Eu tinha acabado de atender o último paciente do dia e estava observando como andava a agenda da clínica para o início do ano, quando a secretária interfonou dizendo que tinha mais uma pessoa. Estranhei e, quando fui perguntar quem, minha gatinha adentrou no consultório.
Levantei para encontrá-la e dei um beijinho enquanto matava a saudade do seu cheiro.
— Que surpresa boa você aqui! — falei enquanto nos direcionava para minha cadeira.
— Queria mostrar algumas alterações para Loren, e ela estava na loja. Aí passei aqui para te ver... Cheguei faz um tempo, mas não queria atrapalhar — me respondeu.
— Por que não esperou ela chegar em casa? — perguntei, achando estranho, e Juh silenciou por uns segundos.
— Você vai rir se eu falar — disse-me após algum tempo.
— Foi só desculpa para alimentar o seu fetiche — falei, dando um tapa em seu bumbum.
— Não!!!! — exclamou, séria e completamente envergonhada.
— Tô brincando, linda... O que te fez vir até aqui? — perguntei.
— Também não digo — disse, fingindo estar brava.
— Casei com uma mulher mimada — brinquei, mexendo com o dedo no falso bico dela, e dei um selinho.
— Olha nas câmeras — disse, me entregando o celular com o aplicativo já aberto em um horário anterior.
Fui vendo as imagens, e só mostrava ela sentada no balcão da cozinha, mexendo no notebook, quando, de repente, ela dá um salto para trás e cai, equilibrando o not nas mãos.
— Oxe, continuo sem entender... O que aconteceu? — perguntei.
— Continua vendo... — disse-me.
Olhei para o lugar em que ela estava antes, fui me aproximando e vi uma aranha. Dessa vez, era mesmo um bicho grande.
— Aaaaaah, você ficou com medo e passou a escritura da casa para o nome da aranha? — falei, rindo.
— Já entreguei as chaves e tudo — me respondeu.
— Não era mais fácil subir? — perguntei, me divertindo com a situação.
— E se tiver uma família????? Só entro em casa depois que você olhar tudinho — falou, abraçando meu pescoço com força.
— Eu olho sim, gatinha... — disse, rendida à fofura dela, e a enchi de beijos.
Nós fomos buscar as crianças, e Juh encontrou algumas colegas que começaram a relatar o caos que estava a escola sem ela, mas logo nossos filhos foram liberados e nós voltamos para o carro. Eles adoraram a presença da mamãe ali no portão.
Ao chegar em casa, fui combater a terrível batalha contra a grande invasora. Felizmente, ela não pôde se defender dos meus golpes com a vassoura e levou a pior. Olhei e revisei toda a casa para ter certeza de que meus gatinhos estariam a salvo.
No outro dia, arrumamos um cantinho para fazer a bendita foto do cartão. Me senti fazendo um comercial de margarina, mas ficou bonitinha. Levamos na gráfica e, em algumas horas, ficou pronto. Aproveitamos para justificar nossa ausência neles e desejar um Feliz Natal a todos.
Montamos a árvore de Natal e arrumamos a casa. Dei a ideia de eles escreverem o que queriam em um papelzinho e deixarem dentro das meias decorativas, penduradas nas janelas. Eles foram brincar, e Juh pegou para a gente saber o que teríamos que comprar.
— A letra é do Kaká, ele quer um skate — me informou.
— Acho que ano que vem ele já poderá praticar os esportes que deseja — falei, e Juh concordou, sorrindo.
Só que, ao ler o pedido de Mih, o sorriso desapareceu do seu rosto.
— "Quero que a mamãe volte a ser feliz com a gente" — leu para mim.
Fiquei em silêncio, não estava esperando esse tipo de pedido.
— Meu Deus... Eu faço tudo errado... Agora Mih acha que não sou feliz com nossa família... — falou, encostando-se no sofá.
— Não diga isso, amor... Ela é uma criança e foi só o jeito dela expressar que te quer feliz. O pedido dela de Natal é que você fique bem... — falei.
— Vamos conversar com ela? Por favor!!! Não quero que ela ache que não sou feliz com vocês! — me pediu.
— Claro que sim, vocês conversam e eu pontuo alguma coisa se achar necessário — concordei e a abracei, sentindo seu coraçãozinho disparado.
— Coitadinho deles, amor... — lamentou, em meu ouvido.
— Calma, môh... Você vai ver, é só ela querendo arrancar a tristeza do seu peito, é um sentimento que até eu tenho... — falei.
Guardamos os pedidos, fomos tomar banho, e Juh saiu primeiro que eu, mas logo retornou, animada, me mostrando o celular. Segurei para conseguir ler, e era de uma escola convidando para um processo seletivo. Logo saí para dar um beijinho nela.
— Já é sua a vaga — falei, no ouvido dela.
— Amém, amor! — disse, me abraçando forte.
— Sabe se atende as turmas das crianças? — perguntei.
— Vamos pesquisar, porque eu coloquei meu currículo em tudo quanto era escola — disse-me, rindo.
E a gente ficou na frente do espelho, eu dando vários beijinhos enquanto ela se empolgava com o que lia. Era uma boa escola e atendia da Pré-Escola ao Ensino Médio. Sabia que Juh tinha preferência em coordenar o Fundamental I, e nossos filhos estavam indo para o último ano desse segmento. O prédio ficava a dez minutos de onde eu trabalho. Se tudo desse certo, seria perfeito.
Contamos para as crianças, que inicialmente ficaram com medo de não estudarem no mesmo colégio em que Juh fosse trabalhar. Dissemos que íamos tentar de tudo para não separá-los, pois eles estavam odiando aquele período sem a mamãe. Embora o trabalho de Juh não fosse diretamente nas salas de aula, eles iam até ela no intervalo, e qualquer probleminha pessoal era resolvido ali mesmo.
A gente queria que fosse a mesma escola mais por uma questão de facilidade burocrática e de logística. Foi uma ótima experiência, e a gente desejava prosseguir assim, mas se não fosse possível... Paciência... Com certeza a gente ia se adequar de outra maneira!
Aproveitamos o momento para conversar com Mih.
— Li o que você escreveu, filha... É difícil encontrar palavras para expressar o que sinto, porque a saudade e a tristeza que carreguei comigo nesses últimos tempos são profundas, mas nunca deixei de amar cada um de vocês com toda a minha alma. Eu sei que, às vezes, o meu sofrimento pode ter dado a impressão de que eu estava perdida, distante, ou até mesmo infeliz. Mas a verdade é que, mesmo nas sombras que tentei esconder, eu nunca deixei de ser grata pela nossa família. Por você, pelo Kaká, e por sua mãe, que é um apoio incondicional, sempre ao meu lado... Não sou perfeita, mas tenho ao meu redor muito mais do que algum dia eu pude sonhar: o amor de vocês! E isso me dá forças para seguir, para aprender a viver com as cicatrizes e para acreditar que, juntos, podemos superar qualquer dor. Eu sou feliz por ter vocês, mesmo que a dor ainda exista, ela não apaga a luz que cada um de vocês traz para a minha vida. O que você me pediu neste Natal é, talvez, mais do que um desejo: é a minha luta diária, para que possamos continuar a ser essa família unida, cheia de amor, com todos os seus altos e baixos, mas sempre juntos, enfrentando tudo com o coração aberto. Eu amo vocês mais do que palavras podem dizer, e vou seguir caminhando, com vocês ao meu lado, para sermos a família que sempre fomos, com o carinho e a alegria que tanto merecemos, tá?
Não existia um ali que não estivesse emocionado. Mih já estava grudada em Juh.
— Eu achei linda a sua preocupação com a felicidade da mamãe, viu? Eu também vivo com essa sensação de querer arrancar a dor do peito dela... Mas ela é feliz com a gente, não tenha dúvidas disso... — falei, fazendo carinho em seu cabelo, e Mih acenava, mostrando que me compreendia.
— E eu pedi só um skate — disse Kaká, rindo, enxugando as lágrimas e nos fazendo rir também.
— Quero um também, a mamãe já é feliz — completou Mih.
— Eu sou muito — confirmou Juh, encostando a testa na dela.
O nosso Natal foi diferente. A gente deixou para avisar quando todos já estavam lá, para não desistirem. Resolvemos comemorar só nós quatro mesmo. Coloquei os cartões no carro de Lorenzo e depois pedi que ele entregasse a cada um. De início lamentaram, mas também não foi difícil entender nossa decisão.
As crianças encheram alguns gorros com doces e pequenas lembrancinhas e pediram para entregar na igreja. Os levamos no Bonfim, que é turístico, e as missas não demoram tanto porque logo precisam iniciar outra. Ficaram realizadas e ligaram para contar à vovó Jacira, que ficou cheia de orgulho.
Assim que chegamos em casa, Mih subiu com Kaká. Eles pegaram os pijamas das fotos e disseram que queriam jantar assim. Eles três conseguem ficar fofos com qualquer coisa, mas eu parecia um poste enfeitado, rs!
Depois, nós brincamos de pega-pega por um bom tempo ali mesmo na sala e finalizamos a nossa noite com mais um filme natalino. Eles dormiram e nós subimos carregando nossos bebês de dez anos.
— Foi perfeito... — disse Juh, me dando um beijinho.
— Tudo com vocês fica perfeito — completei, dando outro beijo, só que mais demorado.
Colocamos os skates na frente da cama de cada um e fomos dormir.
Acordamos com um barulho muito alto e a risada de Kaique. Enquanto seguíamos o som para ver o que era, outro estrondo, e com a risada de Milena. Os dois estavam caídos além da escada, com os skates em mãos, rindo sem parar.
— Eu não acredito nisso... — disse Juh, com a mão na testa.
— Vou perguntar, porque para mim é loucura... Vocês desceram a escada de skate? — falei.
— É divertido, mãe!!!! — disse Mih.
— É muito radical!!!! — completou Kaká.
— Naaaaaaao, se vocês pediram para isso, podem devolver — disse Juh.
— Foi só um teste, a gente não vai fazer de novo — falou Milena, abraçando o brinquedo.
— Prometemos de dedinho! — confirmou Kaique.
— Acho bom... — falei.
À tarde, levamos os arteiros para brincar em uma pista e fiquei de longe observando, enquanto namorava a minha muié, que estava morrendo de medo de passarmos a semana que antecede a virada em um hospital remendando algum dos dois... Mas deu tudo certo, apesar dos arranhões, conseguiram permanecer inteiros. O pai de Mih veio buscá-la, e à noite nós fomos para a pousada.
Quase um ano depois, ela estava pronta com o projeto novo. Agora meus sogros estavam fazendo a divulgação para confraternizações de grupos escolares ou empresariais, juntamente com os pais de Victor.
Não ficamos muito tempo, na verdade fomos mais para deixar Kaká passar a semana por lá.
A contagem regressiva começou e eu disse no ouvido de Juh: — Vou te beijar de um ano a outro, vira para mim!
E, enquanto ela dava aquele sorrisinho lindo de que sou apaixonada, eu a beijava segurando no seu rostinho. Ouvi os fogos e a gritaria, mas o meu mundo estava tranquilo, silencioso e em paz nas minhas mãos.
— Te amo, amor, não sei como será esse ano, mas sei que com nossa família unida nós podemos tudo — disse-me e me deu um selinho.
— Eu também te amo, gatinha... Com vocês, todos os anos, por mais conturbados que pareçam, são os melhores da minha vida — falei e dei outro selinho.
Enquanto rolavam os abraços, liguei para Mih e fizemos um coro de "FELIZ ANO NOVO" para ela. A menininha que ama armar surpresas também adora ser surpreendida. Fica toda boba quando acontece!
~ Eu poderia finalizar aqui nesse momento fofo e sentimental, mas...
Retornamos para casa e eu não encontrava as minhas chaves. Liguei para minha irmã procurar no lugar em que ficamos e nada. As de Juh estavam por dentro, tenho cópias na casa dos meus irmãos, mas as cópias deles estavam trancadas por dentro também.
— Vamos passar a noite em um hotel e amanhã a gente procura alguém para resolver se não encontrarem — falei, e ela assentiu.
Só que no caminho, eu encontrei um motel... 😂
Obviamente, Juh nunca tinha ido. Eu nem perguntei, só fui em direção.
— Não, não, não, não, amor... Isso não é um hotel!!!!! — disse-me em pânico.
— É só pra passar a noite... — falei, rindo.
— A gente vai entrar aí e todo mundo vai imaginar outras coisas! — falou firmemente.
— Todo mundo quem? — Perguntei, e ela silenciou.
— Os funcionários vão olhar para a gente assim: 😏 — disse-me depois de um tempo.
Eu comecei a ter uma crise de riso com o rosto que ela fez.
— Não é assim como você tá imaginando... A comunicação é reservada e a distância... E pelo amor de Deus, se a gente fosse transar, não teria problema nenhum nisso, afinal, tá todo mundo acostumado, ninguém ia te olhar assim: 😏 — falei e tentei imitar a expressão dela, mas voltei a rir.
Entramos e ela ficou quietinha, meio que tentando não ser vista.
— Amor, tá parecendo que eu sou casada e estou saindo escondida com uma amante — disse brincando, e a muié endoidou.
Arregalou os olhos e disse bem alto para a recepcionista: — Moça, a gente é casada e só vamos dormir aqui porque perdemos a chave de casa!!!!!!!
Eu comecei a rir, a recepcionista também, e ela voltou a ficar quietinha.
— Amor, não tinha necessidade da gente vir para cá... — disse-me.
— Não tinha mesmo, mas eu sabia que seria no mínimo engraçado! — falei rindo, e levei um tapinha, mas logo depois recebi um beijo.
— Tem espelho no teto pra que mesmo? — Perguntou.
Empurrei seu corpo na cama rindo e a beijei.
— Abre os olhos — falei no seu ouvido e voltei com o beijo suave.
— Para ver de outro ângulo? — Me perguntou.
— Para mim, funciona como um estímulo visual... Imagina eu fazendo outras coisinhas — falei, segurando no seio dela e ela riu tirando minha mão.
Eu estava achando engraçadinho demais as dúvidas e curiosidades dela.
Liguei a hidromassagem e Juh estava mexendo nas coisas, explorando o quarto.
— Todo mundo que vem nesse quarto usa o mesmo? — Perguntou apontando para o vibrador.
— Quem gosta, sim... Tecnicamente tem que ser com o preservativo e deve ser higienizado... Se fazem isso, não sei... — respondi.
— Eca... — disse, pensativa.
— Vamos, Dora Aventureira, precisamos descansar! — falei, arrastando-a.
Ficamos relaxando, sentindo o quentinho da água e dos nossos corpos juntos, dando alguns beijinhos e fazendo carinho uma na outra até irmos para cama. Júlia se posicionou como sempre, se encaixando em mim e olhou para cima.
— A gente dorme bonitinho, né? — Perguntou rindo e eu confirmei dando o último beijinho da noite.
No outro dia cedo, nós saímos, ela mooorta de vergonha ainda e como ninguém tinha encontrado minhas chaves, comecei a procurar um profissional enquanto a gente tomava café da manhã em lugar tradicional aqui de Salvador. O problema é que 01 de janeiro é dia ruim para fazer isso, porém depois de certo tempo, encontramos. Em minutos nossa casa estava aberta novamente, só precisamos trocar as fechaduras depois por segurança!