Quando o medo se instala, a adrenalina rapidamente invade o corpo, provocando uma aceleração do coração e uma intensificação dos sentidos. Cada som se amplifica, cada movimento torna-se uma ameaça iminente. Ao mesmo tempo, o cortisol se espalha, injetando uma sensação de urgência e estresse. Essa combinação cria uma resposta de luta ou fuga, onde a mente luta para encontrar clareza em meio à confusão. O estômago se revira, e uma tensão surge nas articulações, refletindo a paralisia causada pelo pavor. Neste estado, o medo se torna tanto um fardo quanto um despertar; a vitalidade da vida se revela em sua forma mais crua, onde a vulnerabilidade e a intensidade se entrelaçam em um momento fugaz.
No hospital fui informada que o carro de Guilherme capotou na pista, o médico me disse que ele estava em uma cirurgia de emergência e estava em estado gravíssimo. Os policiais me chamaram para falar do carro, pelo estado poderia ter dado perda total, acionei o seguro após ter os dados do boletim de ocorrência.
Nesse meio tempo minha mãe chegou e eu me senti mais calma. Porém a sala girava lentamente, como se o chão estivesse se afastando, senti um frio súbito percorrer seu corpo, e a visão começou a escurecer nas bordas. Meu coração disparava, um tambor frenético dentro do peito, enquanto a respiração se tornava superficial, quase como se estivesse presa em um sonho inquietante. Minhas pernas pareciam feitas de chumbo, pesadas e instáveis, e a realidade ao redor se desvanecia em um borrão. Os rostos das pessoas se tornavam indistintos, e suas vozes se transformavam em murmúrios distantes, como se estivesse ouvindo debaixo d’água. Tentei me agarrar a algo, mas minhas mãos tremiam, incapazes de encontrar apoio. Um pressentimento me envolveu—sabia que o desmaio estava chegando. O medo e a impotência se misturavam, enquanto a luz desaparecia lentamente, como um sol se pondo no horizonte. E, antes que pudesse lutar contra isso, a escuridão me abraçou, levando-me a um silêncio profundo.
Acordei em um quarto de hospital com um médico ao meu lado. Ele havia pedido alguns exames devido ao meu mal súbito, mas acreditava ser por estresse. Em meio a tudo chegaram os pais de Guilherme, dali em diante os médicos só avisam eles sobre a situação do filho. Eu achei melhor, já que não estava me sentindo bem, e ao mesmo tempo estava com uma vontade absurda de um milkshake de paçoca com ovomaltine.
Nicolly: Mãe, busca um milkshake de paçoca com ovomaltine para mim?
Mãe: Busco filha, mas achei que você não gostava de paçoca.
Nicolly: Eu não gosto, mas me deu vontade de comer.
Mãe: Hum. Estranho, bom irei buscar.
Minha mãe saiu e parou para falar com meu médico no corredor, em seguida saiu com um sorriso no rosto. Por algumas horas não recebi nenhuma notícia de Guilherme, mas meu exames estavam prontos e o médico veio até meu quarto.
Doutor: Bom Nicolly, sua saúde está em perfeito estado. E isso é muito bom de saber em sua situação.
Nicolly: Que bom. Mas qual situação?
Doutor: Sua mãe me pediu para acrescentar em seus exames um teste de gravidez, e o resultado foi positivo, você está com mais ou menos 6 semanas de gravidez que dá em média um mês e meio.
Nicolly: Grávida? Mas eu tomo pílula e sempre usei camisinha com Guilherme.
Doutor: Olha, nenhum método contraceptivo é 100% eficaz. E esse bebê é a prova disso, assim como muitos outros.
Nicolly: Eu ainda não acredito. Doutor, tem alguma notícia de Guilherme?
Doutor: Ele teve uma complicação na cirurgia e precisou de transfusão de sangue. A cirurgia já deve ter terminado, preciso verificar.
O médico se despediu e saiu do quarto, eu ainda não estava acreditando na notícia que recebi. Minha mãe e a mãe de Guilherme entraram no quarto ao mesmo tempo.
Mãe: Filha, o médico falou sobre seus resultados?
Nicolly: Mãe, como você sabia da gravidez?
Mãe: Então eu estava certa. Bom, você sempre teve repulsa a paçoca, pedir algo que envolva ela é um grande sinal de gravidez. Eu passei pelo mesmo com pepino e cenoura.
Ficamos conversando ali por mais um tempo, até que o pai de Guilherme entra no quarto com seu rosto parecendo carregar o peso de uma perda irreparável, enquanto uma expressão de desamparo e desespero se desenhava em sua fronte. A própria imagem do luto, um reflexo da devastação que havia se instalado em seu coração, eu percebi imediatamente o que havia acontecido, mas queria ouvir as palavras.
Pai de Guilherme: O médico acabou de me informar que mesmo com a transfusão de sangue o Guilherme não sobreviveu. Os traumas foram muitos e ele teve uma parada cardiorrespiratória após a transfusão, seu corpo não suportou.
Eu perdi completamente o rumo. Estava grávida e meu namorado havia morrido. Era um turbilhão de emoções: a ausência dele era uma dor imensurável, mas agora havia uma vida crescendo dentro de mim, um fragmento dele que continuaria a existir. As lágrimas escorriam pelo meu rosto, misturando-se a um sorriso hesitante. Eu sabia que o caminho à frente seria árduo, mas, havia uma centelha de esperança em meu coração. Uma grande mudança estava por vir.
Após o funeral de Guilherme voltei a morar com a minha mãe, os pais dele disseram que dariam apoio total ao neto ou neta e que se fariam mais presentes. Mesmo com todo o turbilhão decidi manter minha rotina de treinos, mas teria que contar para Maya da gravidez, pois sabia que influenciaria no meu treino e ritmo. Só chegar na Academia vejo de longe a mulher linda que é Maya, como eu estou pensando em beijá-la mesmo tendo enterrado meu namorado? É difícil responder, mas ela causa esse desejo em mim.
Nicolly: Oi Maya, bem? Queria conversar contigo antes do treino. Descobri pouco antes da morte de Guilherme que eu estou grávida de 6 semanas e quero prosseguir com os treinos. Será algum problema?
Maya: Oi Nicolly, meus pêsames pelo Guilherme. Parabéns pela gravidez. Bom o treino deverá ser adaptado para evitar problemas na placenta,a sua alimentação deve ser prioridade nesse período.
Nicolly: Certo. Vamos treinar então?
Maya: Claro, só vou pegar sua ficha.
Quando ela virou fiquei olhando seu corpo, como ela me fascinava, inteligente e com um corpo que chamava atenção em qualquer lugar que fosse. Eu sabia que aquela relação não teria futuro, agora minha prioridade havia mudado. Em 7 meses eu teria uma nova vida para me dedicar completamente. Entendi ali que Maya poderia ser uma grande amiga e nada mais.