Os dias após o incidente passaram como um borrão. Cada segundo na escola parecia arrastado, envolto em uma atmosfera sombria. Os olhares de todos ao meu redor carregavam perguntas que nunca seriam feitas. E eu, Gabriel, sabia que Viviane estava presa em uma luta interna para sobreviver ao horror que havia vivido. As cicatrizes em seu corpo eram profundas, mas as mais devastadoras eram aquelas invisíveis.
No corredor da escola, encontrei Camila. Ela estava parada, olhando para Viviane à distância. Era a primeira vez que a víamos desde o incidente. Seus ombros estavam caídos, seu andar era lento, e seus olhos — antes tão cheios de vida — agora refletiam o vazio de alguém que havia perdido algo essencial. Viviane tentou se esconder atrás da fachada de professora dedicada, mas todos sabíamos que ela não era mais a mesma.
Camila se aproximou de mim, as mãos tremendo levemente. "Você acha que ela vai conseguir superar isso?" A voz de Camila era um sussurro carregado de medo e preocupação. Eu olhei para Viviane, sentindo o peso de sua dor como se fosse minha. Não havia palavras para descrever o que ela havia passado — dez homens, uma noite interminável de horror, a destruição completa de quem ela era.
"Camilinha, não sei", respondi finalmente, tentando manter a voz firme. "Mas a gente tem que estar aqui pra ela."
Camila assentiu em silêncio. Nós sabíamos que seria uma batalha difícil. Viviane, aquela mulher forte e independente, havia sido reduzida a um estado de completa vulnerabilidade. Mas não podíamos deixá-la sozinha.
Na sexta-feira à noite, Leandro decidiu agir. Ele, mais do que qualquer um de nós, sabia da profundidade do trauma de Viviane. Era como se ele tivesse se tornado seu protetor, mesmo que carregasse parte da culpa por tê-la envolvido nessa situação. E agora, estava determinado a fazer algo — qualquer coisa — para tentar restaurar um pouco da felicidade que ela havia perdido.
Ele começou reformando a chácara de Viviane. Cada detalhe foi pensado para trazer um pouco de luz de volta à vida dela. "Talvez, se ela estiver em um lugar onde se sinta segura, as coisas possam melhorar", ele me disse um dia enquanto ajustava os últimos detalhes da reforma.
Então, ele organizou um churrasco. Uma noite de sexta-feira, com alguns amigos mais próximos. A ideia era simples: uma distração. Algo para afastar, mesmo que por algumas horas, as lembranças daquele inferno. Viviane aceitou o convite, mas o olhar nos olhos dela era vazio, como se ela já não estivesse ali.
Naquela noite, o som da carne grelhando e as risadas tímidas de Camila encheram o ar, mas não conseguiam abafar o silêncio doloroso que pairava sobre Viviane. Ela se sentou à beira da piscina, olhando para a água como se estivesse tentando encontrar algo que havia perdido há muito tempo. Camila, sempre a mais sensível de nós, se aproximou e sentou ao lado dela.
"Vi... Eu sei que não posso entender o que você passou", começou Camila, sua voz suave e hesitante. "Mas... estou aqui. Estamos todos aqui."
Viviane olhou para ela por um momento, e vi algo em seu olhar mudar, ainda que por um breve segundo. Talvez, de alguma forma, o cuidado de Camila estivesse alcançando as profundezas daquela dor que Viviane guardava.
A noite seguia calma na chácara. O cheiro de carne assando enchia o ar, enquanto Camila tentava, da sua maneira, trazer algum conforto para Viviane. Sentada à beira da piscina, Viviane mal conseguia esboçar um sorriso, a dor de tudo que tinha acontecido ainda pesava em cada fibra do seu corpo. Leandro estava perto da churrasqueira, observando tudo em silêncio, como se estivesse tentando garantir que o ambiente permanecesse sob controle.
Mas o controle foi quebrado quando Samira apareceu inesperadamente.
Ela entrou de forma abrupta, o som de seus saltos batendo no chão ecoando pelo jardim. Os olhos dela estavam em chamas, cheios de raiva. Todos nós ficamos paralisados, sem entender o que estava acontecendo. Mas o grito que veio a seguir deixou claro.
— Vocês acham que eu sou idiota? — a voz de Samira cortou o ar, cheia de fúria. — Eu sei de tudo! Sei que vocês estão transando pelas minhas costas! Viviane! Camila! Vocês... vocês... — ela parou, os olhos marejados, as mãos trêmulas. — Com o meu marido!
O silêncio que se seguiu foi sufocante. Todos nós congelamos. Camila ficou pálida, Viviane abaixou a cabeça, e Leandro se aproximou lentamente de Samira, tentando apaziguar a situação.
— Samira... não é o que você está pensando — disse ele com a voz grave, tentando manter a calma. — Viviane... ela passou por muita coisa. Ela precisa de apoio. Eu só estava tentando ajudá-la.
Samira deu um passo para trás, a dor e a confusão claras em seu rosto. Ela olhou para Leandro, mas não havia compreensão nos seus olhos, apenas mágoa.
— Apoio? — ela repetiu, incrédula. — Você acha que eu sou estúpida? Você está dormindo com ela! E com a Camila também!
O silêncio ficou ainda mais denso. Eu senti meu coração acelerar, sabendo que, de alguma forma, estava no meio daquela tempestade. E foi então que Leandro, com aquele jeito sempre controlador, tomou uma decisão que eu jamais esperava.
— Tá bom, Samira. — Ele suspirou, passando a mão pela nuca, cansado. — Chega de mentiras. Você está certa. Eu estive com Viviane. E também com Camila. E Gabriel... bem, ele também estava envolvido.
O impacto das palavras dele foi como uma explosão. Eu vi o rosto de Samira se contorcer de dor e raiva. Lágrimas começaram a escorrer pelo seu rosto, e ela deu um passo para trás, atordoada.
— Como você pôde...? — Sua voz era um sussurro cheio de dor. Ela me olhou, como se procurasse alguma explicação. — Gabriel... por quê? Por que você participou disso?
Eu sabia que precisava dizer algo, mas as palavras fugiam de mim. Tudo o que tínhamos escondido estava agora exposto, nu e cru, para Samira ver. Ela começou a se afastar, chorando e cambaleando em direção ao portão, desesperada para sair dali.
Eu não podia deixá-la ir assim. Não podia deixar que aquela verdade destruísse tudo de uma vez. Lembrando-me das palavras e táticas que havia aprendido com Leandro, corri atrás de Samira, tentando segurar seu braço com cuidado.
— Samira, espera! — Minha voz saiu firme, mas com uma urgência que eu não conseguia controlar. — Por favor, escuta. Não é assim que você está pensando. Eu preciso que você entenda o que está acontecendo de verdade.
Ela se virou, os olhos cheios de lágrimas e raiva. Mas havia também algo mais ali, uma pequena faísca de incerteza. Talvez fosse o fato de que, até então, eu sempre havia sido honesto com ela. Ou talvez, naquele momento de vulnerabilidade, ela precisasse de respostas.
— Me entender? Como você pode me pedir isso? — Samira gritou, sua voz falhando entre soluços.
Eu respirei fundo e tentei encontrar as palavras certas, as que Leandro sempre usava para desarmar as situações mais tensas. Sabia que, para convencê-la a me ouvir, precisava apelar para algo mais profundo do que o simples pedido de desculpas.
— Samira, olha pra mim — falei com a voz calma, controlada, mas intensa o suficiente para fazê-la parar de andar. — O que aconteceu... não foi sobre traição, não foi sobre te machucar. Nós nos envolvemos numa situação complicada, mas ninguém estava tentando te enganar ou trair de propósito. Viviane... ela precisa de apoio. O que ela passou... o que aconteceu com ela... foi além de qualquer coisa que você possa imaginar.
Samira parou, os soluços diminuindo um pouco, embora ainda respirasse com dificuldade. Continuei, vendo que estava começando a alcançá-la.
— Leandro... ele estava tentando ajudar Viviane. De verdade. Nós nos perdemos no meio disso, cometemos erros, mas isso não significa que você não seja importante para ele. Você é. E sei que ele nunca quis te machucar. Nem eu. — Minhas palavras saíam num fluxo quase automático, mas eu sabia que estavam funcionando.
Ela ficou em silêncio por um momento, as lágrimas ainda escorrendo pelo rosto, mas algo mudou em sua expressão. Ela já não estava mais tão cheia de raiva, mas sim de confusão e mágoa.
— Eu não sei se consigo entender isso, Gabriel... — Samira murmurou, sua voz mais fraca agora. — Mas... eu não consigo ir embora sem falar com Leandro.
Eu senti o alívio percorrer meu corpo. Havia uma chance, pequena, mas havia. Ela estava disposta a voltar e ouvir o que ele tinha a dizer.
— Então vem comigo, Samira — disse com suavidade, oferecendo minha mão. — Vamos conversar, juntos. Talvez... possamos começar a entender tudo isso.
Samira hesitou, mas lentamente, aceitou minha mão. E juntos, voltamos para onde tudo havia começado.
uando voltei com Samira para dentro da sala, o silêncio era pesado. Todos os olhos estavam fixos nela — Camila, Viviane e Leandro. Cada um carregava uma expressão diferente: Viviane, marcada pela dor e culpa, Camila, ansiosa, e Leandro, tentando manter a postura de controle, mas sabendo que tudo estava à beira de desmoronar.
Samira se afastou de mim assim que entrou na sala, cruzando os braços e respirando fundo, como se estivesse tentando reunir forças para o que viria a seguir. Ela lançou um olhar furioso para Viviane, como se sua simples presença ali fosse um insulto.
— Eu quero ouvir tudo. Agora — disse Samira, com a voz firme, mas embargada pela emoção. — Sem mais mentiras. Eu quero a verdade.
Viviane foi a primeira a falar. Sua voz estava baixa, quase um sussurro, e seus olhos evitavam os de Samira. Ela estava visivelmente abalada, e por um momento eu achei que ela não conseguiria. Mas ela respirou fundo e começou.
— Samira... eu nunca quis que as coisas chegassem a esse ponto. Nunca imaginei que tudo sairia de controle assim. Eu estava... destruída, depois de tudo que aconteceu. O que aqueles homens fizeram comigo... — A voz de Viviane falhou, e ela apertou as mãos com força, tentando conter as lágrimas. — Eu estava perdida. E Leandro... ele estava lá. Ele foi o único que parecia entender, que me ofereceu alguma coisa que me fizesse sentir... viva de novo.
Samira não desviou o olhar, mas seu rosto endureceu. Ela estava claramente lutando para processar tudo, e cada palavra de Viviane parecia um golpe.
— E foi assim que tudo começou — Viviane continuou, agora com a voz mais firme. — Primeiro Leandro, depois Camila... e então Gabriel. Eu sei que foi um erro, que traí sua confiança, mas naquele momento... eu só queria fugir de toda a dor.
Samira ficou em silêncio por um momento, as palavras de Viviane reverberando na sala. Mas então ela se virou para Leandro, esperando a versão dele.
Leandro suspirou, cruzando os braços e inclinando-se contra a parede, olhando para Samira diretamente nos olhos. Ele sabia que agora não havia mais como evitar.
— Samira... — começou ele, com uma calma calculada. — Eu nunca quis te machucar, mas sim, comecei a sair com Viviane. Eu sabia o que ela estava passando, e estava tentando ajudá-la. Mas no meio disso... eu também me perdi. As coisas evoluíram, se intensificaram. E eu... também comecei a me envolver com Camila. E Gabriel... — Ele fez uma pausa, olhando para mim. — Acabou sendo puxado para isso também.
Camila, que estava ao lado, assentiu em silêncio, como se estivesse validando tudo o que ele estava dizendo. Ela não parecia envergonhada ou arrependida. Na verdade, Camila estava curiosamente calma, quase satisfeita em ver tudo exposto.
— É verdade, Samira — disse Camila, com um sorriso tranquilo. — Eu estive com Leandro e Viviane. E Gabriel também. Mas não foi nada planejado para te machucar. Foi algo que simplesmente aconteceu, algo que todos nós... queríamos. Mas agora, você sabe de tudo. Não há mais segredos.
A expressão de Samira passou de raiva para choque, e de choque para uma incredulidade quase cômica. Ela riu, uma risada curta e amarga, antes de virar-se para todos na sala.
— Vocês... todos vocês... isso é inacreditável. — Ela balançou a cabeça, como se tentasse fazer sentido do que estava ouvindo. — Meu marido está transando com Viviane, com Camila, e você, Gabriel, meu Deus! E agora vocês esperam que eu... o quê? Apenas aceite isso? Vocês todos são doentes!
— Samira, eu sei que parece... errado — tentei intervir, dando um passo à frente. — Mas ninguém queria te ferir. Foi uma situação fora de controle. Viviane precisava de ajuda, e Leandro... ele realmente achava que estava fazendo a coisa certa. As coisas simplesmente tomaram um rumo que ninguém esperava.
Ela me olhou, o rosto vermelho de raiva, mas havia algo mais nos olhos dela — confusão, vulnerabilidade.
— Você quer que eu entenda? — gritou, lágrimas escorrendo pelo seu rosto. — Que eu entenda que meu marido me traiu com duas mulheres... e que você estava junto?!
O silêncio se arrastou pela sala, mas, para minha surpresa, Leandro foi quem deu o próximo passo.
— Samira, eu nunca escondi de você quem eu sou — disse ele, sua voz suave mas firme. — Eu sempre fui aberto sobre meus desejos, sobre o que eu queria. E eu sei que nunca tivemos essa conversa de forma clara, mas você sabia que havia algo mais. Eu errei por esconder isso de você, mas não porque eu não te amo. Só que agora... a verdade está toda aqui. Você pode escolher como lidar com isso, mas saiba que eu nunca quis te machucar.
Samira encarou Leandro, o peito subindo e descendo com respirações rápidas. Por um momento, pensei que ela fosse explodir. Mas então, algo inesperado aconteceu. Ela olhou para todos nós, seus olhos cheios de raiva, dor... e talvez uma pontada de curiosidade.
— Então, é isso, não é? — murmurou ela, quase para si mesma. — Vocês todos estão nisso juntos... e agora eu sou a última a saber.