<<<<Fabi>>>>
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Ver aquela cena ali na sala da minha casa com certeza vai ser uma das coisas que vão me marcar pelo resto da vida. Eu fiquei muito emocionada com o reencontro das duas. Mas não foi só eu, Letícia chorava ali ao meu lado. Gabi saiu de onde estava e veio me abraçar já com o rosto banhado em lágrimas. Minha mãe limpava seus olhos ali parada na porta da cozinha. O choro das duas ali abraçadas era nítido. A emoção daquele momento contagiou cada pessoa que estava ali. Foi um momento muito lindo.
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Depois de algum tempo e alguns copos de águas a gente estava todas sentadas nos sofá da sala. Eu fiz as apresentações de todo mundo. A primeira a falar foi D° Luiza que queria saber de Joana como ela resolveu aparecer ali do nada depois de tantos anos. Quando ela perguntou ela deu uma olhada para Gabi, acho que ela já desconfiava que a filha tinha algo a ver com a visita de Joana. Ela teve a certeza disso depois que Joana e Gabi esclareceram tudo para ela. Joana contou também o motivo de estar ali. Ela disse que devia uma explicação a D° Luiza, que achou que nunca ia ter essa oportunidade depois de tantos anos, mas que graças a mim e a Gabi ela ia ter essa chance.
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Minha mãe achou melhor a gente almoçar primeiro. Nessa hora D° Luiza se lembrou do almoço e ficou preocupada. Mas minha mãe disse que já tinha resolvido tudo, e a outra empregada tinha terminado de fazer. Seguimos todos para a cozinha e almoçamos. Tivemos uma conversa bem descontraída com temas mais leves para dar uma acalmada no ambiente. Minha mãe contou sobre a fazenda, Joana contou o que ela fazia da vida junto com Letícia e o marido. Gabi contou dos seus estudos em São Paulo e sobre a vida do seu pai e Tânia. Logo após o almoço voltamos para sala. Joana fez questão de se sentar ao lado de D° Luiza.
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Joana: Acho que todos aqui conhecem a história de amor que eu e Luiza vivemos e como teve um final trágico. Mas tirando Letícia, seu marido e o filho deles, ninguém mais sabe da minha história. Pelo menos não completa. Eu sofri muito durante dois anos da minha vida. Não tenho vergonha de dizer que algumas vezes pensei em desistir de tudo, até mesmo de viver, tamanha a dor que eu sentia. Mas Deus colocou dois anjos no meu caminho que me salvaram e me deram um objetivo para continuar vivendo. Um desses anjos está aqui nessa sala que é a Letícia, o outro é seu filho Everton. Meu sofrimento começou na fase mais feliz da minha vida. Eu fui a pessoa mais feliz do mundo ao lado de Luzia. Mas infelizmente isso tudo acabou de uma hora para outra.
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Meus pais viajaram no final de novembro para visitar a família do meu pai que é do RS. Ficaram 15 dias lá e eu fiquei porque não podia viajar por causa dos estudos. Na minha casa tinha uma empregada que era como uma segunda mãe para mim. Ela também era minha vizinha. Ela ficou comigo naqueles 15 dias. No final de semana depois que acabou as aulas, Luzia dormiu na minha casa antes de viajar para ficar com a família. Ela provavelmente se lembra disso. No domingo ela se foi e eu fiquei em casa bem triste porque sabia que só a veria depois de quase dois meses quando voltaria às aulas. Depois de uma semana meus pais voltaram de viagem.
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Tudo estava bem, mas no dia seguinte à volta deles eu notei que tinha algo errado. Meu pai sempre me olhava com um olhar de raiva. Minha mãe parecia estar triste. Perguntei a ela se tinha acontecido algo, mas ela disse que não. Aquilo continuou nos próximos dias, eu cheguei a pensar que meus pais iriam se separar ou algo assim. O mês se foi, as festas de fim de ano foram ruins por causa daquele clima estranho. A saudade de Luiza estava doendo e tudo parecia péssimo.
