Os dias foram passando e eu fui recuperando meus movimentos normais das minhas pernas. Fui ganhando peso e ficando mais animada com minha recuperação. As sessões com a psicóloga estavam indo bem. Ela já tinha usado a hipnose duas vezes e foi muito estranho relembrar minha infância. Revivi momentos com meu falecido pai, isso foi meio pesado para mim, me deixou bem triste. Eu tinha poucas lembranças com ele, mas todas lembranças muito boas. Mas continuei e depois de cinco dias fiz outra sessão. Relembrei bons momentos com minha mãe e meu irmão. A gente se dava bem até descobrirem minha sexualidade. Foi bom relembrar que eu tive uma família e fui amada por eles em uma época distante. Pelo menos por um tempo eu fui feliz na minha casa.
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Carol e Marina saem todos os dias que Marina vem ao hospital. Acho que isso ia acabar virando um namoro já que as duas estavam se dando bem. É só elogios uma para a outra quando conversam comigo individualmente sobre o assunto. Marina me disse que não era ela que pagava meu tratamento. Que até procurou saber disso no início já que minha mãe praticamente me abandonou aqui e a Michele não tinha condições. Mas não tinha nada para ser pago quando ela falou com as recepcionistas. Os médicos não sabiam e nem as enfermeiras. Isso acabou se tornando um mistério para mim.
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Michele não tinha aparecido. Sinceramente eu até agradeci, acho que seria estranho eu falar com ela, já que ela se afastou de mim e eu não sabia o motivo. Porém eu estava com muita saudade da Rafaela. Ela era filha da Michele e como se fosse uma filha para mim. Ela me chamava de mãe e eu amava aquilo. A gente se deu bem desde o início do namoro. Com pouco tempo de convivência eu já tinha me apegado muito a ela. Provavelmente ela já estaria com 9 anos agora. Queria muito vê-la e pedi para Marina pedir a Michele para trazer ela para eu ver. Quando eu pedi Marina fez uma cara triste. Eu perguntei o que tinha acontecido, se Rafaela estava bem. Marina disse que não tinha acontecido nada e que Rafaela estava bem. Ela falou que iria dar o recado a Michele.
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Fui para mais uma sessão com a psicóloga e mais uma vez ela fez uma regressão. Era como se eu estivesse vivendo os momentos tudo de novo. Com uma diferença, eu tinha uma voz da consciência com quem eu podia conversar e pedir ajuda. Eu voltei aos meus primeiros anos do colégio. As primeiras amizades, as primeiras paqueras. Estava muito bom reviver aqueles momentos. Eu fui de novo ao banheiro no intervalo para beijar na boca pela primeira vez. O nome dela era Rose. A gente trocou alguns bilhetes antes de chegar naquele momento. Eu estava nervosa mas no fim deu tudo certo. Ela foi meu primeiro beijo, primeira namorada e primeira mulher. A gente namorou muito tempo escondidas, para todos nós éramos melhores amigas. Mas infelizmente chegou a faculdade e com ela a primeira dor de cotovelo. A gente foi para faculdades diferentes, amigos diferentes e acabamos terminando o namoro. Ela conheceu outra garota e se apaixonou por ela. Mas teve a decência de me contar antes de ficar com a garota. Foi estranho porque eu chorei muito e ela também. Ela dizia que não queria ter deixado de me amar, que eu era a melhor namorada do mundo, mas infelizmente aconteceu. Eu achei que iria morrer mas não morri. Depois de seis meses eu já estava beijando na boca de outras pessoas. Mas aquele trauma ficou. Eu nunca mais quis namorar, mas nunca enganei ninguém. Eu sempre era sincera com todas as meninas que eu ficava.
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No segundo ano da faculdade eu conheci uma morena que era de parar o trânsito. Seu nome era Marina. Ela era perfeita, rosto, corpo, cabelo e era filhinha de papai. Eu nem sabia que estávamos na mesma faculdade. A conheci em uma festa da galera do curso do meu irmão. Ele me apresentou ela como sua namorada. Eu achei muito estranho uma gata como ela estar com meu irmão. Não que ele fosse feio, na verdade meu irmão era bonito, já veterano e por algum motivo as meninas davam em cima dele. Mas nessa época ele já demonstrava ser muito machista e bem idiota. Eu e Marina só nos cumprimentamos e pronto. Mas depois disso eu comecei a ver ela sempre na faculdade e em algumas baladas. Nunca mais a vi com meu irmão depois daquela vez. Mas também não procurei saber o que houve. Na metade daquele ano eu estava em uma festa na casa de uma colega de sala e tinha muita gente. Mas o que me chamou a atenção foi ver que Marina estava bem bêbada no meio de seus amigos. Não tinha como não reparar nela já que ela era linda. Eu não era afim dela nem nada, mas admirava a beleza dela a onde eu a via.
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Quase no fim da festa eu vi que meu irmão chegou com um amigo dele. Eu continuei no meu canto, já estava pensando em ir embora quando vi uma pequena confusão. Marina estava discutindo com o amigo do meu irmão e acabou dando uma confusão entre ele, meu irmão e uns amigos da Marina. Porém no meio da confusão eu vi Marina saindo em direção a porta de saída. Ela estava muito bêbada, mal conseguia andar. Eu imaginei que ela estava indo embora. Ela saiu e eu fui em direção a janela. Vi que ela encostou no carro do outro lado da rua. Pensei em ir lá perguntar se ela precisava de ajuda, mas eu não fui. Logo ela se afastou do carro e tentou caminhar, eu imaginei que ela estava procurando o carro dela. Nessa hora vi meu irmão e o amigo dele saírem da festa. Quando eles chegaram na calçada eles viram a Marina e foram em direção dela. Dava para ver que os dois estavam meio bêbados também. Eu nessa hora perdi a visão de onde ela estava. Não pensei duas vezes e sai para fora. Vi os três a uns cem metros da casa. O amigo do meu irmão estava abraçando a Marina e pelos movimentos do corpo dela, vi que ela estava tentando se soltar dele. Eu fui em direção deles e vi eles entrando em um lote vago. Nessa hora bateu o desespero. Eu pensei em gritar por ajuda, mas provavelmente ninguém iria chegar a tempo. Nessa hora tive uma ideia maluca. Eu peguei meu celular e entrei direto no YouTube. Pesquisei por sons de sirenes de polícia. Entrei no primeiro vídeo e apertei o play. O que ajudou mais foi que no vídeo tinha mesmo as sirenes ligadas. Eu levantei o celular e as luzes começaram a refletir nos faróis dos carros. Eu estava a uns cinco metros da entrada do lote e com o celular no último volume. Logo vi os dois saírem. Eu me escondi rápido atrás de um carro e rezei para eles não desconfiarem de nada. Acho que o álcool e o medo deles me ajudaram. Uma pessoa no seu estado normal provavelmente não teria caído naquele truque. Graças a Deus eles caíram e eu fui até o lote. Marina estava agachada no canto do muro. Eu demorei a localizar ela, mas assim que a localizei eu fui até ela.
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Eu pude ouvir um pequeno choro assim que me aproximei dela. Eu a chamei pelo nome antes de me aproximar muito e perguntei se ela estava bem. Ela só levantou a cabeça e pediu para eu ajudar ela. Assim eu fiz, ajudei ela a se levantar e ela se apoiou em mim. Saímos do lote e eu a perguntei onde ela queria ir. Ela levou a mão no bolso da sua calça e me entregou umas chaves. Me disse que o carro dela era uma vectra prata. Olhei e vi um do outro lado da rua mais a frente. Ajudei ela a irmos até ele e quando coloquei a chave para tentar abrir, deu certo. Ela mesmo de cabeça baixa me pediu para eu a levar para casa. Eu não podia deixar ela ali e ajudei ela a sentar no banco do passageiro. Dei a volta e quando sentei no banco do motorista fui perguntar o endereço, mas já era tarde. Ela tinha apagado, pensei em voltar na festa e perguntar aos amigos dela, mas eles estavam bêbados. Provavelmente iriam querer levar ela. Não achei uma boa ideia, então liguei o carro e levei ela para o único lugar que me veio em mente. Um motel que às vezes eu ia com uma garota que eu ficava. Paguei uma pernoite com o dinheiro que eu tinha para usar o resto do mês. Tive que praticamente arrastar ela para a cama. Tirei seu tênis e me deitei do lado dela e mesmo demorando um pouco, eu consegui dormir.
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Acordei no outro dia com ela me chamando. Ela parecia assustada e queria saber onde ela estava. Eu expliquei que era em um motel. Ela olhou suas roupas e as minhas. Antes que ela falasse algo eu disse que a gente só tinha dormido. Para ela ficar tranquila. Ela deu um pequeno sorriso e perguntou como a gente tinha ido parar ali. Eu perguntei se ela não lembrava e ela disse que só tinha algumas lembranças, mas que não fazia muito sentido. Eu falei que ia contar o que aconteceu, mas para ela não surtar antes de eu terminar, porque ela estava bem e ninguém fez mal a ela. Ela ficou com cara de assustada de novo e disse tudo bem, iria ouvir até o fim. Contei a ela tudo o que houve e ela disse que lembrava do Lucas e do amigo dele arrastando ela. Que ainda sentia o cheiro de maconha na boca dela porque o amigo do Lucas tampou a boca dela e tentou beijá-la à força dentro do lote. Ela disse que lembra de ouvir a sirene da polícia e de alguém ajudar ela ir até o carro, mas era tudo muito confuso.
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Ela ficou pensando por um tempo depois disse que lembrava de mim de algum lugar mas não sabia de onde. Eu falei para ela que o Lucas tinha nos apresentado uma vez em uma festa. Que nós duas estudávamos na mesma faculdade e frequentava lugares em comum, como festas e baladas. Ela me perguntou se eu era amiga do Lucas. Eu disse que infelizmente eu era irmã dele, mas que ela podia ficar tranquila que se caso ela quisesse ir na polícia eu iria confirmar tudo que ela falasse. Ela disse que não iria na polícia não, eu falei que ela deveria, porque se eu não tivesse visto o que eles fizeram talvez eles poderiam ter feito algo de muito ruim com ela. Ela disse que entendia o que eu queria dizer, mas que ela não iria. Primeiro que nada de ruim aconteceu. Segundo que isso poderia me causar um grande problema. Eu disse que eu não ligava. Ela sorriu e se deitou de novo. Disse que não iria e pronto, que só queria descansar mais um pouco e ir para casa. Eu disse que a gente só tinha mais uma hora para ficar ali. Ela disse que era melhor a gente ir então porque queria dormir por mais tempo.
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Saímos do motel e ela disse que ia me levar para o apartamento dela. Que mais tarde ela me levaria para casa. Eu falei que ela podia me deixar em um ponto de ônibus ou na estação de metrô mais próximo que eu me virava. Ela disse que não iria fazer isso de jeito nenhum. Que eu a tinha salvado e iria me agradecer direito, só precisava dormir um pouco antes. Acabei concordando com ela e seguimos pro seu apartamento. Quando ela entrou com o carro no estacionamento eu reconheci o prédio. Nessa hora começou a me dar um desespero, eu não sabia o que estava acontecendo. Ouvi a minha voz da consciência perguntar se eu estava bem e eu não conseguia responder. Nessa hora ela disse que era para eu acordar quando escutasse o barulho do relógio. Eu olhei para Marina e ela agia normalmente, tentei falar com ela, mas minha voz não saia. Meu ar começou a faltar. Ouvi o barulho de um relógio parede bater as horas. Eu acordei ali do lado da minha psicóloga.
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Eu estava tremendo e senti o suor escorrer pela minha testa. Ela me entregou um copo de água e eu bebi. Ela perguntou o que eu vi que me assustou. Eu disse que era o prédio onde eu morava. Ela perguntou se eu sabia o motivo e eu disse que não. Que eu passei ótimos momentos naquele prédio. Que não fazia sentido eu ter medo daquele lugar. Ela disse que provavelmente foi por causa do acidente ter acontecido naquele local, mas que não era para eu pensar nisso no momento e que depois a gente continuava a sessão. Eu tomei mais um pouco de água e tentei me acalmar.
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Eu não fazia ideia do porque daquele medo é da angústia que eu sentia só por ter lembrado daquele prédio. Mas eu queria saber o que era e iria até o fim para descobrir.
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Continua..
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Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper