O que será - Codinome beija-flor

Um conto erótico de João Fayol
Categoria: Homossexual
Contém 2694 palavras
Data: 15/10/2024 22:03:10

Se a angústia é o afeto que não mente; o desejo é o afeto que não se controla. Pode-se tentar segurá-lo, pode-se tentar evitá-lo, mas em algum momento, em algum lugar, com alguma pessoa, ele enfim se mostra o que de fato é: incontrolável. Eu havia passado os últimos meses fugindo do meu desejo em ter o André, e pra fugir dessa verdade, construí muros, me distanciei, tentei fugir e me afastar de todas as formas possíveis e inimagináveis, mas ali naquele sofá, tendo os meus lábios se movimentando em sincronia com os seus, todas as minhas muralhas haviam oficialmente ido ao chão.

A forma como André me beijava, dava a entender que ele partia do mesmo princípio que eu, como se a tentativa de nos manter afastados tivesse, tivesse sido, por um descuido nosso, tivesse sido capitaneada por um estilingue: nos afastou, mas nos lançou um contra o outro a 100 por hora. Suas mãos passeavam com urgência pelo meu corpo, não querendo chegar a um destino, mas sim querendo sentir tudo o que fosse possível, até o momento em que nos déssemos conta da loucura que estávamos fazendo.

Minha cabeça estava a mil, um emaranhado de sentimentos e sensações. Ao mesmo tempo em que me arrepiava com seus beijos e toques pelo meu corpo, também pensava no Caetano e em tudo o que estava ocorrendo com ele, comigo e conosco. Minhas mãos se embolavam aos cabelos do André, até que suas mãos repousaram firmemente em minha cintura e me puxaram para o seu colo.

O calor do seu corpo, o ofegar da sua respiração, a forma como ele me deixava cada vez mais excitado… tudo me prendia e me tinha em quase plenitude. A forma como ele me prendia era completamente excitante; perigoso e excitante; deliciosamente arriscado e tendo o medo como tempero. Tudo era mel, até que se tornou fel. Entre um beijo e outro, minhas mãos seguraram firmemente o volume na bermuda do André, e de forma arrastada, grave e firme, ele gemeu. Aquele gemido não somente me deixou mais excitado, como me jogou em uma realidade: eu queria mais daquele gemido, queria levá-lo ao limite dele, o que representava também o meu limite, e de forma correlacionada, o limite do meu casamento.

Ou eu saia dali naquele momento, ou não sairia mais. Já havíamos ido longe demais, mas eu precisava voltar. A responsabilidade era minha, eu havia dado início a tudo, cabia a mim colocar uma vírgula, um ponto e vírgula ou um ponto final, qualquer coisa que representasse uma pausa naquela loucura. Tudo começou como um furacão, e tudo parou como um furacão. Antes que André tivesse tempo para processar tudo, eu já estava andando sem rumo pelo corredor principal. Mesmo sem entender, ele veio atrás de mim, ainda zonzo diante de tudo que havia acabado de ocorrer.

- Me desculpa, Gabriel. - ele tentou me tocar, mas eu me desvencilhei.

- Você não fez nada, fui eu. Quem fez a merda fui eu. - impulsivamente, entrei pela porta da escada de incêndio, no lugar do elevador.

- Você não fez nada sozinho, agora para e me escuta. - ele seguia tentando me segurar e me parar, e eu seguia tentando descer as escadas, para me afastar o máximo possível dele.

- Gabriel, caralho! - ele finalmente conseguiu me segurar, e entendendo que eu não iria me acalmar, ele me jogou contra a parede que continha o extintor de incêndio do andar. Já sabendo que eu iria reclamar, ele segurou firmemente meus pulsos, mantendo nossos rostos próximos.

- Me larga, André. Eu preciso ir embora. - me debatia, mas era em vão, ele me segurava com facilidade.

- Eu vou te soltar, mas eu preciso que você se acalme. A gente fez merda, mas foi em conjunto, metade da responsa é minha. - enquanto falava, ele ia soltando as minhas mãos.

Ele possivelmente esperava uma resposta, mas eu fiquei em silêncio. Quando me vi solto, mas ainda próximo ao seu corpo, não corri, apenas me afastei o suficiente para me sentar no degrau abaixo de nós. Tentava respirar fundo e me acalmar, enquanto minhas mãos deslizavam rapidamente do meu rosto até o meu cabelo. André se sentou ao meu lado em silêncio. Dali, conseguíamos ouvir os sons dos elevadores subindo e descendo, dos carros, motos e pedestres que circulavam pela Voluntários, os sons da Praça Nelson Mandela e até dos restaurantes que circundavam a praça; o que mais se destacava dentre todos aqueles sons, eram todos os que não saíam de nós. Eu era incapaz de formular uma linha de raciocínio decente, e sabia que o André estava na mesma.

- Eu bebi antes, mas isso não é desculpa - ele começou.

- André, não.

- Deixa eu continuar, por favor. - fiquei em silêncio. - Não é uma desculpa, beber só me deu mais coragem. Eu tava com meu peito pesado. Doendo mesmo. Doendo porque eu tava me sentindo um canalha, porque eu tô apaixonado por você. Eu sei que tu acha que eu só quero te comer, que eu ainda sou aquele filho da puta da faculdade, mas a real mesmo é que eu tô apaixonado, totalmente parado e pirado na sua. Em outros tempos, você ser casado jamais seria um problema, mas tu é casado com o Caê, meu irmãozão de vida. Eu tava lá quando o pai dele morreu… eu ganhei a confiança da família toda, e fiz isso já apaixonado por você. Que tipo de homem eu sou?

- Um bom homem. Um cara que se dedicou ao meu marido e a minha família, que foi nosso suporte, e que não deixa de ser um homem. Suscetível às paixões. E eu falo isso, sei lá, do lugar de quem aprendeu a admirar e a se encantar por esse homem; e que de certa forma, não pode deixar ele carregar esse peso sozinho, ou ao menos não deixá-lo se sentir dessa forma. Você fala do lugar de quem é o melhor amigo do Caetano… eu sou o marido dele. Isso muda tudo, tu não acha?

- Um pouco. - ele sorriu pra mim. - voltamos a ficar alguns minutos em silêncio.

- Eu preciso ir. - me levantei e ele fez o mesmo.

- Pra onde você vai? - ele questionou.

- Não sei, André. Eu preciso dar uma volta sozinho, recolocar a minha cabeça no lugar. Qualquer coisa assim. Me desculpa por antes, eu só tava nervoso. - ele me olhava profundamente, e de muitas formas isso me desconcertava.

- Tudo bem. Eu não sei bem o que falar agora, nem o que fazer, nem como agir. - enquanto falava, ele desviava o olhar, olhava para o chão e para as paredes.

- Eu não vou te pedir pra fingir que nada aconteceu, porque, bem… aconteceu coisa pra caralho e não dá pra eu simplesmente tentar apagar isso. Mas vamos, não sei, tentar fingir normalidade. A vida vai ter que seguir a partir daqui, você vai continuar sendo amigo do Caetano, e eu voi continuar sendo marido dele. Vamos tentar achar alguma forma de lidar com isso.

- Certo. Acho que eu também preciso de um tempo pra arejar minhas ideias. Enfim… - ele coçou a cabeça, um pouco confuso, e devo admitir que achei das coisas mais fofas do mundo.

- Pega o elevador. Eu te levo de volta até o hall.

Ele assentiu e voltamos juntos até o corredor principal, voltamos ao silêncio. O elevador foi chamado e logo chegou. Eu ainda precisava voltar em casa para resolver parte das coisas que havia me proposto. Ele entrou, e antes que a porta se fechasse, indagou.

- Você se arrepende?

Quando aquela porta se fechasse, ele voltaria a ser o advogado do escritório do meu marido e um dos melhores amigos dele, o que aconteceu no sofá daquele apartamento deveria ser completamente superado e eu não poderia deixar nenhuma ponta solta ou aberta; mas eu não sabia mentir pra ele. Disse a verdade.

- Não. - a porta do elevador se fechou, mas antes disso, pude ver nascer um sorrisinho em seu rosto. Tenho certeza que aquele sorriso também me fez sorrir.

Voltei para o apartamento, e assim que abri a porta, fui inundado pelo cheiro do perfume dele. Um tom amadeirado que eu amava. Fechei a porta e me joguei naquele sofá, sorrindo e culpado. Eu tinha certeza que tinha deixado uma enorme ponta solta, mas não me era permitido pensar no dano causado.

*

Não é possível mensurar a extensão dos danos daquela tarde, mas eles foram enormes. À medida que o tempo passava, mais eu sentia que estava derretendo em praça pública. Pouco a pouco, Caetano foi aprendendo a viver em torno de seu luto, e nossa vida foi, de alguma forma, retornando ao eixo. André não deixava de ser uma figura presente para nós. Eu via seus olhares de admiração e afeto, mas nunca mais nada ocorreu.

O tom de retorno à normalidade que a vida ia ganhando, era também um retorno àquela condição de casamento morno em que eu e Caetano estávamos em São Paulo. Ele não dava indícios de que pretendia voltar a tocar o escritório de São Paulo, na verdade, não dava sinais de que pretendia voltar para lá. Pelo contrário, cada vez mais ele estava apegado e arraigado ao Rio, e quanto mais fixo ele ficava aqui, mais desgastado ficava o nosso casamento.

Eu sei que tudo o que eu queria era o meu marido no Rio, comigo, mas ter conquistado isso, me fez perceber que o problema nunca foi o Rio ou São Paulo, o problema éramos nós; não se tratava do tédio de possuir, como pode parecer. Mais do que nunca, meu casamento estava colapsando, e dessa vez, sem rota de retorno. Não havia brigas, não havia discordâncias, não havia conflitos, pelo contrário, havia silêncio. Aquela mansão entre Lagoa e Jardim Botânico, era terminantemente silenciosa. Todas as nossas refeições em conjunto eram silenciosas, as conversas se tornavam cada vez mais triviais, o quarto havia se tornado o local de leituras longas e silenciosas, e o sexo, cada vez mais raro, e quando ocorria, cada vez mais distante do que um dia já foi.

Foram exatos 9 meses nessa situação, tentando entender o que havia com o meu casamento, ao mesmo tempo em que tentava me esquivar de tudo o que eu sentia pelo André, até que em uma noite, deitados na cama em silêncio, ele lendo um artigo científico, enquanto eu lia um livro no kindle, Caetano quebrou aquele silêncio.

- Você ainda me ama? - ele despertou minha atenção, enquanto ainda olhava para o ipad.

- Que pergunta é essa, Caetano?

- Responde. - ele abaixou seu ipad.

- Claro que eu te amo. - meus olhos mantiveram-se firmes ao kindle.

- Mas você não tá mais apaixonado por mim, não é?

Durante alguns segundos fez-se silêncio no quarto. Eu sabia que o ipad já estava guardado e que ele aguardava uma resposta. Ele merecia uma resposta. Por mais dura que fosse.

- Não. - o kindle finalmente saiu do meu campo de visão, e eu pude enfim encarar Caetano.

- Já tem um tempo que eu sinto isso. Você tá aqui, mas não é mais daqui. Acho que eu também não sou mais daqui.

- Você ainda tá apaixonado? - perguntei, já sabendo que a resposta seria indiferente ao saldo final daquela conversa.

- Eu passei os últimos meses me convencendo que estava, mas a real é que não, e isso já tem um tempo.

- E por que falar sobre isso só agora?

- Porque eu comecei a me sentir preso, não em você ou por você, mas em uma estrutura que já não funciona. E aí que eu fiquei pensando, que se eu estava me sentindo dessa forma, talvez você também estivesse… e sei lá, se eu me quero livre, eu também te quero livre. Não há liberdade que se conclua às custas do sequestro da liberdade dos outros.

- É… eu… você tá certo. - eu não queria chorar, mas algumas lágrimas acabaram escorrendo. Era a rota do fim.

- Tem outra pessoa, não tem?

- Sim. - suspirei.

- Eu deduzi… tem coisa que a gente sabe, sente, enfim.

- Você tem outra pessoa?

- Não… não mais. - eu sabia o que perguntar, e possivelmente sabia qual seria a resposta, internamente queria evitar, mas não se pode fugir da verdade.

- Você ficou com outra pessoa?

- Sim. Acabou acontecendo nesse nosso distanciamento. Não foi nada planejado e nem algo que se repetiu, mas aconteceu.

- Tudo bem. Não sei bem o que… - ele me interpelou.

- E você?

- Caetano, eu não acho que isso…- ele me cortou novamente.

- Gabriel, sim ou não. Seja direto.

- Sim. - me levantei e sentei no pé da cama - Nada planejado, pontual e sem repetição. Exatamente como você. - o encarei, ele estava sentado na outra extremidade da cama.

- Você sabe que eu não acho que traição seja o fim do mundo. Dá pra superar, dá pra passar por cima, recomeçar etc, mas a real é que… eu não quero recomeçar nada, e você também não quer. - Se a gente quisesse a gente teria recomeçado direito.

- E lá no fundo, você só quis saber se eu te traí pra diminuir a culpa d eter me traído, não foi?

- De certo modo. - ele deu um sorrisinho tímido.

- Eu fiz o mesmo. Não deixamos de ser parecidos em tantos graus.

Ficamos mais algum tempo em silêncio. Eu já não sabia mais dizer quanto tempo havia se passado desde que começamos a conversar.

- E agora? - àquela altura, eu já estava sentado na poltrona do quarto.

- Eu vou dormir no quarto de hóspedes, e amanhã eu aciono o jurídico. A gente precisa dividir nossos bens.

- Eu não quero seus bens.

- Metade do meu patrimônio você ajudou a construir. É seu por direito, não tô te dando de presente.

- Amanhã eu volto pra Botafogo. - ele já estava saindo do quarto.

- Como você quiser. - ele saiu e bateu a porta.

“Pra que mentir

Fingir que perdoou

Tentar ficar amigos sem rancor

A emoção acabou

Que coincidência é o amor

A nossa música nunca mais tocou”

*

Antes do sol nascer, eu ouvi o som do carro dele sair de casa. Antes que o relógio batesse às 09:00, eu já estava chegando no meu apartamento em Botafogo. Pontapé inicial da minha história. Estacionei o carro na garagem, mas não peguei o elevador para o meu andar.

Saí do prédio e caminhei 200 metros até a outra ponta da Praça Nelson Mandela, aproveitei que o porteiro do turno já me conhecia e entrei naquele prédio já na São Clemente. Subi de elevador até o sexto andar e desci. Toquei a campainha com meu coração aos pulos.

Quando a porta se abriu, ele me olhou surpreso. Já estava pronto para sair, todo engomadinho, de terno, gravata e sapato social.

- Eu sei que eu já te confundi muito, que eu enfiei meus pés pelas mãos. Mas eu precisava te falar que eu não me arrependi. Não teve um só dia nos últimos 9 meses que eu tenha me arrependido. Eu faria tudo de novo, porque eu também tô apaixonado por você. E eu já tava apaixonado lá. E eu não consigo comer, não consigo dormir, não consigo pensar direito, porque, porra, eu tô apaixonado. Toda hora que eu te vejo, quase morro de desejo, admiração e vontade de estar com você, e não são nem 9 da manhã e eu tô aqui. Me desculpa, se eu tiver falando tudo assim sem pensar - ele me olhava cada vez mais confuso e com a boca semiaberta - , mas é isso. Eu não espero que você ainda sinta o mesmo. Eu só precisava te falar isso e… - ele me segurou com firmeza pelos braços e me puxou pra dentro.

- Gabriel, para de falar, pelo amor de Deus.

Antes que eu conseguisse falar, pensar ou reagir, ele me beijou. Com a mesma intensidade que da última vez. Talvez mais. Certamente mais. Muito mais.

- Claro que eu ainda tô apaixonado por você, porra. - ele disse entre um beijo e outro, sorrindo.

- E agora a gente faz o que? - sua roupa ainda estava engomada, mas seu cabelo já estava completamente bagunçado.

Ele empurrou o meu corpo de vez para dentro e bateu a porta da sala. Seu olhar fixou em mim. Havia malícia, tesão, e muita, muita paixão. Eu sabia o que viria a partir daquele olhar, e era tudo o que eu queria.

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Comentários

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João, que diálogos fodas que você constrói! E vamos ver o sexo desses dois? Suas cenas de sexo tb são maravilhosas hahaha

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