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O que eu não sabia é que tudo iria piorar. No dia 20 de janeiro daquele ano meu pai me chamou na sala. Eu nunca vou esquecer aquele dia. Ele falou que era para eu arrumar minhas malas porque eu iria estudar no Sul. Eu disse que não iria de jeito nenhum. Ali começamos uma briga, eu disse que só iria se ele me amarrasse e mesmo assim eu fugiria na primeira oportunidade que eu tivesse. Minha mãe não falava nada, só chorava. Aí meu pai falou algo que me quebrou. Ele disse que sabia o que eu era e se eu não fosse ele iria me pôr para fora de casa. Depois iria contar para a família da minha namoradinha a pouca vergonha que a gente fazia no quarto quando ninguém estava vendo.
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A única coisa que pensei na hora foi na Luiza. Eu me calei naquele instante. Olhei para minha mãe para pedir ajuda, mas desisti quando ela abaixou a cabeça. Não tinha o que fazer, eu não podia deixar meu pai falar para a família da Luiza. Ele sabia onde ela morava e pela raiva que ele estava com certeza ele iria fazer isso. Fui para meu quarto e fiz minhas malas chorando. Logo depois meu pai veio me buscar. Minha mãe veio me desejar boa sorte na saída. Eu fiz o mesmo que ela fez comigo, abaixei a cabeça e dei as costas para ela. Eu estava muito triste e com muita raiva.
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A viagem foi a pior possível. Eu chorei basicamente o tempo todo. Eu só pensava o que ia acontecer com Luzia quando ela descobrisse que eu tinha ido embora. Eu sofria pela minha dor e pela tristeza que eu sabia que iria causar nela. Eu fui levada para um colégio que mais parecia uma prisão. Eu achei que esse tipo de lugar nem existia mais, me enganei redondamente. Era um colégio só para mulheres, não tinha muitas pessoas e as que tinha não pareciam muito sociáveis. Os professores eram duros e tinham regras totalmente rígidas. Meu primeiro ano ali foi o pior da minha vida. Eu só chorava, eu não tinha amigos e não recebi uma visita sequer. Meus pais me abandonaram naquele lugar.
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Nas férias algumas meninas saíram para casa, mas eu e algumas outras ficamos ali porque a família não foi nos buscar. Eu não dormia direito, não me alimentava direito. Não conseguia estudar direito e por isso minhas notas eram as piores possíveis. Eu não via mais esperanças de sair dali tão cedo e aquilo foi me matando por dentro. Nessa época eu pensei algumas vezes em tirar minha vida, mas graças a Deus me faltou coragem. A saudade que eu sentia de Luiza era o pior de tudo. Eu rezava todas as noites para que ela estivesse bem.
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No início do segundo ano que eu estava ali minha vida mudou. Uma das coordenadoras chegou no meu quarto com uma garota. Disse que ela iria ficar comigo e era para eu cuidar dela. Eu tentei argumentar que eu não conseguia cuidar nem de mim, imagina de outra garota. A coordenadora falou que já que eu não fazia nada ali, nem o básico que era estudar, eu teria tempo para cuidar dela. Ela praticamente empurrou a garota para dentro, virou as costas e saiu. A garota era a Letícia. A gente mal conversava no início. Eu fiquei imaginando o que ela tinha para precisar de cuidados. Nos primeiros dias eu sempre a ouvia chorar baixinho durante a noite. Aquilo foi mexendo comigo e eu resolvi um dia puxar papo com ela. Ela era bem tímida, mas depois de um tempo ela se soltou um pouco. Viramos amigas e ela me contou qual era sua doença.
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Letícia namorava escondido com um rapaz que sua família não aprovava de jeito nenhum porque ele era pobre e principalmente porque ele era negro. Infelizmente, Letícia engravidou desse namorado. No desespero ela foi pedir ajuda a sua irmã mais velha. A irmã não ajudou e ainda contou para sua mãe. Letícia teve o mesmo destino que eu. Veio parar aqui, sua família iria deixar ela ter a criança e depois tentar arrumar um marido “decente“ para ela. Aquilo para mim era algo que só acontecia há muitos anos atrás. Eu mal podia acreditar na sua história. Porém era verdade, assim como ainda existiam colégios como o que eu estava, existia pais que tratavam as filhas como se fossem propriedades deles.
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Bom, depois de ouvir a história de Letícia eu decidi ajudar ela como eu pudesse. Fora que a gente se deu super bem e no fim viramos grandes amigas. Eu contei minha história para ela e ela me deu muito apoio. Dali para frente eu e ela usamos a companhia uma da outra para tentar ter um pouco de alegria ali. O tempo foi passando e nossa amizade foi ficando mais forte. A gravidez de Letícia foi tranquila. Ela tinha acompanhamento médico no próprio colégio e foi ali também que ela deu à luz ao seu filho. Everton veio para trazer um pouco mais de alegria para nós duas. Eu a ajudava em tudo que ela precisava. Depois de 4 anos ali eu não sentia falta alguma dos meus pais. Mas a saudade de Luiza ainda me machucava muito. Eu nunca deixei de lembrar dela um dia sequer. Os pais de Letícia vieram visitá-la duas vezes e ela simplesmente não falou com eles. Ela ficava sentada de cabeça baixa e não falava uma palavra sequer. E muito menos deixava eles tocar no filho dela. Ela segurava Everton nos braços e não deixava ninguém pegar ele. Era uma cena meio bizarra ali no quarto. Na última visita o pai falou que assim que arrumasse um pai para criança ele buscaria ela. Quando saíram, Letícia chorou muito.
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Em outubro daquele ano a coordenadora chegou no meu quarto e avisou para eu arrumar minhas coisas porque eu iria para casa. Sinceramente eu não queria ir, mas ali eu vi uma chance de tentar fugir e ajudar Letícia. Ela chorou muito, mas prometi a ela que eu não iria abandonar ela ali, que de alguma forma eu iria conseguir ajuda para ela. Quando saí do colégio era dia e fui prestando atenção em tudo para eu saber onde eu estava. No caminho eu vi umas placas e memorizei para saber voltar ou localizar o local. Mas antes de chegar no aeroporto eu recebi a notícia que eu não estava indo porque meus pais queriam me levar de volta. Mas sim porque meu pai tinha falecido. Eu estava indo para seu velório. Eu realmente não senti nada naquele momento. Talvez um sentimento de alívio por ele ter partido. Hoje sei que isso é algo horrível, mas foi o que senti na época.
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Quando cheguei no aeroporto um tio meu estava me esperando. Dali fui para casa, mas não tinha ninguém além da empregada. Ela veio me receber, quando viu meu estado começou a chorar e pedir desculpas. Ali eu descobri que ela tinha me entregado para meus pais. Eu não dei a mínima para lágrimas dela. Eu não era nem sombra da menina alegre e saudável que saiu dali, eu estava muito magra e com o rosto abatido. A única coisa que quis saber dela era onde estava minha mãe. Achei que ela estava no velório do meu pai, mas na verdade ela estava no hospital em estado grave.
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Pedi ao meu tio para me levar até o hospital e ele perguntou se eu não queria ir no velório porque logo seria o enterro. Eu disse que não iria e para mim meu pai tinha morrido a quase 4 anos atrás. Ele não me questionou e me levou ao hospital. Durante o caminho perguntei o que minha mãe tinha. Ele disse que a irmã ficou muito mal depois que eu fui embora, que ela queria muito ir me ver mas meu pai não deixou. Ela acabou entrando em depressão e a saúde dele só foi piorando. Já tinha quase uns seis meses que ela vivia mais no hospital do que em casa. Ali eu passei a odiar mais um pouco meu falecido pai. Perguntei ao meu tio do que ele tinha morrido e meu tio disse que ele sofreu um ataque cardíaco fulminante.
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No hospital eu vi minha mãe só através de um vidro. Ela estava na UTI. O médico disse que infelizmente ela só sobreviveria por um milagre. Fiquei ali no hospital durante três dias, meu tio me ajudou bastante, ele era uma boa pessoa. Infelizmente no quarto dia que eu estava ali minha mãe faleceu. Apesar de tudo eu a perdoei e foi difícil me despedir dela. Eu a amava muito.
