Depois que eu comecei a morar com Lore, a nossa vida ficou mil vezes mais leve. Lembro exatamente a sensação horrível q era me despedir aos finais de semana, eu ficava morrendo de saudade de dormir juntinha, quando a gente saía no domingo a noite, a volta era sempre dolorida, eu torcia para o semáforo não abrir só para eu ter um pouquinho mais de tempo na companhia dela.
Até então, eu não sabia como funcionava a rotina dela, porque ela estava dando um tempo do trabalho para reestruturar sua vida, quando decidiu retornar, daria início com um congresso em Brasília durante UMA SEMANA. Fiquei um pouco curiosa com o tudo, e fiz algumas perguntas sobre, ela foi me contando desde o início as diversas áreas que ela já trabalhou, e eu fiz ficando chocada com o tanto de coisa ao mesmo tempo que aquela mulher conseguia conciliar. Descobri que até no Exército ela já tinha trabalhado, mesmo que por pouco tempo e foi lá que ela descobriu que estava grávida de Mimi.
Lore tem uma formação sólida, vasta experiência, é muito inteligente, dedicada, mas acredito que o seu diferencial é ser completamente apaixonada pelo que faz, ela ama a psiquiatria e é perceptível a empolgação ao ver as situações se resolvendo. A prova que ela é uma profissional excelente é que sempre surgem oportunidades incríveis, e apesar de sempre pedir indicações aos amigos antes, graças a Deus, nunca falta trabalho para ela.
Isso sempre me inspirou tanto, mesmo a gente tendo profissões tão distintas!
Após muitas lágrimas rolarem no aeroporto, ela partiu, eu só desejava duas coisas: que Lore conseguisse tudo que esperava desse encontro e que ela voltasse logo. Foi a primeira vez que passamos dias longe desde que nos conhecemos, sorte que um pedacinho dela ia ficar comigo.
Foi uma semana cheia de saudade, mas tranquila. Mih era uma criança adorável, a única mudança de comportamento que notei, foi que ela estava um pouco mais grudada na hora de dormir, mas isso de forma alguma era um problema para mim, eu amava.
Nós nos divertimos bastante, ela tinha um Programa de Verão da escola, graças a isso, eu ficava por lá mesmo esperando e conversando com o pessoal. Até que, certo dia, a gestão estava em reunião e me chamou, inicialmente achei que estavam precisando de uma ata, mas na verdade foi para saber sobre o andamento das minhas pós, fui falando e acabei sendo surpreendida com uma proposta para me tornar coordenadora do Ensino Fundamental I. A antiga pediu para ser transferida para um bairro mais próximo da sua casa e a diretora, que é amiga dos meus pais, pensou em mim para substituí-la. Muitas coisas passaram pela minha cabeça, fiquei feliz, mas ao mesmo tempo não tinha certeza se eu realmente merecia ou seria capaz de assumir a responsabilidade. A proprietária da escola precisava de uma resposta, com muito medo, eu aceitei. Desde então, todas as minhas ligações com Lore eu só queria tocar no assunto, mas eu também pensava muito em ver pessoalmente a reação dela, me segurei bastante até o dia que que ela chegou.
Milena estava morrendo de saudade e na expectativa de encontrar com Lore, meus cunhados tinham vindo até Salvador para leva-la ao pai, nós começamos a brincar tentando distraí-la, mas ela já era esperta demais, só quis ficar no meu colo sem interagir muito. Do nada, o pai dela apareceu, Mih entrou em desespero, não queria ir de jeito nenhum. Precisei entrar no quarto com ela para acalmá-la, tentei dizer que ia passar rapidinho, mas não adiantou. Liguei para Lore contei o que estava acontecendo e ela pediu que nossa filhinha explicasse ao pai, ele não só não aceitou, como sugeriu esperar que ela dormisse para levar. Lore tem horror a enganação, ela sempre diz que isso quebra a confiança, ainda mais com crianças, obviamente não concordou. Fui enchendo Mimi de carinho, Lore já tinha confirmado que íamos vê-la no dia seguinte, até que, mesmo triste, ela aceitou.
No mesmo dia a noite Lore chegou, fui busca-la no aeroporto e no caminho comprei flores, quando a olhei de longe, já começamos a rir, ela tinha tido a mesma ideia. Demos um abraço apertado, um beijo demorado e fomos para casa descansar. No sábado, como prometido, fomos ver nossa neném e prometemos muita diversão quando ela retornasse para casa.
