Eu não conseguia enxergar direito. Na minha cabeça vinha um monte de questionamentos que eu não conseguia responder. Eu estava tão afetada com aquela situação que nem percebi que eu já tinha saído da calçada do meu prédio. Só me dei conta quando ouvi a buzina de um carro e o barulho dos pneus queimando o asfalto. Quando olhei só vi o motorista e meu corpo já sentiu um impacto forte que tirou meu corpo do chão. Depois disso tudo ficou escuro e confuso.
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Às vezes eu escutava umas vozes mas não sabia identificar quem era. Eu queria ver quem era, mas eu não tinha forças para abrir os olhos. Não sabia o que estava acontecendo, mas eu estava cada vez mais fraca. Eu sentia uma agonia, parecia que não tinha ar o suficiente ali. Será que eu estava morrendo? O que aconteceu comigo? Onde eu estou? Meus pensamentos sumiram, só ficou a escuridão.
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Não sei quanto tempo estou aqui, mas eu estava ouvindo uma voz, bem baixinha, mas eu ouvia. Ela disse que eu precisava acordar, tinha alguém tocando meu rosto, era alguém com a pele macia. Será que é da dona da voz? Ela disse que não quer me perder, ela parece gostar de mim. Eu preciso vê-la. Mas meus olhos não se abrem. Droga ela está se distanciando. Eu queria pedir para ela não ir, mas eu não consigo. Que droga eu estou apagando de novo, alguém tem que me ajudar. Meu grito de socorro fica preso na garganta. Ninguém me ajudou, a voz bonita se foi, novamente só ficou a escuridão ao meu redor. Será que dessa vez eu morri?
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É ela de novo, a voz doce que eu ouvi da última vez. Será que eu morri e ela é um anjo? A voz me parece a de um anjo, mas será que existem anjas? É uma voz feminina. Mas dizem que anjos não tem sexo. Meu Deus o que estou pensando!?! Eu preciso sair daqui, preciso abrir meus olhos.
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Não vai, por favor! Droga ela está se distanciando de novo! Por favor, fica comigo.
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O silêncio tomou conta das últimas vezes que consegui raciocinar. Será que ela se foi de vez? Eu queria tanto poder ouvir ela de novo.
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Espera, ela voltou. Agora a voz está mais forte. Eu consigo ouvi-la perfeitamente bem. Ela está lendo uma história para mim. Ela sorri, eu ouvi ela sorrindo. É tão bonito o som do seu sorriso. Seus toques são macios. Eu sinto seus dedos passar sobre meu rosto. Queria vê-la, sentir seu cheiro mas não consigo.
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Ela está vindo sempre falar comigo. Às vezes escuto ela rezar por mim e se desculpar. Mas o que ela fez para ter que se desculpar comigo? Eu às vezes não sei direito o que ela fala. Está tudo tão confuso. Mas ela me faz bem, ela quer que eu volte de algum lugar.
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Já faz muito tempo que estou aqui nessa escuridão. A única coisa de bom é aquela voz que fica me fazendo companhia em alguns momentos. Mas depois é só silêncio e escuridão. Acho que às vezes eu durmo, mas quando acordo meus olhos não se abrem. Porque meus olhos estão assim? O que aconteceu com eles? Será que estou cega? Acho que não, só não tenho forças para abrir meus olhos.
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Ela chorou hoje. Pude ouvir seus lamentos. Ela disse mais uma vez que não pode me perder. Senti seus dedos tocarem o meu rosto. Eu preciso abrir meus olhos de algum jeito.
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São seus lábios, eu senti seus lábios. Seus lábios tocaram os meus. Eu preciso vê-la, eu tenho que vê-la!!!
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Senti uma luz bem fraca nas pálpebras. Tentei abrir os olhos e consegui. Porém tinha uma luz forte e não consegui mantê-los abertos. Escutei alguns barulhos ao meu redor. Alguém segurou no meu pulso e pediu para eu ter calma. Eu conhecia bem aquela voz. Era de Marisa, minha melhor amiga. Ela estava gritando por ajuda e logo ouvi outras vozes. Eu tentei abrir os olhos novamente, mas a luz me cegou por um instante, mas consegui manter eles abertos. Eu queria virar para o lado mas não conseguia. Algo estava prendendo meu pescoço. Mas pelo menos agora eu conseguia ver. Tinha um rosto em cima do meu, mas eu não sabia quem era. Mas pela roupa eu imaginei que fosse uma enfermeira. Eu estava em um hospital, não sei o que aconteceu, mas eu estava viva. Logo ouvi a voz da Marisa de novo. Ela perguntou a alguém se eu estava bem. Uma voz masculina respondeu que o importante é que eu acordei, mas precisava fazer uns exames para ter certeza de como eu estava. Senti alguém tocar no meu braço de novo. Depois senti uma leve picada de agulha. Droga eu vou dormir de novo. Eu não queria dormir, justo agora que eu acordei.
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Me apagaram de novo e quando acordei tinha uma enfermeira do meu lado esquerdo e um homem do meu lado direito, que imaginei ser um médico. Ele me perguntou como eu estava e eu disse que estava sem sono. Ele deu um sorriso e disse que pelo jeito meu senso de humor estava ótimo. Ele disse que tinha feito alguns exames e tudo indicava que eu estava muito bem, em vista do que eu passei. Eu perguntei a ele o que eu tinha passado, eu não fazia ideia do porquê eu estar ali naquela cama de hospital. Ele perguntou se eu sabia meu nome e minha idade. Eu disse que era Aline e eu tinha 32 anos.
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Médico: Na verdade você tem 34 anos, Aline.
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Aline: Como assim? Há quanto tempo estou aqui? E o que aconteceu comigo?
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Médico: Há quase sete meses que você está aqui, já estamos em outro ano e você já completou seus 34 anos a alguns dias. Você sofreu um acidente grave em frente ao seu prédio. Sua sorte é que a pessoa que te atropelou, te socorreu e te encaminhou para esse hospital o mais rápido possível. Você não se lembra do acidente?
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Aline: Não, a última coisa que me lembro foi de estar no restaurante com minha namorada no dia do meu aniversário. Depois a gente foi para casa e tivemos uma noite incrível juntas. Depois disso minhas memórias estão em branco. Mas as contas não batem, eu tinha acabado de fazer 33 anos e estou aqui há quase sete meses, como eu já tenho 34 anos?
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Médico: Provavelmente você perdeu parte da sua memória. Isso acontece às vezes quando você sofre um trauma muito grave. Mas fica calma que suas memórias podem voltar. Vamos nos concentrar no que podemos fazer no momento, ok?
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Aline: Tudo bem doutor, mas que traumas eu tive? Foi na cabeça?
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Doutor: Na verdade você não teve nenhum trauma grave na cabeça. Pelo menos não fisicamente. Mas isso pode ser emocional. Você fraturou uma perna, os dois braços e três costelas. Com o impacto do carro você acabou machucando alguns órgão internos, mas nada muito grave. Você já está totalmente recuperada de tudo isso que falei. Porém a sua pior lesão foi na sua coluna. Não teve uma fratura, mas uma pequena lesão. Isso foi tratado sem precisar de intervenção cirúrgica. Porém, da mesma maneira que seu estado de coma ajudou na recuperação dos outros problemas, nesse ela atrapalhou. Ainda não sabemos com certeza qual a extensão do problema. Mas vamos verificar agora, ok?
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Aline: Acho que entendi doutor. Acho que o acidente foi mesmo muito grave.
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Doutor: Foi sim, mas você está viva e isso é o mais importante no momento. Eu já notei que você consegue mover os dedos da mão normalmente durante o tempo que estamos aqui conversando. Agora eu quero que você tente mover os dedos do pé.
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Eu tentei mover os dedos do pé, mas não consegui. Aquilo me preocupou, mas o médico disse que era normal. Que isso não significava nada. Ele pegou um instrumento metálico da ponta fina e cutucou na sola dos meus pés. Eu senti o contato, mas não consegui reagir na hora. Logo depois meu pé se mexeu. Ele fez o mesmo no outro pé e aconteceu a mesma coisa.
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Doutor: Seus reflexos estão um pouco atrasados, mas você sentiu o toque e isso é ótimo! Provavelmente com alguns meses de fisioterapia você vai estar com seus movimentos totalmente recuperados. Mas você precisa ter paciência e muita força de vontade. Nos primeiros dias provavelmente você vai sentir dores e seus movimentos não terão muita coordenação.
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Aline: Se não tem outro jeito, tudo bem doutor. Vou tentar ser paciente. Mas e a minha memória? Tem alguma coisa que eu possa fazer para ajudar a recuperá-la?
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Doutor: Eu não posso te dizer com certeza porque não é minha área. Mas que eu saiba não tem muito o que fazer. Mas uma especialista vai vir falar com você e provavelmente você vai precisar fazer alguns exames. Mas já te adianto que você não tem nenhum problema físico e não sofreu nenhum trauma grave na cabeça. Pelo que sei você levou os impactos de lado, provavelmente aí aconteceu as fraturas, e você caiu no chão de lado. Mas parece que você estava com o braço levantado para cima e sua cabeça não bateu no asfalto diretamente, ela bateu no seu braço, por isso não teve nenhum trauma grave. Eu acho que provavelmente isso é emocional ou psicológico. Mas deixa a especialista te examinar primeiro para a gente ter uma certeza.
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Eu agradeci o Doutor e ele se foi. Uma enfermeira ficou no quarto e eu a perguntei se eu estava recebendo visitas. Ela disse que uma amiga minha me visita, geralmente três ou quatro vezes na semana no mínimo. E tinha uma moça que veio nos primeiros dias, depois sumiu por meses, mas ultimamente ela tem vindo às vezes. Perguntei se ela sabia os nomes. A enfermeira disse que da mulher que vinha direto ela sabia porque sempre conversava com ela, o nome era Marisa. Da outra moça ela não sabia, porque ela não falava com ninguém e ultimamente ela parecia estar doente ou com algum problema, porque ela estava bem abatida.
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Perguntei se era só ela ou mais alguma enfermeira que vinha no meu quarto. Ela disse que ela só ficava comigo durante o dia e a noite eu ficava com outra enfermeira. Que eu nunca ficava sozinha, só acontecia nas trocas de turno que eram bem rápidas. Eu agradeci pelas informações e imaginei que a voz que eu ouvia era da enfermeira da parte da noite. Provavelmente Michele desistiu de mim, mas porque ela ainda vem me visitar? Talvez Marina pudesse me ajudar com essas respostas.
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Fiquei ali deitada já que eu nem conseguia levantar. Não demorou muito e uma médica entrou no quarto e me encheu de perguntas. Ela era bem bonita e tinha um sorriso lindo. Ela foi muito simpática comigo. Ela disse que já tinha olhado todos meus exames e não tinha nada neles que indicasse que meu problema fosse físico. Tudo indicava que eu estava com amnésia dissociativa. Ela disse que ainda teria que fazer uns testes e me fazer mais algumas perguntas para ter certeza. Ela me explicou um monte de coisas, mas o que me chamou a atenção foi que, talvez minhas memórias voltassem naquele mesmo dia, ou talvez levasse anos ou nunca mais voltasse. Ela disse que provavelmente eu passei por um evento muito traumático ou estressante. O acidente provavelmente foi o motivo. Ela disse que tinha tratamentos para me ajudar, um deles era a hipnose, mas que primeiro ela precisava ter certeza que era isso mesmo. E que no próprio hospital tinha uma psicóloga muito boa que poderia me ajudar muito.
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Ela ficou no meu quarto até início da noite e conversamos bastante. Quando ela se foi, a enfermeira veio se despedir de mim. Eu achei muito fofo porque ela disse que estava muito feliz de me ver acordada e rezou muito para isso acontecer. Eu vi os olhos dela lacrimejar, aquilo foi muito legal da parte dela. Eu a agradeci, pedi para dar uma abraço nela e fui prontamente atendida. Ela se foi e eu fiquei de olho na porta, provavelmente a dona da voz que ouvi iria entrar logo no meu quarto. Vi a porta abrir e uma mulher entrar, quando ela me viu de olhos abertos abriu um sorriso enorme.
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Ela se aproximou e me deu boa noite. Quando eu ouvi a voz dela, minhas dúvidas foram respondidas.
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Continua:
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Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper