O ambiente ao redor deles parecia uma pausa em meio à vastidão do céu. O avião balançava levemente, as luzes de leitura estavam acesas e um murmúrio baixo vinha dos outros passageiros. A classe executiva oferecia mais espaço entre as poltronas, mesas dobráveis elegantes e um serviço impecável. Pedro estava inclinado em sua cadeira, com os cotovelos apoiados no braço acolchoado, enquanto Luiz mantinha uma postura mais ereta, a luz amarela da cabine iluminando suas sardas. A conversa entre eles parecia isolada do resto do avião, como se houvesse uma bolha que os separava de tudo.
Pedro sorriu ao ouvir a resposta de Luiz. Havia algo de encantador na forma como ele falava, tão metódico, tão convicto de suas ideias. Mas, para Pedro, o amor era um campo muito mais vasto do que estatísticas e números.
– O amor, Luiz? – Pedro começou, a voz mais baixa, como se estivesse revelando um segredo. – O amor é o que dá sentido à vida. Não é sobre probabilidades ou Tinder, mas sobre sentir que, por menor que você seja no universo, há alguém que faz você se sentir infinito. Aristóteles acreditava que o amor era formado por uma única alma habitando dois corpos. Não é matemática, é filosofia... É emoção.
Luiz arqueou uma sobrancelha, desafiador, mas sem perder o tom calmo.
– Interessante, mas é apenas uma visão romântica. Eu não digo que o amor não exista, só que ele pode ser explicado por padrões e comportamentos. Pense no seguinte: se você encontrar 10 pessoas em um dia, a probabilidade de criar uma conexão com uma delas é maior do que se encontrar apenas uma. Tudo se resume a oportunidades.
Pedro balançou a cabeça, rindo de leve, como se as palavras de Luiz apenas fortalecessem sua vontade de convencê-lo.
– Carl Sagan disse que, para criaturas como nós, a vastidão do universo só é suportável pelo amor. Pense nisso, Luiz. Não são as estatísticas que tornam a vida mais leve; é saber que existe alguém que segura sua mão no meio da vastidão. Você pode medir isso? Existe uma fórmula para o que eu estou sentindo agora, ouvindo você defender números como se fossem mais importantes que... bem, o que está aqui? – Pedro tocou o peito, apontando para o coração.
Luiz hesitou por um momento. Ele sempre se sentiu confortável com cálculos, com probabilidades. O coração? Isso era um terreno que ele não explorava tanto. Ainda assim, não queria dar o braço a torcer.
– Talvez você tenha razão sobre o impacto do amor – admitiu Luiz, desviando o olhar por um momento. – Mas isso não significa que ele não seja um produto de variáveis, Pedro. O que você sente pode ser resultado de reações químicas e de como nossas experiências passadas moldam nossas preferências.
Pedro riu, balançando a cabeça.
– Você é teimoso, hein? – ele brincou. – Mas, sabe, isso é bom. Eu gosto disso. Só que vou te dar um desafio: se o amor é uma equação para você, então encontre o número que define a sensação de ter alguém ao seu lado, rindo das suas piadas, ouvindo sua música favorita e... bem, dividindo um drink com você. – Pedro levantou o copo com um sorriso, indicando que Luiz deveria fazer o mesmo.
Luiz olhou para o copo à sua frente. Ele hesitou, mas por algum motivo, a intensidade do momento o fez ceder. Ele ergueu o copo, brindando com Pedro.
– Aos números – brincou Luiz, ainda tentando manter sua perspectiva.
– Aos sentimentos – respondeu Pedro, com um sorriso que tinha um brilho de vitória.
Os dois tomaram um gole de suas bebidas, e por um momento o avião pareceu quase em silêncio. Era apenas o som do gelo no copo e o leve murmúrio do voo. Apesar de suas diferenças, algo ali parecia estar se conectando, algo que, talvez, nem a matemática de Luiz pudesse explicar completamente.
Uma senhora levantou-se com dificuldade, tentando alcançar sua mala no bagageiro superior. O esforço visivelmente não estava funcionando, e Luiz, que observava discretamente, levantou-se de imediato para ajudar.
– Deixe-me ajudá-la, senhora – disse ele, com um sorriso gentil, enquanto erguia a mala sem esforço e a entregava.
A senhora sorriu, agradecida.
– Muito obrigada, meu jovem. Você é um fofo! – disse ela, com um tom carinhoso. Então, seu olhar oscilou entre Luiz e Pedro, que assistia à cena com um sorriso divertido. – Vocês me lembram tanto meu neto e o namorado dele. Eles se amam tanto.
O comentário pegou Luiz completamente de surpresa. Ele engasgou, os olhos arregalados enquanto tentava formular uma resposta coerente.
– Nós não... – começou, mas foi rapidamente interrompido pela senhora, que parecia ignorar sua tentativa de correção.
– Como se conheceram? – ela perguntou, com genuína curiosidade.
Pedro, claramente se divertindo com a situação, respondeu antes que Luiz pudesse dizer qualquer coisa:
– Em um voo, é claro! – Ele fez uma pausa teatral, lançando um olhar de cumplicidade para Luiz. – Ele me emprestou o carregador de celular dele e, desde então, estamos juntos.
Luiz sentiu o rosto queimar de vergonha. Ele olhou para Pedro, incrédulo, mas antes que pudesse protestar, a senhora suspirou, encantada.
– Que história mais romântica! Vocês são um casal tão lindo.
Pedro sorriu, quase como se estivesse agradecendo o elogio, enquanto Luiz balbuciava algo inaudível, completamente desconcertado. Sentou-se novamente, cruzando os braços e evitando o olhar de Pedro.
– Por que você faz isso? – Luiz sussurrou, sem conseguir esconder a mistura de irritação e embaraço na voz.
Pedro apenas deu de ombros, com um sorriso travesso ainda estampado no rosto.
– Relaxa, é só uma brincadeira. Você deveria aproveitar mais esses momentos.
– Aproveitar? Você literalmente disse pra ela que estamos juntos! – Luiz murmurou, tentando não chamar atenção, embora o tom indignado fosse evidente.
Pedro inclinou-se levemente, como se compartilhasse um segredo.
– E o que tem demais nisso? Não é como se fosse verdade... a menos que você queira que seja.
O comentário pegou Luiz desprevenido, e ele sentiu o rosto corar ainda mais. Pedro riu baixinho ao perceber a reação dele.
Enquanto a senhora se afastava, ainda sorrindo e murmurando algo sobre “jovens adoráveis”, Luiz voltou-se para a janela, tentando se concentrar na vastidão do céu noturno lá fora. Mas era difícil ignorar Pedro, que parecia encontrar maneiras de desestabilizá-lo com aquele jeito descontraído e seguro de si.
A iluminação do avião era baixa, criando um ambiente quase íntimo. A vibração constante das turbinas e o som baixo de vozes ao fundo davam uma sensação de isolamento. Luiz sentia-se dividido entre o constrangimento e a estranha sensação de leveza que as brincadeiras de Pedro traziam.
Pedro, por sua vez, o observava de canto de olho, percebendo cada reação, cada pequena expressão. Ele sabia que estava provocando Luiz, mas havia algo genuíno em sua curiosidade. Gostava de ver ele saindo de sua zona de conforto, mesmo que fosse só para reclamar depois.
Finalmente, Pedro quebrou o silêncio:
– Sabe, você deveria relaxar mais. Não faz mal brincar um pouco com as situações.
Luiz suspirou, ajeitando os óculos.
– Eu só não gosto de ser o alvo da brincadeira, entende?
Pedro sorriu, inclinando-se um pouco mais para perto.
– Entendo. Mas, olha, eu só faço isso porque gosto de ver você corar. É engraçado.
Luiz balançou a cabeça, mas não pôde evitar um pequeno sorriso.
No fundo, ele sabia que Pedro tinha um jeito de transformar até os momentos mais constrangedores em algo... memorável. E, enquanto o avião seguia seu curso pelo céu estrelado, ele começou a se perguntar se talvez essa viagem fosse muito mais do que ele esperava. A interação foi interrompida quando a comissária passou servindo o jantar.
O avião, ainda envolto pela penumbra, vibrava levemente com o som das turbinas. A iluminação discreta deixava o ambiente aconchegante, enquanto os passageiros ajustavam seus assentos para uma noite longa. Pedro abriu a bandeja com entusiasmo e começou a comer, enquanto Luiz ajeitava os óculos e olhava para o prato com uma expressão contemplativa.
– O que foi? Não gosta de comida de avião? – perguntou Pedro, dando uma garfada no próprio prato.
– Não é isso. Só estava pensando... Essa senhora realmente achou que somos um casal. E, de alguma forma, você reforçou isso.
Pedro sorriu, apoiando o queixo na mão.
– E por que isso te incomoda tanto? Não é como se fosse o fim do mundo.
Luiz suspirou.
– Não é incômodo... é só estranho. Eu não estou acostumado com essas coisas.
Pedro o olhou com curiosidade.
– Essas coisas? Tipo, gente achando que você é apaixonante?
Luiz riu pelo nariz e balançou a cabeça.
– Você sempre se acha irresistível, né?
Pedro deu de ombros, mantendo o sorriso.
– Não é isso. Mas, falando sério, você precisa relaxar mais. Não é todo dia que você encontra alguém divertido como eu em um voo.
Luiz revirou os olhos novamente, mas a risada escapou antes que ele pudesse controlar.
– Você realmente gosta de atenção, não é?
– Só quando vale a pena. – Pedro piscou.
O restante do voo seguiu com conversas que alternavam entre brincadeiras e momentos mais profundos. Quando terminaram o jantar, Pedro pediu dois drinks, insistindo que Luiz experimentasse.
– Vamos lá, mais um drink não vai te matar.
– Eu não bebo muito, Pedro.
– Por isso mesmo! É a chance de sair da sua zona de conforto. – Pedro empurrou o copo em direção a Luiz.
Relutante, Luiz aceitou. Ao longo dos goles, foi se soltando mais, e a conversa se aprofundou.
– Me conta, Luiz. O que você acha que vem depois de tudo isso? Da vida, do amor, dessas coisas todas?
Luiz ficou pensativo por um momento, observando o líquido em seu copo.
– Eu não sei. Acho que estou mais focado no agora, nos meus estudos, no meu futuro profissional... Talvez eu não tenha dado tanta atenção ao amor como você dá.
Pedro franziu a testa, intrigado.
– Mas você acredita que o amor existe, né?
Luiz deu um leve sorriso.
– Eu acredito que ele pode existir. Mas acho que, pra mim, ele é como qualquer outra coisa: uma construção. Ele acontece quando duas pessoas escolhem estar juntas e trabalham para fazer aquilo dar certo.
Pedro apoiou o copo vazio na mesa, olhando Luiz com seriedade pela primeira vez.
– Às vezes, o amor acontece sem a gente escolher. Ele só... acontece. Como uma tempestade que te pega de surpresa.
Luiz arqueou as sobrancelhas, claramente interessado na resposta.
– E você já foi pego por essa tempestade?
Pedro riu, mas havia uma melancolia em seu tom.
– Algumas vezes. Mas acho que ainda estou esperando a tempestade certa.