No outro dia, já estava pronto para viajar. Do Alto até a capital, eram cerca de oito horas de estrada, e ainda passaríamos por algumas cidades para realizar algumas entregas, tirar pedidos e tentar conquistar novos clientes. A previsão era de concluir tudo em três dias, e eu mal podia conter a ansiedade de conhecer a capital. Como um garoto do interior, esse era o início da minha jornada de desbravar o mundo. Eu seguia viagem com o Sr. Antônio, um senhor que trabalhava na fábrica há muitos anos, quase como um avô para todos nós. Sua energia contagiante deixava qualquer ambiente mais leve, e nossa viagem foi muito agradável.
Fomos conversando sobre as experiências que ele havia acumulado ao longo dos anos. Em certo ponto, compartilhei com ele o meu sonho de ser médico e a emoção de ir à capital pela primeira vez.
— Médico? Que legal, Rafael. Um sonho desses vale muito a pena perseguir! — ele sorriu com os olhos, enquanto ajustava o retrovisor.
— Sempre quis, sabe... Acho que nunca imaginei outra coisa.
Ele ficou um tempo pensativo, e depois disse:
— Engraçado... Não sei por quê, mas você me lembra alguém. Só não consigo lembrar quem...
Essa frase ecoou na minha cabeça, e por um instante, senti uma curiosidade estranha, como se houvesse algo por trás daquelas palavras. Mas antes que eu pudesse perguntar mais, ele seguiu falando:
— Ah, e vamos passar na praia. Se der tempo, quero que você conheça o mar. Já pensou? A primeira vez na capital e na praia no mesmo dia!
Meu coração disparou. Era como se meus sonhos de moleque estivessem começando a se realizar de uma vez só.
— Sério, Sr. Antônio? Eu só conheço a praia por fotos e livros!
— Pois então se prepara, rapaz! Você vai ver que o mar ao vivo é outra coisa. Não dá pra descrever em palavras.
Aquela promessa me deixou em êxtase. O simples fato de ver o mar pela primeira vez fazia a longa viagem valer a pena. Fui o resto do caminho pensando nisso, enquanto o Sr. Antônio me contava histórias das muitas vezes que ele visitou a capital e como cada uma dessas viagens o marcou de um jeito diferente.
Após longas horas dentro do caminhão, finalmente chegamos à capital. Fizemos as entregas conforme o planejado, e logo depois recebi uma ligação inesperada. O celular vibrou e vi o nome do Sr. Allyson na tela.
— Alô, Rafael? — A voz do Sr. Allyson soou firme.
— Oi, Sr. Allyson, tudo bem?
— Tudo sim. Escuta, já que você está aí na capital, preciso que faça um favor pra mim. Passa lá em casa e pega uns documentos que eu preciso. Aproveita que você vai estar perto.
— Claro, sem problema. Estou por aqui mesmo.
— Ótimo! A dona Maria vai deixar tudo separado pra você. Só dá um toque quando estiver chegando e o Sr Antônio sabe o caminho.
— Pode deixar, Sr. Allyson.
Depois de desligar, pensei no Bernardo. Essa seria uma chance de vê-lo, mesmo que por pouco tempo. Não perdi tempo e mandei uma mensagem pra ele.
"Ei, estou na capital. Seu pai pediu pra eu passar lá na sua casa pra buscar umas coisas. Você vai estar por aí?"
A resposta veio quase que imediatamente:
"Rafa, sério? Tô em casa sim! Passa aqui que a gente se vê rapidinho!"
Senti uma onda de empolgação tomar conta de mim. Mesmo sendo algo breve, o entusiasmo de ver o Bernardo de novo era impossível de ignorar.
"Chego aí em uns 20 minutos!"
"Te espero. Tô ansioso pra te ver."
Essas últimas palavras me fizeram sorrir, e de repente, as horas de viagem cansativa pareceram ter valido ainda mais a pena.
Quando cheguei na casa do Bernardo, meu coração acelerou ao vê-lo. Ele estava encostado na porta, me esperando com aquele sorriso que sempre me desarmava. Assim que me aproximei, ele não perdeu tempo e sussurrou:
— Rafa... eu tava morrendo de saudades de você.
— Eu também, Bernardo. Esses dias pareceram uma eternidade.
Olhei rapidamente ao redor, percebendo que o Antônio estava distraído no caminhão e a empregada ainda se movimentava pela casa. Sabíamos que o tempo era curto, mas não consegui segurar a vontade. Num movimento rápido, nos aproximamos e nossos lábios se encontraram em um beijo intenso e cheio de saudade.
— Nem parece que faz só alguns dias, parece uma eternidade — ele disse entre o beijo, com a respiração acelerada.
— Eu pensei a mesma coisa... — respondi, enquanto o puxava para mais perto, sentindo o calor do seu corpo.
O beijo foi rápido, mas cheio de paixão. Nossos lábios se moviam com urgência, como se o tempo estivesse contra nós. Mesmo com a pressa, era impossível ignorar o quanto tínhamos desejado aquele momento.
— Infelizmente, não temos mais tempo pra... outras coisas — ele riu baixinho, interrompendo o beijo e encostando a testa na minha.
— Não agora... mas logo, espero — respondi, dando mais um selinho rápido antes de nos separarmos.
Ele me puxou para um abraço apertado, onde pude sentir a conexão que tínhamos, mesmo com toda aquela correria. Era como se, naquele breve instante, o mundo parasse ao nosso redor.
Quando saímos da casa do Bernardo, o Sr. Antônio virou para mim com uma expressão séria:
— Rafa, acho que não vai dar tempo de passar na praia, estamos meio atrasados.
Minha alegria desabou na hora, e acho que ele percebeu, porque dei uma risada nervosa.
— Sério, Sr. Antônio? Logo agora que eu tava todo empolgado pra ver o mar...
— É, rapaz, às vezes não dá pra fazer tudo que a gente quer... — ele falou, mantendo a cara séria.
Eu bufei e olhei para a janela, já conformado, quando de repente, no horizonte, aquela imensidão azul começou a aparecer. Meus olhos brilharam instantaneamente.
— Ei, espera aí... é o mar? — perguntei, já me inclinando pra frente no assento, todo animado.
O Sr. Antônio começou a rir, e foi aí que percebi a pegadinha.
— Ah, seu safado! Me enganou direitinho! — falei, rindo junto com ele.
— Ora, não podia perder a chance! Queria ver sua cara ao chegar perto. Valeu a pena, não valeu? — ele respondeu, com um sorriso satisfeito no rosto.
— Valeu, e muito! — falei, enquanto meus olhos se fixavam naquela paisagem incrível.
Apesar de não podermos parar, a simples visão do mar de perto, a brisa salgada batendo no meu rosto, o cheiro do sargaço... era como se eu estivesse num sonho.
— Esse vento é bom demais, né? — o Sr. Antônio comentou, sentindo a brisa fresca entrar pela janela.
— É perfeito! — respondi, ainda encantado. — Nunca pensei que o mar seria tão... imenso.
Eu observava também os caras na praia, bronzeados, de sungas, sem camisa, jogando bola. Tudo aquilo parecia uma cena de filme pra mim.
— Tá gostando do que tá vendo, hein? — o Sr. Antônio deu uma risadinha, percebendo meu olhar.
— Ah, Sr. Antônio, confesso que tô amando tudo. O mar, a cidade, o pessoal... — falei, tentando disfarçar o sorriso.
Ele riu mais alto, me olhando com aquele jeito sábio.
— Isso aqui é só o começo, garoto. Um dia, você vai tá morando aqui, trabalhando e vivendo essa vida. O Alto é bom, mas a capital... a capital é outro mundo.
Enquanto o caminhão seguia em frente, senti uma certeza dentro de mim.
— Um dia, eu vou viver aqui, Sr. Antônio. Pode ter certeza disso. O Alto tá me preparando, mas esse lugar... esse é o meu futuro. — falei, determinado.
— Eu não duvido, Rafa. Não duvido nada. — respondeu ele, com um sorriso orgulhoso no rosto.
Seguimos nossa viagem e o que estava previsto para durar três dias acabou se transformando em apenas dois. Eu e o Sr. Antônio conseguimos adiantar bastante coisa, reorganizando a rota de forma mais eficiente. Estávamos retornando ao Alto já quase no início da noite. Durante a viagem, troquei algumas mensagens rápidas com o Caio, nada muito profundo. Ele ainda achava que eu só voltaria na sexta, então aproveitei para surpreendê-lo. Assim que estávamos chegando, mandei uma mensagem.
Eu: "Ei, tô com saudades... voltei mais cedo. Quer me ver?"
Ele não demorou a responder:
Caio: "Sério? Volta mais cedo e nem me avisa antes? 😏 Quero sim, vem logo!"
Sorri para o celular, ansioso para reencontrá-lo. Quando chegamos ao Alto, já era noite, e depois de algumas horas de estrada, me despedi do Sr. Antônio.
— Valeu demais pela companhia, Sr. Antônio. E pela viagem, foi melhor do que eu imaginava. Obrigado mesmo pelas conversas, aprendi muito com o senhor.
— Que é isso, Rafa. Eu é que te agradeço pela paciência, por ouvir minhas histórias velhas. Você tem um bom futuro pela frente, garoto. — Ele colocou a mão no meu ombro com aquele sorriso caloroso. — Se cuida, viu? E se precisar, é só me chamar.
— Pode deixar, Sr. Antônio. Até a próxima! — Respondi, acenando enquanto ele se afastava.
Resolvi não avisar minha mãe que havia chegado, queria aproveitar a noite com o Caio. Cheguei na casa dele, e assim que entrei, mal tive tempo de dizer um "oi", ele me puxou para um beijo rápido.
— Vai lá tomar um banho, eu preparei algo pra gente comer — ele disse, me empurrando gentilmente em direção ao banheiro.
Tomei um banho rápido e, quando saí, Caio já tinha colocado uma janta simples na mesa. Nos sentamos, e eu comecei a contar sobre a viagem.
— Então, conheci o mar... cara, foi incrível! — falei, com os olhos brilhando.
— Você sempre falou que queria ver o mar. E aí, atendeu às expectativas? — Caio perguntou, sorrindo enquanto me observava com atenção.
— Foi melhor do que eu imaginava! Sabe aquele cheiro de maresia, a brisa no rosto... Eu nunca senti nada assim. Deu vontade de ficar lá pra sempre, pra ser sincero. Até pensei que um dia quero morar na capital — confessei.
Caio me olhou, pensativo.
— Morar na capital? E o que vai fazer com o Alto? Vai deixar tudo pra trás?
— Não tô falando de agora... mas um dia, sabe? A capital tem algo que me atrai, não sei explicar.
Ele assentiu, mas ficou em silêncio, como se estivesse processando a ideia. Terminamos o jantar e fomos para a cama. Entre beijos e carícias, a saudade foi diminuindo a cada toque, a cada olhar.
De repente, meu celular, que estava jogado em cima da cômoda, vibrou. Caio, que estava deitado ao meu lado, se esticou e pegou o aparelho antes de eu poder alcançá-lo. Eu não liguei, até que ouvi sua voz mudar de tom.
— Por que você tá conversando com o Bernardo? — ele perguntou, com uma mistura de surpresa e raiva na voz.
A tensão no quarto subiu, e o silêncio que se seguiu foi pesado. Eu sabia que aquilo não ia acabar bem.