Quando eu terminei de contar tudo, a psicóloga me ofereceu um pouco de água e eu aceitei. Estava com a garganta seca. Ela não parecia nem um pouco impressionada com minha história, então imaginei que ela já sabia ou estava acostumada com coisas desse tipo. Mas pelo jeito não era só eu que estranhei a reação dela. Ela também estranhou a minha. Ela disse que esperava que eu tivesse uma reação bem pior quando minhas memórias voltassem e que eu até estava agindo bem com as minhas descobertas. Eu disse a ela que apesar do acidente ter me causado muitos problemas e eu ter quase perdido minha vida. Por outro lado ele me livrou de sofrer por causa dessa traição. Que a dor que eu senti quando vi os dois juntos foi grande demais. Que quando lembrei me deu muita raiva, mas não doeu como doeu naquele dia, na verdade não chegou nem perto. Ela me perguntou se eu imaginava o porquê. Nessa hora eu meio que travei. Ela percebeu e disse que nada que eu falasse naquela sala iria sair dali. Eu respirei fundo e disse que provavelmente foi porque o amor que eu sentia por Michele acabou durante esse tempo. Ela perguntou porque eu pensava isso. Eu disse que era porque eu não sentia falta dela, nem sequer saudades eu senti. Na verdade, mesmo antes de eu recuperar minhas memórias eu dei graça a Deus por cada dia que passava e ela não vinha me ver.
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Ela me perguntou o que eu sentia por Michele agora. Eu disse que provavelmente ódio, que eu não queria ter aquele sentimento no coração, mas era o que eu sentia. Ela então me contou algo que me desconcertou. Ela disse que eu não devia sentir ódio por Michele. Que ela errou sim, errou em não me contar a verdade desde o início e por não ter procurado ajuda, mas que Michele só era uma vítima em partes. Eu não estava entendendo nada e ela continuou. Ela disse que já sabia da minha história. Mas não com tantos detalhes. Mas que agora ela tinha certeza que Michele foi vítima do seu vício e do seu transtorno comportamental. Eu ainda não estava entendendo onde ela queria chegar. Ela disse que Michele era uma ex dependente química e quando largou o vício, ela acabou desenvolvendo um problema psicológico. Ela se tornou uma compradora compulsiva. Ela me disse que quando eu tivesse todas as informações do que aconteceu eu iria entender melhor. Ela também falou que não estava tentando defender a Michele, mas sim me falando algo importante para eu poder ver as coisas da forma correta. Eu perguntei como ela sabia que Michele era uma ex viciada. Ela disse que sabia porque Marina já tinha contado tudo que descobriu para ela. Ela me disse que ia permitir que Marina me contasse tudo, mas de forma dosada para eu não correr o risco de ter algum problema, porque eu passei por muita coisa nos últimos tempos. Ela disse que não só Marina, mas todos poderiam me contar o que aconteceu enquanto eu estava em coma. Mas no caso da Marina, era melhor ela não contar tudo de uma vez.
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A primeira coisa que perguntei foi se eu podia conversar com a Carla normalmente. Ela disse que sim, pelo menos da parte dela, mas tinha o problema da ordem de restrição. Eu disse que eu era advogada e assumia todas as responsabilidades quanto a isso. Ela sorriu e perguntou o que eu sentia pela Carla. Eu mais uma vez travei. Ela voltou a me lembrar que ali era um espaço seguro e não estava tentando se meter na minha intimidade, mas queria entender algumas coisas. Como por exemplo, o porque minha amnésia sumiu logo depois que eu vi Carla na minha frente. Eu não tinha pensado nisso, mas realmente foi o que aconteceu, eu a vi, desmaiei e quando acordei as minhas lembranças tinham voltado. Eu disse a ela que eu ainda não tinha certeza o que eu sentia, mas eu sentia algo muito forte por ela. Ela me disse que provavelmente esse sentimento fez eu reagir melhor com o que aconteceu e foi responsável por minhas memórias terem voltado. Ela disse que minha mente estava tentando me proteger da dor, mas com esse novo sentimento a dor não seria tão forte assim. Eu não precisava mais de proteção. Ela deixou claro que não era uma afirmação exata, mas era a mais plausível.
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Ficamos mais um bom tempo conversando e ela me explicou que ex dependentes químicos tinham mais chances de desenvolver problemas como o da Michele. Que não sabia como explicar porque eu só lembrava da voz da Carla. Ela disse que os toques e o beijo só Carla para me falar se realmente aconteceu. Que minha amnésia provavelmente aconteceu no momento do acidente. Que ela sabia o motivo de Carla ler a história para mim e porque ela ia me visitar sempre a noite. Mas que iria deixar Carla me explicar com detalhes. Que nesse tempo ela conversou muito com Marina, Carla, Michele e Rafaela, mas de forma informal. Que a visita de Carlos foi ideia dela, ela achou que a visita dele poderia atiçar minha memória. Quando terminamos eu me sentia muito mais leve, porém com um monte de coisas sem respostas ainda.
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Quando sai a Carol já tinha ido embora e Maria me espera do lado de fora. Ela se levantou e veio até mim. Me deu um abraço e um beijo na bochecha. A gente seguiu para o meu quarto e eu fui contando as novidades para ela. Ela me disse que Carol já tinha contado meio por alto o que aconteceu e que estava muito feliz por ter recuperado as minhas memórias. Eu perguntei a ela se ela sabia das visitas da Carla. Ela disse que sabia sim e me pediu desculpas por não contar, mas ela não podia. Eu disse a ela que tudo bem. Que eu entendia a situação dela. A gente chegou no quarto e ela pegou meu jantar. Durante o jantar fiquei pensando em algumas coisas e resolvi tirar umas dúvidas importantes.
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Perguntei a Maria se ela conhecia Paula, ela disse que sim, que conhecia desde de criança. Eu perguntei se ela conhecia o pai dela. Maria abriu um sorriso. Depois disse que não conhecia não e que era melhor eu ir direto ao ponto. Eu dei uma risada e perguntei se Carla era solteira. Ela disse que era sim, e que Paula era fruto de uma gestação independentemente. Que nem Carla sabia quem era o pai, pelo menos não o nome dele. Que Carla escolheu a dedo o doador para fazer a inseminação, mas que eram doadores anônimos. Você tinha acesso a todas as informações, menos as pessoais, como nome, endereço e sexualidade.
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Acho que Maria percebeu o enorme sorriso que se formou no meu rosto e perguntou se eu sentia algo pela doutora. Eu fui sincera com ela, falei que eu estava totalmente encantada com ela. Maria sorriu e disse que sua amiga parecia sentir o mesmo. Nossa eu perguntei umas três vezes se ela tinha certeza. Ela começou a rir de mim de novo. Eu estava parecendo uma adolescente de tão eufórica que eu estava naquele momento. Terminei meu jantar, ficamos de papo e Maria me contou que conhecia Carla a muito anos. Que elas começaram a trabalhar quase na mesma época no antigo hospital que ela trabalhava. Que acabou que elas viraram amigas íntimas e que Carla era madrinha do seu filho mais velho e Paula era sua afilhada. Quando Carlos e Carla conseguiram abrir o hospital, Carla a trouxe para trabalhar com ela.
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Depois de um tempo eu fui tomar um banho, a gente viu um filme e eu fui dormir. Não sei em que momento eu senti uns toques no meu rosto e aquela voz me chamando por nome. Quando abri os olhos Carla estava ali na beirada da minha cama.
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Carla: Desculpe te acordar, mas eu queria muito falar com você.
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Aline: Não se desculpe. Fique à vontade para me acordar quando quiser.
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Carla: Está bem. Olha, minha filha me contou que conversou com você hoje. E ela me contou o que falaram. Bom, você deve ter ligado os pontos e percebido que eu que estava na janela naquele dia e que foi de lá que tirei uma foto sua.
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Aline: Sim. Eu deduzi que isso tinha acontecido. Mas porque está falando isso?
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Carla: Bom é que fiquei com medo de você achar que eu era alguma stalker ou algo do tipo por causa disso. Mas eu te juro que não sou. Eu só queria ver como estava sua recuperação e tirei a foto porque achei muito legal ver que você estava progredindo.
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Aline: Só por isso?
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Ela ficou corada na hora. Pensou um pouco antes de responder.
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Carla: Sim. Eu fiquei feliz por você estar se saindo bem.
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Aline: E o beijo foi por isso também?
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Carla: Beijo? Bom.. Eu..
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Aline: Eu lembro Carla. Não sei como, mas eu lembro.
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Carla: Me perdoe, Aline. Eu preciso ir, desculpe.
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Eu segurei a mão dela rápido e não deixei ela sair. Levantei o corpo e olhei para o sofá. Maria não estava ali.
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Aline: Não vai, por favor. Eu não estou brava com você. Na verdade eu estou muito feliz de saber que aquele beijo realmente aconteceu. E pela sua reação eu tenho certeza que foi verdade.
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Carla: Você não tinha certeza?
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Aline: Não tinha certeza absoluta, agora eu tenho. Mas eu não sei se você sabe, eu tive amnésia e estou precisando relembrar algumas coisas.
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Eu fui aproximando meu rosto do dela devagar. Ela parecia estar paralisada olhando minha boca.
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Carla: Isso não pode acontecer aqui. Por favor não faça isso.
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Aline: Foi você quem começou.
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Eu beijei seus lábios e dessa vez nada no mundo iria me fazer esquecer aquele momento. Ela de início parecia querer resistir, mas eu puxei seu corpo para mais perto do meu e segurei na sua nuca. Ela foi retribuindo timidamente. Eu passei minha língua por entre seus lábios buscando o contato com a sua. Ela se soltou de vez e aquele beijo calmo se tornou muito intenso. A gente já estava quase devorando uma a outra quando senti suas mãos entrar por dentro da minha blusa e acariciar minhas costas. Eu me arrepiei na hora com o seu toque. Parei de beijar ela e desci minha boca para seu pescoço. Ela arranhou minhas costas e eu pude ouvir sua respiração pesada. Voltei a beijar aquela boca linda, mas de repente ela tirou as mãos das minhas costas e colocou nos meus ombros. Ela foi diminuindo o ritmo no beijo e se afastou de mim.
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Carla: Desculpe, mas não posso continuar.
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Aline: Porque? Não estamos fazendo nada de errado.
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Carla:Na verdade estamos. Estamos em um hospital, sou médica e você uma paciente.
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Aline: Na verdade estou é perdendo a paciência com tantos não posso que ando ouvindo ultimamente. 🤭
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Carla: Boba. Mas nem é por isso. É que Maria vai voltar logo.
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Aline: Será que você não pode dar folga para ela o resto da noite?
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Carla: Infelizmente não e eu tenho trabalho para fazer. Mas eu volto assim que terminar meu plantão. A gente precisa conversar.
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Aline: Tudo bem, eu te entendo. Mas promete que vai voltar?
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Carla: Eu prometo sim. Posso te perguntar uma coisa?
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Aline: O que você quiser.
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Carla: O que vai acontecer quando você sair daqui?
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Aline: Eu não sei, mas depois desse beijo estou pensando seriamente em não sair daqui mais.
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Carla: Nem brinca com isso. Eu estou falando sério. Não quero atrapalhar sua vida mais do que já atrapalhei.
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Aline: Acho que entendi. Se o seu medo é que eu saia e volte com minha ex ou desapareça, pode ficar tranquila. Eu só vou sair da sua vida se você pedir.
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Carla: Está bem, acredito em você. E não vou pedir nunca para você sair da minha vida.
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Ela me deu um beijo e disse que precisava mesmo ir. Eu me deitei novamente, mas agora com um sorriso enorme no rosto. Eu mal podia acreditar no que tinha acontecido. Eu tinha beijado ela e foi incrível! Logo Maria chegou, mas eu nem me mexi. Eu queria voltar a dormir logo para poder ter Carla ali do meu lado de novo. Eu não tinha mais dúvidas, eu estava totalmente apaixonada por aquela mulher.
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Continua..
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Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper