Naquela tarde fui à minha psicóloga e contei a ela que Marina tinha me contado praticamente tudo sobre a Michele. Falei que aquele ódio que eu sentia não existia mais. Que eu não sabia direito o que eu sentia sobre ela, pena talvez. Mas ódio não era, mas algo ainda não deixava eu à perdoar definitivamente. Ela teve muitas chances de fazer a coisa certa e não fez. Teve pessoas boas ao seu lado que podia ter ajudado ela, mas ela não buscou ajuda e ainda recusou a aceitar quando foi oferecida. Isso pesava muito contra ela na minha opinião. A psicóloga disse que não conhecia o caso da Michele profundamente. Mas que conhecia a história e já tinha conversado com ela várias vezes. Ela disse que na opinião dela a única escolha errada que Michele fez foi lá no início, quando ela escolheu usar drogas e se envolver com pessoas erradas. Ela pode até ter sido influenciada, mas na época pelo que ela sabia a Michele era perfeitamente sã mentalmente e tinha o total controle das suas escolhas. Mas depois disso não, ela não estava sã e não tinha total controle sobre escolhas.
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Minha psicóloga conversou comigo por um bom tempo me explicando sobre o transtorno mental da Michele. Da dificuldades que um ex dependente químico tem para se manter limpo a cada dia. Eu comecei a enxergar as coisas já de uma outra forma. Quase no fim da conversa ela me perguntou como era o relacionamento da Michele com a Rafaela. Eu contei que Michele era muito amorosa e carinhosa com a filha. Que sempre via Michele conversar muito com Rafaela, sempre dava ótimos conselhos. Que na minha visão naquela época, ela era uma ótima mãe e amava a filha mais do que tudo. Ela me perguntou se eu já tinha visto Michele ser negligente com Rafaela alguma vez e eu disse que não. Que a coisa mais grave que aconteceu, foi o dia que nós duas dormimos demais e ela não foi na porta do prédio pegar a Rafaela com o pai.
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Minha psicóloga disse que Michele provavelmente era sim uma ótima mãe. Que amava e ainda ama muito a filha. Mas quando o vício tomava conta dela, nem da filha ela lembrava. Se ela era capaz de fazer isso com a filha, imagina com outras pessoas. O vício e o transtorno mental a dominava completamente. Ela disse que pelo que ela sabia, todas as escolhas erradas da Michele a não ser as primeiras, foi por causa dos seus vícios ou desse transtorno, as mentiras, as traições, os abandonos. Quando ela estava sem a influência disso, ela era uma boa pessoa, mas quando estava sob a influência deles ela se transformava em uma pessoa totalmente diferente. Ela não se importava com nada nem ninguém, a não ser em arrumar uma forma de sustentar aquela vontade que a consumia.
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Ela me falou que no entendimento dela, Michele era uma pessoa boa, se não fosse ela não se sentiria culpada ou sentiria tanto remorso. Pessoas ruins não sentem isso, nem no seu estado normal. Michele sente e talvez isso não a deixe ter um final feliz. Esse excesso de remorso provavelmente vai consumindo ela. Que talvez com o tratamento certo e as pessoas certas ao lado dela, ela até pode se sair bem, mas iria ser uma luta diária a mais para ela. No fim da conversa ela me contou algo que eu não sabia ainda. Ela me perguntou se Marina tinha me contado o que Michele tinha feito com as coisas dela que a polícia recuperou. Eu disse que não, que eu nem sabia que algo dela tinha sido recuperado. Minha psicóloga disse que iria me contar, que provavelmente Marina não contou porque isso é uma parte das coisas que aconteceram que eu ainda não sabia. Mas ela só ia dizer essa parte em específico.
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Ela me disse que a polícia recuperou quase todas as coisas da Michele que foram roubadas. Roupas, sapatos, bolsas e produtos de beleza. Michele ainda estava na clínica, mas foi informada. Ela pediu para Marina vender tudo que ela pudesse, se não pudesse, ela poderia doar para uma instituição de caridade. Marina não tinha tempo, mas pediu para uma conhecida dela que faz vendas online, fazer isso. A amiga dela quando viu as peças montou um brechó online. Ela cobrou 20% do valor das vendas. Ela vendeu praticamente tudo e o que ela não vendeu, ela ficou para ela. Ela passou o dinheiro para a Marina que iria repassar para Michele. Mas Michele falou para Marina que queria usar o dinheiro para restaurar meu apartamento. As duas entraram em um acordo e assim foi feito. Meu apartamento foi restaurado, o que não dava para restaurar foi comprado novo, até minhas roupas.
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Eu fiquei sem saber o que dizer sobre aquela informação. Minha psicóloga disse que me contou isso porque queria que eu entendesse quem era a Michele. Que ela não tinha dupla personalidade, nem era uma pessoa falsa. Que a Michele era a boa mãe, a mulher que queria ser feliz ao lado de alguém legal. A pessoa que pensou em restituir os prejuízos que me causou. Aquela Michele que fazia as coisas erradas era apenas uma pessoa dominada por seus vícios. Ela disse que só queria deixar claro isso para mim. Se eu ia perdoar Michele, ou o tipo de relação que eu ia ter com ela dali para frente era uma decisão minha. Porém ela precisava deixar aquilo claro para mim. Ela ainda me explicou algumas coisas e depois ela focou em saber como eu estava psicologicamente.
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Quando terminamos ela me deu uma notícia em certa parte boa, é a parte ruim, eu entendi de boa. Ela disse que conversou com o marido dela na hora do almoço e ele disse que fisicamente eu estava apta para sair do hospital, que ele conversou com a irmã e ela concordou. Então agora eu só dependia dela para poder receber alta. Ela disse que podia me liberar e eu voltaria só para as sessões com ela. Mas como a gente estava fazendo sessões diárias, ela achou que era melhor eu permanecer no hospital. Primeiro que em nenhum momento eu parecia desesperada para voltar para meu apartamento. Segundo que eu estava bem adaptada a rotina do hospital. Então ela iria esperar eu ter todas as informações do que aconteceu enquanto eu estava em coma. Ela então iria avaliar minha saúde mental e assim provavelmente iria me liberar. Eu pensei muito nos prós e contras de eu ficar ali por mais uns dias e acabei concordando com ela. Principalmente porque eu não sabia qual seria minha reação ao voltar ao meu apartamento.
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Saí da sessão e fui para meu quarto com minha fiel escudeira Carol, que por sinal estava com um sorriso diferente no rosto. Perguntei a ela o que tinha acontecido, ela se fez de boba, mas eu não era boba. Eu sabia que algo tinha acontecido. Quando cheguei no meu quarto eu entendi o motivo. Rafaela e o pai estavam lá me esperando. Eu corri para abraçar Rafaela que veio ao meu encontro com um sorriso lindo. Ficamos agarradas por um bom tempo. Depois que nos soltamos eu comprimentei o pai dela com um sorriso no rosto. Ele veio até mim e perguntou se poderia me dar um abraço. Claro que não recusei, depois eu pedi desculpas para ele por ter julgado ele mal durante um bom tempo. Ele disse que nunca me culpou e até me falou isso. Eu me lembrei do dia da nossa confusão e realmente ele disse que a culpa não era minha.
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Nos sentamos e Rafaela quis saber quando eu voltaria para casa. Eu disse que ainda iria demorar uns dias, mas não eram muitos. E que minha saúde já estava ótima, eu só tinha que esperar mais dias para os médicos me liberarem. Ficamos conversando um bom tempo e Carol acabou ficando com a gente mesmo depois do horário dela. Eu imaginei que Marina iria vir buscá-la e não deu outra. Logo Marina apareceu e Rafaela já correu para abraçar a tia Marina. Ali eu vi que as duas tinham se tornado íntimas. Marina se aproximou e deu um abraço no pai da Rafaela. Ali percebi que não foi só da filha que ela virou amiga. Ficamos conversando ali um bom tempo. Rafaela ficou a maior parte do tempo grudada comigo. Eu estava sentindo muita falta daqueles carinhos. Ela falou quase o tempo todo sobre a escola, suas amiguinhas, sobre seu pai, suas brincadeiras e passeios. Mas em nenhum momento ela falou da Michele e claro que eu notei aquilo. Como ela não tocou no nome da mãe eu achei que algum motivo tinha. Então eu também não falei nada.
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Infelizmente chegou a hora dela ir, Rafaela não podia dormir tarde, então logo se foram. Quando saíram depois da gente trocar um forte abraço e alguns beijos, eu fui direto falar com Marina.
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Aline: Porque Rafaela não falou sobre a mãe dela?
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Marina: Provavelmente Michele a pediu.
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Aline: Como assim?
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Marina: Michele contou tudo para a filha. Não com detalhes e claro que bem por cima. Mas contou para filha que vocês não vão mais ficar juntas, que ela fez muita coisa errada e deixou você triste. Contou para filha que ela e o pai não estavam mais juntos por culpa dela também. Que ela estava doente e por isso fez mal a vocês dois. Que por isso ela ficou todo esse tempo longe, mas que ela estava se tratando para ficar bem e não machucar mais ninguém.
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Aline: Foi legal da parte dela. Mas porque ela pediria para a filha não me contar isso? E não pronunciar o nome dela?
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Marina: Eu acho que foi para não deixar você triste. Michele me disse que a maior dor que ela sente é de ter feito você, Rafaela e o ex dela sofrerem por culpa dela. Ela disse que jurou para ela mesmo que ia fazer de tudo para vocês nunca mais derramar uma lágrima sequer por causa dela. Talvez por isso ela pediu para Rafaela não tocar no nome dela. Ela sabia que isso ia te deixar triste de alguma forma. Mas eu só acho isso, não tenho certeza.
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Aline: Faz sentido. É verdade que ela pagou para reformar as coisas do seu apartamento?
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Marina: Sim, é verdade. Mas não é meu apartamento, é seu. É nem venha discutir isso agora. Mas como você ficou sabendo disso?
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Aline: Minha psicóloga me contou. Mas só essa parte. Ela disse que você iria me contar o resto.
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Marina: Se foi ela, tudo bem. Ela com certeza teve seus motivos. Mas pode ficar tranquila que vou te contar tudo. Amanhã mesmo eu venho para te contar sobre o que houve depois que fiquei sabendo o que Michele me falou.
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Aline: Você acredita que Michele é realmente uma boa pessoa?
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Marina: Sim. Eu acredito sim, se não eu não teria te falado o que falei. Para ser bem sincera, eu hoje posso dizer que ela é uma amiga que fiz e gosto muito dela. Mas isso sou eu, como eu disse, não quero que você tome qualquer decisão baseado no que eu acho.
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Aline: Eu entendi. Mas sinceramente estou realmente achando que você tem razão. Talvez ela seja sim uma pessoa boa.
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Não conversamos muito mais. Logo ela e Carol se foram. Eu não tinha jantado e ninguém levou janta para mim. Achei estranho, mas também nem estava com muita fome. Provavelmente Carol esqueceu, já que geralmente ela não fazia isso. Tomei um banho e me deitei. Não demorou muito e alguém me chamou, eu conhecia a voz, mas não consegui lembrar de quem era. Pedi para entrar. Era Paula e ela estava com algumas sacolas. Ela entrou e em vez de vir onde eu estava, foi em direção ao sofá. Colocou as sacolas em cima da mesinha e de lá perguntou se eu estava com fome. Eu disse que sim e ela disse para eu ir até lá comer um pouco de comida japonesa. Eu quase pulei da cama. Eu amo comida japonesa.
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Ela veio até mim, me deu um abraço e perguntou como eu estava. Eu disse que bem melhor do que a última vez que ela me viu. Ela sorriu e falou para eu sentar que iria arrumar tudo.
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Aline: Eu amo comida japonesa!
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Paula: Eu fiquei sabendo, por isso eu recebi a missão de trazer para você.
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Aline: E como você ficou sabendo? 🤔
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Paula: Minha mãe me contou. Na verdade ela perguntou a Marina. Ela que deveria estar aqui, mas infelizmente ela só vai conseguir vir te ver na madrugada. Ela teve que ir para outro hospital da cidade fazer uma cirurgia de emergência. Mas ela já tinha feito o pedido da comida e pagado por tudo. Como ela sabe eu também adoro, me fez o convite para vir jantar com você no lugar dela.
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Aline: Acho que entendi. Mas tudo bem para você jantar comigo?
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Paula: Claro, primeiro que eu gostei de você e gosto de comida japonesa. Segundo que acho que vai ser legal eu conhecer melhor minha futura madrasta. 😂
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Eu não sabia se ria ou se ficava com vergonha do que ela falou. Mas ela logo disse que era para eu relaxar, que ela sabia antes de mim que a mãe dela gostava de mim. Que ela e a mãe não escondem segredos uma da outra. E ela estava super feliz por nós duas estar namorando. Aquilo me deixou mais a vontade e depois dela arrumar tudo a gente foi jantar. A comida era ótima e ela era realmente uma garota legal. No fim o papo fluiu bem, conversamos e rimos bastante. Pude conhecer mais um pouco dela e gostei do que vi. Acho que ela também, porque quando ela se lembrou de ir embora já eram quase onze da noite.
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Depois que ela se foi, eu fiz minha higiene e fui tentar dormir. Eu estava torcendo para ser acordada na madrugada por Carla. Eu já estava morrendo de saudades dela e dos seus beijos.
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Continua..
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Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper