A vida universitária, o período de transição entre a infantilidade da escola e as angústias da vida adulta. Para alguns, essa época é antecipada por anos de cursinho. Para outros, mais esforçados - e também sortudos - o ingresso na faculdade acontece logo depois da graduação no Ensino Médio. Esse é o caso de Beatriz. Filha de uma família de classe média-baixa, quase baixa, ela foi a primeira a entrar em uma universidade pública, no curso de Física da melhor faculdade de São Paulo, ao contrário de seus pais, que estudaram em “uniesquinas”. Apesar de Bia nunca ter passado necessidade, sua vida não era tão confortável quanto ela gostaria. Seus pais não podiam comprar todos os instrumentos musicais que ela queria aprender, nem todas as roupas que ela desejava. Quem sabe, enfim, ela poderia ascender socialmente com seu diploma.
Chegou o tão esperado primeiro dia de aula. É claro que Bia não estava só ansiosa para o que aconteceria apenas dentro da sala de aula, afinal, a vida social da universidade é o mais legal de tudo: trotes, barzinhos, atléticas e mais. Bia entrou no campus, cheio de áreas verdes, com uma postura confiante. Sua pele parda contrastava com sua camisa branca. Ela também vestia uma calça jeans baggy, brincos dourados, um colar prateado, óculos escuros e um par de sandálias Birken verdes-musgo com unhas naturais. Seu cabelo era chanelzinho repicado com uma franja, e para completar o estereótipo da garota típica de universidade pública, ela carregava seu material em uma ecobag creme.
As primeiras semanas foram hedônicas. Noites bebendo, flertes, passeios pelo campus. Tudo estava perfeito para Bia, exceto por uma coisa: a dificuldade do seu curso. Os professores pareciam falar grego durante as aulas de Cálculo, e Bia já estava com medo de bombar no primeiro semestre. Ela percebeu que talvez fosse necessário abdicar do seu novo estilo de vida e focar nos estudos, afinal, ela estava lá para isso.
Certo dia, na fila do bandejão, Bia foi abordada por uma colega. Seu nome era Clara. Ela tinha pele branca e cabelos castanhos cacheados. Nesse dia, Clara vestia uma calça jeans preta, uma camisa escura do Corinthians com o escudo antigo do clube, all-stars surrados, e usava delineado. Bia já havia capturado alguns olhares lançados por Clara para ela em algumas aulas, mas sua insegurança não a permitiu pensar em nada.
- Oi, você é a Bia, né?
- Ah, oi! Sim. Eu acho que já te vi em algumas aulas. Como é seu nome mesmo? - Bia perguntou timidamente.
- É Clara! É seu primeiro semestre aqui também, né? Eu queria te dizer que eu amei seu estilo e queria te conhecer. - O que acha de comermos juntas? - Clara pergunta com um sorriso.
- Obrigada! Podemos sim.
As duas seguiram juntas pelo restante do dia. Almoçaram na faculdade e foram para um sebo-café no centro da cidade por iniciativa de Clara. Por fim, elas passaram em um brechó na República.
Durante a volta no metrô, surgiu o tópico da dificuldade com as matérias. Bia falou de seus problemas com Cálculo.
- Pior que eu ia bem em matemática no Ensino Médio, não sei o que aconteceu.
- Relaxa, isso é bem normal. Eu vou bem em Cálculo até! Se você quiser, pode passar lá em casa que eu te ajudo - Clara respondeu.
- Nossa, você é um anjo! - Disse Bia agradecida.
Clara morava em um apartamento alugado em Santa Cecília. Os cômodos estavam cheios de plantas e seu quarto tinha alguns pôsteres de filmes antigos. As duas sentaram na cama e Clara começou a explicar a matéria. Parecia a primeira vez que Bia ouvia falar naquelas coisas.
Semanas se passaram e as notas de Bia começaram a melhorar. As garotas começaram a se encontrar mais vezes e passar mais tempo juntas na universidade. Eventualmente, Bia reparou que talvez Clara estivesse mexendo um pouco com sua cabeça. Ela se arrumava mais quando elas iam sair, vivia mandando mensagens, falava dela com suas amigas. Será que ela estava apaixonada? Bia já ficou com outras garotas, mas nada sério. Alguns até já a tinham chamado de “bi festinha”.
Em mais uma das idas até o apê de Clara, Bia estava decidida que, mesmo confusa, confessaria os sentimentos que imaginava sentir, afinal, nunca se sabe no que as coisas podem se desenrolar. Elas chegaram e sentaram na cama. Passaram uma hora estudando e assistindo vídeos bobos no TikTok. Bia enrolava e enrolava para falar, até que tomou coragem. No entanto, quando ela respirou fundo para confessar seus sentimentos, Clara disse:
- Sabe, Bia, essas últimas semanas têm sido muito boas desde que eu conheci você, mas, tipo, te ajudar todos esses dias atrapalhou minha rotina de estudos um pouco, foi mal se saber disso te machuca.
Bia encarou sua amiga com uma expressão séria e preocupada.
- Meu Deus! Desculpa, Clara, eu…
- Relaxa, não precisa se preocupar nem nada. Eu só queria.. sei lá, uma coisa em troca, sabe? - Disse Clara após interromper a amiga.
- Puts, é que.. eu não tenho muito dinheiro. Se quiser, eu posso parar de vir aqui.
- Não tô falando de dinheiro, sua boba! Você pode pagar de outras formas, né.
O coração de Bia disparou com esse comentário. O que será que Clara queria em troca?
- O que você quer?
- Clara sorriu maliciosamente com a pergunta.
- Sabe, tem algumas coisas meio esquisitas que eu gosto que façam pra mim…
Bia não respondeu. A antecipação era quase insuportável.
Clara, que estava usando seu all-stars surrado de novo naquele dia, encosta na cabeceira da cama rapidamente, com as solas dos sapatos virados para a amiga. Ainda com os olhos cheios de malícia, ela diz:
- Põe a língua pra fora.