Três Colinas: Capítulo 2 - Vítimas (todas elas)

Da série Três Colinas
Um conto erótico de Maciel Petrópolis
Categoria: Homossexual
Contém 4979 palavras
Data: 06/07/2024 22:28:15

Eu acordei sozinho na cama. Pela grande janela de vidro, pude ver que a chuva havia passado. Mesmo sem sol, o clima parecia mais favorável e ameno para o exercício de nossas atividades. Sentia o cheiro dele ainda sobre os lençóis, o que me causou um conforto momentâneo. O perfume misturado ao seu cheiro natural me fazia sentir sensações diversas, todas elas boas. Tratei de levantar e agir, sabia que o dia seria longo.

Na cozinha, ele já arrumado preparava nosso café da manhã enquanto ouvia algumas mensagens da sua equipe pela secretária eletrônica. Imediatamente olhou para mim, com um misto de indiferença e constrangimento, tratando logo de falar:

_ Você precisa se arrumar, temos que ir para a delegacia imediatamente. - permanecia com o tom de ordem. Olhando para o relógio, percebi que já passava das 6h e 30.

_ Acho que dormi demais, estava realmente cansado. Vou me aprontar e já retorno. - Falei, não obtendo resposta por parte dele.

Pensei se era melhor falar alguma coisa a respeito da noite anterior, já que dormimos abraçados. Não que fosse incômodo pra mim, mas pela cara que ele fazia provavelmente estaria evitando a conversa, ou talvez nem estivesse se importando. Ele estava carente , eu também... Não precisaríamos fazer disso uma questão. Seria algo muito natural para mim o gesto, já que eu estava há muito tempo carente, e tudo foi tão espontâneo que por um momento acreditei ser verdade.

Retornando a sala, ouço que um dos agentes informava que iriam começar a mapear uma região das minas até então desconhecida, descoberta por acaso por meio de antigos mapas da década de quarenta. Ele sabiamente priorizou a região, uma vez que boa parte das buscas não tinham dado em nada e nosso foco agora seriam os lugares novos. Uma nova equipe de especialistas nesse tipo de terreno já estava em campo, contando com dez homens, do qual me adiantei em solicitar esse reforço enquanto ainda estava na capital. Devido as condições da região e em uma reunião com meu supervisor, fiz essa solicitação e ao que parece o Marinho a recebeu muito bem.

Enquanto eu se secava e acompanhava o repasse, pensava em como era incomum a situação de vítimas com esse grau de violação sem marcas claras de violência. Acreditava fortemente que tudo acontecia depois da morte, mas precisava entender melhor essa rigidez nos corpos que não parecia natural. Mesmo tendo feito uma minuciosa pesquisa sobre questões religiosas na região, não obtive informações claras, o que fazia com que todos descartassem uma possibilidade de culto ou ritual. Mas eu sabia que ainda precisaria ir mais a fundo nessa questão.

Eu pensava na pressa com a qual precisaríamos descobrir novas informações diante das vítimas ainda sequestradas. Mais pesquisas precisavam ser realizadas, especialmente com pessoas que presenciaram de perto os eventos da primeira onde desses crimes.

Eu pensava em todas essas coisas enquanto saia do banho caminhando nú pela casa. Eu estava tão distraído que não percebi o ato, apenas o executei. Para mim, que morava sozinho a tanto tempo era muito natural, e acredito que até certo ponto para Marinho também. Agora eu estava completamente nú em sua frente. Fui até minha bagagem que estava na sala, e ali mesmo troquei de roupa. Percebi um desconforto em seu olhar, junto com uma evidente curiosidade. Ele se manteve concentrado na refeição e no celular fazendo ligações para passar as ordens do dia, mas notei que também me olhava. Assim que sentei a mesa já arrumado, ele levanta e fica no balcão com seu café me olhando de longe.

Definitivamente, havia uma postura de evitação por parte dele, o que só me fazia compreender mais seu desconforto diante da nossa noite juntos. Foi quando desligou o celular de uma ligação que ele olha para mim e dispara:

_ Realmente, as vítimas foram mortas antes de terem seus olhos e bocas costurados. As moedas possuem datas diferentes, sendo distribuídas de 1800 até 1988, por hora não encontramos conexão entre as datas. - Ele explicou. Então, continua:

_ Outra coisa, um dos suspeitos foi encontrado morto em sua cela. – Disse em um tom mais sério e angustiado. Com toda certeza, ele não queria mais mortes naquele lugar. Eu, muito menos. Em um gesto rápido, ele coloca sua xícara na pia e se dirige a porta.

_ É melhor você se apressar. Estou no carro esperando. - Ele disse. Achei melhor não pensar muito e me adiantei junto a ele.

Eu agradeci a hospitalidade, de forma direta e simples, não queria me alongar muito em palavras com ele. Não dei espaço para ele falar nada e tratei de me adiantar e perguntar qual a verdadeira importância do sujeito encontrado morto para uma possível descoberta no caso, de forma que ele me respondeu que o mesmo havia encontrado o corpo, mas houve uma contradição em seu depoimento. Ele era tio de uma das vítimas, e possuía um bom conhecimento de toda a região. Ainda explicando, disse que o homem possuía uma doença respiratória pelo trabalho nas minas, e que imaginava que havia morrido em decorrência disso. Mas tanto eu como ele sabíamos que não seria simples assim, de forma que se adiantou e pediu uma autópsia.

Ele parecia agitado e contrariado, o que era completamente compreensível. Acredito que por partes pela nossa interação involuntária, outra pela situação da morte de um suspeito em sua delegacia. Imediatamente pensei nas consequências disso para a família, amigos e outros moradores dali. Era preciso conter o caos que se espalhava como fogo, ao mesmo tempo que era preciso ser firme em relação a investigação. De toda forma eu via Marinho como alguém muito respeito ali, e só me preocupei em fazer meu serviço o melhor possível e ajudar na resolução do caso. O fato das vítimas estarem sendo cuidadas antes da morte significava muito para mim, demostrando que as outras seis estariam vivas. Entre essas questões todas, pensei em uma questão mais objetiva. Como forma de resolver parcialmente minha passagem pela cidade, me adiantei:

_ Eu agradeço que tenha cedido sua casa, mas ainda hoje irei buscar algum lugar para ficar. Terei que permanecer aqui até o fim da investigação, então um espaço próprio seria o ideal. – Enquanto falava, ele parecia não se importar, até uma onda de impaciência vir se formando pelo seu rosto, se expressar nos punhos apertando com força o volante e disparando em seguida:

_ Faça como quiser, mas não seria um incômodo ter você lá. Será por pouco tempo. Posso buscar algum lugar melhor aqui na cidade, já que não se sentiu confortável na minha casa. - Respondeu, demostrando sua preocupação com outros assuntos naquele momento, ao mesmo tempo que notei uma certa mágoa do ponto de vista pessoal. Eu iria falar em seguida que ficaria na sua casa então, mas não deu tempo... Ele atendeu uma ligação e começou a berrar e xingar de todas as formas alguém pelo celular.

Fiquei calado, definitivamente não era isso, até porque eu gostei muito de tudo. Apesar de perceber algumas coisas em lugares sem sentido, como um anseio para voltarem para seus devidos lugares, havia uma coisa intimista na casa dele. Me sentia estranhamente confortável lá. Além disso, sentia que havia um respeito mútuo em nosso pacto silencioso de convivência, mesmo que por apenas uma noite eu sentia uma espécie de pertencimento as situações. Depois dos trinta, quando já dormimos com tantos homens e mulheres sabemos o que isso significa, não que fosse sair um romance dali, mas sabia que havia algo.

Com as palavras dele percebi que não estava acostumado com outra presença em casa, da mesma forma que ele – e talvez precisassemos de melhorar nosso trato um com o outro. Pensei se fui mal agradecido, mas logo tratei de afastar esses pensamentos da minha cabeça. Depois me acertaria com ele. No fundo, sabia que era o correto ter meu próprio lugar. Não se passou nem um dia e minha carência me fazia fantasiar cenários e momentos que eu imaginava que não irão acontecer.

Geralmente é assim quando me sinto muito só, qualquer situação como essa me fez querer agarrar qualquer agarrar o afeto desenvolvido com unhas e dentes, como um última tentativa de me sentir vivo. No final, sempre acabo me cansado e descartando pessoas, um gesto muito deprimente e egoísta da minha parte. Eu sabia que não era uma pessoa tão boa assim, mas não má o suficiente para pensar na minha solidão na velhice... Eu só me sentia humano em toda minha humanidade.

Enquanto nos dirigimos a delegacia falamos exclusivamente do caso, com excesso de um único assunto indelicado: nossa noite de sono. Foi então que falei:

_ Então, você dormiu bem? - Falei de forma descontraída, olhando as imensas árvores na paisagem.

_ Sim, dormi. - Respondeu direto e seco. Continuando:

_ Eu estava cansado. Só deitei e apaguei, como te disse antes que eu tava morto. - Concluiu, parecendo não se importar comigo. Tratei então de continuar:

_ Certo. Então eu gostaria de... - Ele me corta imediatamente, falando de forma muito objetiva.

_ Cara, eu não acho que precisamos falar sobre isso. Eu estou sozinho a muito tempo e não abracei você de propósito, eu apenas adormeci e fiz isso sem intenção nenhuma. Não vou dizer que foi ruim, mas também não quero repetir isso. Melhor a gente esquecer isso. Fica tranquilo que vou te ajudar a procurar outro lugar para ficar. – Completou, parecendo muito constrangido e ao mesmo tempo irritado, sua testa era franzida. Eu havia ficado igualmente envergonhado e com um pouco de raiva, mas tratei de falar em seguida:

_ Eu só ia falar que gostaria de um relatório completo das atividades e tempo de operação da mina. - Disse de forma simples olhando para a paisagem. Eu sabia que isso iria acontecer e tudo bem, não é o fim do mundo.

Suas mãos estavam apertado com força o volante, e mesmo sem falar uma palavra que fosse sentia o calor de raiva vindo do seu corpo. Era nítido que ele havia se arrependido imediatamente de ter falado aquilo, mas ao mesmo tempo entendi que o melhor seria não dividir o mesmo espaço de descanso com ele. O clima não era dos piores, mas parecia que estávamos mais distantes agora. Entendia seu estresse com tudo o que estava acontecendo, mas também não gostaria de ficar recebendo esse tratamento de forma tão gratuita.

Já no nosso destino, tratei de acompanhá-lo junto a outros profissionais até a sala em que o legislativa estava com os quatro corpos. E pensar que esse turbilhão de sentimentos estava ocorrendo em pouco mais de um dia.

A essa altura, nem eu nem ele nos preocupavamos com o que havia acontecido no carro. Gostava muito disso, quando estávamos trabalhando, o foco era total nas vítimas, sendo quem de fato precisavam da nossa energia e esforços, e não esses desentendimentos sem sentido. Fico muito feliz que ainda hoje somos assim em nosso ambiente de trabalho, mesmo que estivéssemos quase nos atracando por algum motivo quando vamos trabalhar tudo some só restando ali o trabalho. Quando todos estavam na sala, o legista adiantou-se em falar:

_ O padrão se repete nos dois ciclos. Não encontramos resistência por parte das vítimas, não há tecido por baixo das unhas ou vestígio de violência sexual ou de outro tipo contra elas. Definitivamente foram violadas depois de mortas. A extração da retina demandou um trabalho cirúrgico de excelência, toda a delicadeza no processo e perfeição dos movimentos me faz acreditar que há muita experiência no preparo dos corpos. Além disso, os pontos de costura são dados perfeitamente. – Falou enquanto olhava os profissionais ali presentes e demonstrava nas fotos das vítimas. Marinho adiantou, cochichando algo no ouvido de um dos policiais, que saiu da sala parecendo ter algo a fazer. Naquele momento, perguntei para os presentes:

_ Qual a população de interesse no caso? Não parece ser um trabalho de quem extripa cercos ou porcos do mato... - Falei sério. O legislativa, então diz:

_ Realmente, é um trabalho minucioso. Pode ser um perfil da área médica ou então alguém da caça com maiores habilidades, de toda forma lidamos com cortes precisos e feitos com calma. - Eu continuo:

_ É provavelmente então que ia cortes foram realizados com o auxílio de uma estrutura, certo!? Não me parece o caso de um ambiente sem um aparato mínimo. – Ele responde:

_ Provavelmente sim. Apesar de parecer artesanal, acredito que possa existir uma estrutura montada para a execução do ato. – Nesse momento, Marinho olha para mim de forma muito concentrada. Fala em seguida:

_ A mina possuí estruturas que poderiam ser usadas para isso. Alguns dos pontos de apoio estão isolados com os deslizamentos, mas com os tantos caminhos que existem ali é provavelmente que alguém esteja usando um deles. - Falou de forma imediata, deixando todos ali alvoroçados e pensando nos possíveis próximos passos que adoraríamos. O legista toma a palavra mais uma vez e continua:

_ Esse é o próximo ponto: recomendo que as buscas no interior da mina sejam intensificadas, conforme já havia observado o investigador Cardoso, encontrei vestígios de cobre branco no couro cabeludo dessa última, acredito que quando estava viva ingeriu e se banhou nas águas de uma concentração de minerais muito alta. As amostras de água das fontes oito e nove são compatíveis. - Terminou de falar olhando para mim e para Marinho.

_ As moedas foram produzidas com matérias da mina? - Perguntei.

_ Sem padrão aparente, os materias são aleatórios, de forma que não sabemos se são da mina ou não. Já fizemos o cruzamento com o caso da década de oitenta e não encontramos nada. As moedas são colocadas com cuidado nas cavidades, e a moeda na boca colocada embaixo da língua. - Explicou. Agora me dirigindo a Marinho, pergunto:

_ Quando o relatório de atividades da mina fica pronto? – Falei olhando diretamente em seus olhos, ele responde que dois policiais estavam trabalhando nisso naquele exato momento. Foi então que se adiantou para determinar as buscas nas fontes de água ditas pelo perito.

_ Quais foram as últimas refeições delas? - Pergunto.

_ Não encontramos conexão nessa questão também. Varia entre frutas silvestres da estação, carne de veado, de porco, grãos e doces.

_ Há alguma possibilidade de correspondência com comidas típicas aqui? – Pergunto a ele, que me responde que precisa levantar a informação. Finalizei minhas observações e questões depois disso. Antes de sairmos, ele explica:

_ Outra coisa: as três primeiras vítimas possuíam vestígios de minerais diferentes no couro cabeludo, pulmões e unhas. Talvez seja importante pensar em um padrão para isso, já que nos quatro corpos os minerais entrados não se repetem. – Pensei que talvez fosse o caso de mapear as novas regiões das minas, e pelo olhar de Marinho sabia que ele pensava o mesmo.

Já na sala que estávamos dividindo, notei o quanto Marinho era dedicado e eficiente, uma combinação perigosa e apaixonante. Ele me apresentou de forma muito bem organizada todos os principais pontos da investigação, do qual fiz nota imediatamente e indiquei algumas questões de fragilidade que precisavam de atenção, no qual ele atentamente dedicou-se a melhor esclarecer e suprir essas lacunas. Sentia que estávamos fazendo avanço, mesmo que lento e estava mais satisfeito com as coisas daquela forma. Acrescentamos as informações obtidas hoje ao que já tínhamos e compomos um quadro de possibilidades mais amplos, ao mesmo tempo que afunilamos mais a nossa estratégia de resolução.

