora? -pergunto, já sabendo a resposta por seu olhar curioso.

– Fico aqui fora... -Nem mesmo olha para mim. Tudo o que me parece extremamente comum, devido aos anos transitando por obras e mais obras como essa, para Eric, parece uma grande novidade. Deixo um beijo em sua testa, aperto sua mão, solto-o e passo pela porta de pvc à minha frente.

Vinte minutos depois, saio da sala e, como esperava, não encontro Eric onde deixei. Cruzo os braços na frente do corpo e começo a procurá-lo com os olhos. Não o vejo por perto e passo a caminhar a sua procura. Não preciso de muitos passos.

Ele está próxima à entrada do canteiro, conversando e gargalhando com um grupo de peões enquanto toma café em um copo descartável. É claro que ele está. Me aproximo do grupo, e, imediatamente, as posturas vão mudando, tornando-se mais rígidas, a mudança é tão explícita que Eric vira-se para traz, procurando a razão dela e encontrando meu olhar. Ele sorri mais largo ao me ver. Envolvo meu braço ao redor de sua cintura e beijo sua testa.

– Olá, senhores! Como vão as coisas? -pergunto aos trabalhadores e eles respondem em poucas palavras, antes de começarem a se dispersar.

– Eles ficam preocupados quando você aparece... -Eric diz baixinho quando somos deixados sozinhos: ͞ Parece que existe um boato de que, uma vez, você visitou uma obra, e, no dia seguinte, todos os trabalhadores foram demitidos, substituídos por outros... sussurra, fazendo-me sorrir.

– Não é um boato, Eric... Realmente aconteceu. -Sua cabeça se levanta, exibindo olhos arregalados.

– Por que você faria algo assim? -Seu tom é quase acusatório.

– Porque aqueles trabalhadores, especificamente, tinham se reunido e decidido atrasar a obra propositalmente para terem trabalho por mais tempo. Tentamos demitir somente o líder e, depois, outros, de maneira individual, mas não funcionou... Outros assumiram a liderança... Ficamos sem opções... -Explico.

– Nós contratamos por demanda, quando a obra acaba, eles perdem os empregos, mas não é de forma desonesta que vão encontrar uma forma de mantê-los... Sempre temos novos empreendimentos e costumamos aproveitar os bons trabalhadores, mas aquele grupo, especificamente, não estava disposto a esperar por isso...

– Nossa... isso é péssimo...

– É... É sim... Trabalhamos para evitar isso de todas as formas possíveis, mas a obra já estava com três meses de atraso e, se continuássemos com aquele grupo, o prejuízo seria muito maior...

– Deve ser difícil não saber se ao final de um empreendimento você ainda vai ter um emprego...

– Não é fácil... Mas a construção civil é assim... Por maior que seja a demanda de uma construtora, não é financeiramente viável manter um número tão grande de funcionários fixos. Porque, por exemplo, se pegamos uma obra em São Paulo, teríamos que transportar os funcionários para lá, além de hospedá-los, quando é muito mais simples contratar trabalhadores locais, o que, além de tudo, movimenta a economia da região que está recebendo o empreendimento... Esse esquema mantém a roda econômica do país em movimento... Hoje, mesmo em meio à crise econômica infinita que o Brasil vive, a construção civil é um dos setores que mais produz empregos...

Ele balança a cabeça, concordando.

– E quantos empregos uma obra como essa gera?

– Um projeto residencial de dois andares, com prazo de quatromeses? Do início ao fim, entre 50 e 60.

– Tudo isso?

– Tudo isso... E um projeto como o condomínio de luxo que planejamos construir onde hoje fica o edifício Uno, que é muito maior e tem um prazo muito maior também, vai gerar de 800 a mil empregos... -Comento, olhando em seus olhos, e quando ele entende qual era o ponto em tê-lo levado até ali, seu rosto ganha uma expressão indefinível, dividido entre a surpresa, a vontade de discordar, e a impossibilidade de fazê-lo.

– Mil empregos?

– Possivelmente, se não tudo isso... Um número muito próximo...

– Mil famílias... -Sussurra baixinho, mas eu ouço. Aperto meu abraço ao seu redor, e beijo sua têmpora. Dando a ele tempo para processar a informação.

É um golpe baixo, eu sei, mas também é um golpe justo. Sempre achei que a birra de Eric comigo era passional e que, eventualmente, ele perceberia isso. Sempre tive certeza de que era uma questão de tempo, mesmo antes de conhecê-lk.

Mas, agora, tempo é algo que não tenho, no amor e na guerra vale tudo, e, em algum momento, toda essa situação passou a se tratar das duas coisas. Eric é impulsivo, não egoísta. Ele só precisa enxergar o empreendimento por uma outra perspectiva que não a própria. Golpe baixo ou não, é isso que estou lhe dando.

– Vamos? -Concorda com a cabeça e eu retiro nossos capacetes. Com sua cintura envolvida pelo meu braço, atravessamos a entrada da obra, outra vez, agora, na direção do carro.

– Foi por isso que você me trouxe, não foi? -pergunta, assim que estamos ambos acomodados, e eu balanço a cabeça, confirmando.

– Esse é um golpe baixo, Gustavo...

– Mas você pode dizer que é injusto? - Questiono e seus olhos encaram os meus com determinação. Eric toma uma, duas, três respirações profundas, travando uma batalha interna, eu só não sei, sobre o que, antes de me responder.

– Não... E tudo bem, Gustavo... Você me convenceu... Eu banco o intérprete pra você...

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͞ Então você tá me dizendo que esses gringos estão investindo quase três bilhões de reais no tal do Ilha Nova? – Eric pergunta, sentado ao meu lado, no chão de sua sala, ao levar um rolinho primavera à boca, enquanto jantamos em seu apartamento.

No início da tarde eu o deixei em casa fui para a empresa, passei o dia trabalhando. O efeito da visita sobre Eric foi exatamente aquele que imaginei. A percepção de que há muito mais envolvido no empreendimento do que a minha e a sua vontade o deixou muito mais aberto a ele.

Apesar de sua resposta ter sido quase imediata depois que deixamos o canteiro, achei que ter tempo para pensar seria bom. Dei a ele espaço, não voltamos a nos falar até meia hora trás, quando bati em sua porta com comida chinesa e quase todas as informações que ele vai precisar para intermediar a comunicação com os investidores.

Desde então, sua postura aberta tem feito um número cada vez maior de dúvidas dançar com meus neurônios, é quase como se ele nunca tivesse se negado, tão resolutamente, a me ajudar, ainda ontem.

– Sim, mais ou menos isso... Nós temos outros investidores, claro... Além do capital próprio da GAF... Mas esses três, sem sombra de dúvida, são os mais importantes. Sem eles, o empreendimento não sai do papel.

– E por que é que eles fariam algo assim?

– Assim o quê?

– Investir tanto dinheiro em um empreendimento que quase não dá garantias! Quer dizer, eles não têm nenhuma relação com a empresa, e os riscos são imensos, todo esse dinheiro para apenas 35% de probabilidade de dar certo? Isso parece loucura! O que é que convenceu esses homens de que isso seria uma boa ideia?

Sorrio.

– Você... - Chega à conclusão sem que eu precise dizer nenhuma palavra.

– Você é louco... Eu não entendo absolutamente nada de investimentos imobiliários, mas, mesmo pra mim, isso parece uma má ideia...

– Isso, amor... É porque você não entende nada sobre investimentos imobiliários. - Eric paralisa por alguns instantes quando ouve a palavra tantas vezes já dita sair de minha boca outra vez. Mesmo eu me surpreendo com a sensação que ele desperta em meu peito, como se, de repente, tivesse adquirido poderes mágicos.

Ambos somos, repentinamente, envolvidos por aquela bolha... Aquela que eu adorei desde a primeira vez que prendeu a Eric e a mim no mesmo lugar. Ele passa a língua sobre os lábios, subitamente ansiosk, e porra! Que saudade dessa boca.

Só faz um dia, mas parece uma eternidade. Respiro profundamente, buscando o controle necessário para não me lançar sobre ele agora mesmo. Seus dentes procuram o lábio inferior e o maltratam assim que o encontram. Seus olhos se desviam para os meus lábios. Um segundo. É o tempo que leva para que ele se jogue em meu peito e assalte minha boca fazendo miséria de mim.

Eu o beijo com tesão, com vontade, com saudade, e Deus me ajude, com carinho! Virei a porra de um homem que beija com carinho, e gosta. Seus lábios encaixam-se aos meus com perfeição, sua língua dança com a minha, fazendo do momento algo infinito, mesmo que acabe.

Acaricio sua bochecha. Em beijos suaves, o contato acaba, mas eu ainda não quero me afastar. Mantenho rosto quase colado ao seu, nossos narizes encostados. Respiro o mesmo ar que ele com a necessidade de ter mais dela parecendo muito maior do que a necessidade de respirar.

Eric fecha os olhos, aproveitando as sensações provocadas pela situação tanto quando eu.

– Senti falta do teu gosto, amor... -Digo, baixinho, e ele suspira, ainda com os olhos fechados.

– Gustavo... A gente precisa conversar... -Suas pálpebras se levantam lentamente e seu olhar encontra o meu. Por alguns minutos, como se estivesse me dando permissão para ver seus sentimentos, Eric não se esconde e me mostra uma confusão imensa. Puxo-o para mim, abraçando-o e envolvendo seu corpo em meu colo. Seu rosto acaricia o meu e contato de sua pele com a minha causa-me arrepios de todos os jeitos certos.

– Depois da festa... Eu quero te levar pra conhecer minha casa, amor... -ele me olha com o cenho franzido.

– Eu já não conheço sua casa?

– Não, amor... -Repito a palavra que passou a ter um gosto tão doce, que não quero parar de dizê-la: ͞ Você conhece o apartamento... Que nem é meu, aliás... É da empresa... Eu quero te apresentar à minha casa, e aí a gente pode ter essa conversa, o que você acha?

Eric pisca, parecendo só agora se dar conta de que eu tenho uma outra casa, algo que achei que ele já soubesse, ou cogitasse. Ele abre a boca, puxa o ar com força, respirando por ela, depois, beija meus lábios suavemente e não me diz nada.

– Que foi?

– É fácil esquecer que você é podre de rico... -Rio.

– É com isso que você tá preocupado? -Morde o lábio, fecha os olhos e só me responde quando volta a abri-los.

– É fácil esquecer que eu só sei de você o que você quis memostrar, Gustavo... Enquanto você viu absolutamente tudo o que tinha pra ver a meu respeito... -É a minha vez de franzir o cenho.

– Você acha que não me conhece?

– Na maior parte do tempo, eu tenho certeza que sim... Mas,aí... Eu me lembro que não...

– Amor... Ninguém nunca viu tanto de mim quanto você... Ninguém nunca teve tanto de mim quanto você, e não é o lugar em que eu moro que vai mudar isso. Eu nunca escondi nada de você... Nem as melhores, nem as piores partes... -Meus dedos deslizam por seu rosto em uma carícia suave: – Se eu soubesse que... -Suas pupilas se dilatam, esperando pelas minhas próximas palavras e o meu próprio coração acelera no peito, ansioso para dizê-las.

Mas não assim, né, seu merda? O Gustavinho galanteador me repreende. Você pode nunca ter feito isso antes, mas é óbvio que no meio de toda essa confusão não é o melhor momento! Sou obrigado a concordar. Posso esperar dois dias. Reorganizo as palavras em minha mente antes de finalmente voltar a falar: ͞ Se eu soubesse que tudo sairia tão diferente de como planejei, talvez eu tivesse escondido algumas partes... Pra você me ver como um príncipe encantado...

Apesar da tensão que se instalou entre nós e ao nosso redor,

Eric ri alto.

– Gustavo, você definitivamente, não está nem perto de ser um príncipe encantado.

– E o que eu sou então? -Ergo as sobrancelhas, em desafio.

– Você é o cara certo de todas as formas erradas. -repete as palavras ditas em um outro jantar, quando eu achava que tudo o que queria de Eric era seu corpo gostoso em minha cama. Desafiando-me a lembrar.

– E você ainda acha que é esperto demais pra se envolver comigo? Porque eu ainda acho que eu sou o cara perfeito pra você se divertir! -Ele sorri com a confirmação de que também me lembro, mas parecendo tão decididk quanto eu a deixar a conversa importante para outro dia, não me responde com palavras, beija minha boca do jeito que só ele faz.

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Comentários

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Muito, muito bom mesmo, não sei mais o que falta pra esse amor explodir como fogos de artifício comemorando um novo ano que se inicia. Está tudo tão maravilhoso que já faz tempo que passamos do "era uma vez" e poderíamos logo passar para o "e foram felizes para sempre" porque diante da situação e da família 100% a favor não existe mais nada que possa impedir esse amor.

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