Chegamos à sede da fazenda, e assim que o carro parou, Bernardo olhou para o lado e comentou, com uma expressão meio cínica:
— Preparado para conhecer sua madrasta? O nome dela é Yves — Ele apontou com o queixo. — O carro da minha mãe está ali, e parece que elas vieram juntas.
Senti um frio na barriga, mas antes que pudesse falar algo, Bernardo continuou, já com um tom mais irritado:
— Vou logo avisando, ela é uma chata arrogante... me dá nos nervos. Vive se achando melhor que todo mundo. — Ele revirou os olhos, visivelmente incomodado.
Engoli em seco. A ideia de encontrar mais gente ligada ao Silas me deixava ansioso. Mas aí, ele sorriu de forma mais suave e disse:
— Mas, olha, pelo menos você vai conhecer a Zoe, sua outra irmã. Ela é um doce, tenho certeza que você vai adorar.
O contraste entre o jeito que ele falava da madrasta e o carinho com que mencionava a Zoe me fez relaxar um pouco, embora a tensão continuasse no ar.
Entramos na casa, e todos estavam reunidos na sala, conversando e tomando café. O ambiente parecia leve, mas quando Alysson me viu, percebi em seu olhar uma leve surpresa. Era como se ele não esperasse que eu voltasse à fazenda hoje, depois de tudo que havia acontecido entre nós.
Antes que eu pudesse pensar mais nisso, Cláudia, sempre gentil e acolhedora, se levantou e veio até mim com um sorriso caloroso.
— Como você está, Rafael? — perguntou, me dando um abraço carinhoso. — Nossa, você está um gato com essa roupa!
Sorri meio sem graça, sem saber muito bem o que dizer, mas antes que eu pudesse responder, Cláudia já me puxava para a próxima apresentação. Ao me virar, deparei-me com uma mulher ruiva, de postura imponente e um olhar crítico que não deixava passar nada.
— Ah, Rafael, deixa eu te apresentar! — continuou Cláudia, sem perder o entusiasmo. — Essa é a Yves, esposa do Silas. Ele trabalha com o Alysson, mas, olha, já é praticamente da família! — completou, me lançando uma piscadela discreta, como se quisesse quebrar o gelo.
Respirei fundo, tentando manter a calma, e sorri, apesar de sentir o desconforto aumentar.
— Oi, tudo bem? — disse, tentando soar educado.
Yves forçou um sorriso, mas seus olhos me analisavam de cima a baixo, como se eu fosse uma peça fora do lugar. Sua expressão exalava desdém, e o desconforto dela era tão palpável quanto o meu. Naquele momento, ficou claro que Bernardo estava certo. A antipatia foi imediata.
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O clima que estava prestes a ficar pesado na sala foi rapidamente quebrado por Sofia, que entrou na conversa com uma energia contagiante e um sorriso largo no rosto.
— Bernardo, você demorou demais! Vamos jogar, eu não aguento mais ouvir essas histórias repetidas de todo ano — disse, enquanto se levantava do sofá, puxando Bernardo pela mão. — Quero matar a saudade do meu priminho favorito!
Bernardo riu e, sem hesitar, segurou minha mão também, me puxando junto com eles.
— Vem, Rafael! — ele disse, com um brilho divertido nos olhos. — Sofia não vai nos dar sossego até vencermos umas partidas.
Sofia riu alto e olhou para mim enquanto subíamos as escadas.
— E aí, Rafael, tá preparado para perder? — ela provocou, piscando para mim.
— Não vou perder fácil assim, não — respondi, entrando no clima leve e descontraído.
Fomos os três para o quarto, a tensão da sala desaparecendo enquanto ríamos e brincávamos.
Chegamos no quarto, e me joguei na cama, com Bernardo se deitando ao meu lado, enquanto Sofia se acomodava na cadeira do computador, girando-a de um lado para o outro com uma energia que parecia interminável. A sensação de desconforto que eu tinha na sala se dissipou completamente ali. Não sei como, mas minha simpatia por Sofia surgiu instantaneamente, como se fôssemos amigos de longa data. Ela falava com uma empolgação contagiante, e eu me pegava rindo junto com ela e Bernardo sem perceber.
Logo, ela começou a compartilhar histórias com tanta animação que era impossível não se envolver. Do nada, soltou algo que me pegou completamente desprevenido:
— Então, quase que um dos meus namoradinhos descobriu sobre o outro! — disse ela, rindo alto, como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo.
Olhei para ela, incrédulo, e não consegui segurar a pergunta:
— Como assim, você tem dois namorados?
Sofia me lançou um olhar bobo, com um sorriso travesso nos lábios, e respondeu como se fosse a coisa mais óbvia do mundo:
— Dois? — Ela fez uma pausa dramática. — Eu tenho três. Um na escola, um no curso de inglês e outro no grupo da igreja.
Eu fiquei de boca aberta, e antes que pudesse dizer mais alguma coisa, o som das gargalhadas de Bernardo ecoou pelo quarto. Ele sabia de toda a história, claro, e estava se divertindo à beça com minha reação. O que tornava tudo ainda mais surreal era o fato de que Sofia não tinha ideia de que eu era seu irmão, e ali estava ela, me confidenciando esses segredos como se fôssemos velhos amigos.
Sofia, cheia de energia e risadas, continuou contando sua história sem se importar com o choque que eu estava tentando esconder:
— Deixa eu te contar o bafão! — disse ela, se ajeitando na cadeira. — Eu estava no aniversário de uma amiga, e adivinha? Meu namorado da escola estava lá... e pasmem, ele estava com o meu namorado do inglês! Quase tive um troço! — Ela abriu um sorriso travesso, enquanto seus olhos brilhavam ao reviver o momento. — Eu fiquei boba, né? Achei que seria descoberta na hora. Mas, no fim, deu tudo certo. Em um momento estratégico, consegui ficar a sós com cada um, e aí disse que a gente não podia demonstrar nada ali porque tinha alguém que poderia contar tudo para os meus pais. — Ela deu de ombros, como se tivesse resolvido a situação com a maior facilidade do mundo.
Eu, ainda tentando processar tudo, perguntei:
— E seus pais não sabem que você namora?
Sofia me olhou com um sorriso convencido, e respondeu quase que de imediato:
— ÓBVIO QUE NÃO! — Ela colocou as mãos na cintura com um ar dramático, como se a resposta fosse evidente. — Para eles, eu sou a filhinha perfeita, estudiosa, dedicada à igreja. Uma santa, sabe? — Ela rolou os olhos, claramente se divertindo com a farsa que tinha montado.
Foi então que Bernardo, que até então ria quieto ao meu lado, me olhou e disse, ainda se divertindo com toda a história:
— Se a família soubesse das peripécias que a Sofia apronta, ela com certeza ganharia o título de ovelha negra da família. — Ele soltou uma gargalhada, e Sofia, sem nem piscar, gargalhou junto, como se isso fosse o maior elogio que alguém pudesse lhe fazer.
Era fascinante ver como eles interagiam, uma mistura de cumplicidade e humor que só quem tem uma conexão forte consegue manter.
Sofia, sem um pingo de filtro ou pudor, soltou de repente, olhando para Bernardo com um sorriso travesso:
— Primo, esse é aquele menino que você estava todo caidinho apaixonado? Aquele que você me contou lá na praia?
Bernardo riu sem jeito, claramente pego de surpresa, e me puxou para um abraço. Com o rosto levemente corado, ele respondeu:
— Sim, é ele mesmo. Não é lindo?
Sofia, com seu jeito provocador, sorriu de forma travessa e acrescentou com um tom carregado de ironia:
— Fico feliz que vocês tenham se resolvido. — O veneno estava claro na sua fala, mas era um veneno brincalhão, como quem cutucava só para ver a reação.
Bernardo, percebendo o tom da prima e sem perder a calma, respondeu:
— Para com esse veneno, prima. A gente ainda vai conversar e resolver aquela situação.
Foi nesse momento que Bernardo olhou para mim e percebeu que eu havia ficado desconfortável com a situação, principalmente ao saber que Sofia sabia tanto sobre nós. Ele, sendo sensível ao meu desconforto, rapidamente tentou me tranquilizar:
— Relaxa, Rafael. A Sofia sabe sobre mim. Somos mais que primos, somos melhores amigos. Eu conto tudo para ela, e ela me conta tudo também. Afinal, de todos os primos, somos os que têm as idades mais próximas.
Eu sorri, um pouco aliviado. Era bom saber que minha irmã não tinha nenhum tipo de preconceito em relação a mim e ao Bernardo. Ver a amizade e cumplicidade entre os dois me deixava à vontade, como se estivesse em um espaço seguro.
Ficamos ali, conversando a tarde inteira sobre os mais variados assuntos, e a cada palavra, eu sentia minha conexão com Sofia crescer. Ela era divertida, espontânea e cheia de histórias, o que só aumentava minha curiosidade sobre como seria a reação dela quando descobrisse que eu era seu irmão. Em vários momentos me peguei pensando nisso, me perguntando se ela iria me aceitar ou se ficaria constrangida com tudo o que havia me confidenciado. Mas essa era uma resposta que só o tempo traria.
Quando o céu já começava a escurecer, Sofia se levantou, animada, dizendo que ia se arrumar. Bernardo, por sua vez, decidiu tomar um banho. Foi nesse intervalo que aproveitamos o breve momento a sós. Ele se aproximou, e trocamos um beijo rápido, como se quiséssemos, ao menos por alguns segundos, expressar o que sentíamos sem as preocupações do ambiente ao redor. Mas logo depois, Bernardo, sempre cuidadoso, me alertou com um sorriso:
— Melhor a gente se controlar, alguém pode aparecer a qualquer momento.
Assenti, ainda sorrindo, e ele completou:
— Depois do jantar, a gente conversa com mais calma... e mata as saudades do jeito que devemos.
A expectativa de finalmente termos um tempo juntos fez meu coração acelerar um pouco, mas por ora, era preciso manter a discrição, principalmente porque a casa estava com muitas pessoas.