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Bom mas agora eu era dona do sítio, mas não quis ficar ali nem um dia. Com a ajuda do meu tio passei tudo pro meu nome e coloquei à venda. Eu decidi fazer isso depois de uma visita à casa do Pedro. Sua mãe me tratou muito bem e me contou todas as novidades. Eu não tinha mais motivos para continuar ali. Fiquei na casa do meu tio durante 2 meses. Foi o tempo para resolver tudo. Foi nessa época que resolvi escrever a carta. Era uma despedida e também uma forma de deixar claro que eu estava feliz por Luzia estar bem e casada com uma pessoa boa. Eu sempre gostei de Pedro, mas muito mesmo, não é atoa que ele foi meu melhor amigo até a vida nos separar. Infelizmente eu tinha perdido os dois, mas eles estavam bem e felizes juntos. Aquilo me deu um pouco de paz e conforto para meu coração. Luzia estava feliz, isso era o que me importava.
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Meu próximo passo foi ir atrás do Paulo César, o pai do filho da Letícia. Eu tinha todas as informações que eu precisava para achá-lo passadas por Letícia. Não foi difícil encontrá-lo em um dos bairros mais pobres na cidade de Franca. Quando o encontrei de início ele ficou meio sem entender quem eu era, mas quando expliquei toda a história ele ficou muito emocionado. Disse que iria atrás de Letícia e seu filho. Ele não tinha ideia de que ela estava grávida quando ela sumiu. Ele disse que depois de um tempo ficou sabendo através da irmã da Letícia que ela tinha ido estudar no exterior.
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Eu disse a ele que queria ajudar, e tinha uma ideia. Procurei um advogado e fizemos uma denúncia contra o colégio. Entramos também com um processo na justiça contra a família de Letícia. Paulo César era o pai e tinha direito de ver a criança. O colégio mantinha as pessoas praticamente em cárcere privado. O processo nem foi para frente porque a polícia de SP entrou em contato com a polícia do RS, não demorou muito e o colégio foi fechado. Várias pessoas foram processadas e todas as estudantes foram liberadas. A história virou notícia em vários jornais e na TV. Vários pais também foram processados, inclusive os de Letícia. Mas o melhor foi que assim que Letícia foi encontrada pela polícia ela veio para Franca com seu filho. Ela era maior de idade e tinha direito de ir com seu filho para onde quisesse. Com a família reunida e eu com minha amiga do meu lado era só achar um lugar para a gente viver. O sítio foi ideia de Paulo César quando eu disse que queria comprar um lugar para a gente viver em paz longe das nossas famílias. Ele conhecia o local porque tinha família ali perto. Eu gostei do lugar e Letícia também. Assim, achamos nosso cantinho e resolvemos viver ali.
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Letícia nunca mais falou com ninguém da família, mas descobriu o motivo da irmã ter entregado ela. A irmã era apaixonada por Paulo César e viu ali a chance de ter caminho livre para ficar com ele. Paulo Cesar disse que ela tentou ficar com ele várias vezes, mas ele não quis. Primeiro que ele nunca foi com o jeito dela e porque ele amava a Letícia e tinha esperança que algum dia ela voltaria.
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Bom, nós construímos nossa família, sim, para mim eles são minha família. Tive uma vida boa a partir daí, mas mesmo me relacionando algumas vezes com outras pessoas eu nunca esqueci Luiza. Parece que faltava algo na minha vida e eu não conseguia ser feliz por completo. Eu já tinha desistido de vê-la novamente. Mesmo sabendo onde achar ela porque sua ex-sogra me passou o endereço, eu nunca pensei em vir aqui e atrapalhar a felicidade dela novamente. Bom, isso até a Gabi aparecer na porta da minha casa e me contar o que contou. Depois de ouvir aquilo minhas esperanças voltaram e eu mal podia esperar para rever meu amor.
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Bom essa é minha história, se alguém quiser saber algo é só perguntar. Mas antes eu preciso de um copo de água.
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Eu fui buscar água para Joana já que as outras pessoas pareciam com menos condições do que eu. Assim que entrei na cozinha senti alguém me abraçar por trás.
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Gabi: Promete para mim que nunca vai me abandonar? Sei que eu já fiz isso com você, mas por favor me promete.
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Continua..
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Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper