A Emanuelle concordou com um meneio de cabeça e acabei aceitando a sugestão. Como eu havia ido de Uber, aceitei uma carona e o Alfredo praticamente me obrigou a ir atrás com a Emanuelle, enquanto ele voltou tagarelando com o seu motorista, Tobias, um mulato gigantesco. Por sorte, a conversa entre eles preencheu todo o coche, porque atrás, estávamos num silêncio quase tumular. Uma verdade dolorosa, que eu sempre evitara enfrentar, estava prestes a ser revelada e mudaria para sempre a minha vida.
[CONTINUANDO]
Em menos de trinta minutos, chegamos em uma imensa mansão e ele, como prometido, se despediu de mim com um abraço e da Emanuelle com um selinho e um afago, retirando-se para a sua suíte. O silêncio de dentro do carro entrou para nos fazer companhia dentro da casa e ali ficamos sentados nos olhando por quase dez minutos:
- Acho melhor eu ir embora. - Falei, já incomodado com a situação.
- Não! Por favor… Eu só estava pensando em como começar.
- Por que não tenta pelo começo? - Vendo que ela se mantinha calada, insisti: - Diga quando começou a me trair e o porquê.
Ela suspirou profundamente e quando pensei que iria falar, disse:
- Ai… Uma bebida! Quer uma bebida?
- Emanuelle …
- Eu quero! Eu preciso! - Disse e se levantou, indo até um barzinho perto.
Ali a vi se servir de uma dose de uísque. Ela me olhou de soslaio e virou a dose de uma vez, fazendo uma careta. Serviu-se novamente e repetiu o movimento. Então, me encarou:
- Certeza que não quer?
- Tenho! E se você continuar nesse ritmo, vai ser a próxima a dormir.
Ela concordou, mordendo os lábios, enquanto respirava profundamente. Serviu-se de outra dose, mas agora trouxe o copo consigo, junto de um porta copo que colocou sobre uma mesinha de centro, onde o colocou. Ficou olhando para o copo por alguns segundos e então começou a falar:
- Você sabe… sabia que eu era acompanhante antes de te conhecer, não sabia?
- Claro que sim! Você me contou a história da sua vida antes de começarmos a namorar firme, não se lembra?
- Sim, lembro. Achei linda a sua atitude de não me culpar e ainda me aceitar.
- E por que eu não o faria? Você me disse que parou pouco antes de começarmos a namorar para se dedicar ao nosso relacionamento, até um emprego você arrumou para poder continuar a faculdade.
- É… O problema é que as contas eram muitas: faculdade, financiamento da casa, carro, a minha mãe que ficou doente. A gente vivia no limite…
- Eu me lembro. Fiquei sabendo que ela… - Calei-me constrangido pela minha própria indiscrição: - Eu sinto muito que ela não tenha conseguido, Emanuelle. Eu soube, mas fiquei sem jeito de ir ao enterro. Desculpa.
- Obrigada. - Ela sorriu timidamente sem tirar os olhos do seu copo: - Ela lutou, muito, mas no final acabou sendo uma libertação para ela. Ela… Ela… Nossa! Como ela sofreu…
Ela voltou a ficar em silêncio, mordiscando a unha do dedão da mão direita. Depois secou uma lágrima e continuou:
- Eram muitas, muitas, muitas contas… A gente vivia fazendo sorteio para ver qual seria paga, lembra?
- Lembro. - Sorri de uma divertida lembrança: - Você fantasiada de Xuxa ou paquita, eu nunca consegui diferenciar, fazendo o sorteio dos boletos para ver quem seria pago naquele mês era hilário.
Ela sorriu também e depois riu, mas pouco depois se calou. Eu falei:
- Ainda bem que depois você conseguiu aquela promoção e passou a ganhar mais, senão não sei como teríamos dado conta.
Ela se calou e vi outra lágrima descer por sua face. Certamente, a hora da verdade se aproximava e ela não sabia como se explicar. Ledo engano meu:
- Nunca… ganhei promoção alguma. Nunca! Eu… Eu… A gente precisava de dinheiro. Então, eu… eu… - Suspirou profundamente e balançou a cabeça negativamente: - Eu voltei a atender, só que diferente de antes, passei a selecionar somente os melhores dos melhores, afinal, eu trabalhava durante o dia e fazia faculdade à noite. Então…
Novo silêncio de ambos. Agora a surpresa era minha, mas eu já não tinha como reclamar de algo, afinal, já não estávamos mais juntos. Ainda assim, doeu demais. A minha cabeça parecia ferver por dentro. Decidi terminar logo aquela conversa antes que eu perdesse o controle, mas para isso tive que falar uma “meia verdade”:
- Bem, já passou. Eu te perdoo. Agora, acho que o melhor a fazer é seguirmos as nossas vidas.
- Você não quer saber de nada? Sei lá, algum detalhe, algo, qualquer coisa!?
- Saber o quê? Com quantos você se deitou depois que começamos a viver juntos? Ou, sei lá, quantas picas chupou, quantas gozadas engoliu? Quantas vezes deu o rabo? Não sei direito. Me ajuda aí! - Falei, rasgando no sarcasmo.
- Não foram muitos, talvez uns dez… - Tomou outro gole do seu uísque e disse: - Não passaram de quinze. Disso eu tenho certeza!
- Espero que pelo menos você tenha se protegido e mesmo se lavado direito antes de fazer amor comigo depois… - Resmunguei, quase já perdendo o meu controle.
Ela me encarou com olhos arregalados, horrorizada com o meu comentário ácido e tinha razão para isso, eu havia exagerado. Pedi desculpas pelos meus excessos e após pensar por um instante, perguntei:
- Tá… Agora me surgiu uma dúvida. Como você fazia? Se você trabalhava durante o dia e estudava à noite, em que hora você fazia os “atendimentos”? - Frisei, fazendo aspas com os dedos.
- Nos horários vagos da faculdade, em finais de semana quando eu inventava algum trabalho ou quando dizia que ia cuidar da mamãe…
- Sua mãe sabia disso?
- “Magina”! Nunca falei sobre isso com ela. Nossa! Ela me mataria de bater se soubesse que eu… bem…
- Então… tá! Era só isso que você queria conversar comigo?
- Poxa, Marcel! Será que é tão difícil me perdoar? - Perguntou, olhando-me.
Não que importasse, mas me lembrei de uma situação em especial e decidi tirar a limpo, ignorando a sua pergunta:
- Teve uma vez, acho que seria um feriado prolongado de 4 dias, nós estávamos nos preparando para acampar na praia, mas de última hora você cancelou, dizendo que precisaria ajudar uma amiga que ficou doente… Eu estranhei e você praticamente não me deu chance de falar a respeito, apenas pegando a sua mala e saindo. Lembra?
Ela voltou a olhar para o seu copo e o pegou, tomando um belo gole e fazendo uma careta na sequência. Depois o colocou novamente sobre a mesa e colocou uma mão sobre a boca. Então, respirou profundamente duas vezes e disse:
- Não era uma amiga, eu disse que era a Camila e não era doença, falei que ela havia terminado com o Jonas e estava entrando em depressão... - Suspirou novamente e falou: - E antes que você me pergunte, sim, fui viajar com um cliente. Ficamos três dias num chalé em Campos do Jordão.
Cada nova revelação servia apenas para me confirmar que eu estava certo em ter rompido com ela. Então, nesse momento, decidi responder e reforçar àquela pergunta ignorada:
- Eu já disse que te perdoei.
- Disse da boca para fora. Por dentro mesmo, tenho certeza que não me perdoou!
- Vamos considerar hipoteticamente que eu não tenha te perdoado, por que você faz tanta questão assim de ter o meu perdão? Você já está casada, famosa, com a vida feita, por que faz tanta questão disso?
- Porque eu… - Calou-se e suspirou fundo, sem tirar os olhos do seu copo um instante sequer, apenas levantando a visão para olhar algo em sua frente e dizer em alto e bom som: - Porque eu te amo! Eu nunca deixei de te amar e eu… eu… bem… eu queria você de volta.
Agora a surpresa voltava a ficar comigo. Arregalei meus olhos e não sabia o que dizer. Pouco segundos depois, ela me encarou e assim ficou por sei lá quanto tempo. Gaguejei:
- E-Eu!? Você está… louca, Manu, digo Emanuelle? Você está casada! O seu marido está aqui do lado e você me fala uma coisa dessas!?. Já imaginou a merda que daria se ele te ouvisse agora?
- Ele sabe…
- Sabe!? Como assim “ele sabe”? De que parte? Que porra está acontecendo aqui, caramba?
- Marcel… Calma! Deixa eu explicar…
- Você tem explicação para isso? Sério!? Essa eu quero ouvir! - Disse e virei o meu corpo na sua direção.
Não sei o que ela entendeu com isso, mas ela se aproximou ainda mais de mim, também virando em minha direção e nossas pernas se tocaram. Ela então disse:
- O Alfredo é um amor. Eu… Eu o amo também, mas não da mesma forma que a você. Eu o conheci tempos depois de nos divorciarmos e antes que você me pergunte, sim, foi num atendimento. Ele disse que se apaixonou à primeira vista. Vê se pode? Se apaixonar por uma puta! Mas ele disse que se apaixonou e me provou isso depois, porque soube me envolver, me cativar… Ele é muito carinhoso, protetor, sempre tem uma palavra amiga, foi quase o pai que eu nunca tive, além de ter me ajudado muito na minha carreira. Acho que sem ele, eu não estaria aqui!
- Ótimo! Entendi… Ele é uma pessoa espetacular! Eu não duvido disso, porque também simpatizei bastante com ele. Só que, entenda a minha posição, acho uma puta trairagem agora você chegar e falar que me ama, e pior, que ele sabe dis…
- E sabe mesmo! - Ela me interrompeu: - Eu fiz de tudo para te esquecer e ser uma esposa no mínimo à altura do sentimento dele, mas não consegui e fiz com ele o que deveria ter feito com você quando estávamos juntos: cheguei um dia e revelei toda a verdade. Ele ficou chateado por um momento, mas acabou aceitando, inclusive disse que se um dia a gente se aproximasse, ele daria o maior apoio.
- Então, vocês não são liberais ou abertos porra nenhuma! Você só disse aquilo para ver se me pegava com a guarda baixa, isso sim…
- Não, nada disso! Nós temos mesmo um relacionamento aberto e liberal. Já fizemos swing, ménage, até gangbang, mas sempre em locais discretos e com pessoas mais discretas ainda.
- Porra, Emanuelle! O que é isso!? Eu estou pasmo! - Falei, enquanto apertava os meus olhos.
Voltei a encará-la e ficamos nos olhando em silêncio: eu tentando organizar minhas próprias ideias e conclusões a respeito das informações vomitadas sobre mim; ela certamente se preparando para tentar administrar as minhas reações, e elas vieram rápidas:
- Certo! É a vida de vocês, quem sou eu para julgar… Só que, vai me desculpar, você ter se prostituído para ajudar no pagamento das nossas contas não é justificativa para mim? Não é hoje e não seria naquele tempo! Você errou e errou feio…
- Eu sei, desculpa. - Suspirou profundamente, agora sem tirar os olhos de mim: - Não tem um dia que eu não me arrependa de não ter conversado com você e pedido sua autorização antes de voltar a me prostituir, mas não fiz por mal, nem por safadeza, eu… eu só queria ajudar mais na nossa situação.
- Porra, Manu, eu sei que a gente vivia apertado, mas, bem ou mal, a gente dava conta das contas! Além disso, se fosse necessário, eu poderia… sei lá… poderia ter arrumado um outro emprego, uma outra fonte de renda.
- Outro emprego, Marcel!? Você já fazia hora extra quase todo santo dia! Lembro que teve vezes em que você chegou a fazer mais de cinco horas extras! Queria arrumar outro emprego para quê, se matar?
- Eu lembro desse dia... Cheguei moído, morto de cansaço e encontrei você pelada sobre um colchonete na sala querendo trepar… - Falei e dei uma risada.
- Eu sempre queria! Nesse dia, eu só estava nos meus dias férteis, então estava com os hormônios nas alturas. - Começou a rir também e me deu um tapa na perna: - Mas nem vem que eu não te obriguei. Fiquei meio chateada na hora, mas entendi que você estava cansado, tanto que depois que você descansou um pouco, fui fazer uma massagem nos seus pés para te aliviar um pouco.
- É! Mãozinhas mágicas…
- Eu ainda sei fazer. Se você quiser… - Disse me olhando, oferecendo-se sutilmente.
Um clima estava surgindo e eu tratei logo de cortar qualquer chance, dizendo:
- Olha! Vamos deixar pra lá, são águas passadas! Você está casada, muito bem casada por sinal. Viva a sua vida e seja feliz. Olhe bem nos meus olhos… - Pedi e vendo que tinha a sua atenção, falei: - Eu te perdoo e desejo o melhor para você, mas eu não estou a fim de entrar nessa história. Ela agora é sua e não vejo espaço para mim.
- Aí é que você se engana, meu rapaz! - Ouvimos a voz do Alfredo e ao olhar sobre o meu ombro esquerdo, vi que se aproximava, caminhando calmamente, agora vestindo um roupão azul escuro, calçado apenas com sandálias do tipo “franciscanas”.
Fiquei surpreso e cabreiro, afinal, a esposa dele acabara de se declarar para mim. Eu já imaginava os seguranças me enxotando porta afora após uma bela surra, mas surpreendendo-me ele foi até o bar, serviu dois copos com uísque e trouxe um deles para mim, sentando-se do meu outro lado naquele sofá em “L”. Vendo o constrangimento estampado no meu rosto, falou:
- Marcel, se desarme. Peço desculpas por ter ouvido parte da conversa de vocês, mas foi sem querer. Eu simplesmente estava indo até a cozinha e quando notei que você parecia bastante refratário às ideias da Emanuelle, decidi ouvir um pouco e agora participar.
- Você ouviu o que ela disse então?
- Não ouvi tudo, nem precisaria. Eu conheço a história dela, de vocês, do flagra e do rompimento traumático que tiveram. Enfim, sei de tudo. - Tomou um gole de seu uísque e continuou: - Ah! E também sei que ela te ama.
- Alfredo… - Falei, mas me calei por não saber como continuar, só retornando após alguns segundos: - E como você fica nessa história? Isso não te incomoda?
- Rapaz… Eu tenho quase 60 anos, aliás, vou completar no mês que vem e faço questão que venha à minha festa! - Pigarreou algumas vezes e continuou: - Mesmo com Viagra, acha que dou conta de uma gatinha na flor da idade, transpirando hormônios, fervendo de desejos como a Emanuelle? Não sou idiota! Sei que sozinho eu não daria conta.
- Por isso, se tornaram liberais… - Resmunguei, bebendo um gole do meu uísque.
- De forma alguma! Eu já era bem antes de conhecê-la. Inclusive, minha ex-esposa, mãe do meu filho Alfredinho, também era. A gente só se separou porque ela se apaixonou por um comedor e… Bem, isso agora não vem ao caso. O fato é que eu e a Emanuelle, por termos uma mente mais aberta, decidimos unir o útil ao agradável. Assim, ela fica saciada e eu tranquilo.
- Nossa! Eu estou “Perdidinho da Silva”... Não sei o que dizer… - Falei, tomando outro gole de uísque, esvaziando o meu copo.
Ele deu um sinal para a Emanuelle que imediatamente foi até o bar e voltou com a garrafa de uísque servindo-me mais uma dose e completando a do copo dele, que voltou a falar:
- O que foi que te impactou tanto assim? Foi o fato dela estar transando com outros homens ou por que ela havia voltado a se prostituir? - Vendo que eu o encarava sem entender o propósito da pergunta, ele continuou: - Vou refazer a pergunta… O que te incomoda mais, saber que ela poderia estar transando com outro homem meramente por prazer ou por que era por dinheiro?
- Que perguntinha complicada, hein, Alfredo!? Mas considerando que eu não sabia até agora que ela havia voltado a se prostituir, acho que foi pela surpresa… Ah, sei lá! Mas como eu acabei de falar para ela, se o problema era falta de dinheiro, a gente poderia ter dado um jeito.
Ele me encarou por um instante em silêncio e perguntou:
- O que você fazia naquela época? Trabalhava com o quê?
- Eu trabalhava num jornal, auxiliando na redação, corrigindo matérias… Eu fazia um pouco de tudo.
- Certo, certo… - Resmungou antes de beber outro gole de uísque: - Você então vendia o seu tempo e as suas habilidades intelectuais e físicas por dinheiro, estou correto?
- Aonde você está tentando chegar, Alfredo!? Você está tentando comparar o que eu fazia ao que ela fazia, é isso?
- Ué! Acho que não entendi então… - Calou-se me encarando, para frisar o que falaria a seguir: - Você não usava as suas mãos, olhos, ouvidos e inteligência para prestar os seus serviços e ter o seu salário no final do mês?
- Sim. É isso!
- E você tinha algum envolvimento sentimental no seu trabalho?
- Com alguma colega? É isso que está perguntando?
- Não! De uma forma geral… Você tinha algum envolvimento sentimental relacionado ao seu trabalho, ou você simplesmente o executava e depois colhia os frutos?
- Não, eu… eu gostava do que fazia, mas claro que não tinha “envolvimento sentimental” algum.
- Continuo confuso… - Ele olhou para a Emanuelle e perguntou: - Querida, quando você se prostituía, você tinha envolvimento sentimental com cada cliente com quem fazia sexo?
Ela franziu a testa, aparentemente também sem compreender o porquê daquela pergunta, mas não fugiu de respondê-la:
- Claro que não, querido! Eu só combinava o atendimento, o valor, ia lá e fazia o que tinha que ser feito. O único cliente com quem me envolvi sentimentalmente e ainda assim não foi durante o meu atendimento, mas sim bem depois e fora daquele ambiente, foi você.
- Certo… - Tomou outro gole de seu uísque e voltou a me encarar: - Então, cada um de vocês, a seu modo e dentro da sua “expertise”, alugava o seu tempo e fornecia partes de seus corpos, empenhando suas habilidades particulares em troca de valores, ou no final do atendimento, ou no início do mês, estou correto?
Eu não sabia o que falar e por um instante olhei para a Emanuelle como se pedisse para ela dizer alguma coisa, mas ela parecia tão perdida ou até mais do que eu estava. Encarei o Alfredo e balancei os ombros. Ele explicou então:
- Eu só quero te mostrar que o serviço em si que ela prestava para esses “terceiros”, em nada desabona a maravilhosa pessoa que ela é. - Deu um tapa no meu joelho e disse: - Puta também é gente, meu amigo! E quando é uma putinha especial, que presta um serviço diferenciado, o cliente sempre retorna. E eu gostei tanto dessa aí que até peguei para mim.
Ele começou a gargalhar, mas nem eu, nem a Emanuelle correspondemos. Ele então se calou, pigarreou novamente, tomou outro gole de uísque e falou:
- Ela não errou por se prostituir, porque, ao meu ver, é só um serviço como qualquer outro. O que ela fez de errado foi apenas não ter conversado com você antes e obtido a sua permissão, afinal, como um casal, a conduta de um deve sempre ser precedida de aceitação pelo outro. No mais, não vejo problema algum.
- Hãããã… Tá! É um ponto de vista beeeeem interessante, só não sei se concordo inteiramente com ele, mas é interessante. - Falei, tomando um gole do meu uísque em seguida: - Só não entendi ainda onde você quer chegar?
- Quero diminuir o peso do erro dela na sua concepção. Se você entender esse meu ponto de vista, a única coisa que fica para vocês superarem é a péssima decisão que ela tomou de fazer o que fazia às escondidas e mesmo aí ela tem uma justificativa muito boa: conseguir mais dinheiro para ajudar você a pagar as contas do lar de vocês, sem sobrecarregá-lo ainda mais.
Tomei o restante do meu uísque e antes que a Emanuelle me servisse novamente, recusei, colocando uma mão sobre a boca do meu copo. Então, encarei o Alfredo e disse:
- Eu já disse para ela que está perdoada, Alfredo…
- Falou da boca para fora, Marcel! Nem eu fiquei convencido.
- Como assim?
- Ah, meu rapaz, da boca pra fora pode tudo, desde cuspe até vômito. - Falou e riu, afinal, fora uma péssima comparação: - Ela quer o perdão verdadeiro, de coração, que liberte você do ressentimento e te deixe pronto para seguir adiante.
- Mas eu já disse que perdoei. O que mais eu posso fazer para ela acreditar em mim?
- Que tal… voltar a fazer parte da vida dela, hein? - Perguntou, dando um sorriso camarada e outro tapa no meu joelho, insistindo: - Hein?
- Eu e ela, e… você? - Perguntei, confuso.
- Nem tanto, né! Você e ela, eu e ela às vezes, mas eu e você nunca! Não sou bi, cara, banana para mim, só a fruta. - Gargalhou e assim que se controlou, disse: - E digo mais: se você quiser ficar com ela hoje, já tá liberado!
Acho que, por essa, nem a Emanuelle esperava. Quando olhei na sua direção, ela encarava o marido com a boca aberta, tomada por uma surpresa que parecia ser maior do que a minha. Assim que ele viu que tinha a atenção dela, continuou:
- Está olhando o quê, querida!? Vai me dizer que você não quer?
Ela ainda semicerrou os olhos sem desviar a atenção dele, tudo com a boca aberta. Foram alguns bons segundos de silêncio até que ela disse:
- Seria um sonho! Mas eu conheço suficientemente o Marcel para saber que ele não vai topar, não assim, não hoje! - E me encarou, perguntando: - Estou errada?
- Claro que não! Isso me parece um grande… desculpa a palavra, mas não consigo imaginar outra melhor, absurdo!
- Não! Absurdo não, Marcel, digamos que seja uma proposta inusitada, inesperada, diferente, talvez até precipitada, mas não é absurda. Ela é de coração, isso eu garanto!
Olhei na direção da garrafa de uísque e a Emanuelle entendeu de imediato, servindo-se uma boa dose e a mim na sequência. Após beber e trocar mais algumas palavras, agradeci a bebida, a companhia, mas disse que precisava ir embora. O Alfredo tentou de todas as maneiras fazer com que eu ficasse, mesmo que fosse só no quarto de hóspedes, mas preferi ir embora. Na saída, após se despedir de mim, deixou-me a sós com a Emanuelle :
- Tem certeza de que não quer ficar?
- Emanuelle, ouvi coisas hoje que eu nunca poderia imaginar! Eu preciso ir e pensar em tudo com muita calma.
Acho que ela entendeu que se insistisse poderia perder toda a aproximação que havia conseguido naquele dia. Despedimo-nos com um simples aperto de mão, muito embora ela tenha tentado me beijar a face. Em casa a minha cabeça fervia com tudo o que ouvira. Eu simplesmente não conseguia dormir e precisei me socorrer a uns comprimidos que uso em situações muito específicas. Apaguei forte, vindo a acordar só quase ao meio dia.
Passou um mês desse dia. Eu seguia sendo “cortejado” pelo Alfredo para acalentar o coração da sua esposa e isso eu não conseguia entender. Enquanto isso, começamos a desenvolver o projeto da nova linha editorial. Trabalhei intensamente até que o primeiro livro ficasse pronto. A Emanuelle seguia usando toda a sua influência nas redes sociais, rádio e televisão para divulgar os seus livros, mas agora fazia também um suspense, anunciando um lançamento diferente de tudo o que já fora visto. Naturalmente, eu achava um exagero, mas não posso negar que funcionou, pois a atenção se voltou para a editora.
No final do mês seguinte, foi lançado o meu primeiro livro de contos eróticos, “Cu-letâneas Sensuais”. A surpresa de toda a mídia foi imensa, pois imaginavam que seria um novo livro da Emanuelle, mas a crítica especializada acabou gostando do que escrevi e em pouco tempo, o meu nome já era um dos mais comentados nas redes sociais. Comecei a dar algumas entrevistas, mas como ainda eram poucas, a Emanuelle teve a ideia de me levar a tiracolo nas suas, assim tentaria arrumar um gancho para me divulgar. Acabou dando certo e o volume de vendas do meu livro que já era bom, acabou triplicando já em meados do terceiro mês.
Estranhamente, o Alfredo sumiu, desapareceu mesmo e estranhei. Perguntei para a Emanuelle se ele havia ficado chateado com a conversa que havíamos tido, mas ela, com um semblante bastante entristecido, falou:
- Não, não é isso! Ele só anda meio adoentado e pouco tem saído de casa. Mesmo lá na editora quem tem cuidado da parte executiva agora é o filho dele, o Frefre.
- Frefre!?
- É! Alfredo Massaranduba 2º. Como é segundo, virou Alfredo vezes dois, ou seja, Frefre.
Os meses foram se passando. Já estávamos no sexto mês após o lançamento do meu livro e eu já preparava o segundo. Eu já gozava de um certo prestígio entre as subcelebridades e havia me descolado um pouco da Emanuelle, embora ela fizesse questão de manter contato quase diário comigo, quase sempre pessoalmente.
Num dia qualquer, enquanto eu participava de uma reunião na editora com a Emanuelle e o Frefre, recebi uma ligação do celular do meu padrinho. Como ele normalmente não me ligava durante o dia, fiquei preocupado e pedi licença, atendendo-o de imediato. Meu mundo estava prestes a dar uma nova guinada:
- Que-Quem? - Perguntei.
- Sou eu, Marcel, a Chiquinha…
[CONTINUA]
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO SÃO FICTÍCIOS, MAS OS FATOS MENCIONADOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL PODEM NÃO SER MERA COINCIDÊNCIA.
FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DOS AUTORES, SOB AS PENAS DA LEI.