Em um determinado momento, me cortei com grampo de uma documentação antiga. Enquanto Marinho me explicava alguns detalhes sobre alguns aspectos culturais da região, o mesmo pegou minha mão entre as suas e limpou meu ferimento com um antisséptico e colocou um curativo no corte em seguida. Eu não pedi, ele apenas fez. O gesto, por mais simples que fosse me aqueceu o coração se uma forma engraçada. Ele se mantia sério e assertivo enquanto falava, mas tratou meu ferimento com a delicadeza e cuidado intrigantes, de forma muito natural. Sentir o toque de suas mãos na minha foi como um bálsamo nas minhas dores. Para ele pode não ter significado nada, mas para mim, ele descalçou o chão que eu trazia colado aos pés.

O clima de constrangimento que experienciamoa mais cedo dava lugar a um funcionamento muito bom entre nós dois, um mecanismo humano para a resolução daquele crime. Falávamos exclusivamente de como proceder com as ações necessárias, e era melhor daquela forma. Assim funcionariamos melhor, e eu me pouparia novos constrangimentos e uma possível desilusão depois. Mesmo sabendo que nesse ponto algo já me inquietava em relação a ele.

Enquanto ele fazia algumas ligações, um policial bate na porta e explica que daremos início ao interrogatório. Ainda não havíamos tratado do caso de um dos suspeitos ter morrido na noite anterior, mas sabia que assim que o resultado da autopsia chegasse essa seria nossa prioridade.

O interrogatório foi longo e duro, apesar de que os três homens não pareciam ser boas pessoas, não sentia que eles sabiam de alguma coisa que envolvesse o caso. Depois de muito tempo, somado a grandes quantidades de xícaras de café e cigarros fumados naquele ambiente, Marinho decidiu parar por hoje, os mantendo ainda sob custódia. Fiquei feliz eu perceber que ele não fumava, eu detestava o cheiro de cigarro com todas as minhas forças.

Eram mais de 3h p.m. quando Marinho disse que precisávamos de uma pausa para almoçar. Em determinado momento me retirei do interrogatório e recebi o relatório de atividades da mina. De forma resumida, a mesma família tinha a propriedade da região desde o início da sua exploração. A mineração era algo importante para a economia da localidade, mas ao mesmo tempo responsável por muitas mazelas para a região.

O que me chamava atenção eram as várias espécies de metais e pedras preciosas que poderiam ser extraídas dali, especialmente o do cobre branco. A família Castanho explorava a região por décadas, acumulando uma fortuna incalculável. Os proprietários não restringia as investigações nas minas, desde que as atividades não parassem, eles reinteravam que colaboravam com as ações da polícia.

Além disso, o principal ponto de tensão entre a comunidade e a mineradora era em relação a extração do cobre branco. Era um metal muito precioso e com importância sagrada para uma antiga tradição local, de difícil exploração pela alta capacidade se contaminação. Sabia que em breve precisava investigar essa informação mais a fundo. Outras informações foram surgindo: a mesma espécie de linha que era usada para costurar a boca e olhos das vítimas, era também utilizada na produção de artesanato e produtos pesquieros, dada a popularidade do material, tornava-se difícil supor qualquer coisa, mesmo que de imediato tudo fosse apontado para a comunidade pesqueira da região.

Enquanto estava em meus devaneios, não percebi a presença dele na sala, que me olhava com o seu típico olhar cansado. Ele me mostrou que horas eram e que precisávamos comer logo, e se eu não fosse agora iria sozinho. Mesmo hoje em dia ele sempre vem com essa conversa de sair e ir para o carro, mas esperando paciente o tempo que for preciso para mim e seja lá o que eu esteja fazendo.

Já em seu carro, ele dirigia concentrado. Lembrei que, além de um local para ficar precisava de um carro também, mas Marinho parecia não se importar em me levar. Enquanto um silêncio de certa forma terno se instalava no carro, falei quase sem pensar:

_ Não foi ruim! - Disse me arrependendo em seguida.

_ Hum!? - Ele interrogou, de forma completamente desentendida.

_ Dormir com você não foi algo ruim... - Completei, não olhando para ele. Foi difícil compreender sua expressão, por um momento pareceu feliz e aliviado. Mas, sua cara fechou em seguida, falando:

_ Acho que sei onde você pode ficar enquanto está aqui na cidade. Essa casa azul a esquerda está a venda, e a imobiliária já a cedeu algumas vezes como pousada para os federais. - Estava parecendo constrangido quando terminou.

Entendi aquilo como um recado, então decidi me colocar no meu lugar. Eu havia gostado de verdade daquele momento, e queria tentar algo mais caso fosse possível, no fundo todo mundo cria expectativas. Mas se fosse o caso de só dormir juntos novamente já estava ótimo, eu entendo que nessa fase da vida me faltava mais carinho que sexo. Sabia que talvez havia um interesse mútuo entre nós, mas não iria insistir nisso e naquele momento entendi que poderia ser algo infrutífero que não poderia despejar energia nisso.

Paramos em um restaurante simples, que possuía contrato com o serviço público e fornecia refeições para o corpo policial. O sabor era excelente, e naquele momento lembrei que realmente já precisava comer. Ele as vezes ele me olhava de canto de olho como se quisesse falar, enquanto seguimos com nossa refeição em um silêncio tranquilo. Quando terminei de comer, já estava pensando em me retirar para ir até o carro, quando em um gesto amistoso ele me pede calma, me fazendo não levantar. Notei um olhar diferente nele, apesar de toda tensão nítida pelo trabalho ele me parecia um pouco animado, disse que não poderíamos sair dali sem antes degustar um pouco de pudim de café, dizendo que era a especialidade da casa. Confesso que fiquei curioso em provar o doce, dado ao entusiasmo dele. Ao mesmo tempo pensei com franqueza que ele provavelmente era um grande de um maricas problemático, de certa forma eu era reativo e as vezes pensava coisas assim. Da minha parte isso é bem contraditório, já que uma parte grande minha queria talvez sentir novamente o seu abraço aquela noite.

Foi a primeira vez que o vi sorrir, mesmo sendo um sorriso bastante tímido e breve, que acredito ter sido visto só por mim. Ainda hoje, depois de tanto anos juntos, ainda me encanto com seu sorriso sempre que o vejo no nosso cotidiano. Acabei sorrindo também, não esperava que um gesto tão simples fosse causar aquele momento. Foi mágico. Por um segundo, esqueci do caos que estava lá fora, e de que a qualquer momento precisaríamos voltar para nossa rotina, e que nosso distanciamento seria maior quando eu estivesse fora da casa dele. Uma corrente de tristeza habitou em mim por alguns segundos, já percebendo que eu talvez estivesse criando espectativas demais.

Ele permanecia com os olhos em mim, de uma forma que me fazia ter vontade de beijá-lo ali mesmo, mesmo estando mais sério agora. Num gesto rápido, senti tudo na nossa mesa voar longe, seguido de um soco dado com muita força no rosto de Marinho, que caiu no chão desorientado.

Um homem havia agredido meu companheiro de trabalho, de forma tão abrupta que mal percebemos sua presença perto de nós. Mais que imediatamente me coloquei em frente ao agressor e Marinho, que estava no chão tentando recobrar sua consciência. Acabei retribuindo o soco, fazendo com que o homem caísse no chão, quase desmaiando e com o nariz lavado em sangue. Levantei o Delegado, que nesse momento olhava a situação como se não entendesse ainda o que aconteceu. Outros homens nos cercavam, mas sem que demonstrassem aquela hostilidade que vimos a alguns segundos atrás por parte do sujeito que o agrediu. Tudo havia sido muito rápido.

Outros dois homens com o mesmo porte, ajudaram a levantar o que parecia ser o amigo. Ainda saquei minha arma, mas, cuidadosamente, ele me fez guardá-la dizendo que sabia o que estava fazendo por meio de seu olhar. Notei que o homem chorava, e berrava chamado ele de incompetente, e que por sua culpa sua filha estava morta. Percebi um olhar de cumplicidade em Marinho, que apesar de sangrar não se importou em falar de maneira tão diplomática com os homens e pedir a colaboração de todos quando fosse necessário. No geral, ele se desculpou pelo soco que eu havia dado e disse que toda a equipe estava empenhada em fazer justiça por sua filha.

O homem chorava desesperadamente pela filha morta, de forma que me arrependi do que fiz. Foi tudo automático e só queria proteger alguém com quem me importo, igual ele. Com a colaboração de outros homens que pareciam respeitar e valorizar muito a figura do delegado, a situação foi apaziguanda. Marinho de imediato ficou com uma parte do rosto inchado e roxa, além disso cuspiu sangue algumas deves me dizendo que acreditava que seu dente estava trincado.

Fomos em direção ao carro. Ele disse que aquilo não foi nada, e que não era para deter o homem preso quando um policial chegou para nós perguntando o que ocorreu ali. Com aquele gestou, passei a ver muito mais que o profissional. Passei a ver o ser humano que estava ali comigo. Com certeza o ocorrido fez com que eu mudasse a forma como o via, ele definitivamente só estava muito cansado, comigo aquele gesto teve muito valor. Já levei uma tapa na cara de uma mãe que perdeu o filho e agi da mesma forma que ele, embora que quando cheguei em casa tarde da noite chorei muito na solidão de casa. Um vendedor de sapatos que eu estava ficando nesse dia sumiu, e acabei sozinho com uma garrafa de uísque pensando que tudo o que eu queria ali era o abraço da minha mãe.

No carro, o fluxo do sangramento do corte do cílio estava menor, o que me fez ficar mais aliviado. Peguei alguns lenços higiênicos que estavam no porta luvas e limpei seu ferimento com o mesmo cuidado que ele havia cuidado do meu corte mais cedo. Ele apenas me observava enquanto cuidava dele, um homem tão dono de si naquele instante de fragilidade não era algo comum. Percebi que a tristeza nos seus olhos voltou com tudo, o que me fez ficar preocupado. Outra grande estatística na nossa área é a depressão e com ela todas outras coisas ruins que sabemos até onde chegam.

Sabia que ele estava sobrecarregado, toda a pressão da investigação e a solidão em que ele se encontrava só mostrava o quanto o homem em minha frente estava perdido. Eu não sabia como nem o que, mas queria poder fazer alguma coisa por ele, tanto com ajuda profissional como pessoal, talvez como um amigo que ele evidentemente não tinha ali. Já tinha percebido que suas relações eram estreitamente voltadas ao trabalho, e que o homem era muito fechado em si, por mais que estivesse sendo receptivo comigo da forma dele, em dias normais as coisas não seriam assim.

Fiz um curativo da melhor forma que pude, sabia que logo mais precisaria de algo melhor. Ele não se opôs quando limpei seu rosto com um cuidado incomum. Ele percebeu que existia alguma coisa por trás daquilo, eu podia ver em seus olhos.

_ Ele era pai da segunda vítima, e desde o ocorrido tem decaído na sua vida. Eu sei o que é perder a família... - Falou de forma triste se recostando no banco de motorista, segurando o volante e olhando vago para além do vidro parabrisa.

_ Por pouco eu não atiro nele ou decreto a prisão. - Falei objetivo.

_ Ninguém aqui está pensando bem ultimamente, só quero resolver esse crime e tirar longas férias. Não vejo a hora de ir para um lugar quente, com mar e tequila, e não pensar em nada disso durante um bom tempo. - Ele conclui de forma esperançosa.

_ O que houve com sua família? - Perguntei torcendo para não ter sido invasivo. Pela sua expressão, sabia que não era um assunto que queria tratar, mesmo assim falou:

_ Eu e Olívia já não estávamos bem a muito tempo, era tudo muito difícil entre nós. Envolvia várias questões... - Fez uma pausa, provavelmente pensando se realmente iria continuar falando, eu já percebi que ele se envolveu com alguém. Então dá sequência:

_ Estávamos juntos por nossa filha, que tem agora nove anos, mas já não estávamos vivendo como marido e mulher. Ele então assumiu um emprego em Terra Vermelha, e foi com minha filha, que me visitava esporadicamente. Tudo tem sido muito solitário, quando o caso foi reaberto só piorou. Quando os sequestros começaram, ela não veio mais aqui com Estela, nossa filha. Mais porque eu pedi. No natal e ano novo passados eu passei sozinho na nossa casa, e nunca antes tinha me sentido tão solitário. Sinto falta da minha filha, sinto falta de muita coisa... - Disse Marinho, com olhos marejados. Não consegui falar nada, só buscava absorver da melhor forma possível aquela informação. Era uma nova camada agregada a ele.

_ Sinto que estamos perto de descobrir alguma coisa importante, e logo estaremos encerrando esse caso. - Falei otimista. Ele só me olhava, buscando ter a mesma esperança. Ele permaneceu com os olhos em mim, sem falar nada.

_ Obrigado! - Concluiu pegando um dos lenços e limpando um pouco de sangue que tinha parado no meu rosto. Confesso que não esperava o gesto, mas senti uma sensação muito boa de acolhimento naquele momento.

_ Se tu me der uma pista legal eu te dou uma caixa de Santa Fé. – Por um segundo rinde desespero do comentário.

_ A gente toma a caixa toda de tequila na praia quando estivermos comemorando a prisão dos culpados. – Respondi de forma descontraída.

Mal terminou de falar e seu telefone toca, atendendo imediatamente. Parecia mais concentrado que o normal, e notei que era algo mais importante do que as informações de atualização. Ainda com o celular em linha, deu partida no carro e saiu cantando pneu, rumo a via que ligava a pequena cidade as minas.

Ele parecia não se preocupar com limites de velocidade e concluiu a ligação jogando o celular no meu colo. Seu semblante era sério, como se fosse uma máquina. Ele olhava concentrado a estrada, me explicando brevemente que nos corredores ao leste da fonte oito encontraram uma peça de roupa infantil e marcas de sangue. Pela primeira vez encontramos evidências físicas da passagem das vítimas pelo local. Agora precisávamos agir pelas vítimas: todas elas.

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Foto de perfil genéricaMaciel Petrópolis Contos: 7Seguidores: 10Seguindo: 0Mensagem Escrevo por diversão, e por isso agradeço a todos que me incentivam de alguma forma. Espero que aproveitem a leitura. No mais, deixo um abraço para cada um de vocês.

Comentários

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Ja tô amando o conto, muito bem construído e bem escrito, toda a química dos personagens sendo construída aos poucos, sem uma coisa rápida e uma putaria desenfreada, estou amando seu conto

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Obrigado por acompanhar. Eu estou em processo de escrita dos próximos capítulos e revisão do que já foi postado, assim logo mais tô postando a continuação. Algumas coisas serão acrescentadas no que já tenho escrito como forma de desenvolver melhor psicologicamente os personagens, mas que não afetará a leitura caso as pessoas decidirem não reler. Espero que continue acompanhando e que curta os próximos capítulos. Um abraço!

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Perfeito este capítulo.

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Já estou acompanhando, pois amei o conto e está muito bem escrito. E você está sendo bem ágil nas postagens!

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Obrigado. Eu tenho metade da história escrita, a outra metade irei concluir simultaneamente com a revisão do que já tenho pronto. Espero que aproveite a leitura. Abraço ❤️

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Bom demais!!!! Tomara que vc continue postando rápido assim.

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Obrigado por acompanhar. Farei o possível para concluir a história em um tempo razoável, mantendo uma boa revisão e amarração do enrredo. Abraço grande ♥️

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