<<<<Gabi>>>>
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Eu fui para minha casa o mais rápido possível. Eu precisava agir rápido. A primeira coisa que fiz foi colocar meu celular no carregador. Eu iria precisar muito dele. Tinha mais de 50% de bateria, provavelmente daria, mas eu preferi deixar carregar mais um pouco. Fui ao meu quarto e troquei de roupa. Peguei meu capacete e fui olhar meu celular. 60% de bateria, tinha que dar ou meu plano iria todo por água abaixo. Mandei uma mensagem para minha mãe avisando que iria sair e quando voltasse explicaria para ela. Sai, liguei minha moto e subi em direção a fazenda. Antes da casa eu entrei no meio da lavoura em um dos carreadores. Acelerei um pouco e depois parei a moto. Fiquei em silêncio e como imaginei não tinha nenhum barulho de colheitadeiras ali perto. Estavam todas ao fundo da fazenda. Liguei a moto novamente e acelerei só o suficiente para ganhar velocidade e desliguei a chave e deixei ela descer em ponto morto. Apesar de já estar bem escuro, os carreadores eram limpos. Ainda mais depois da colheita.
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Logo vi que as luzes do galpão já estavam a uma distância segura para eu ir a pé. Diminui a velocidade. Liguei a lanterna do celular para eu enxergar melhor e fui devagar até ver a placa com o número da quadra. Estacionei a moto dentro da primeira rua e rezei para ninguém passar por ali. Eu sabia muito bem onde eu estava. Conhecia a fazenda muito bem por ter crescido ali. Segui para perto do galpão que era enorme. Eu sabia onde ficavam as pias de café antigamente. Se ainda usassem o mesmo lugar eu sabia o que fazer. Fui direto para o secador de café ao lado do galpão. Eu achei estranho porque ali geralmente ficava com as luzes acesas a noite toda, mas mesmo com o secador funcionando as luzes estavam apagadas. Fui seguindo com cuidado e vi que a porta lateral que ficava do lado do secador estava entreaberta. Fui pé por pé com muito cuidado e me aproximei. Logo ouvi as primeiras vozes lá dentro.
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Abri a porta com cuidado e vi que tinha poucas pias de café. Fabi já estava colhendo e vendendo o que colhia para tentar se manter, então não tinha quase nada de pias de café ali dentro. Onde eu estava ainda estava bem escuro porque as luzes estavam apagadas. Dali vi que só as do fundo foram acesas e só de um lado. Pelas vozes também era fácil identificar onde estavam. Segui no canto do galpão bem devagar para não tropeçar em nada e chamar a atenção. Eu fui me aproximando e ali o risco de eu ser vista era grande. Já estava bem claro e eu podia ver os homens ao redor do caminhão. Segui mais um pouco e consegui alcançar as pias de sacos vazios. Fui andando atrás delas e já cheguei bem próxima a onde eles estavam. Dali daria para filmar mas talvez não ficaria muito nítido mesmo com a câmera do meu celular que era muito boa.
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Resolvi me arriscar mais e fui mais perto atrás de uma pia de sacos de café mais baixa. Provavelmente era de café com grãos ruins, pois a sacaria era mais antiga. Cheguei até a quina da pia e dali eu poderia fazer uma ótima filmagem que provavelmente teria até o som das conversas. Comecei a filmar com todo cuidado para não ser vista. Deixei só a ponta do celular com a câmera para fora da pia. Eu ia olhando a tela e ajustando a posição do celular para ter um melhor ângulo.
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Os homens conversavam entre si. Eu reconheci a voz dos dois que estavam perto da grota. Eram seis no total e não reconheci os outros pela voz, eu não podia ficar olhando e no vídeo não dava para ver com exatidão naquele momento. Fiquei uns 15 minutos ali até que ouvi um dos homens dizer que só caberia mais cinco sacos. Eu achei melhor sair de onde eu estava e ir até minha moto. Eu pensei em parar a filmagem mas isso podia ser motivo para alegar que era algo falso ou montado. Resolvi deixar a câmera ligada filmando meus passos. Quando saí fiz questão de ligar o flash e filmar ao redor do secador e do galpão para ver que era mesmo o da fazenda. Só por garantia. Voltei para a lavoura e antes de chegar na moto eu comecei a falar o que estava acontecendo. Fui contando tudo que eu sabia e como cheguei até ali.
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Demorei algum tempo até chegar na moto. Quando eu estava quase chegando escutei o barulho de algo que provavelmente era o caminhão saindo do galpão. Eu precisava ser rápida. Cheguei na moto e liguei. Rezei para o barulho do caminhão e das máquinas impedir que a moto fosse ouvida. Liguei o flash novamente e usei como farol para poder atravessar a quadra através da rua de café. Peguei um carreador ao contrário do que eu desci e acelerei. O risco de eu ser ouvida era grande, mas eu precisava chegar até a estrada no fundo da fazenda primeiro que o caminhão. Assim que cheguei fui para a saída da fazenda. Me escondi na última quadra de café e esperei. Mais uma vez fui falando o que eu estava fazendo. Não demorou muito e ouvi o barulho do caminhão. Mas não era só um, tinha mais. Provavelmente estavam carregados do lado de fora do galpão e eu não vi. O estrago era maior do que eu pensei.
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Logo vi que eram três caminhões. Eles passaram por onde eu estava e viraram ao lado contrário da cidade quando passaram pela saída da fazenda. Esperei eles pegar distância, liguei a moto e fui seguindo de longe. A estrada era boa naquele local. A claridade da lua ajudava um pouco e minha visão já estava bem acostumada com o escuro. Segui de farol apagado para não correr risco de ser vista e levantar suspeita dos motoristas. Isso durou quase 40 minutos e vi que os caminhões estavam deixando a estrada principal. Eles estavam entrando em uma fazenda e eu a conhecia. Era uma das que o tal empresário de SP comprou. Segui pela entrada da fazenda e pude ver os caminhões parando bem ao longe perto de um grande galpão. Me aproximei mais e vi que tinha mais carros ali. Eu não poderia chegar de moto. Entrei no primeiro carreador que vi. Escondi a moto, desci e olhei o que eu poderia usar para não me perder. Vi uma grande árvore do outro lado da estrada, eu iria usar como ponto de referência. Voltei e segui pela rua de café até chegar na cerca perto do galpão.
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Tinha duas caminhonetes grandes e duas menores estacionadas. Os caminhões já estavam dentro do galpão. Atravessei a cerca com cuidado e me escondi atrás de uma das caminhonetes. Estava claro, eu não podia ir dentro do galpão. Era muito arriscado. Fiquei pensando no que fazer quando vi três homens sair de dentro do galpão conversando. Reconheci dois deles. Tião o encarregado que ficou no lugar do meu Tio e Carlos o agrônomo da fazenda. Eu já os conhecia há muito tempo. Eram moradores da cidade e já tinha visto os dois na fazenda depois que cheguei. O outro homem eu não conhecia, mas pela roupa e o sotaque era o dono da fazenda. Eles vieram em minha direção e tive que parar de filmar eles e ir para trás da caminhonete. O homem que eu não conhecia disse que ia pegar o dinheiro deles e veio até a caminhonete. Eu fiquei imóvel e rezei para ele não me ver. Ele abriu a porta e logo saiu. Eu precisava filmar aquilo e voltei para a lateral da caminhonete. Se eles me vissem ia ferrar tudo, mas eu precisava arriscar. Coloquei o celular para fora e voltei a filmar. O homem entregou uma sacola de papel para os outros dois homens. Esses olharam o conteúdo e o homem falou para eles contarem. Tião disse que não precisava porque os outros pagamentos estavam certos. Carlos disse que precisava ir embora, que não ia esperar os homens descarregarem os caminhões. Nessa hora eu pensei que ia me dar mal. Se os três resolvem sair, a chance de me encontrar atrás da caminhonete era grande.
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Por sorte o homem chamou eles para ir até a casa do seu encarregado beber uma pinga e Tião aceitou na hora. Carlos disse que precisavam mesmo ir e que se encontraria com eles na fazenda no outro dia na hora da compra. O homem sorriu e disse que já estava até com os papéis prontos e que até que enfim a fazenda iria ser dele. Os três riram e eu imaginei do que estavam falando. Carlos veio em minha direção, entrou em uma caminhonete menor e saiu. Os outros dois seguiram em direção a uma casa bem aos fundos e eu saí dali o mais rápido possível.
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No caminho fui falando tudo que tinha acabado de acontecer. Expliquei tudo que achei que devia explicar e assim que cheguei na minha moto parei a filmagem. Liguei a moto e saí bem devagar sem acelerar muito para não fazer muito barulho. Assim que peguei a estrada principal eu liguei os faróis e acelerei com vontade. Eu queria chegar logo em casa. Durante o caminho fiquei pensando no que o homem falou para Tião e Carlos. Será que Fabi iria vender a fazenda inteira? Não tinha outra explicação. Com esses pensamentos cheguei até em casa. Minha mãe estava no sofá à minha espera e parecia preocupada. Dei um abraço nela e perguntei se Fabi iria vender a fazenda inteira. Minha mãe disse que sim. Que ela não achou outra saída a não ser vender tudo já que o único comprador que apareceu só compraria a fazenda inteira. Perguntei quem era e ela me explicou. Falei para ela que eu precisava contar uma coisa, mas antes eu tinha que ligar para Marcelo.
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Fiz a ligação e pela voz ele estava dormindo ou quase. Nem deixei ele falar e perguntei se o delegado da cidade era honesto. Ele disse que sim, que o conhecia bem e com certeza era honesto. Eu disse que iria mandar um vídeo para ele, que ia demorar um pouco porque o vídeo era longo. Falei para ele ver e depois me ligar, mas de forma alguma era para ele dormir sem ver o vídeo porque era caso de vida ou morte. Ele disse que iria ver sim. Me despedi e coloquei o vídeo para enviar. Contei para minha mãe tudo que tinha acontecido e ela ficou de boca aberta com tudo que contei.
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Eu fui tomar um banho rápido depois de falar com minha mãe. O vídeo tinha sido enviado e eu fui comer algo até Marcelo me ligar. Minha mãe me contou tudo que sabia sobre a venda da fazenda. Aí fiquei preocupada em não ter como impedir. Falei para minha mãe não contar nada para Fabi. Para esperar o que Marcelo iria falar. Ela concordou. Eu pedi para ela tentar dormir porque já era tarde e no outro dia a gente conversava de manhã. Ela se foi e eu fiquei esperando Marcelo ligar.
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Depois de um bom tempo ele liga e diz que já tinha enviado o vídeo para o delegado. Que era para eu ir na cidade bem cedo para dar meu depoimento e esclarecer as coisas. Eu disse que às sete eu estaria na delegacia. Depois ele pediu para eu dormir e no outro dia eu explicava para ele com detalhes como eu filmei o vídeo. Eu concordei com ele. Antes de desligar, Marcelo falou que tinha certeza que eu iria salvar a fazenda da Fabi e ela iria ficar muito grata. Nós despedimos e eu fui dormir. Eu estava exausta.
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Acordei no outro dia cedo. Conversei com minha mãe e disse que eu ia na cidade, mas ligaria para ela de lá. Pedi para ela não ficar longe do celular de maneira alguma. Eu saí logo em seguida. Cheguei até cedo demais a delegacia, mas por sorte o delegado também resolveu aparecer mais cedo e Marcelo também. Entramos só nos três. Expliquei para eles tudo que eu sabia e tinha feito. O delegado gravou toda a conversa. Marcelo disse que reconheceu alguns dos homens e que sabia dos problemas da fazenda. O delegado achou melhor ele explicar tudo e gravou a conversa. Ele disse que depois pediria ao escrivão para redigir nosso depoimento.
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O delegado falou que tinha visto o vídeo quase completo quando acordou, mas pelo que viu e pelo nosso depoimento não tinha mais muitas dúvidas do que estava acontecendo. Disse que iria pedir os mandados de prisão para os três envolvidos que era mais urgente e depois iria atrás dos ajudantes. Ele ligou para o Juiz que o chamou no seu gabinete. Liguei para minha mãe e expliquei tudo. Ela disse que Fabi tinha chamado ela para ser testemunha. Eu disse para ela aceitar e talvez isso poderia ser útil. Se os mandados não saíssem era para ela contar a Fabi tudo.
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As coisas correram bem. O delegado não conseguiu os mandados de prisão para os três a tempo porque ia demorar a cair no sistema, mas ele não iria precisar. O delegado disse que sabia onde pegar os três de uma vez em flagrante e já trazer Fabi para explicar para ela. Eu gostei da ideia. Fiquei em contato com minha mãe e Marcelo. Vários outros polícias saíram junto com Marcelo em direção a casa da Fabi. O delegado tinha pedido ajuda à polícia de Passos. Mandaram três viaturas com 12 homens para ajudar eles e a polícia civil da cidade. Outra coisa em que ajudaram foi ir ao laboratório em Passos e falar com o responsável. Ele confirmou o que eu já imaginava e disse que provavelmente a análise já estava no correio da nossa cidade pelo horário que era.
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Eu fui até o correio e realmente estava. Marcelo a essa altura já tinha avisado que tinha dado tudo certo e os três estavam presos a caminho da delegacia. Quando voltei vi Fabi chegando e cometi a estupidez de tentar falar com ela. Grande erro. Ela mais uma vez gritou comigo, dessa vez bem alto. Ver a raiva dela estampada nos seus olhos me fez derramar algumas lágrimas. Fiquei ali até ver o Marcelo. Entreguei os papéis da análise e fui sair. O delegado me viu e parou para conversar comigo e explicar os próximos passos. Sinceramente eu nem ouvi direito.
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Saí e mandei msg para minha mãe dizendo que estava indo para casa, mas que eu estava quase sem bateria e depois falaria com ela. Desligue meu celular. Eu não queria falar com ninguém. Fui para o sítio, mas nem entrei, passei direto e fui curtir minha tristeza no lugar mais tranquilo que tinha ali. Eu precisava pôr as ideias no lugar. Não demorou muito após eu descer e escutei o barulho de uma caminhonete parar lá em cima. Só podia ser Fabi e realmente era. Fiquei meio sem saber o que fazer. Mas ela foi se aproximando devagar e em vez do olhar de raiva vi um pequeno sorriso no seu rosto. Aquilo me deu um certo alívio e eu sorri de volta. Ela chegou bem perto de mim e simplesmente me abraçou. Finalmente eu estava sentindo aquele abraço novamente.
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Continua..
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Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper