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Duval estava em cima de mim, seu rosto a um palmo do meu. Ele respirava pesado batendo em meu nariz, exalava vinho, e dizia alguma coisa que não compreendi de primeira. Ele apertou as mãos em meus braços e me colocou sentado.
- Você está bem? Tá sentindo alguma coisa? - ele passava as mãos por minha cabeça e meus braços. - Que desgraça foi essa?
Os estampidos dos pneus do carro na rua alardeou aos vizinhos e alguns saíram. Betão e Fabrício, apareceram na porta de casa.
A voz deles soava difusa e muito longe como se tivessem a distância de mim. Tudo girava ao meu redor.
- Ele não está bem... - reconheci a voz de Fabrício.
E entrevi Lulu aproximando-se do outro lado, metido em um robe de seda. Duval segurava meu rosto nas conchas das mãos. O nariz de ponta fina ficava engraçado estando tão perto mas eu não consegui sorrir disso.
- Eu estou bem, - respondi.
Ele procurou meu olhar e nós encaramos. Duval me apertou contra seu peito encaixando meu queixo em seu ombro. Eu relaxei com os braços dele em volta de mim.
- Tá apertando o Yuri depois de uma bancada dessas caralho, cara tá sufocando ele, - Betão disse - como isso pode ajudar?
- É verdade... - disse Lulu. - O rapaz precisa de espaço para respirar.
- Duval é médico esqueceram? - Fabrício ponderou. - Se tem alguém que sabe o que está fazendo é ele, não é?
Lulu olhava para nós. Betão ao lado respirava em cima da minha orelha. Fabrício andava de um lado para o outro com o celular na mão. Duval passou o braço por baixo dos meus joelhos mas eu saltei par ficar em pé.
- Alguém registrou a placa? - alguém perguntou alto.
Betão apoiou minhas costas com o braço. Ainda vestia o short de momentos antes.
- Vou te levar ao pronto socorro... - Duval disse.
- Não precisa, - falei - foi só um susto.
- Está sentindo alguma dor? - Betão quis saber.
Eu coloquei a mão na nuca automaticamente mas fiz que não e o Lulu postou-se ao nosso lado, seus movimentos exalavam o cheiro de lavanda.
- Ele já disse que está bem, - Lulu disse em sua voz de fuinha. - Uma noite de sono pode ajudar.
- Não, dormir depois de bater a cabeça? Tá louco - Duval desviou os olhos de mim para Lulu. - Empresta seu carro?
Lulu fez que sim com a cabeça e disse que as chaves estavam em algum lugar na sala.
- Eu fico de olho nele pode deixar - Lulu disse segurando meu ombro. - Você conhecia o cara no carro?
- Era um cara? - perguntei.
- Eu vi pela janela, - Lulu respondeu - era um homem com certeza. Algum namorado provavelmente com ciúme.
Betão apertou mais meu corpo contra o seu. Eu começava a sentir minhas pernas formigando e uma sensação de inchaço no estomago.
- Não tenho namorado - falei.
Duval saiu da casa e subiu a rua em direção a um veículo pequeno quase em formato de bola, estacionado ali, dava para ver os fárois e parte do capô. Eu senti o Lulu hesitante como se quisesse dizer alguma coisa mas conservou-se calado.
Eu sentei ao lado de Duval no carro que cheirava a perfume de rosas.
Betão quis vir comigo e o Duval mas Fabrício o convenceu de que juntos podiam sondar pelo bairro de onde aquele veículo havia saído, e assim, talvez responsabilizar alguém.
- Você conhecia? O cara que tentou te atropelar? - Duval perguntou.
- Eu nem vi quem era - confessei - Lulu que disse agora ha pouco que ele viu um homem ao volante.
- Vamos conversar para te manter acordado, a pancada foi forte...
- Você e o Lulu Beicinho têm um caso?
Duval sacodiu a cabeça e trocou de marcha aumentando a velocidade em seguida:
- Por que a pergunta agora?
- Sei lá foi o que veio na minha cabeça - respondi sincero. - Além do quê sempre vejo você saindo ou entrando a qualquer hora na casa dele.
- Caso? Nãm... é um rolo doído aí, ele me ajuda eu ajudo ele.
Mas Duval voltou ao assunto do quase atropelamento de minutos antes:
- Por que está me olhando assim?
- Tá louco...
- Você está me olhando como se me julgasse, o que fiz?
- Esse cara, o do carro, - Duval tossiu - é um ficante seu?
- Não! Eu já disse, - minha cabeça deu uma pontada - então é isso, você tá pensando que eu ando abrindo as pernas para todo mundo por aí?
"Na verdade, você anda abrindo as pernas, a boca, os ouvidos, e todos os orifícios do corpo para qualquer macho", pensei mas contive.
- Eu só digo uma coisa, - ele falou manobrando o veículo em uma curva - use preservativo com o Betão.
Eu fiquei num estado de ódio. Ao mesmo tempo uma sensação de queimação nas bochechas.
- Vai se ferrar! Eu e o Betão somos amigos.
- Amigos, é? Eu sei, - Duval sorriu - amigos nós também somos e não impediu nada.
Eu tranquei a língua na boca e não dizia mais nenhuma palavra, o hospital estava logo a nossa frente.
Fiquei de observação mas logo pela manhã tive alta. Fizemos o caminho de volta calados.
Duval estacionou rente ao passeio da republica.
- Obrigado por me salvar, - falei - desculpe entrar na sua vida te perguntando sobre Lulu.
- Que desgraça é essa Yuri, - ele disse - e não somos praticamente... irmãos? Caralho! Há quanto tempo a gente se conhece?
- É há um tempão já...
- Então porra, me ouve quando te dou um conselho, - ele me puxou - eu te amo cara...
Ele deixou escapar e eu sorrindo respondi que o amava também mas completei:
- Como irmão.
Ele repetiu:
- É claro né, como irmãos.
Eu entrei na republica, fui direto plugar o meu celular ao carregador, e escrevi uma mensagem para o Maicon "ficar na sua casa uns dias ainda está de pé?", só vi a resposta quando acordei.
Não tinha ido para a faculdade.
Betão não estava em casa.
"Claro que está!", foi a resposta do Maicon, eu arrumei algumas peças de roupa em uma mala de mão. Fabrício entrou no quarto vestindo aquele shortinho descarado de elástico.
- Tá melhor? - ele segurava a cintura. - Foi mesmo um homem. Outros vizinhos viram ele rondando por aí...
Não dei muita atenção ao que ele falava sobre o sujeito do carro.
- Sim cara, estou melhor - falei - vou passar uma temporada na casa de um amigo.
- Tem certeza?
Eu afirmei sacodindo a cabeça.
- Foi mal, - falei olhando para as pernas dele.
- Que isso pô, eu sei - ele disse.
Mas a forma como uniu as sobrancelhas e encolheu os ombros denunciou sua decepção.
Fabrício suspirou pesaroso mas me ajudou a levar a mala de mão. Maicon ia passar de uber para me pegar.