Saí para ir para meu quarto depois de conversar um bom tempo com a minha psicóloga. Eu estava um pouco abalada, mas sinceramente eu achei que seria muito pior. Mas talvez reviver tudo aquilo só me fez perceber que minhas feridas estavam curadas. Não vou dizer que eu não tinha nenhuma mágoa no coração, eu tinha. Mas eu tinha superado a dor e não foi só coisas ruins que surgiram naquele dia. Foi exatamente por causa de tudo de ruim que aconteceu que eu me tornei quem eu sou hoje. Foi naquele dia que eu vi que tinha encontrado um anjo para cuidar de mim. Só Deus sabe o que teria acontecido se a Marina não tivesse me acolhido. Eu nunca a culpei, mas hoje eu tenho mais certeza ainda que ela não teve culpa. O tempo mostrou que uma hora ou outra aquilo iria acontecer. Meu irmão só piorou depois daquele dia e minha mãe continuou passando a mão na cabeça dele. Então mais cedo ou mais tarde a gente iria se desentender e claro que minha mãe iria ficar do lado dele. Era só questão de tempo para eu ter que sair daquela casa. A última notícia que eu tive dele é que ele tinha virado um viciado em cocaína e estava cometendo assaltos na região. Em uma desses assaltos ele acabou sendo preso. E minha mãe ia todo final de semana visitar ele.
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Assim que cheguei no meu quarto vi Marina sentada no sofá vendo um filme qualquer. Quando ela me viu entrar ela se levantou e veio ao meu encontro. Eu dei um abraço muito apertado nela.
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Aline: Eu sei que já te agradeci mil vezes pelo que você fez por mim. Mas mais uma vez muito obrigada por tudo. Eu amo muito você e sua amizade.
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Marina: Acho que já sei o que você viu hoje na sua regressão. Não precisa agradecer, eu só retribui o que você fez por mim. Eu nem sei se estaria viva hoje se não fosse por você. Nós duas nos ajudamos naquela época e nos ajudamos até hoje. Uma não deve nada a outra, a não ser gratidão. Então estamos quites e eu também te amo muito!
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Ficamos ali naquele abraço por um tempo e depois nos sentamos no sofá. Carol já sentou pertinho da Marina que deu um beijo nela. Elas formavam um lindo casal e muito fofo também. Marina me disse que Rafaela estava em semana de prova e por isso não voltou para me visitar. Mas me mandou uma cartinha. Ela pegou algo na bolsa e me entregou. Era uma cartinha linda da Rafaela. Ela dizia que estava com saudades e que rezava todos os dias para o papai do céu me curar logo para eu voltar para casa. Eu estava toda feliz lendo a carta quando do nada eu comecei a lembrar de algumas coisas.
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Eu estava na porta do meu prédio e estava irritada com alguma coisa quando o pai da Rafaela abriu a porta do carro para ela descer. Quando eu a vi notei que ela estava com um machucado na boca e seu rosto parecia um pouco inchado de um lado. Já abaixei perto dela e perguntei o que tinha acontecido. Ela disse que tinha teimando com o papai, eu não esperei ela nem terminar de falar e parti para cima do pai dela perguntando o que ela tinha feito com ela. Ele fez uma cara de assustado e eu tentei dar um murro nele. Ele se esquivou e me segurou. Eu comecei a xingar ele ali na porta do prédio e ele me pedindo calma. Eu estava muito nervosa e só parei quando ele pediu pelo amor de Deus para eu não fazer aquilo na frente da filha dele. Quando eu olhei a Rafaela chorava muito e pedia para eu não brigar com o pai dela. Eu me controlei e o pai dela me soltou. Rafaela veio até mim e abraçou na minha perna. Ela me pediu desculpas. Eu abaixei e a peguei no colo. Limpei o rosto dela com cuidado e falei que ela não tinha feito nada de errado. Ela disse que fez sim, que teimou com o pai dela e foi andar na bicicleta sem a ajuda dele. Ela disse que caiu e machucou o rosto. Mas o papai tinha levado ela ao médico e o médico tinha cuidado dela. Nessa hora eu fiquei com muita vergonha. Mesmo sem querer fazer aquilo, eu fui pedir desculpas ao pai dela. Quando me desculpei ele só abaixou a cabeça e disse que a culpa não era minha. Se despediu da filha e foi para o carro.
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Quando me dei conta a Marina estava perguntando se eu estava bem. Eu disse que estava sim, mas tinha lembrado de algo que aconteceu comigo, com Rafaela e o pai dela. Marina perguntou o que eu lembrei. Eu expliquei para ela tudo que eu tinha lembrado. Ela disse que minha lembrança era verdadeira. Que isso realmente aconteceu porque eu contei para ela essa mesma história e que minha lembrança estava dentro dos seis meses que eu tinha esquecido. Carol me disse que a psicóloga já tinha avisado que isso poderia acontecer, e que era um bom sinal. Eu fiquei toda animada. Mas aquilo me gerou algumas dúvidas. Porque eu estava tão irritada? E porque eu não gostava do pai da Rafaela. Eu já estava irritada antes por algum motivo, mas só de ver ele eu fiquei com ódio. Perguntei à Marina, mas ela disse que não sabia. Eu sabia que ela estava mentindo, mas não falei nada. Eu sabia que ela não podia revelar nada além do que eu lembrei. Terminei de ler a carta e agradeci Marina por ter trago ela para mim.
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Marina ficou comigo mais um pouco e Carol também. Mesmo depois de Maria chegar, ela ficou com a gente porque ela iria embora com a Marina. Ter as três ali comigo era uma ótima terapia. Eu me divertia conversando com elas. Quando Carol e Marina se foram eu jantei e me sentei no sofá de novo para ver um filme com a Maria. Depois eu me deitei e Maria se esparramou no sofá. Eu fiquei pensando naquela cena de novo, mas não lembrei de mais nada.
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No outro dia assim que Carol chegou eu pedi para ela ir comigo até a fisioterapia antes de ir na psicóloga à tarde. Eu falei que queria fazer um pouco de exercícios, mas na verdade eu queria ver se a mulher aparecia na janela de novo. Ficamos lá a manhã toda e nada de eu ver a tal mulher. Acabei achando que era mesmo coisa da minha cabeça, assim como a voz que me fez companhia. Eu já tinha desistido de tentar encontrá-la. Acho que Carol tinha razão, tantas pessoas conversaram perto de mim, porque eu só lembrava da voz de uma mulher que nem existia? Aquilo não fazia sentido algum, era melhor eu focar nas coisas que realmente tinha sentido, como por exemplo, recuperar minha memória.
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Depois do almoço a gente foi para a psicóloga. Eu estava toda animada para fazer minha regressão. Eu iria lembrar de ótimos momentos da minha vida. A psicóloga já tinha dito que eu não lembraria de tudo que eu vivi, eu só me lembraria dos meus momentos marcantes, os bons e os ruins. Os ruins já tinham acabado, então agora era só os bons. O melhor é que foram momentos muito importantes para mim.
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Como eu previa, a sessão foi ótima. Relembrei dos melhores momentos que vivi com Marina no nosso apartamento. Do dia que conheci o pai e a mãe dela. Do meu primeiro dia de estágio no escritório da mãe da Marina. Da nossa formatura. Da viagem de férias que a gente foi para a Argentina. Revivi alguns momentos tristes também. O dia que a Marina teve que voltar a morar com a família para ajudar a cuidar da mãe dela que ficou doente e teve que passar por uma cirurgia. Da primeira namorada da Marina que a trocou por uma coroa de cinquenta anos. Esse era um momento triste para ela no início, para mim sempre foi motivo de risos. Mas não demorou muito e ela ria junto comigo. Quando a psicóloga me acordou eu estava bem tranquila. Ela disse que na próxima sessão provavelmente a gente já iria chegar nos meus seis meses esquecidos. E estava torcendo muito para eu conseguir lembrar e isso era bem possível porque eu já estava recuperando algumas fagulhas de memória. Isso era um bom sinal.
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Voltei para meu quarto toda animada. Contei para a Carol sobre a coroa que roubou a namorada da Marina e ela riu muito. O namoro delas durou só dois meses. Marina estava toda apaixonada e a ex dela conheceu uma coroa rica e largou ela por causa da coroa. A garota não fazia ideia que Marina era muito mais rica que a tal coroa. Mas a coroa logo se enjoou da garota e dispensou ela. A garota tentou voltar com a Marina, que não quis nem papo com ela. Eu sempre zuava ela por causa disso.
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Quando chegamos no meu quarto a gente foi ver TV,. Eu estava morrendo de vontade de mexer no meu celular, mas nem sabia se ele ainda existia. Também mesmo se existisse, eu não podia nem sonhar em mexer nele. Estávamos sentadas quando alguém chamou na porta. Eu reconheci a voz, era do pai da Rafaela. Ele perguntou se podia entrar rapidinho para me entregar um presente que a Rafaela mandou. Eu disse que tudo bem, ele entrou de cabeça baixa, me entregou um embrulho e disse que Rafaela mandou porque queria que eu lesse a noite. Eu agradeci, ele virou as costas e saiu. Carol achou estranho e eu disse que ele era o pai da Rafaela. E pelo jeito a gente não se dava bem. Ela disse que tinha entendido. Eu abri o embrulho e tinha três livros da série A inspetora. Quando eu vi aquilo eu não entendi porque Rafaela tinha me mandado, mas eu lembrei que tinha uns livros dessa série no meu apartamento. Provavelmente foi deixado por Marina. Mas eu não me lembrava de ter lido eles ou se tinha mostrado a Rafaela. Mas provavelmente sim, porque ela me mandou para eu ler. Eu estava sem entender nada.
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Coloquei os livros sobre o sofá e expliquei para Carol que eu não sabia o motivo de Rafaela ter me mandado os livros. Quando Carol começou a falar eu não conseguia ouvir o que ela dizia. Eu estava tendo outro flash de memória. Rafaela estava deitada na minha cama grudada em mim. Ela estava com um pijama da Lilica Ripilica que ela adora. Eu estava lendo o início da história do livro A inspetora e a mula sem cabeça. Ela me olhava já com os olhinhos quase fechando. Mas do nada aquela imagem sumiu e eu não conseguia ver mais nada, só ouvia uma voz suave bem ao fundo. Era ela, eu poderia reconhecer aquela voz em qualquer lugar. Ela estava lendo para mim a mesma história que eu lia para Rafaela. Nossa que saudades eu estava de ouvir aquela voz de novo. De repente eu sinto alguém me sacudir. Era Carol com uma cara de assustada.
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Carol: Você está bem? Quase me mata do coração. Você do nada parecia que tinha sido possuída por alguma coisa. Não me respondia, não se movia, nem piscar você piscava.
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Aline: Desculpe, Carol. Eu estou bem sim. Só me lembrei de mais algumas coisas.
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Carol: Nossa eu me assustei, achei que você iria passar mal. Mas o que você lembrou?
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Aline: Me lembrei de estar deitada com a Rafaela na minha cama, provavelmente ela tinha ido dormir comigo já que até de pijama ela estava. Provavelmente eu estava lendo um livro dessa coleção para ela dormir. Mas aí tudo ficou escuro e eu só ouvia a voz que te contei lendo a mesma história para mim. Depois senti você me balançar.
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Carol: Desculpe, eu fiquei apavorada. Olha eu já vi muita coisa aqui, mas te juro que me assustei.
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Aline: Tudo bem. Mas me explica uma coisa. Como essa voz sabia que eu lia essas histórias?
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Carol: Não sei, deve ser sua mente brincando com você.
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Aline: Carol eu não lembrava nem de ter lido esses livros. Só me lembro de ver eles no apartamento, mas eu nunca li. Não lembro de nenhuma história deles a não ser a parte que acabei de lembrar que li para Rafaela e a que a voz estava lendo para mim. Se minha amnésia se iniciou no acidente, como eu iria lembrar disso estando em coma? Para ser minha mente brincando comigo, eu teria que lembrar, não é?
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Carol: Eu não faço ideia, sou só a enfermeira, isso só sua psicóloga para te responder.
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Aline: Isso é verdade. Amanhã eu falo com ela, mas eu tenho quase certeza que essa voz não é invenção da minha cabeça. Eu lembro dela ler uma estória para mim e sorrir. Mas eu não me lembrava qual história. Agora eu já sei qual era.
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Carol: Sinceramente eu não sei o que dizer. Mas se ela existe, como ela sabe que você gostava dessa história? E quem é a dona dessa voz?
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Aline: Eu não faço ideia de como explicar isso e nem a resposta para suas questões?
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Ficamos ali falando sobre o assunto mas não chegamos a conclusão alguma. Logo deu hora da Carol ir para casa e Maria veio me fazer companhia. Contei para ela o que aconteceu e ela também não me ajudou em nada sobre isso. Mas eu não tirava da cabeça que aquela voz era real e não era coisa da minha cabeça. Eu não sabia como, mas ela esteve comigo e leu aquela história para mim. Eu precisava encontrar ela de alguma forma, ou recuperar minha memória. Talvez assim as coisas pudessem fazer sentido.
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Continua..
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Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper