Anteriormente no último relato de Zeca:
“O silêncio começou a tomar conta da minha mente, cada golpe parecia me levar a um lugar de calma que eu jamais esperava encontrar. Não era sobre vencer, não mais. Cada pancada era um passo para o esquecimento, e eu deixava que o corpo seguisse esse caminho.
Até que, finalmente, as luzes ficaram distantes, o som abafado, e eu senti o chão se aproximando, tudo escurecendo ao meu redor.”
…….
(Amanda)
*Sábado de madrugada - dia da luta*
A chegada em Londrina com meu tio Paulo era recente. Fazia apenas 03 dias que finalmente trouxemos toda a mudança, mas a sensação de estar em um novo lugar era densa e intensa, como se cada parede da nova casa carregasse a expectativa de uma vida diferente.
Assim que nos instalamos, decidi enfrentar uma das primeiras pendências: minha transferência de faculdade. Ainda era início de janeiro, mas o peso do tempo me pressionava, como se cada dia ali precisasse fazer sentido para justificar tudo o que deixei para trás.
O primeiro impacto foi duro, como é para quem se afasta do que conhece. Acordava em um quarto que ainda não era meu, entre caixas fechadas e paredes vazias.
Mas, entre o cansaço da mudança e a ansiedade do novo começo, algo improvável aconteceu na terceira noite, e que me trouxe uma alegria indescritível.
Finalmente consegui falar com meu pai por vídeo. Mesmo com a conversa cheia de cuidados (ele não podia ficar sozinho com o celular, e certos assuntos precisavam esperar outro momento), aquela pequena conexão fez com que eu finalmente respirasse um pouco melhor. Ali estava eu, reconstruindo meu vínculo com ele, com a esperança de que, aos poucos, pudesse resgatar um pouco do que ainda nos unia.
Após essa nossa conversa, pela primeira vez em muito tempo, comecei a dormir com uma sensação de paz. Não havia mais o aperto sufocante, os pesadelos que me arrancavam do sono. Minha cama , a mesma cama onde tantas noites eu não queria estar , agora se tornava um espaço acolhedor, quase como um refúgio onde eu podia descansar.
Mas essa tranquilidade não durou muito tempo. Em uma madrugada fria e silenciosa de Sábado, o som do celular vibrando ecoou pelo quarto. O susto foi imediato: o ruído rasgou o silêncio e me fez despertar com o coração disparado. Eu pulei da cama e, quase tropeçando, alcancei o celular ao lado da porta. As mãos tremiam, e uma onda de medo gelado passou pelo meu corpo. Meu primeiro pensamento foi que algo grave havia acontecido com meu pai.
Olhei para a tela com um aperto no estômago e vi um número desconhecido. Apertei o celular contra a orelha, tentando suprimir o nervosismo.
“Alô, Amanda… Aqui é a amiga do Zeca, Fabi…”
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(Zeca)
*Sexta - Feira - 1 semana antes da luta*
Naquela sexta-feira, a realidade me atingiu com força. Eu já havia notado que, por mais que tentasse, não conseguiria competir de igual para igual com o Gustavao. E, se nem com ele eu conseguia me equiparar, vencer o Pedrão parecia um sonho distante. Cheguei da academia com o corpo cansado e a mente cheia de dúvidas.
Quando pensei que finalmente teria um pouco de descanso, tanto mental quanto físico, fui surpreendido pela voz firme da minha mãe, me chamando para uma conversa no escritório. O tom dela estava mais alto do que o normal, carregado de uma irritação que não fazia questão de esconder. Era evidente que algo a incomodava profundamente, a ponto de nem ao menos me cumprimentar como de costume quando chego em casa.
Sua postura rígida e o olhar sério denunciavam que aquela não seria uma conversa fácil. Qualquer traço da acolhida calorosa de sempre parecia ter evaporado, deixando no lugar apenas um clima tenso, que começou a pesar sobre mim antes mesmo de cruzar a porta do escritório.
Assim que entrei, vi meu pai sentado à mesa, de braços cruzados, com o rosto fechado. Seus óculos, cobertos de manchas de gordura, refletiam a pouca luz do ambiente, deixando sua expressão ainda mais severa. Senti um frio gelado me percorrer a espinha. Algo estava errado. Muito errado. Não sabia exatamente o quê, mas o silêncio entre nós três deixava isso claro.
Minha mente começou a girar, buscando explicações. "Será que o Pedrão teve a ousadia de enviar um e-mail para meu pai, como fez com o pai da Amanda? Será que ele foi capaz de abordar minha mãe pessoalmente? Ou, pior, será que alguma das minhas primas foi ameaçada por ele?" A cada pergunta, a angústia aumentava.
Minha mãe saiu por um instante, dizendo que pegaria um copo de água (provavelmente com açúcar )para meu pai. Fiquei ali, sozinho, parado no meio do escritório. Tentei encontrar palavras, mas elas simplesmente não vinham. A sala parecia encolher ao meu redor, as paredes se fechando como uma armadilha, e o silêncio se tornava insuportável, quase uma presença opressora.
Quando minha mãe voltou, ela estava claramente nervosa. Fechou a porta de maneira mais brusca do que o habitual, e seu rosto refletia uma tensão que eu raramente via. Com um gesto firme, apontou para a cadeira do outro lado da mesa, ordenando que eu me sentasse, sem rodeios.
Naquele instante, percebi que qualquer defesa ou desculpa que eu pudesse oferecer provavelmente não seria o suficiente para aliviar o peso daquela conversa.
Um silêncio opressor tomou conta do ambiente, quase sufocante. Meus pais me observavam com a intensidade de uma águia mirando sua presa. Eu mal conseguia sustentar o olhar; era como se cada vez que tentasse encará-los, meu corpo se tornasse mais pesado, os batimentos acelerando a cada segundo, até eu sentir que não aguentaria meu próprio peso.
Foi meu pai quem quebrou o silêncio. Sua voz, habitualmente calma e controlada, tremia levemente, e ele começou a gaguejar de uma forma mais intensa do que tinha visto.Cada palavra parecia custar um esforço imenso, como se ele precisasse reunir coragem para continuar.
— Achei que tínhamos combinado que nossa relação seria diferente. — Ele me encarou profundamente, os olhos buscando respostas. — Você tem algo para nos contar?
Travei. A pergunta parecia um golpe. Eu queria responder, mas as palavras simplesmente não vinham. Minha mente estava um caos, e minha respiração ficou mais pesada. Minha mãe, que permanecera de pé, deu alguns passos em minha direção e, num gesto inesperado, sentou-se ao meu lado, colocando a mão suavemente sobre meu ombro. Ela ergueu meu rosto, obrigando-me a encará-la.
— Por que você não confia na gente? — ela perguntou, a voz carregada de uma dor que me desarmou. — Por que não nos contou?
Foi nesse instante que tudo em mim desmoronou. As lágrimas vieram sem controle, carregando o peso de emoções que eu segurava há meses. Eu ainda não sabia exatamente o que meus pais tinham descoberto, mas de alguma forma, sentia que tudo aquilo envolvia o Pedrão. Minhas palavras ficaram presas, mas as lágrimas falavam por mim, revelando o medo, a angústia e a ansiedade que me consumiam.
— Por que você não contou que estava morando com um psicopata? — Minha mãe continuou, a voz oscilando entre frustração e decepção. — E ainda deixou sua amiga, a menina que achava que você ia namorar, ir sozinha para aquela viagem com ele... aquele…?
Eu tentei responder, com o coração acelerado, buscando palavras.
— Mãe, eu... eu não sabia que o Pedrão ia... ia estar nessa viagem. Eu só soube... quando vi as fotos…
— Mas você sabia do caráter dele! — Ela interrompeu, a voz carregada de uma indignação que fazia meu estômago revirar. — Você morava com ele, não morava? Pelo que nos mandaram... você... você sofria bullying… calado!
Desviei o olhar, então, para meu pai e vi algo que nunca imaginei encontrar ali: um misto de decepção e tristeza que me atingiu como um soco. Era como se ele estivesse me olhando com os olhos de alguém que não me reconhecia mais, e, naquele momento, antigas inseguranças voltaram à tona — a sensação de nunca ser bom o suficiente para ele, de não ser o filho que ele esperava.
— Pai… pai… eu… eu… — As palavras me fugiam, e eu comecei a gaguejar com uma intensidade bem maior do que em qualquer outro momento da minha vida, parecia impossível de controlar. Cada tentativa de falar apenas piorava, e uma angústia crescente me paralisava ainda mais.
Meus pais perceberam, e, talvez por compaixão, mantiveram-se em silêncio por alguns minutos, esperando que eu me acalmasse. Mas, dentro de mim, tudo era um turbilhão. Minha cabeça era um campo de batalha de pensamentos, cada um tentando tomar controle e me deixando ainda mais confuso. Meu corpo começou a tremer involuntariamente, o gosto amargo na boca piorando meu enjoo, e cada respiração era um esforço imenso.
O medo de ser uma decepção aumentava a cada segundo, mas uma parte de mim precisava entender o que exatamente eles sabiam, como haviam descoberto tudo aquilo e por que só agora aquilo tudo estava vindo à tona.
— Você acha que lutando contra aquele garoto tudo vai ficar bem? — minha mãe perguntou, dessa vez com a voz mais suave, enquanto acariciava meu rosto. Era um gesto delicado, talvez para me mostrar que, apesar da decepção, o amor deles por mim permanecia incondicional.
— Nós pensamos, eu e meus treinadores, em procurar alguns pais e, quem sabe, ir à polícia. Mas não sabemos ao certo como fazer isso — ela continuou.
Meu pai, então, interrompeu a conversa com uma risada curta e forçada.
— Você vai para a polícia e vai falar o quê? Que o cara fazia as aluninhas de... de... putinhas? — Ele falou aquilo com um semblante sério, tentando um tom irônico, mas as palavras saíram com dificuldade, entrecortadas pela gagueira que ele tentava disfarçar.
Eu tentei responder, mas as palavras simplesmente se perderam.
— Pai... eu... — balbuciei, sem conseguir continuar.
Minha mãe, percebendo a tensão, me deu um beijo no rosto, se levantou e foi até ele. Sentou-se em seu colo, segurou seu rosto com firmeza e disse, num tom autoritário:
— Para de torturar o garoto. Fala o que você tem para dizer de uma vez.
Meu pai a beijou, de um jeito que expressava toda a cumplicidade entre os dois, e então se virou para mim, com um olhar intenso e determinado, quase perturbador.
— Eu tenho uma proposta para você — disse, a voz soando estranhamente segura, com a gagueira quase ausente. — Para acabarmos de vez com aquele cara. Mas, para isso, você vai ter que lutar com ele e... perder.
Aquelas palavras me acertaram como um soco, especialmente quando ele terminou a frase com um sorriso sarcástico e um olhar sádico, que eu nunca havia visto antes.
O plano dele soava tão frio, tão calculado, e ao mesmo tempo, um desafio que eu não sabia se estava pronto para encarar.
……
(Amanda)
*Ainda na madrugada de sábado - dia da luta*
Fabi me contou tudo o que aconteceu naquele dia, e eu ainda não conseguia acreditar no que Zeca havia feito, sem me contar nada. A raiva tomou conta de mim, mas, ao mesmo tempo, minha mente se debatia. Eu sabia que Zeca tinha agido com boas intenções, mas, ao mesmo tempo, não conseguia aceitar a ideia de que ele tinha me escondido aquilo. Eu me perguntava: por que ele fez isso? Por que não me disse nada?
A raiva de Zeca era forte, mas logo vinha o outro lado de minha consciência, me lembrando de como eu sempre tentava dissuadi-lo de lutar, como se quisesse proteger aquele desgraçado.
Ele me questionou algumas vezes sobre isso, sobre o porquê de eu tentar “proteger” Pedrão, como se fosse uma defesa de alguém que não merecia. Em momentos de sinceridade, eu me pegava questionando se, de fato, eu estava tentando proteger Pedrão, o que era, obviamente, um absurdo.
Mas havia algo mais que me incomodava, e sei que podem me julgar por isso. A presença daquela... da loira tingida com o Zeca, enquanto eu não estava lá. Uma parte de mim, sem querer, se sentiu trocada, substituída, como se ele tivesse encontrado alguém mais interessante, mais disponível. Mas logo uma voz interior, mais forte, me lembrou de que a culpa disso era exclusivamente minha.
Foram meus erros, minhas escolhas, que me colocaram aqui, e a ele lá, enfrentando Pedrão, com o pensamento de me "libertar", de proteger a mim e a outras mulheres. Ele estava fazendo o que eu não consegui: agir. E essa era a verdade que eu precisava aceitar, por mais dolorosa que fosse.
Esse conflito interno foi tão pesado que, ao invés de alívio, só trouxe mais peso sobre os meus ombros. Eu me sentia culpada, culpada por Zeca estar naquele hospital, naquela cama de emergência, por conta de algo que eu não havia feito, mas que de alguma forma, eu acreditava ser minha responsabilidade. Ele estava ali por minha causa, por algo que poderia ter sido evitado, e enquanto ele lutava, eu só pensava em meus próprios dilemas, em resolver minhas questões pessoais, quando, na verdade, a verdadeira solução estava na atitude dele.
A culpa foi esmagadora e a noite foi um tormento, com a mente cheia de pensamentos desconexos, e pouco descanso. Na manhã seguinte, no domingo, fui acordada por uma ligação de Naty. Ela me contou, para minha surpresa, que nem ela nem Marcus sabiam dos planos de Zeca, o que, de certa forma, aliviou um dos muitos conflitos que se passavam em minha mente.
Ela me disse que conversou com Zeca, que ele me mandaria um áudio e pediu para me tranquilizar. Por volta das 9 horas, Zeca me ligou, com a tela do celular mostrando o rosto dele, inchado e machucado, ainda no hospital, mas já na parte da enfermaria.
A primeira coisa que ele fez foi explicar tudo, falar sobre o que aconteceu e, principalmente, me contar os motivos pelos quais ele não me avisou, não me contou sobre o plano.
Ele fez questão de me tranquilizar, dizendo que eu deveria ficar em Londrina para resolver meus problemas e prometeu que me visitaria no próximo fim de semana.
Mesmo com o coração ainda pesado, acabei aceitando, mas não sem protestar. Eu estava mais tranquila, sem dúvida, mas minha mente continuava um turbilhão de pensamentos e sentimentos que levariam mais tempo para se acalmarem.
Esse episódio, tão intenso e cheio de detalhes, será relatado exclusivamente por Zeca daqui em diante. Depois que ele explicar tudo sobre o que aconteceu e finalmente afastar Pedrão de nossas vidas ( pelo menos era isso que esperávamos) eu voltarei para contar como foi o meu recomeço em Londrina, com uma nova perspectiva, e com minha mente, enfim, mais tranquila.
Continua…
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