A visão de Silas, caído ao chão, com sangue escorrendo pelo abdômen, me arrancou o ar dos pulmões. Lágrimas desciam pelo meu rosto, e eu me ajoelhei ao lado dele, sentindo o desespero me engolir. O coração dele ainda batia, mas a respiração era curta e irregular, quase sufocante. Eu me forcei a parar de chorar. Ele precisava de mim, e eu precisava pensar rápido.
— Pai, fica comigo, por favor… — murmurei, a voz embargada, enquanto tirava minha camisa e pressionava firmemente a ferida.
O sangue continuava a escorrer por entre meus dedos, quente e pulsante. Lembrei dos primeiros socorros que aprendi, e, apesar do pânico, minha mente entrou em modo automático. Respirei fundo e tentei soar calmo, falando em voz baixa, como se isso fosse ajudar a manter o pai consciente.
— Vai ficar tudo bem… Eu tô aqui, tá bom? — olhei nos olhos dele, tentando não demonstrar o terror que eu sentia.
Ele olhou para mim, os olhos cheios de dor, mas com aquele brilho protetor, como se ainda estivesse tentando me acalmar. Eu sabia que precisava mantê-lo acordado, então continuei falando.
— Pai, lembra da primeira vez que almoçamos juntos? — perguntei, tentando distraí-lo. — Foi tão bom, não foi? A gente ainda vai ter muitos momentos assim…
Ele tentou sorrir, mas o rosto contraiu-se em dor. Eu apertei a pressão sobre o ferimento, tentando controlar o sangramento, mesmo sabendo que meus esforços eram limitados. Os minutos pareciam eternos, e cada segundo aumentava o desespero no meu peito.
Quando finalmente ouvi o som da ambulância se aproximando, senti um alívio, mas continuei ali, com as mãos firmes, sussurrando para ele.
— Você vai ficar bem, pai, você vai ver… — disse, com a voz trêmula, mas tentando soar convincente.
A equipe de socorro chegou e assumiu os cuidados. Fiquei ao lado, as mãos ainda cobertas de sangue, observando enquanto eles colocavam meu pai na maca e conectavam os equipamentos. Entrei na ambulância junto com ele, segurando sua mão com força, e ali, a caminho do hospital, minha única oração era para que ele sobrevivesse.
Na ambulância, enquanto os paramédicos trabalhavam para estabilizar Silas, eu estava ao lado dele, segurando sua mão com força. As lágrimas escorriam pelo meu rosto, e era impossível conter o medo que me sufocava. Tentei murmurar palavras de conforto, mas minha voz saía entrecortada pelo choro.
— Pai, fica comigo… Por favor, não me deixa… — sussurrei, sem soltar sua mão. Sentia o tremor fraco dos dedos dele, e me agarrava a esse sinal, a qualquer coisa que me desse esperança de que ele ainda estava ali.
A cada solavanco da ambulância, meu coração pulava, e o som das sirenes era ensurdecedor. Eu tentava manter minha mente no presente, me obrigando a acreditar que tudo ficaria bem, mas o desespero crescia a cada segundo. Silas estava pálido, e o olhar dele parecia perdido, mas ele me apertou a mão com uma leveza que ainda era ele tentando me acalmar.
Quando chegamos ao hospital, a equipe médica já esperava. Eles abriram a porta da ambulância rapidamente, e tudo começou a acontecer muito rápido. Eles o colocaram em uma maca e o levaram para dentro às pressas. Corri ao lado dele, mas fui parado na entrada da sala de emergência. Fiquei ali, sem saber o que fazer, com o coração apertado e as mãos trêmulas. Foi aí que me dei conta de que eu estava sem celular, sem como avisar ninguém sobre o que tinha acontecido. O medo e o desespero aumentavam ainda mais.
Olhei ao redor, tentando encontrar alguém que pudesse me ajudar. Foi então que vi o professor Márcio no corredor. Ele veio na minha direção, com uma expressão preocupada ao ver meu estado.
— Rafael, o que aconteceu? — ele perguntou, colocando a mão no meu ombro.
— Foi… foi um assalto, professor… meu pai… ele foi baleado… — As palavras saíam confusas, atropeladas, enquanto eu tentava segurar as lágrimas que insistiam em cair.
Márcio me puxou para um abraço rápido, tentando me acalmar.
— Calma, Rafael, calma. Vai dar tudo certo. Aqui, use meu celular para ligar para quem você precisar.
Com as mãos trêmulas, peguei o celular dele e disquei o número do tio Alysson. O telefone tocou algumas vezes até que ele atendeu.
— Alô? — ele disse, e só ao ouvir a voz dele eu desabei de vez.
— Tio… tio Alysson… é o Rafael. O pai… o pai foi baleado… estamos no hospital de urgência… — As palavras saíam entre soluços, a voz falhando. — Eu tô aqui, mas não sei o que fazer…
Ele respondeu com uma calma que eu não conseguia ter. Ele disse que estava a caminho, que eu não precisava me preocupar com mais nada, que ele cuidaria de tudo. Aquela promessa me deu um breve alívio, mas a dor e o medo ainda apertavam meu peito. Entreguei o celular de volta ao professor, e ele ficou comigo, me apoiando, enquanto eu esperava por alguma notícia.
O professor Márcio me olhou, ainda surpreso, quando pedi notícias do meu pai.
— Qual o nome dele? — ele perguntou com a voz calma, tentando me dar algum apoio.
— Silas... Silas Carneiro — respondi, tentando me segurar, mas minha voz estava falhando de tanto desespero.
Márcio parou por um momento, o rosto dele se transformando em pura surpresa.
— Como assim, você é filho do Silas? — ele balbuciou. — Eu... eu não sabia disso…
— Professor, é uma longa história — interrompi, sentindo o pânico tomando conta. — Mas agora... por favor, eu preciso de notícias do meu pai… Estou desesperado.
Ele assentiu e me pediu para esperar ali, prometendo que buscaria informações. Me afastei um pouco e deixei o peso do momento cair em mim. Minhas mãos estavam trêmulas, e os olhos, ardendo de tanto chorar. Cada minuto parecia uma eternidade.
Depois de algum tempo, que pareceu infinito, Márcio voltou. O olhar dele era sério, mas havia uma ponta de esperança.
— Rafael, escuta — ele começou, colocando a mão no meu ombro. — Seu pai foi levado para a cirurgia. Eles precisam remover a bala, que ficou alojada perto do fígado. É um local complicado e delicado, porque há muitos vasos sanguíneos ali, então é uma cirurgia de risco.
As palavras do professor só aumentaram o meu desespero. Um nó se formou no meu estômago, e era difícil manter a calma. Eu estava prestes a perder a cabeça.
— Os médicos estão fazendo de tudo para estancar o sangramento, mas ele perdeu muito sangue, Rafael. E precisa urgentemente de uma doação de sangue.
Senti o chão sumir debaixo de mim, mas, ao mesmo tempo, aquela informação me deu uma direção. Eu faria o que fosse preciso para ajudar meu pai.
O desespero tomou conta de mim, e eu mal conseguia pensar. As mãos tremiam, o coração disparado. Eu precisava avisar minha mãe, precisava que alguém soubesse o que estava acontecendo... mas as palavras simplesmente não saíam. Era como se a voz tivesse sumido.
O professor Márcio tentava me acalmar, segurando meus ombros com firmeza e dizendo palavras que eu mal conseguia entender. A cada segundo, minha mente repetia a imagem do meu pai, ensanguentado, caído no chão. Eu só pensava em quanto ele estava lutando pela vida naquela sala de cirurgia, e a ideia de perdê-lo era como um golpe em cheio no peito.
Foi então que, em meio ao caos, vi meu tio Alysson entrar na sala. Ele estava acompanhado do JP, que parecia tão aflito quanto eu. Assim que meus olhos encontraram o olhar firme e preocupado do meu tio, toda a resistência desmoronou. Senti meus joelhos fraquejarem, e o choro que eu segurava desde que tudo aconteceu finalmente veio com força total.
— Tio... — consegui murmurar, enquanto ele se aproximava e me envolvia em um abraço apertado. Desabei no seu peito, soluçando, cada lágrima carregando o peso do medo que estava me sufocando.
Alysson me segurou firme, passando a mão nas minhas costas, tentando me confortar. Ele estava visivelmente abalado, mas tentava ser forte por mim.
— Calma, Rafael... calma, respira fundo. Me conta o que aconteceu, filho.
Respirei fundo, mas ainda tremia enquanto tentava falar. As palavras saíam aos tropeços, entre soluços.
— Foi tudo tão rápido, tio… Eu tava com o meu pai… a gente tinha ido só na farmácia... e, de repente, esses três homens apareceram… eles estavam armados… eles queriam levar o carro, ou assaltar a farmácia… eu não sei direito… — as palavras se atropelavam, e minha voz falhava.
JP se aproximou e colocou a mão no meu ombro, me oferecendo apoio. Eu continuei, apertando os punhos, sentindo o medo e a angústia voltarem com cada detalhe.
— Eles mandaram a gente se afastar... mas... mas meu pai… ele... ele ficou na minha frente, tio! Ele queria me proteger, sabe? Ele tentou reagir… e aí... eles... eles atiraram nele... várias vezes… — minha voz se desfez em um choro incontrolável, enquanto revivia aquele momento terrível.
Alysson respirou fundo, visivelmente emocionado, mas tentando manter a calma. Ele segurou meu rosto, limpando minhas lágrimas com as mãos trêmulas.
— Rafael, eu sei que dói. Sei que é difícil... mas, escuta, o Silas é forte. Ele vai sair dessa, tá? Os médicos já estão cuidando dele, fazendo tudo o que podem.
Mas eu mal conseguia escutar. A culpa e o medo eram tão esmagadores que era difícil acreditar em qualquer coisa. Eu só queria que meu pai estivesse bem, queria que aquilo tudo fosse apenas um pesadelo do qual eu pudesse acordar.
JP apertou meu ombro com mais força, e eu olhei para ele, que tentava esconder as lágrimas.
— Você foi muito corajoso, Rafa. A gente tá aqui com você, não importa o que aconteça. Vamos passar por isso juntos, entendeu? — ele disse, a voz quebrada pela emoção.
Fiz que sim com a cabeça, mas meu coração ainda estava em pedaços.
— Tio, a gente precisa avisar minha mãe. Ela deve estar desesperada porque não voltamos e, com certeza, tentou ligar... Meu celular ficou no carro, e o do meu pai... eu nem sei onde tá. Eu... eu não tenho condições de falar com ela assim — falei, a voz embargada pelo choro, tentando me recompor, mas era impossível.
Alysson assentiu, segurando meu ombro com firmeza e me olhando nos olhos.
— Eu vou ligar para ela, Rafael. Vou cuidar disso e conversar com o médico também. Precisamos ver a possibilidade de transferir seu pai para um hospital São Vicente o mais rápido possível. Mas você precisa se acalmar, filho. Eu sei que é difícil, mas agora não adianta chorar. Seja forte e pense positivo, tá bom? — Ele suspirou, passando a mão pela testa, preocupado. — Vou pedir pro JP te levar pra casa. Você precisa de um banho e de trocar de roupa.
Balancei a cabeça, tentando resistir.
— Eu não quero sair daqui, tio. Eu... eu preciso estar aqui, preciso esperar... — Minha voz falhou novamente.
Alysson me olhou com paciência, mas firme.
— Rafael, você não está em condições agora. Olha só... você está todo sujo de sangue, sem camisa... precisa de um banho e roupas limpas. Vá pra casa, rapidinho, e eu resolvo tudo por aqui.
Tentei argumentar, mas ele insistiu, decidido.
— Rafa, você vai e depois volta. Por favor, me obedeça. Eu cuido disso, ok?
JP se aproximou, falando com gentileza.
— Rafa, minha casa é aqui perto. Vamos lá só um instante, você toma um banho, pega uma roupa minha, e voltamos pra cá. Seu tio vai resolver toda a parte burocrática e avisar o resto da família. Eu tô contigo, cara.
Sem forças para discutir mais, concordei, ainda que relutante. No fundo, sabia que eles estavam certos, mas doía cada passo que me afastava do hospital. No caminho para a casa de JP, as lágrimas continuaram a cair sem controle, e ele, ao meu lado, tentava me consolar, mas era em vão. Tudo o que eu conseguia pensar era no meu pai... no quanto ele era importante para mim, no pouco tempo que tivemos juntos e em todas as coisas que ainda queria viver com ele. Cada pensamento, cada memória, fazia meu peito doer mais.
— Não posso perder ele, JP... — murmurei, entre soluços, sem conseguir evitar que as lágrimas aumentassem.
JP apenas apertou meu ombro, respeitando meu silêncio.
Chegamos na casa do JP demos de cara com a mãe dele, que ficou visivelmente assustada ao me ver naquele estado, mas JP rapidamente disse que explicaria tudo depois. Ela parecia entender que eu não tinha condições de falar com ninguém naquele momento. Tomei um banho que, por incrível que pareça, acabou me acalmando. A água quente escorria pelo meu corpo e, aos poucos, eu fui relaxando, sentindo meu coração desacelerar um pouco. Quando saí do banheiro, me sentindo ligeiramente mais leve,Imagino que, enquanto eu estava no banheiro, ele tenha ido conversar com ela, já que não me fez nenhuma pergunta e apenas me ofereceu um espaço de conforto. Ele me indicou o guarda-roupa e disse que eu podia pegar qualquer peça que quisesse. Escolhi uma cueca limpa, uma calça e uma camisa, vestindo tudo devagar, tentando me recompor. Assim que terminei, ele me puxou para um abraço apertado e sussurrou:
— Vai ficar tudo bem, Rafa, eu tô aqui com você.
Aquelas palavras foram o gatilho para que as lágrimas voltassem. Senti meu corpo tremer enquanto eu desabava mais uma vez. Mas, no fundo, sabia que precisava me recompor. Eu precisava ser forte. Não podia desmoronar assim. Precisava estar no controle, não só por mim, mas pela minha mãe e pela minha irmã. Eles iam precisar de mim mais do que nunca, e, se eu desmoronasse, quem daria o apoio que minha família precisava?
Abracei JP com força, permitindo-me aquele último momento de fraqueza. Respirei fundo, lavei o rosto, tentando apagar qualquer vestígio do choro, e me virei para ele.
— Vamos voltar para o hospital.
JP assentiu, e, juntos, saímos de volta para enfrentar o que estava por vir.
Quando voltamos para o hospital, meu tio Alysson estava visivelmente abatido, o rosto marcado pela tensão e pelo cansaço. Ele me chamou para o lado e começou a explicar o que havia acontecido enquanto eu estava fora. Ele disse que tinha conversado com minha mãe, que ficou desesperada ao saber da situação, e então pediu para a Claudia ir ficar com ela e tentar acalmá-la. Também contou que avisou ao Bernardo, que se encarregou de contar a notícia para Sofia.
Então, meu tio fez uma pausa, respirou fundo e, com a voz trêmula, disse:
— Houve uma complicação na cirurgia… Seu pai está em estado grave. Os médicos estão fazendo de tudo para estabilizá-lo.
Vi os olhos dele se encherem de lágrimas, e então ele começou a chorar. Eu sabia que, a partir daquele momento, não poderia me deixar desmoronar novamente. Puxei meu tio para um abraço firme, tentando transmitir a força que, honestamente, eu mesmo mal conseguia encontrar.
— Tio, o pai vai ficar bem. Vamos ser fortes, não vamos chorar. Ele precisa da gente agora — falei com convicção, segurando as lágrimas com todas as forças.
Senti que ele se segurava em mim, e, pela primeira vez, foi ele quem desabou em lágrimas no meu ombro. Fiquei ali, firme, sem derramar mais uma lágrima, decidido a ser o pilar de todos naquele momento. Pouco tempo depois, chegaram a Yves com Sofia, e logo em seguida Bernardo também se juntou a nós. Eu mantive a calma, tentando passar segurança para minha irmã, enquanto abraçava ela e Bernardo, como se aquele abraço pudesse proteger todos nós do medo e da incerteza que nos cercavam.
Enquanto aguardávamos notícias, um policial se aproximou e pediu para conversar comigo. Ele me explicou sobre o andamento das investigações e pediu que eu relatasse o que tinha acontecido. Eu descrevi tudo o que pude, tentando lembrar cada detalhe dos assaltantes, enquanto ele anotava atentamente. Quando falou sobre o carro, foi Yves quem prontamente informou que sabia a placa, o que ajudaria nas buscas.
As horas pareciam se arrastar, cada minuto uma eternidade. Finalmente, o médico apareceu, acompanhado pelo professor Márcio, que se aproximou de mim com um olhar preocupado e solidário. O médico nos informou:
— O seu pai está bem. Conseguimos controlar o sangramento e estabilizá-lo, mas ele vai precisar ficar na UTI, sedado, sob observação nas próximas horas.
Um alívio indescritível tomou conta de mim. Todos nós nos abraçamos, alguns chorando de alívio, outros sorrindo com a notícia. Eu mantive minha calma, segurando firme a mão de minha irmã e do Bernardo, e senti o peso nas costas diminuir um pouco.
Agora, era uma questão de esperar, com esperança e com a força que prometi a mim mesmo não abandonar.