CAPÍTULO DEZOITO
*** PEDRO FERNANDES ***
— Você chegou!!! — Matheus grita de maneira estridente quando eu abro a porta do nosso apartamento. Meu amigo salta do sofá e corre para me abraçar.
Seus braços longos e finos me envolvem, e eu não sabia que precisava tanto deles até tê-los ao meu redor. Fecho os olhos e aproveito a sensação que me domina pelo longo tempo que permanecemos abraçadas uma à outra.
— Senti tanto a sua falta — digo choroso.
— Eu também! Tô considerando seriamente te amarrar na cama, amordaçar, talvez até te dopar só pra garantir, e fingir que você nunca veio aqui quando o Hugostoso vier atrás de você.
— Isso seria meio difícil, já que ele me deixou lá embaixo e me viu entrar — respondo rindo da loucura habitual de Matheus. — E Hugostoso?
— Você poderia ter sido sequestrado por algum dos nossos vizinhos e eu nunca saberia. E sim! Não é um apelido ótimo? Pensei nele hoje de manhã! — Eu rio, mas sou obrigado a concordar. Definitivamente, é um ótimo apelido.
— A gente já tem que soltar?
— Não, Matt. Ainda não.
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Estaria tudo bem, se a festa de aniversário de sessenta e cinco anos da mãe do Hugo não fosse hoje e eu não estivesse me sentindo uma pilha de nervos. É besteira, eu sei.
Não é como se o Hugo fosse um adolescente que precisa da aprovação dos pais para o seu namorado, não é nem mesmo como se eles já não soubessem do nosso relacionamento, mas não consigo evitar o revirar constante no estômago desde ontem à noite, quando fiz as malas.
— Se você não levar essa, eu levo — Matheus diz, sentado em um puff dentro do provador espaçoso, me observando girar de um lado para o outro, testando a fluidez do tecido.
— E vai fazer o quê com ele?
— Dormir, comer, ir ao mercado, talvez pegar um ônibus. Em suma, me sentir bonito. — Imagino meu amigo fazendo cada uma das atividades enumeradas em um vestido de festa e consigo visualizá-lo em todas elas. Esse é exatamente o tipo de coisa que Matheus faria.
— Você é lindo, Matt.
— Eu sei, mas às vezes, a roupa ajuda. E essa roupa, sem dúvida alguma, é uma dessas roupas. — Olho outra vez para a peça.
— Você tem razão. Eu só estou nervoso.
— Desnecessariamente. Hugostoso já tá rendido, a menina já tá rendida, até o seu cunhado já tá rendido. Não tem como os seus sogros não se renderem também.
— Não consigo evitar.
— Tudo bem, faz parte do pacote, eu acho. Nunca namorei um gostoso mais velho e rico, então não posso dizer com propriedade, mas imagino que seja normal se sentir assim antes de conhecer os pais da pessoa por quem está apaixonado — ele diz, batendo os cílios e eu reviro os olhos.
Matheus se levanta e caminha até mim. Suas mãos de dedos finos alcançam as minhas bochechas.
— Só não esquece que, independente de qualquer coisa, eles têm sorte de ter você. Todos eles.
— Eu te amo.
— Eu sei, eu também me amaria se fosse você.
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O olhar que Hugo desliza pelo meu corpo no momento em que eu passo pelos portões do prédio, põe fogo em minhas veias.
— Você está estonteante — diz, já envolvendo minha cintura em seu braço.
— Você também não está nada mal pra um homem da sua idade — sussurro contra sua boca, alisando suavemente o tecido do smoking em seu corpo. O sorriso que se abre nos seus lábios é uma coisa indecente de tão sensual.
— Porra, eu estava esperando que você dissesse isso. Desejando, na verdade.
— É mesmo? Por quê? — Inclino a cabeça e estreito os olhos.
— Porque nós estaremos praticamente sozinhos no carro e eu quero te foder nele. Achei que você pudesse resistir, mas agora você tem uma dívida para pagar amor, e vai pagar de joelhos. — Planta um beijo atrás da minha orelha, arrepiando-me inteiro.
Ele se afasta somente o suficiente para me dar passagem e eu entro na SUV ainda mais espaçosa do que a que Hugo costuma dirigir. Os bancos cor de creme são luxuosos e o frio do couro contra a minha pele, aquecida somente com as palavras dele, faz um estremecimento atravessar a minha espinha.
Hugo entra no carro e fecha a porta. Seu olhar se fixa no meu, fazendo um milhão de promessas indecorosas enquanto ele pressiona o botão de subida da barreira de som e visão entre os bancos dianteiro e traseiro. No instante em que ficamos isolados do motorista, me arrasto na direção do corpo grande e colo a frente do meu corpo na lateral do seu, porque, sim, eu o provoco totalmente de propósito.
Passo a língua sobre os seus lábios, sentindo o gosto deles e fechando os olhos brevemente. Roço o meu rosto no seu, absorvendo o cheiro da sua pele e a sensação da carícia. Uma das suas mãos se ergue e seus dedos se infiltram em meu cabelo.
Ele leva minha boca de volta até a sua e me beija com fome.
— Senti saudades — confessa, recuando a língua apenas para isso.
— Eu também — admito e volto a enfiar minha língua em sua boca. — Nos beijamos por minutos inteiros e quando a necessidade por ar nos vence, eu olho para o chão, calculando se tenho espaço o suficiente.
Bem. Não ser alto tem lá suas vantagens. Com cuidado e pressa, me ajoelho e esfrego a mão por cima da ereção evidente nas calças de Hugo.
— Acredito que eu preciso fazer um pagamento — digo e ele não responde, apenas me olha intensamente e roça o polegar na minha bochecha.
Ele acompanha cada um dos meus movimentos enquanto abro o prendedor dos suspensórios, ergo a faixa de cintura do smoking, desfaço o botão da calça, enfio a mão na cueca box azul e liberto o membro pulsante da prisão de tecido. Não espero para matar a vontade que me domina no instante em que o cheiro da excitação de Hugo invade o meu nariz.
Abocanho a cabeça do pau duro. O membro grosso preenche a minha boca com facilidade e meu pau lateja de vontade instantaneamente. Deslizo para frente, engolindo até um pouco mais da metade antes de a ponta da ereção bater no fundo da minha garganta. Recuo, circulo a língua ao redor do comprimento e levo uma das minhas mãos até as bolas.
Hugo geme gostoso, transformando a minha excitação em algo ainda mais intenso. Eu deveria ter trazido outra cueca. Não se passaram nem dez minutos desde que eu saí de casa e a minha já está arruinada. Não controlo os gemidos a cada movimento de vai e vem que faço com a boca, terrivelmente excitado por ouvir os sons do prazer de Hugo, pelo toque dos seus dedos em minha pele, pelo seu gosto em minha língua.
— Que boca deliciosa, amor. Puta que pariu! Que boca deliciosa do caralho!
Quando seu pau bate no fundo da minha garganta mais uma vez, chupo até que minhas bochechas estejam fundas antes de recuar, deixando a ereção sair da minha boca com um som de sucção. Volto para ela, Hugo apoia a outra mão na minha cabeça e assume o controle dos meus movimentos.
Ele fode a minha boca em um ritmo intenso, gostoso, sem desviar os olhos dos meus. Nossos gemidos se misturam.
Ele goza com um grunhido, enchendo a minha boca de porra e eu tento engolir tudo, mas uma porção escorre pelo canto dos meus lábios e Hugo a captura com o polegar antes de esfregá-la sobre eles, lambuzando-os com seu gozo. Seus olhos acompanham o movimento da minha língua quando a uso para limpá-los e segundos depois, ele está me puxando para cima, beijando minha boca, e eu não estou me importando com mais nada.
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— Para de me olhar assim! — digo entredentes quando mais um casal de convidados se afasta de nós depois de alguns minutos de conversa.
A festa na casa dos pais de Hugo esbanja luxo e bom gosto com a decoração em tons de bronze e branco. Há poucos convidados, mas cada um dos presentes parece transpirar riqueza pelos poros.
Beatrice está solta pela festa, sendo exibida pela avó. Ainda não vi nenhuma das duas, o que deixa Hugo e eu sozinhos e, quando não está dando atenção a alguém que nos aborda, ele está hiperfocado em alguma parte de mim.
— Assim como? Como se estivesse imaginando essa roupa jogada pelo chão do meu quarto?
— É! Exatamente assim!
— Sinto muito, Bela Armadilha. Não posso, porque é exatamente isso o que estou imaginando. Quanto tempo é minimamente educado ficar até que possamos ir embora?
— É o aniversário da sua mãe! — reclamo e ele dá de ombros.
— Ela está vindo para cá, inclusive. — Arregalo os olhos e ele ri baixo antes de estender o braço e me puxar em sua direção. — Ela vai adorar você. — Beija meus lábios com suavidade
— Pedro! — O chamado de Beatrice faz com que ele me solte e eu me viro, pronto para o entusiasmo da menina que hoje está parecendo uma boneca com seu vestido de tutu rosa e um aplique de flores em seu penteado exatamente igual ao meu. Ela quis combiná-los e quem quer que tenha penteado seus cabelos, fez um excelente trabalho em seguir a foto que deixei no celular do Hugo.
— Oi, meu amor — digo, pegando-a no colo e abraçando apertado. Afundo o nariz em seu pescoço e puxo uma inspiração profunda. Meu Deus, que cheiro bom.
— Pedro! A vovó que tá fazendo aniversário, mas eu que ganhei presente! Olha a minha flor! — Mostra o arranjo preso em seus cabelos.
— Que presente incrível! É lindo, Be! — A coloco no chão, sorrindo por sua animação sempre tão contagiante.
— Oi, mãe — Hugo diz, ao meu lado, e se movimenta para abraçar a mulher linda usando um vestido marsala que delineia suas curvas de forma elegante. Na verdade, tudo em Stelle Maldonado grita nobreza. Aristocrático é o único adjetivo que me vem à cabeça para descrever seu rosto longo com traços delicados, os cabelos loiros, modelados em ondas presas em um coque e o corpo esquio. — Feliz aniversário.
— Obrigada, querido. Agora me apresente o meu genro! Você já me enrolou demais — pede e eu pisco. O pai de Hugo dá uma risadinha antes de estender a mão para mim.
— É um prazer conhecê-lo, Pedro.
— O prazer é todo meu. — Sorrio também.
— Posso pelo menos falar com o meu pai?
— Depois de me apresentar. — Stelle se afasta do filho, impaciente e Hugo bufa.
— Mãe, esse é o Pedro. Pedro, essa é a minha mãe, Stelle.
— Olá, querido. É um prazer conhecer você.
— Eu contei tudo sobre você pra vovó, Pedro. — Beatrice se apressa em participar da conversa, fazendo com que um rubor leve apareça nas bochechas da avó e Hugo ri, nada discretamente.
— Sim, ela contou. — Stelle disfarça o constrangimento. — Mas eu espero que você mesmo possa me contar outras coisas durante um brunch, ou talvez um almoço, o que você preferir, antes de vocês voltarem para Santa Catarina. O que acha?
— Acho ótimo.
— Vovó, eu quero ir no brunch.
— É claro que você vai, princesa. — Stelle tranquiliza a neta. — E então, como está a vida em Florianópolis? — pergunta tanto ao filho quanto a mim e nos envolvemos em uma conversa que flui naturalmente.
Stelle e Leonel são pessoas fáceis de lidar e ansiosas para serem participativas na vida do filho. Coisa que até esse momento, eu não havia percebido e não sei, se porque ele esconde, ou porque não permite. Faço uma nota mental para prestar mais atenção.
Uma movimentação diferente atrai o meu olhar para a porta e eu percebo a chegada de uma convidada. A pessoa em questão parece empenhada em atrair olhares, dada a maneira como está vestida: um vestido vermelho sangue lindo, mas cujo objetivo nunca foi ser discreto. Aquela peça de roupa provavelmente sequer conhece o significado dessa palavra.
— Ah! — Stelle exclama ao seguir o meu olhar, abrindo um sorriso tão genuíno que é impossível não espelhar o gesto. Mas quando a convidada se vira e finalmente posso ver o rosto além do vestido, o sorriso morre em meu rosto. — É a sua avó! Eu queria te fazer uma surpresa.
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*** HUGO MALDONADO ***
Se o olhar de Pedro não fosse indicativo o suficiente de que há algo muito errado, sua postura enrijecida seria e eu não sou o único a notar.
— Tudo bem? — Minha mãe pergunta e Pedro engole em seco antes de vestir um sorriso fraco e assentir, tentando disfarçar seu óbvio mal estar que, se eu estiver certo, está diretamente ligado à chegada da surpresa de minha mãe. Ela deveria ter me perguntado, mas agora não é hora de pensar nisso.
— Não se preocupe, mãe. Nós não vamos ficar chateados por você precisar receber sua convidada. — Minha mãe entende imediatamente as palavras ditas nas entrelinhas.
— Beatrice, quer receber mais uma convidada com a vovó?
— Quero.
— Então vamos. — Com um aceno de despedida, sou deixado sozinho com Pedro outra vez.
O terceiro sinal de sua completa mudança de estado de espírito é o fato de ele não ter reclamado da minha falta de sutileza ao dispensar meus pais. O quarto é ele não protestar quando começo a conduzi-lo através do salão até o primeiro cômodo vazio que encontro na casa dos meus pais, uma sala de estar. Entro nela com Pedro e fecho a porta. Ele dá alguns passos antes de se virar para mim.
— O que houve? — pergunto sem rodeios. Pedro pisca, parecendo só agora se dar conta de que não estamos mais na recepção. Ele umedece os lábios e solta um suspiro.
— Minha avó... — suspira mais uma vez. — Minha avó e eu não nos damos muito bem.
— Disso eu já sei, amor.
— Ela não aceita o fato de eu não querer assumir os negócios da família. — espero pelo resto, porque certamente precisa haver mais, no entanto, Pedro não volta a falar.
— E?
— E é isso. — Dá de ombros. — Ela não aceita que eu não queira assumir os negócios da família e se recusa a manter um relacionamento comigo desde que decidir cursar pedagogia ao invés de qualquer curso que fosse útil ao papel que ela esperava que eu assumisse na Afrodite.
— Isso é tudo? — pergunto confuso e Pedro solta uma risada seca.
— Ela nunca gostou muito de mim, eu acho. — A admissão deixa uma sombra em seu olhar. — Me aceitou por obrigação, porque ficaria feio me rejeitar sendo meu único parente vivo. Meu pai havia rompido com ela porque ela não aceitava minha mãe. Ele renunciou à fortuna da família quando minha avó o obrigou a escolher entre o dinheiro e a mulher que amava. Eu não a conheci até a morte dos meus pais.
— Porra.
— É. — Balança a cabeça em concordância. — Minha infância não foi das melhores, como você já sabe. Mas aos dezessete anos, quando passei no vestibular, ela me disse que deu quase o mesmo ultimato que havia dado ao meu pai ando antes. Eu precisaria escolher. Se realmente quisesse cursar pedagogia, não deveria contar com ela para nada, nem para ter um teto sobre a minha cabeça. Ela até assinou os papéis da matrícula na faculdade, mas me colocou para fora junto com eles.
— Você era menor de idade, porra! — A indignação torna minha voz extremamente áspera, mas Pedro não se importa, porque sabe que minha revolta não é dirigida a ele.
— Ela achou que eu desistiria na primeira semana. Eu não tinha dinheiro, casa, nada.
— Mas você não desistiu. — Ele sorri.
— Não. Primeiro, eu conheci Matheus na fila de inscrição da faculdade. E embora eu goste de atormentá-lo dizendo que meu anjo da guarda estava distraído quando isso aconteceu, a verdade é que eu tenho certeza de que foi ele quem o colocou no meu caminho. Matheus é o único ser humano insano o suficiente para abrigar um completo desconhecido em seu próprio quarto no alojamento, cinco minutos depois de tê-lo conhecido.
— E como você se sustentou?
— No começo, foi Matheus de novo. — Ele sorri com tanto amor, e porra! Até eu seria capaz de declarar amor por aquele cara louco depois de saber que ele cuidou de Pedro desse jeito. — Na semana seguinte, consegui um trabalho numa lanchonete. Eu trabalhei em tudo o que foi possível até conseguir o estágio no IABE um ano antes de me formar. Quando me formei, fui efetivado como auxiliar de turma.
— Por que você não me contou nada disso quando fui ao seu apartamento? Quando descobri sobre a sua avó?
— Porque não era da sua conta. — Coço a sobrancelha. Não era, mas me sinto um idiota por só estar sabendo de tudo isso em detalhes agora.
É claro que o relatório que recebi sobre Pedro há meses cobria todas as informações sobre suas movimentações, no entanto, há uma imensa diferença entre saber o que ele fez e o que tornou cada uma das suas ações necessárias.
— Você não fala com ela, eu suponho. — Isso arranca uma risada sem humor algum da garganta de Pedro.
— Eu falo.
— Por quê? — pergunto, genuinamente curioso. Ninguém julgaria Pedro se ele atravessasse a rua simplesmente para não precisar respirar o mesmo ar que a avó.
— Ela é minha avó. — diz com simplicidade e eu entendo o que ele não diz. Ela é sua única família. Não mais, amor. Não mais.
— Mas continua esperando que você mude de ideia.
— Ela continua desejando que eu fracasse. — me corrige. — Você estava certo no seu palpite quando me disse que achava que eu estava aceitando o trabalho com você porque minha avó tinha tentado interferir na minha posição no IABE. Até onde eu sei, eu estava prestes a ser demitido.
— Eu sinto muito. — digo e Pedro suspira.
— Eu também.
— Quer ir embora?
— Não! — nega incisivamente e balança a cabeça de um lado para o outro. — É o aniversário da sua mãe.
— Ela deveria ter perguntado.
— Ela queria me fazer uma surpresa. Foi muito gentil da parte dela. Eu posso lidar com a minha avó. Só fiquei surpreso em vê-la. A última vez que nos falamos não foi das melhores. — Torce os lábios. — Quer dizer. Nunca é, mas eu esperava não vê-la por mais tempo.
— Quando foi?
— O quê?
— A última vez. — pergunto, tendo uma boa ideia.
— Você sabe quando foi.
— No dia em que te encontrei aflito no corredor da biblioteca.
— Exatamente.
— Ela tinha acabado de descobrir que eu havia me mudado e me ligou. Não foi bonito. — Balanço a cabeça, concordando. Elimino a distância entre nós, envolvo o corpo de Pedro em meus braços e colo minha testa na sua.
— Eu estou, sinceramente, dividido entre colocar Marieta para fora ou agradecê-la.
— Agradecer?
— Apesar de ela ser uma filha da puta, se não fosse por ela, você não teria aceitado o emprego. Se não fosse por ela, nós não teríamos tido aquele primeiro momento no corredor da biblioteca. Se não fosse por ela, nós não estaríamos aqui, juntos. — Pedro acaricia meu rosto e me dá um sorriso, não muito grande, mas verdadeiro.
— Nós poderíamos não estar aqui, ainda. Mas daríamos um jeito. — Beijo seus lábios com carinho. Ele se pressiona contra mim, buscando conforto e eu deixo que encontre em meus braços o que quer que precise.
— Tem certeza de que não quer ir embora?
— Tenho. — Sopra o ar com força. — Vamos voltar lá pra fora. Eu estou bem. Só precisava de um minuto.
— Tem certeza?
— Tenho.
— Tudo bem, então. — Beijo sua testa e me afasto o suficiente para que possamos nos mover, mas estendo a mão e Pedro a segura.
Abro a porta e não damos nem mesmo cinco passos antes do assunto da nossa conversa a portas fechadas despontar no fim do corredor. Marieta sorri um sorriso que posso chamar de venenoso mesmo sem conhecê-la. Tudo em sua postura grita ofensiva.
Meço a mulher bem vestida e elegante de cima a baixo. Ela não se intimida e me dá o mesmo tratamento. O sorriso que se pendura no canto da minha boca é divertido, tão venenoso quanto o seu. Se ela acha que está prestes a maltratar ou ofender o meu homem, porra, ela vai descobrir que o mundo vai acabar antes que eu permita que isso aconteça.
— Pedro, meu neto, me disseram que eu te encontraria aqui. Eu queria mesmo te ver.
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*** PEDRO FERNANDES ***
Hugo aperta minha mão, lembrando-me de sua presença e apoio e isso, por si só, já torna o momento muito mais fácil de administrar.
— Olá, avó.
— Hugo Maldonado, eu suponho. Eu sou Marieta Fernandes. — apressa-se em se apresentar no momento em que nos encontramos no meio do corredor. Ela estende a mão, mas Hugo não faz qualquer movimento para aceitar o cumprimento e eu fecho os olhos. Isso não vai ser bom.
— Eu sei quem você é.
— E parece que meu neto já fez muito mais do que mostrar uma foto minha.
— Ele me contou algumas coisas.
— Ele contou sobre o quão ingrato é?
— Não, somente sobre o quão leviana a senhora tem sido com alguém que deveria proteger.
— Como você ousa? — Marieta esbraveja e olha para Hugo como se ele fosse um inseto. Isso não o abala.
— Essa interrupção tem algum propósito?
— Eu gostaria de conversar com meu neto. — diz, finalmente concentrando-se em mim. — Nos dê licença, por favor. — Apesar das duas últimas palavras, a fala soa exatamente como uma ordem soaria, ao invés de um pedido.
— Você é ainda mais louca do que eu pensava se acha realmente que vou te deixar sozinha com o meu homem conhecendo o seu mau hábito de maltratá-lo.
—Você nã— Espera? Ele me chamou de homem dele? Pisco, parando de ouvir o embate que se desenrola ao meu redor e passando a ouvir somente as batidas do meu próprio coração.
Hugo disse que sou seu homem e isso não deveria fazer qualquer diferença. Ainda assim, faz. Já confessamos estar apaixonados, já dissemos que nos amamos, pelo amor de Deus! Hugo até mesmo já deixou claro que não pretende ir a lugar algum. Que quando disse que não queria mais fugir, não se referia a uma coisa de momento. Olho, ainda sem escutar, para as duas pessoas ao meu lado.
Uma, que embora tenha vivido comigo por mais da metade da minha vida, para quem me doei de todas as formas que eram possíveis sem sacrificar a minha alma, de quem continuei, uma vez atrás da outra, suportando os ataques na esperança de que um dia me permitisse um lugar, mesmo que pequenininho em seu coração, nunca me enxergou como qualquer coisa além de estorvo ou obrigação. Nunca foi capaz de me enxergar como família mesmo que o sangue em nossas veias diga que é isso o que nós somos.
A outra, que mesmo quando mergulhada sua própria dor, uma dor justa, digna e compreensível, foi capaz de dividir comigo o único ponto de luz que houve em sua vida por muito tempo, Beatrice. Hugo me ensinou o verdadeiro significado de família muito antes de se tornar a minha em um tempo recorde. Ele me ensinou o que é ser amado e respeitado através da relação que tem com sua filha mesmo quando eu não era mais do que um observador distante.
Ver Marieta e Hugo frente a frente, em posturas de combate que tornam mais evidentes do que nunca seus verdadeiros papéis em minha vida, é mais do que o suficiente para que eu entenda isso. Olho para o homem que não soltou minha mão nem por um segundo. Deus, como eu amo. Ele nem faz ideia.
— Chega! — Minha voz sai mais firme do que nunca foi em um embate com minha avó mesmo que eu não faça ideia do que é que ela e Hugo estavam falando antes de eu interrompê-los.
Eu realmente não estava mais ouvindo, mas a julgar pelo sorriso no rosto de minha avó, ela acha que venceu alguma coisa. E, a julgar pelo sorriso no rosto de Hugo, ele sabe que ela está errada.
— Se você nos der licença. — Marieta diz, arrogante.
— Eu não vou falar com você. — decreto. — Na verdade, Marieta, eu não quero mais ver você, eu não quero ouvir seu nome, eu não quero sequer saber do dia em que sua vida chegar ao fim.
— Vo-você— gagueja, mas já passei tanto tempo da minha vida ouvindo sua voz e suas palavras mesquinhas. Tive o suficiente por toda a vida.
— Eu cansei. — As lágrimas que se acumulam em meus olhos são de tristeza, sim. Mas também são de liberdade. — Eu cansei de esperar e esperar e esperar. Você não é minha família, nunca vai ser, porque você não quer ser. Você afastou seu único filho. E quando a vida teve misericórdia de você, te trazendo uma oportunidade de se redimir, você não fez nada além de afastar essa oportunidade também. E eu cansei de esperar por migalhas do seu amor, Marieta. Guarde-o pra você, eu não preciso dele. — Ela engole em seco, mas não se deixa mostrar abalada por mais do que um minuto.
Olha com desdém para a mão de Hugo unida a minha.
— Eu sempre soube que você era exatamente como a sua mãe—
— Eu sou. Orgulhosamente, eu sou. — a interrompo.
— Uma vagabunda! — declara e eu pisco em choque porque é a primeira vez que minha avó usa a palavra para além de insinuações. — Sua mãe era uma vagabunda que se aproveitou do meu filho e você, é claro, está seguindo os mesmos passos dela, arrumando um trouxa em quem aplicar o golpe, apesar dos meus esforços para te criar melhor do que isso. Mas é o que dizem: a fruta não cai muito longe do pé. E quando você chegou para mim, já estava perdido, contaminado na mente, apesar de ter meu sangue. Me diga, Pedro. Você já aplicou o golpe? — A raiva fluindo em ondas através do meu corpo me paralisa e eu aperto os dentes ao ponto da dor. As lágrimas escorrendo pela minha bochecha quase queimam minha pele. Felizmente, eu não estou sozinho. Não mais.
— Eu vou te dar a cortesia de dez segundos para sair da minha frente antes que eu peça que os seguranças te removerem a força da casa da minha família. E eu devo avisar, farei questão de que eles não sejam gentis. — meu namorado avisa.
— Você não se atreveria! — dispara, do que Hugo ri.
— Por favor, me testa. Eu imploro. — Seu tom é gélido o suficiente para que Marieta entenda que ele está falando sério.
— Quando ele se cansar de você, não adianta vir me procurar. — diz, antes de se virar. Ela dá três passos e olha para mim por sobre o ombro. E se eu fosse você, também não contaria com o seu empreguinho de auxiliar. Tereza Belford e eu nos tornamos grandes amigas nos últimos meses.
E, com essa última declaração odiosa, ela finalmente vai embora. Quando seu vestido extravagante some no corredor, meu corpo cede e Hugo imediatamente me segura em seus braços. Seus lábios colam em minha testa e, exatamente como aconteceu meses atrás, em meio a um corredor vazio, eu me desfaço e Hugo permanece ao meu lado, em silêncio, não fazendo nada além de esperar que eu encontre o meu tempo de me reconstruir.
Esta noite, não choro pelo que não tenho, nem por aquilo que alguém me faz crer que eu nunca terei. Eu choro de alívio. Choro, porque no lugar onde eu menos esperava, encontrei tudo aquilo que eu sempre procurei. E quando as lágrimas finalmente secam, me sinto refeito, me sinto inteiro, me sinto completo. Só então ouço a voz de Hugo, mesmo que seu toque tenha permanecido comigo o tempo inteiro.
— Nós vamos lutar contra isso. Ninguém vai demitir você. — promete para mim e eu sorrio.
— Eu não me importo.
— Mas eu me importo. Ninguém vai demitir você! — Se ele me prometesse a lua com esse tom, eu acreditaria.
— Eu não me importo. — repito, com firmeza. — Não quero trabalhar em um lugar cuja proprietária pode tão facilmente colocar minha competência e profissionalismo de lado apenas pra agradar uma mulher como Marieta. — explico. — Eu não me importo.
— Mas era tudo o que você queria. — sussurra e eu ergo a mão, acariciando seu rosto.
— Pedro! Papai! — Beatrice grita, no fim do corredor, antes de correr em nossa direção com um timing que não poderia ser mais perfeito nem se tentasse. A menina sorridente nos vê abraçados e decide que quer fazer parte disso também. Ela garra nossas pernas e gargalha. Levo minha mão livre ao rostinho infantil e a acaricio.
— Não, Hugo. — pauso e balanço a cabeça de um lado para o outro, enfatizando minha declaração. — Isso aqui era tudo o que eu queria. — E quando sua testa cola na minha, eu tenho certeza de que nunca disse uma verdade maior em toda a minha vida.