Ficamos dia inteiro de amorzinho, finalmente contei para Lore sobre o cargo de coordenadora, entre muitos e muitos beijos ela me parabenizou, me enchendo de confiança. Eu senti a felicidade genuína com aquelas palavras. Ela me convidou para jantarmos no nosso restaurante preferido no domingo e foi um jantar incrível festejando conquistas profissionais. Logo depois ficamos andando na orla e entramos em um bar que nos chamou atenção, tinha música ao vivo e estava agradável, ficamos um bom tempo por lá bebendo e Lore chamou um Uber, no outro dia nós iríamos trabalhar, na verdade, eu tinha uma reunião marcada para acrescentar minha documentação. Enquanto esperávamos, Lore resolveu ir ao banheiro. Um dos momentos mais traumatizantes da minha vida estava prestes a acontecer.
*ALERTA GATILHO - ABUSO SEXUAL*
Um homem muito alto se aproximou, me puxou pelo braço e mandou que eu fizesse silêncio mostrando a arma por baixo da camisa, ele me arrastou para o outro lado da rua, achei que ele queria me assaltar e falei onde estava meu celular, nada era dito, fui encurralada em um canto, e só quando aquele monstro colocou o seu membro para fora eu entendi o que ele queria. Entrei em desespero e travei completamente, um nó se formou na minha garganta, eu negava com a cabeça e chorava muito, tinha gente passando, mas eu parecia estar invisível, não fui notada. Lembro poucas coisas do que ele dizia, mas eram sempre ordens para que eu ficasse quieta, falando do meu corpo como se eu fosse um pedaço de carne e me xingando. A mão dele começou a subir a minha saia, eu estava morrendo de medo, horrorizada. Ele foi me beijar, e eu mordi o rosto dele com muita força, ao mesmo tempo que unhei o seu pescoço, sabia que aquilo poderia ser usado como provas, recebi um tapa forte no rosto e tentei revidar com um chute, que acertou somente a coxa. Gritar eu simplesmente não conseguia. Ouvi um barulho alto e de repente o abusador estava no chão, Lore havia acertado uma garrafada na cabeça dele, e fez novamente com mais força enquanto ele estava caído.
Eu só sentia o meu coração acelerado, as lágrimas descendo sem parar, uma falta de ar terrível, calafrios, meu peito parecia estar congelado. Lore me abraçava, eu a ouvia tentando conversar comigo, mas não entendia direito. Quando eu me dei conta, já estava na delegacia com dois policiais trogloditas que pareciam mais estar querendo justificar o crime do que me ajudar realmente. Lore gritou com eles, repreendendo as atitudes, eles ficaram muito bravos e vi o pai de Milena entrou na salinha, logo eles mudaram de postura.
Fomos liberadas e ao chegar em casa, corri para o banho com meu amor me ajudando, chorei muito, me sentia suja, a todo momento eu lembrava dos meus braços sendo segurados com força, a língua dele passando na minha pele, meu corpo sendo brutalmente pressionado contra parede, o pênis dele subindo por dentro da minha saia, eu conseguia ouvir aquela voz grossa que me assustava ainda mais. Era uma memória viva que se repetia o tempo inteiro na minha cabeça.
Deitei um pouco e já conseguindo falar, deu uma vontade muito louca de contar o que aconteceu, eu precisava desabafar, aquilo estava consumindo minha cabeça e foi único jeito que encontrei de colocar para fora. Depôs só consegui agradecer a Deus pelo livramento e a Lore por ter evitado que o pior acontecesse.
Não consegui dormir, mas depois de falar tudo, me senti mais leve, ainda chorava, mas me sentia mais segura nos braços de Lore e ouvindo a voz dela. Ao amanhecer ela resolveu tudo no meu trabalho, e queria faltar, insisti bastante para ela ir, não era só o primeiro dia dela no hospital e sim o primeiro dia do seu retorno. Além de não pegar bem, eu não queria estragar ou atrapalhar um momento importante. O problema era que Lore não queria me deixar sozinha, no fundo, eu também não queria. Pensei que Mih viria para casa, mas o pai ia deixá-la na escola. Eis que Lore tem a ideia maluca de ligar para meus pais, quase colapsei, além de preocupar eu teria muita dificuldade em conversar sobre. Sugeri a minha cunhada e em alguns minutos ela chegou. Minha namorada pôde sair para trabalhar "em paz" e aproveitou para levar os meus documentos para a escola.
Tenho uma ótima relação com Loren, na maioria das vezes estamos implicando uma com a outra, ela consegue me zoar muito mais, (tenho a impressão de que todo mundo consegue esse feito, kkkkk) mas a gente se ama muito. Ela ficou toda preocupada, e cuidou de mim a manhã inteira, foi bem carinhosa e até conversamos mais a fundo sobre o ocorrido. Nos momentos que eu chorava, ela me tranquilizava dizendo que já tinha passado.
Lorenzo ligou para Loren e notou que algo estava errado, provavelmente a minha aparência ajudou nisso, expliquei para ele e em pouco tempo apareceu ele, Sarah e Victor. Nós conversamos bastante, tentavam me fortalecer. Eu sentia como se estivesse me libertando aos poucos ao conversar, mas ainda tinha os flashbacks como lembranças vivas, calafrios e a sensação de nó na garganta.
Victor deu a ideia de jogar Uno para distrair e foi o que ficamos fazendo, a gente sempre faz um caos jogando, um acusando o outro, mas é muito divertido. No final da tarde Lore chegou com Mih e depois de falar com todo mundo, ela ficou me enchendo de doces, carinho e dizendo que ne amava muito.
Durante o restante da semana foi bem complicado, Mih viajou para passar as férias com os tios e eu não conseguia dormir de jeito nenhum, a minha psicóloga triplicou a quantidade de consultas, comecei a fazer terapia cognitiva-comportamental que é basicamente tentar resignificar comportamentos e emoções relacionados ao trauma, as drª também me indicou um psiquiatra, ele foi muito atencioso, atende que nem Lore conversando bastante com o paciente, expliquei tudo direitinho, entreguei o meu relatório e saí da consulta com uma receita de, como diz minha mulher, medicamento de controle especial. Eu já vi pessoas completamente viciadas nisso, não queria tomar, até porque, eu não estava doente, também não sabia nomear o que eu tinha. No relatório tinha escrito Transtorno de Estresse Pós-Traumático, era mesmo isso, mas eu não conseguia entender ainda, preferia tratar como uma coisa que infelizmente aconteceu.
Lore estava sentada no chão de frente para mim, me explicando como ia funcionar, que era temporário e que eu não precisava me preocupar, ela estava toda carinhosa, mas tinha um olhar de pena para mim. Isso me incomodou bastante e eu expus! Toda vez que a vida ou alguém tenta me reduzir, ela está lá para me olhar de forma diferente, por muito tempo, foi a única pessoa que me olhou como mulher, que me desejava e que não precisava me dizer uma palavra para que eu entendesse isso. Ali, eu estava me sentindo uma paciente dela, era uma situação estranha e desconfortável.
Com toda paciência da humanidade, Lorena se desculpou por passar aquela impressão, sentei em seu colo e entre um carinho e outro, fomos tomadas por um delicioso beijo, fiquei extasiada, fazia algum tempo que não me sentia assim. Parei para analisar minhas palavras e me senti uma pessoa ingrata, poxa, ela me salvou, estava ali ao meu lado o tempo inteiro me dando forças e eu ainda achei motivos para reclamar... Com certeza não era uma atitude correta! Abracei o corpo dela com força, eu não queria que aquele beijo parasse, mas olhei rapidamente em um espelho que tem na sala e percebi o quão ruim estava a minha aparência. Meus olhos fundos, com olheiras escuras, claramente cansada. Minha pele muito pálida, meu cabelo cheio de frizz, desleixado, e a minha expressão facial era mesmo de tristeza, a confusão que eu sentia estava estampada, a dor estava visível, meu corpo vivia tenso. Qualquer pessoa que olhasse para mim, veria uma pessoa completamente vulnerável e profundamente exausta.
Comecei a chorar, torcendo para que ela não percebesse, missão impossível... Lore perguntou o que tinha acontecido e, antes de explicar, coloquei o meu celular para gravar, tinha certeza que ela terminaria comigo.
Hoje quando penso nisso, vejo quanta desconexão nos fatos, mas era a bagunça da minha cabeça trabalhando em meio ao caos, fazia eu criar cenários e acreditar firmemente neles.
Lore, mais uma vez, reinando na paciência, me explicou em uma linda declaração que eu estava vivendo um processo difícil e que ela respeitava isso, disse que a minha melhora era a sua prioridade, destacou que se apaixonou pelo que eu sou em conjunto, com minhas qualidades e meus defeitos e que me desejava muito além dos atributos físicos. Era claro como água o comprometimento e apoio naquelas palavras. Ela prometeu respeitar o meu tempo e por termos todo o tempo do mundo juntas. Achei muito significativo a última frase que Loren disse, foi sobre devolver o controle da minha vida que o abusador me tirou.
Todos esses dias chorando, não seria novidade lágrimas saindo dos meus olhos ao ouvir tudo isso, mas foi diferente, com uma sensação diferente, o nó na garganta estava desatando, eu não tinha mais forças, porém era incontrolável. A minha cabeça pulsava de tanta dor.
Abracei Lore mais uma vez e fiquei um bom tempo daquela maneira, para que o corpo e toques carinhosos dela me acalmasse e mesmo sabendo que não era o que ela gostaria de ouvir, agradeci imensamente por tudo, a assegurei que não duvidava dos sentimentos dela por mim, tentei explicar a confusão que estava a minha cabeça e também pedi desculpas pelo que disse antes.
Me senti bem leve e diria que até um pouco feliz, nós nos beijamos novamente daquela mesma maneira, senti até um frio na barriga. A convidei para um banho, eu queria muito pelo menos dar um jeito no meu cabelo, mas também não queria desgrudar e ela me ajudando com certeza era a solução perfeita. E foi muito gostoso, muito carinho, beijinho e 'eu te amos', foi realmente animador.
A noite eu tomei o primeiro comprimido e a sensação que deu foi de um sono de pedra, eu simplesmente apaguei e só acordei no outro dia, nem consegui sonhar. Despertei bem indisposta, cansada e sonolenta, mas com um banho me senti muito melhor e pulei em cima de Lore para a gente ir correr, ela tinha encaixado na nossa rotina. As vezes, a gente dava um mergulho no mar antes de retornar e nesse dia, pedi para ficar mais um pouquinho. Quando perguntei se ela ia trabalhar naquele dia fui surpreendida com a notícia de que Lorena só retornaria quando as minhas férias acabassem. É tocante imaginar alguém parando completamente a vida por mim, mas por outro lado fazia eu me sentir um peso, uma âncora puxando a pessoa que eu mais amo para o fundo do poço. Infelizmente ou felizmente, já estava decidido, tentei protestar, mas não adiantou. Eu aceitei e prometi tentar não problematizar aquilo e pensar apenas no lado positivo.
Pouco tempo depois que chegamos em casa, minha cunhada chegou com Mih, e tivemos uma tarde divertida com ela enchendo meu cabelo de cores e a noite dormimos bem cedo, ela pelo cansaço e eu pelo remédio.
No outro dia Lore nos mostrou uma programação que havia feito, a gente ia fazer um tour pelos pontos turísticos de Salvador, visitar meus sogros, assistir um jogo do Flamengo uma final do Minas e na volta ainda passaríamos na Pousada Lara ver os meus pais. Foi perfeito, cada momento, tivemos dias calmos e outros eletrizantes. Respirar novos ares me fez muito bem, eu só tinha muito receio em sair a noite, então evitamos o máximo possível, não foi um grande problema fazer isso, ainda mais vencidas pelo cansaço ao final do dia.
Quando voltamos, Mimi foi passar a última semana de férias com o pai e nós duas aproveitamos aquele tempo para nos reorganizar, agora as duas rotinas iriam voltar a funcionar de verdade.
Saindo do banho, olhando para o espelho, consegui notar um progresso na minha feição, eu estava com uma aparência mais agradável ao olhar. Fiquei lembrando dos meus últimos dias tão divertidos e acabei esboçando um sorriso. Eu tenho muita sorte de ter uma mulher tão foda quanto Lore é na minha vida.
Saí do banheiro decidida a surpreende-la com algo bom e nós tivemos uma tarde regada a um sexo completo, intenso, quente e extremamente prazeroso. Eu não sabia que sentia tanta falta até ter ela ali dominando o meu corpo e me enchendo de amor. O que começou na cama, terminou embaixo do chuveiro, e quando terminamos após muitos orgasmos, com aquela mulher linda rindo olhando dentro dos meus olhos, eu tive certeza de que aquela fase ruim ia passar e nós íamos vencer juntas!