Três meses haviam se passado, e eu me sentia a pessoa mais feliz do mundo. Estávamos em agosto, o mês do aniversário da Isa e do Dia dos Pais. Embora eu fosse novo nessa experiência, estava adorando cada momento: ela chegava da escola todos os dias cantando a música que estava aprendendo para a apresentação, e aquilo me enchia de alegria.
Anne e Gabriel estavam noivos e se tornaram presença constante em minha nova casa. Isa, além de ganhar dois padrinhos que a amavam, agora tinha uma família expandida que a acolhia com carinho. A mãe de Erick, que logo se tornou uma figura presente e afetuosa em minha vida, era a sogra perfeita. Sempre que eu estava de plantão e Erick precisava ir à delegacia, ela vinha para cuidar da Isa, e a pequena ficava radiante com a companhia da avó. Tudo parecia um sonho; éramos uma família perfeita, e eu estava p...
— Amor, você vai conseguir ir comigo ao buffet amanhã? Precisamos provar tudo antes de fechar para o aniversário da Isa — disse Erick, se deitando ao meu lado na cama e me dando um beijo.
— Você acha que eu dispensaria passar a noite fazendo a coisa que eu mais amo no mundo?
— Então, a coisa que você mais ama é ficar comigo? — ele perguntou, me abraçando e apertando com força.
— Na verdade, eu estava me referindo a passar a noite comendo — falei rindo.
— Poxa, eu achei que você me amasse mais — disse ele, mordendo meu ombro e me beijando no rosto.
— Sabe que eu amo — respondi. — Aliás, amanhã eu vou fazer meu plantão de manhã, então vou de Uber pro trabalho, e você leva a Isa pra escola. Assim, ninguém se atrasa.
— Combinado! — disse ele, me puxando para mais perto e colocando minha cabeça em seu peito.
Naquela noite, adormeci sentindo o carinho de Erick no meu cabelo. O toque dele era reconfortante, e eu me sentia tão em paz que, quando o despertador tocou, a vontade de sair da cama desapareceu por completo. Estar ali, com ele, era um dos momentos mais tranquilos e felizes da minha vida.
Levantei-me, tomei um banho rápido e, ao me arrumar, acordei Erick antes de ir à cozinha preparar nosso café da manhã. Tomamos juntos, como de costume, e assim que terminamos, pedi meu Uber Black para o trabalho.
— Ih, amor, o carro é igual ao seu — falei quando vi que o motorista havia aceitado a corrida.
— Sério? — disse ele, se aproximando e me dando um beijo. — Se cuida, tá? Te amo!
— Também te amo — respondi, sorrindo.
Como naquele dia ele não me levaria ao trabalho, ele colocou Isa na cadeirinha no banco de trás e seguiu por um caminho alternativo, mais rápido, que ele usava quando estava sozinho com ela. Cerca de dois minutos depois, meu Uber chegou. Entrei no banco de trás e seguimos em direção ao centro, pelo trajeto habitual.
O motorista falava ao telefone, enquanto eu respondia mensagens de Anne.
"Você acha que a Isa prefere ganhar um cachorrinho de aniversário ou uma cama elástica?" Anne.
"Não pode ser uma Barbie? Ocupa menos espaço e faz menos bagunça." Yuri.
"Você é chato, deixa eu mimar essa princesinha." Anne.
Soltei uma risadinha e levantei a cabeça, desviando a atenção do celular para a estrada. Foi então que percebi um carro preto na contramão, acelerando muito, como se estivesse em uma perseguição.
— Que doideira... — comentei.
— É, por isso que acontecem acidentes, as pessoas...
Antes que o motorista terminasse a frase, o carro preto parou bruscamente em nossa frente. Um homem encapuzado, sentado no banco do carona, saiu rapidamente e começou a disparar tiros contra o nosso carro. O som dos tiros ecoou pela rua, seguido pelo estilhaçar do vidro.
Em um movimento instintivo, me abaixei no banco de trás, sentindo o coração disparar. Eu estava tremendo, sem saber o que fazer. Tudo o que me veio à mente foi Erick; liguei para ele em vídeo chamada, mas mais tiros foram disparados, fazendo meu celular cair no chão enquanto eu me encolhia ainda mais.
Foi então que notei o sangue escorrendo pelo banco da frente. O motorista havia sido atingido. Eu me sentia impotente, mas, quando a porta do carro se abriu e um dos homens arrastou o motorista para fora, ouvi um grito do outro carro:
— Não é ele, porra! Pegamos a pessoa errada. Larga ele aí!
Eles se afastaram rapidamente, deixando o motorista caído no asfalto. Escutei Erick chamando meu nome pela chamada de vídeo ainda ativa. Levantei-me devagar, saindo do carro, e me aproximei do homem caído. A rua estava em completo caos: carros abandonados, pessoas correndo ou se escondendo atrás de qualquer coisa que encontrassem.
— Todo mundo pra trás! — gritei. — Sou médico, ninguém toca nele!
Ajoelhei-me ao lado do motorista e localizei o ferimento. O tiro o acertara no abdômen, e ele estava perdendo muito sangue. Sem equipamento médico, eu só tinha uma opção: estancar o sangramento com meus próprios dedos, pressionando a ferida o máximo que podia.
— Alguém chame uma ambulância! — gritei, olhando em volta.
Em questão de minutos, duas viaturas policiais chegaram. Reconheci Jonas, um dos melhores amigos de Erick, que desceu apressado.
— Você está bem, Yuri? — perguntou ele, se aproximando.
— Sim, esse sangue não é meu — respondi. — Mas precisamos levar ele ao hospital, agora!
Jonas acenou para outro policial, e juntos levantaram o motorista, colocando-o cuidadosamente no banco de trás da viatura. Mantive a pressão no ferimento durante todo o trajeto até o hospital.
Assim que chegamos, Erick já estava na porta, esperando ansioso. Ao vê-lo, senti uma onda de alívio.
— Alguém pega uma maca, por favor! — gritei enquanto a porta do carro se abria.
Anne apareceu empurrando uma maca, e ver minha amiga ali me deu força.
— O que aconteceu? — perguntou ela, me olhando com preocupação. — Você não pode ver um problema, né?
— Na verdade, o problema que não pode me ver — respondi, tentando manter o humor. — Agora me ajuda aqui.
Conseguimos levar o motorista para o centro cirúrgico, e assim que colocamos o paciente na mesa de cirurgia, ajustei minha máscara e foquei no que precisava ser feito. As luzes cirúrgicas iluminavam o corpo ensanguentado à minha frente, e o som dos monitores preenchia o ambiente, misturando-se à respiração concentrada da equipe.
— Precisamos agir rápido. Ele perdeu muito sangue e a pressão está caindo — disse o chefe enquanto eu preparava minhas mãos para o procedimento.
Com o bisturi em mãos, fiz um corte preciso para abrir o tórax do paciente, procurando a origem do sangramento. Minha mão tremeu levemente por um segundo, mas eu a firmei, lembrando que a vida dele dependia do meu controle. O coração do motorista batia de forma irregular, e eu sabia que não tinha tempo a perder.
— Gaze, por favor — pedi, enquanto absorvia o sangue que me impedia de enxergar o ferimento.
Depois de alguns segundos de busca cautelosa, identifiquei a artéria rompida. O dano era profundo, mas com a ajuda de um grampo cirúrgico, consegui conter o fluxo de sangue temporariamente.
— Vamos estabilizar. Precisamos de uma sutura aqui, rápido!
Com mãos firmes, comecei a costurar a artéria danificada. O anestesista monitorava os sinais vitais do paciente, e eu sentia a tensão no ar. Cada segundo contava, e o suor escorria pela minha testa, misturando-se ao sangue nas minhas luvas.
— Pressão está estabilizando — informou o anestesista.
Senti um alívio momentâneo, mas sabia que ainda não havia terminado. Precisava reparar mais danos internos antes de fechar o tórax. Eu estava totalmente focado; cada movimento era meticulosamente calculado. As veias no meu rosto estavam tensas, e eu respirava fundo, sentindo o peso da responsabilidade.
— Agora, precisamos remover fragmentos de osso que podem ter causado perfurações. Pinça e gaze novamente, por favor.
Enquanto removia os fragmentos com precisão, pensei no rosto de Erick. Isso me deu força para continuar, para garantir que aquele homem tivesse uma chance de sobreviver. A cada avanço, me sentia mais confiante, e a equipe ao meu redor seguia minhas instruções com eficiência.
Finalmente, após mais alguns minutos suturando e limpando a cavidade torácica, fechei a incisão. Os monitores mostravam sinais mais estáveis, e a respiração do paciente se normalizava.
— Conseguimos. Levem-no para a recuperação intensiva. Monitoramento contínuo nas próximas horas — falei, retirando as luvas e respirando fundo, sentindo o peso sair dos meus ombros.
Saí da sala ainda tenso, mas com a sensação de dever cumprido. Eu sabia que aquele homem teria uma chance de viver por causa do meu trabalho, e isso me deu forças para seguir em frente.
— Está tudo bem? — perguntou Erick assim que viu, beijando minha testa.
— Sim, mas eu fiquei com medo de nunca mais te ver — respondi, lutando contra as lágrimas. — Cadê a Isa?
— Está na escola, deixei ela lá e vim direto.
Um policial se aproximou, estendendo meu celular. — Achamos seu celular no carro do Uber. Está tudo bem?
Contei tudo o que lembrava, e enquanto dava meu depoimento, meu celular começou a tocar com um número desconhecido. Atendi, e o sangue gelou ao ouvir a voz.
— Oi, bonitinho — disse a voz familiar. — Samuel.
— Foi você, não foi? Seu desgraçado! — respondi, cheio de ódio.
— Eu só queria matar o seu namoradinho. Já que errei, é melhor você olhar o WhatsApp — ele riu e desligou.
Abri a mensagem e vi um vídeo de Isa, brincando com uma boneca em um lugar que eu não reconhecia. Ela parecia tranquila, mas minhas mãos tremiam. Samuel apareceu na gravação, sorrindo enquanto falava com ela.
"Troco a vida dela pela do seu namoradinho. Eu comecei, e agora vou terminar."
O mundo pareceu desmoronar. Olhei para Erick, meu coração disparado. Ele percebeu o pânico em meu olhar, e eu sabia que estávamos diante de um pesadelo.