As semanas se misturavam em uma confusão de sentimentos que me rasgavam por dentro. Eu me sentia culpado, sujo, toda vez que Marc voltava ao Rio. Era como se eu traísse a inocência de Kadu, enganando-o na sua própria casa, ao lado de sua própria família. Mas, nas vezes em que Marc estava fora, era diferente. Com Kadu, tudo parecia mais leve, como se só existíssemos nós dois no mundo, livres daquela sombra que me cercava.
Ainda assim, a culpa me corroía. Pensei por diversas vezes em terminar com Kadu para protegê-lo de mim, de tudo o que estava acontecendo. Mas o sentimento que eu tinha por ele era mais forte que o medo, mais forte que a culpa. Por mais que a confusão com Marc me prendesse, o amor por Kadu era puro, e, de algum modo, era como uma âncora em meio ao caos.
Desde aquela noite em que vi Marc se ajoelhar aos meus pés, ele parecia mais... submisso, quase obcecado em não me afastar. Ele permitia mais a minha proximidade com Kadu, mas impunha limites sutis, ainda me controlando nas sombras. Então, para evitar problemas, eu tinha que tomar cuidado. Nos víamos fora da casa dele sempre que possível, e, quando íamos lá, apenas quando Marc estava longe. Nessas ocasiões, eu procurava desculpas: trabalhos de escola, idas a casas de amigos.
Aquele dia, uma quarta-feira, prometia ser diferente. Kadu e Giovanna tinham planejado uma tarde tranquila em casa, só entre amigos, nada demais. Greg e Nicholas também viriam. Era para ser uma tarde leve, e talvez até uma pausa dos dramas e da culpa.
Assim que saímos da escola, fomos direto para a casa deles. A piscina era azul e refletia o sol de fim de tarde, criando uma atmosfera de descontração que há muito eu não sentia. Os risos enchiam o ambiente, e a tensão parecia evaporar à medida que a bebida passava de mão em mão.
Nicholas e eu estávamos num canto da piscina, rindo e trocando histórias antigas. Ele era divertido, e suas piadas tinham um jeito de tirar um pouco da carga pesada que eu carregava. Enquanto isso, Kadu estava um pouco afastado, nadando mais para o fundo. Eu conseguia sentir o olhar dele sobre nós, e a cada vez que eu olhava para ele, seus olhos desviavam rapidamente, como se tentasse disfarçar o que estava sentindo.
O clima na piscina estava descontraído e animado. Estávamos todos rindo, trocando histórias, enquanto o sol brilhava sobre nós. Eu estava em uma conversa leve com Nicholas, que parecia ter um dom natural para fazer piadas, e, sem perceber, perdi a noção do tempo. Do outro lado da piscina, notei Kadu olhando para mim, o semblante dele endurecendo um pouco.
Nicholas era alguém com quem eu sempre me dava bem, e era fácil esquecer qualquer coisa ao lado dele. Ele ria de tudo, fazia trocadilhos e puxava conversa de um jeito espontâneo. Eu sabia que para Kadu, meu namorado, a história era outra. Ele observava Nicholas como se o amigo fosse uma ameaça, e eu via a expressão no rosto dele ficar cada vez mais fechada.
Alguns minutos depois, ele saiu da piscina e, sem que ninguém percebesse, fez um sinal discreto para que eu o seguisse. Percebi que alguma coisa estava errada e despedi-me rapidamente de Nicholas, caminhando até onde Kadu me esperava, mais afastado, à sombra das árvores. Ele estava de braços cruzados e uma expressão séria, os olhos fixos em mim.
– Yago, o que você tá fazendo? – ele perguntou de forma direta, sem rodeios. A voz saiu baixa, mas a tensão era evidente. Parecia que a qualquer momento ele explodiria.
– Do que você tá falando, Kadu? – retruquei, tentando manter a calma e já imaginando onde aquilo ia dar.
– Tô falando de você e o Nicholas – ele respondeu, sem tirar os olhos de mim. – Vocês tão rindo, conversando, e ele fica te olhando de um jeito... sei lá. Parece que você gosta mais da companhia dele do que da minha.
Suspirei, sentindo a pressão daquele momento. O ciúme de Kadu estava falando mais alto, mas a última coisa que eu queria era que ele se sentisse inseguro.
– Kadu, a gente tava só conversando – respondi, tentando aliviar a tensão. – Nicholas é meu amigo, você sabe disso. Não tem nada demais.
– Sei que ele é seu amigo, mas eu também sei que... – ele hesitou, como se não quisesse admitir a insegurança. – Sei lá, parece que você se diverte mais com ele. Como se fosse mais fácil, entende?
Me aproximei um pouco mais, tentando quebrar aquela barreira invisível que ele havia levantado entre nós. Era estranho ver Kadu, sempre tão seguro de si, vacilando dessa forma, e aquilo me incomodava mais do que eu queria admitir.
– Kadu, você sabe que isso não é verdade – falei suavemente, tocando o braço dele. – Eu tô aqui com você, e você é quem eu quero. Nicholas é só um amigo, é só uma pessoa com quem eu rio um pouco. Não muda nada entre a gente.
Ele desviou o olhar, suspirando, mas eu sabia que ele ainda não estava convencido. Havia uma sombra de incerteza no rosto dele, algo que parecia incomodá-lo profundamente.
– É só que... às vezes eu acho que não sou o suficiente pra você, Yago – ele admitiu, quase num sussurro.
Senti um aperto no peito ao ouvir aquilo. Kadu era tudo pra mim, e ouvir essa dúvida dele me doía. Puxei-o para mais perto e, com firmeza, segurei seu rosto entre minhas mãos.
– Olha pra mim, Kadu – falei, olhando bem nos olhos dele. – Você é mais do que suficiente. Não existe ninguém que eu queira ao meu lado além de você. Eu tô aqui, e eu escolho estar com você, todos os dias.
Kadu hesitou por um momento, mas logo senti os ombros dele relaxarem sob meu toque. Ele parecia mais aliviado, embora ainda restasse uma pontada de insegurança. Abraçou-me apertado, como se quisesse ter certeza de que eu estava realmente ali, e eu retribuí, deixando que ele sentisse a verdade nas minhas palavras.
Depois de alguns minutos em silêncio, ele finalmente se afastou, esboçando um sorriso tímido.
– Eu fui meio idiota, né? – ele admitiu, rindo de leve. – Desculpa, Yago. É que... sei lá, às vezes eu sinto que posso te perder, e só de pensar nisso...
– Ei, você não vai me perder – interrompi, sorrindo para ele. – Eu tô aqui e é aqui que eu quero estar.
A expressão dele finalmente se suavizou, e ele assentiu, como se finalmente tivesse entendido. Voltamos para a piscina de mãos dadas, e, durante o resto da tarde, Kadu se manteve mais próximo de mim, como se quisesse reafirmar o que sentíamos.
Aquela tarde, entre conversas e risadas, percebi que, apesar das inseguranças e dos momentos difíceis, estávamos mais fortes juntos.
Depois de algum tempo, senti o cansaço da piscina e decidi que precisava sair e me secar. Avisando Kadu rapidamente, fui para o quarto dele para pegar uma toalha e trocar de roupa. As paredes eram de um azul suave, decoradas com fotos de viagens e quadros esportivos, bem a cara dele, com o cheiro familiar que eu tanto gostava. Peguei uma toalha e estava começando a secar o cabelo quando ouvi a porta se abrir.
Era Bia, a mãe de Kadu e Giovanna. Ela entrou de forma calma, mas com uma expressão séria no rosto. Sem dizer nada, fechou a porta e trancou-a cuidadosamente. Meu coração acelerou imediatamente. Havia algo nos olhos dela que me fez engolir em seco.
Ela cruzou os braços e me encarou, um olhar intenso que não deixava espaço para fuga.
– Yago – ela começou, a voz baixa, mas carregada de uma firmeza cortante –, nós precisamos conversar.
Meu instinto foi ficar em silêncio. Eu já imaginava sobre o que ela queria falar, mas mantive uma expressão neutra.
– Eu sei do que está acontecendo – ela continuou, aproximando-se um pouco mais. – Sei sobre você e o Marc.
O choque atravessou meu corpo como uma corrente elétrica, mas eu tentei me recompor rapidamente. Forcei um sorriso descontraído.
– Desculpa, dona Bia, não sei do que a senhora está falando – murmurei, desviando o olhar, mas ela não se deixou enganar.
– Não adianta fingir, Yago – ela insistiu, com a voz um pouco mais firme. – Eu sei que você tem um relacionamento com o Marc. Sei que ele tem manipulado você, e sei que isso não é a primeira vez que ele faz isso com alguém.
Engoli em seco, procurando algo para dizer. A revelação era como um soco no estômago. Bia sabia mais do que eu poderia imaginar, e eu já sentia que não ia sair daquela conversa facilmente.
– Olha, dona Bia, eu realmente... não faço ideia de onde a senhora tirou essa ideia – tentei argumentar, forçando uma expressão de surpresa. – O Marc é só o pai do Kadu, eu nunca faria algo assim.
Ela soltou uma risada seca e sem humor, balançando a cabeça.
– Não subestime minha inteligência, Yago. Eu sei exatamente quem Marc é e do que ele é capaz. Ele é manipulador, egoísta e… doentio. Você acha que é o primeiro? Ele já fez isso com outras pessoas antes, jovens como você. Ele usa, manipula, e depois descarta.
Senti o chão sumir sob meus pés. Ela estava expondo algo que eu temia admitir até para mim mesmo, mas mantive a compostura.
– Eu não sei de onde tirou essa ideia – repeti, mais fraco dessa vez, mas sem querer ceder. – Marc nunca fez nada comigo. Ele é só o pai do Kadu, e eu... eu amo o Kadu.
Ela suspirou, parecendo cansada. Então, deu um passo à frente, ficando mais próxima de mim, e baixou o tom de voz, como se quisesse ter certeza de que ninguém ouviria.
– Yago, eu não estou aqui para julgar. Estou aqui para ajudar você. Eu quero acabar com ele tanto quanto você deve querer. Ele destrói vidas, e se você continuar perto dele, ele vai destruir a sua também. Eu preciso da sua ajuda para colocá-lo na cadeia.
Minhas mãos começaram a tremer levemente. Ela estava expondo meus piores medos, como se pudesse enxergar a verdade dentro de mim. Fiquei sem saber o que responder, uma parte de mim tentava manter a mentira, mas outra parte, a que sabia do perigo real que Marc representava, começou a se sentir tentada a ceder.
– Eu não sei… – murmurei, desviando o olhar, tentando processar o que ela dizia. – Não sei o que está insinuando.
Bia respirou fundo e colocou uma mão em meu ombro, o olhar dela era de alguém que compreendia meu dilema.
– Yago, eu sei que você tem medo. Sei que o Marc pode ser... persuasivo. Mas, se você continuar perto dele, ele vai acabar com você e, por consequência, com o Kadu. É isso que você quer?
Aquelas palavras me atingiram profundamente. A ideia de ferir Kadu era insuportável, mas o medo de enfrentar Marc também era intenso. Tentei reunir alguma força para responder.
– Eu... só... eu não posso ajudar a senhora com isso – falei, desviando o olhar. – O Marc é o pai do Kadu. Isso... só complicaria tudo.
Ela me encarou com uma mistura de decepção e pena.
– Eu entendo que você queira proteger o Kadu, mas se você realmente se importa com ele, tem que perceber que estar perto do Marc só vai nos levar a um desastre. Ele precisa ser parado, e você é a única pessoa que pode nos ajudar a fazer isso.
O silêncio que se seguiu foi pesado. Eu podia ver nos olhos dela que havia muito mais do que palavras ali; havia dor, arrependimento, talvez até culpa. Finalmente, cedi um pouco, sussurrando:
– Eu só... não sei como sair disso...
-Eu sei, eu imagino - disse ela
-Você me disse que ele já fez isso antes, me conta o que aconteceu? - falei curioso
-Aqui não é o momento, alguém pode chegar - disse ela - amanhã depois da aula me encontra no restaurante duas ruas depois da sua escola, pode ser? Temos um pacto?
Fiquei encarando aquela mulher, talvez ela fosse a minha única saída dessa situação. Eu não sabia se podia confiar nela, mas não tinha mais escolha.
-Fechado. - respondi.