Duas semanas se passaram desde aquela noite, mas parecia que eu ainda estava lá, preso naquelas paredes úmidas e sufocantes. Minhas feridas externas estavam cicatrizando, mas, dentro de mim, eu me sentia como se estivesse coberto de cortes invisíveis, que nunca iriam fechar. Agora, eu estava aqui, nessa sala de terapia, tentando arrancar alguma coisa de dentro de mim, mas sem saber por onde começar. A Dra. Mônica me observava com paciência, e isso só me deixava ainda mais desconfortável. Eu mal conseguia encarar aquele olhar compreensivo dela.
A sala era até agradável, com luz suave e plantas no canto, quase como se tentasse ser um refúgio. Mas, por mais que tudo ali fosse aconchegante, eu me sentia exposto. Vulnerável. Como se estivesse prestes a ser desmontado, e a última coisa que eu queria era isso.
– Yuri – a voz dela soou calma e firme, tentando me puxar de volta dos pensamentos. – Como você se sente hoje?
Tentei responder, mas era como se minha garganta tivesse um nó. Cada vez que eu tentava falar, parecia que meu corpo me traía, trancando tudo que eu queria dizer.
– Eu... – murmurei, mal conseguindo escutar minha própria voz. – Eu achei que, depois de duas semanas, alguma coisa ia melhorar. Achei que ia conseguir, sei lá, sentir alguma paz. Mas toda vez que fecho os olhos... ainda estou lá. Ainda sinto ele apertando meu pescoço, o rosto dele tão perto do meu...
Senti minhas mãos tremerem. O suor gelado nas palmas me incomodava, então comecei a apertá-las contra as pernas, tentando controlar o que eu sentia.
– Esses dias... têm sido difíceis, e... parece que estão ficando piores – eu disse, meio sussurrando. – E o Erick... está ficando mais distante, mais irritado, eu acho. Sinto que isso vai destruir a gente.
Eu me surpreendi com minhas próprias palavras. Não era a primeira vez que eu sentia isso, mas dizer em voz alta foi... devastador. Como se eu tivesse acabado de aceitar que talvez eu estivesse mesmo acabando com a nossa relação.
– No começo, eu pensei que nós dois sairíamos mais fortes – continuei, mesmo sem saber exatamente para onde estava indo. – Mas agora... cada vez que olho para ele, me sinto sujo. A verdade é que eu o estou afastando. E é como se, no fundo, eu acreditasse que... eu não mereço ele. Que eu não posso deixar ninguém chegar perto depois do que eu vivi.
Dra. Mônica me olhou, sem me interromper, e deu um leve aceno com a cabeça, me incentivando a continuar.
– Isso é comum após um trauma, Yuri – ela disse, calma. – Muitas pessoas sentem essa culpa e acham que, de alguma forma, causaram o que aconteceu. Mas isso é só uma forma de tentar encontrar uma razão... porque o que você passou não teve nada a ver com escolhas. O que aconteceu não é sua culpa.
Por um segundo, pensei que talvez ela estivesse certa. Mas essa sensação se foi tão rápido quanto veio. Eu me lembrei de Samuel, das palavras dele, do ódio nos olhos enquanto me segurava, me esmagando, me fazendo sentir como se eu fosse insignificante. Ele disse que eu amava o perigo, que eu... que o risco me excitava. As palavras dele, aquelas malditas palavras, ainda ecoavam na minha cabeça, grudadas como se fossem marcas de queimadura.
– Às vezes – confessei, a voz baixa, quase como se estivesse falando comigo mesmo – eu sinto que ele tinha razão. Que... foi minha culpa. Que essa coisa de querer sempre estar no limite me fez chegar aqui. Que eu trouxe tudo isso para mim. E agora, toda vez que olho para o Erick, vejo nos olhos dele que ele... está mais distante. Eu estraguei tudo.
Ela respirou fundo, e me olhou com uma calma que me irritava, talvez porque eu queria brigar comigo mesmo, e ela só me dava paz.
– O que aconteceu naquela noite foi uma violência que você sofreu, Yuri. Essas palavras que você ouviu não têm verdade nenhuma. E eu acredito que você sabe disso – ela me disse.
Eu não respondi. Ou talvez eu não conseguisse responder, porque, naquele instante, tudo parecia confuso demais. Eu não sabia onde começava minha culpa e onde terminava o trauma. Tudo estava misturado, como um nó de sentimentos que eu não conseguia desatar.
– Eu tento ser o mesmo, sabe? – sussurrei, com a voz quase engasgada. – Tento fazer o Erick se sentir desejado, importante. Mas... quando chego perto, sinto uma barreira. Cada vez que lembro dele... Samuel, eu... parece que ele está certo. Que eu sou mesmo essa pessoa que atrai o perigo. Que... Erick não merece alguém como eu. Ele merece alguém que... que seja leve. Alguém que o faça feliz, não alguém que carrega toda essa... escuridão.
A Dra. Mônica se inclinou um pouco, me observando com aqueles olhos cheios de compaixão que me deixavam tão desconfortável, porque era difícil aceitar a gentileza depois de tudo.
– Yuri, você tem o direito de ser amado. Mesmo depois de um trauma. Erick está do seu lado porque ele quer. E ele vê algo em você que vale a pena, que merece. Ele acredita em você, Yuri. E você também precisa acreditar nisso.
Essas palavras. Eu queria acreditar nelas, juro que queria. Mas algo dentro de mim me impedia. Como se eu estivesse preso naquele inferno, como se aquelas palavras do Samuel fossem verdade. A verdade é que eu nunca soube lidar com meu passado, e agora ele parecia ter me encontrado. E por mais que eu tentasse afastar o Erick, ele continuava ali, tentando, insistindo, me puxando de volta. Mas a verdade... era que eu estava afundando, e eu não sabia se ele merecia ser arrastado junto.
Eu fiquei em silêncio. A sala estava em silêncio, e, pela primeira vez, pensei em tentar. Em tentar acreditar que eu ainda podia ser feliz, que talvez houvesse uma chance para nós. Sabia que seria um caminho longo, talvez um caminho sem fim. Mas, ali, sentado naquela sala, com as palavras da Dra. Mônica ecoando, eu decidi tentar. Eu decidi que, pelo Erick, e por mim, eu daria o primeiro passo para sair da escuridão.