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Os meses seguintes foram relativamente tranquilos. Trabalhei em vários casos, mas nada muito importante: pequenos roubos, tráfico e um caso de assassinato. Meu parceiro e eu conseguimos resolver todos eles sem muito esforço; eram casos relativamente fáceis. Minhas sessões com Leandra agora eram uma vez por mês, e ela pediu para eu parar com dois dos três remédios que eu usava. O único que sobrou era um para ajudar a dormir, mas era bem mais fraco do que os que eu já tinha usado. Leandra ainda disse para eu beber apenas quando realmente precisasse.
Eu falava com Rose toda semana; ela estava adorando sua nova vida. Diana às vezes me ligava, e até cheguei a ir ao aniversário dela no início do ano. Ainda éramos grandes amigas, mas sem aquele contato de antes. Artur também me ligava de vez em quando para saber como eu estava. Ele já não era mais delegado, tinha se aposentado e estava curtindo a vida tranquila ao lado da esposa. Minha mãe estava no processo de aposentadoria e provavelmente nem terminaria o ano letivo. Se tudo desse certo, no meio do ano ela já estaria aposentada. Meu pai, como sempre, trabalhava na sua mercearia, que era herança de família. Ele amava aquele lugar e sempre conseguiu tirar o sustento da nossa família dali.
Em agosto, resolvi dar uma volta à noite e, quem sabe, ter uma noite divertida com alguma garota bonita. Fui ao barzinho que costumava frequentar todo início de mês. O movimento era grande, como geralmente acontece nas noites de sexta. Fui direto para o balcão, e logo a bartender veio me atender. Enquanto tomava meu suco de laranja, vi uma morena de olhos claros me olhando. Assim que fixei meu olhar nela, ela abriu um belo sorriso. Trocamos alguns olhares, e logo ela se aproximou. Só pelas roupas um pouco mais ousadas e pela maquiagem mais pesada, imaginei que ela era o tipo de mulher que eu procurava para uma noite de sexo. Ela se sentou ao meu lado e não perdeu tempo em se apresentar e puxar papo. Em pouco tempo de conversa, confirmei que ela era uma garota de programa, como ela não queria perder tempo, e nem eu, partimos para seu apartamento depois de combinarmos o preço.
Ela tinha carro, então não precisei pagar táxi. Ela parecia um pouco diferente das outras garotas; era mais velha, provavelmente tinha mais de 25 anos. Pelas roupas, o carro e o telefone que vi com ela, achei que não era uma novata na profissão e não estava naquilo para pagar os estudos. Mas não perguntei nada, apenas fui observando enquanto conversávamos sobre coisas aleatórias. Conforme ela dirigia, notei que conhecia bem as ruas que estávamos passando; era o bairro onde eu morei. Passamos pela rua de cima da praça, e pude ver a praça que fez parte de momentos importantes do meu passado. Evitei olhar para onde ficava a padaria; não queria ficar lembrando da Naomi em um momento daquele.
A garota seguiu por mais um tempo e entrou em um subsolo de um prédio de três andares mais ao fundo do bairro. A rua tinha poucas casas e a iluminação não era das melhores. Descemos do carro e seguimos por uma escada que nos levou até o último andar, onde ficava seu apartamento. Entramos e ela disse para eu ficar à vontade. Foi até um cômodo que imaginei ser seu quarto e, depois de um tempo, voltou só com uma camiseta. A garota era uma das mulheres mais bonitas que eu já vi na vida. Estava na sala quando ela perguntou se eu queria beber algo. Eu disse que não bebia, e ela comentou que tinha suco de laranja na geladeira, se eu quisesse beber enquanto ela tomava um banho rápido. Por curiosidade, perguntei por que toda garota de programa tomava banho antes. Ela respondeu que não sabia das outras, mas que ela sempre fazia isso quando era uma mulher que estava com ela. Mesmo que não tivesse feito nenhum programa antes, ela gostava de ficar limpinha e cheirosa para sua companhia. Disse que geralmente os homens não davam tempo para ela fazer isso, mas as mulheres sim, e suas clientes até gostavam. Sorri e disse que, por mim, não tinha problema; que ela podia ir tomar seu banho.
Ela foi até a cozinha e voltou com um copo grande de suco de laranja, dizendo que era para eu me hidratar enquanto ela tomava banho, porque depois ela iria me fazer perder muito líquido. Ela saiu rebolando, e eu fiquei ali rindo dela e viajando nas curvas do seu corpo que a camiseta deixava exposta. Acabei experimentando o suco; estava um pouco amargo para o meu gosto, mas não era ruim. Estava quase terminando o copo de suco quando ela saiu do banheiro usando apenas uma pequena calcinha. O corpo dela era lindo e ela tinha um belo sorriso. Quando ela se aproximou, fui me levantar para a gente ir para o quarto, mas assim que levantei, senti uma tontura e me sentei novamente. Algo estava errado; eu não estava me sentindo bem.
Minha visão começou a escurecer. Olhei para a garota e percebi que aquilo não a surpreendeu. Ela não tentou me ajudar, nem se moveu do lugar. Olhei para o copo com o resto de suco e entendi o que tinha acontecido: eu havia caído em uma armadilha. Pensei rápido e levei a mão à minha bolsa para pegar minha arma, mas já era tarde; fui perdendo as forças e meu corpo não me obedecia mais. Senti meu corpo cair de lado, e a última coisa que lembro é de olhar em direção à garota. Mas ela não estava mais sozinha; havia alguém ao lado dela. Minha visão estava embaralhada, mas eu reconheceria aquele cabelo azul em qualquer lugar. Rayssa estava ali, e eu não podia fazer nada para me defender.
Não sei por quanto tempo fiquei apagada, mas acordei amarrada em uma cama de hospital. Olhei para o lado e, desta vez, Diana não estava ali. Tentei lembrar do que aconteceu, mas não me lembrava de nada após ver Rayssa. Minha cabeça doía muito e eu sentia um gosto amargo na boca. Mas não deu tempo de pensar em muita coisa; dois homens entraram na sala. Era um delegado e um investigador da Civil.
Eles se aproximaram e se apresentaram. Perguntaram o que eu lembrava da noite passada. Relatei tudo o que aconteceu; quando mencionei Rayssa, eles se entreolharam. Perguntei por que eu estava amarrada, se tinha agido de forma estranha ou se fui agressiva com alguém. Eles disseram que não, mas que eu estava detida por suspeita de tentativa de assassinato. Nessa hora, me assustei e perguntei o porquê disso. O delegado explicou que os vizinhos escutaram dois disparos e chamaram a polícia. Quando chegaram, me encontraram caída com minha arma na mão e, logo à frente, estava a garota caída com um tiro no abdômen. Ela foi socorrida e levada ao hospital com vida, mas os médicos disseram que as chances de sobrevivência eram muito pequenas. Eu estava desacordada e fui trazida para o hospital. O médico fez um exame de sangue e detectou que eu tinha feito uso de ecstasy, além de uma grande quantidade de álcool e sonífero.
Disse a eles que não bebi nada de álcool e muito menos usei drogas, e que fazia mais de uma semana que não tomava meu remédio para dormir. Mesmo assim, ele era fraco e não me deixaria inconsciente daquele jeito. Falei que qie vítima de uma armadilha e tinha certeza de que Rayssa era a responsável. O delegado disse que nenhuma outra pessoa foi vista no apartamento, mas iria verificar as imagens das câmeras de segurança das casas ou prédios vizinhos. E que o sonífero encontrado no meu sangue não era nada fraco; o médico explicou que ele é usado apenas em casos raros e não é recomendado para uso prolongado.
Lembrei de um detalhe: o copo com o resto de suco. Perguntei se eles tinham visto um copo com o resto de suco na mesa de centro. Ele disse que sim, e pedi para levá-lo a um laboratório, pois tinha certeza de que encontrariam o sonífero no suco. Ele informou que já havia feito isso, mas os resultados demorariam três dias. Disse que não havia problema, o importante era que ele tivesse mandado verificar, e que eu tinha que rezar para a garota sobreviver, pois ela poderia ser a prova para esclarecer tudo de uma vez. O delegado me disse que, infelizmente, eu iria sair do hospital direto para uma cela na delegacia central, porque era a principal suspeita e, enquanto tudo não fosse esclarecido, eu teria que ficar detida. Respondi que entendia e que não iria dar qualquer tipo de trabalho a eles. Mas pedi um favor: que fossem atrás de Rayssa, pois ela deveria estar detida em uma clínica, mas de algum jeito tinha saído de lá. Eu tinha certeza de que era ela no apartamento junto com a garota. O investigador disse que verificaria isso pessoalmente. Agradeci.
Não pedi para ser desamarrada, mas o delegado chamou uma enfermeira e pediu para fazer isso. Ele disse que eu iria logo para a delegacia, que só esperaria o médico me liberar. Perguntou se eu poderia contar a ele a história completa de Rayssa, pois ele já tinha ouvido falar do caso, mas não sabia os detalhes. Respondi que poderia, sem problema, até porque achava que ele saber da história completa o ajudaria a entender melhor o que houve. Como ele estava à frente do caso, seria essencial que soubesse de tudo.
Contei a ele com detalhes tudo o que aconteceu, o antes e o depois daquele dia trágico em que matei uma pessoa pela primeira vez e também perdi o amor da minha vida. Compartilhei tudo que passei e pedi ao investigador para conversar com minha psicóloga, que confirmaria que eu não era usuária do sonífero encontrado no meu sangue e que estava limpa do álcool há muito tempo. Ele disse que iria falar com ela e também iria à minha casa conversar com minha família para explicar o que estava acontecendo. Nesse momento, lembrei da minha mãe; novamente eu iria fazê-la sofrer, e ela não merecia isso.
Fiquei mais umas duas horas ali e fui para a delegacia. Não me algemaram, mas lá, infelizmente, tive que ficar em uma cela. Era só eu na cela e, além disso, havia uma cama e um banheiro decente. O dia custou a terminar e, à noite, recebi a visita de um advogado. Minha família tinha contratado um para acompanhar o caso. Sinceramente, não gostei dele; parecia já ter me condenado e começou a me aconselhar sobre os benefícios de uma confissão antes de me dizer o que poderia fazer para me tirar dali. Não falei nada na hora, mas assim que ele saiu, pedi para ligarem para minha mãe e dizer que eu pedi para ela não gastar mais nenhum centavo com o advogado e dispensar os serviços dele. Quando eu precisasse de um, avisaria. Eu me formei em direito e conhecia as leis; nenhum juiz iria me liberar dali antes de 90 dias, a não ser que aparecessem provas da minha inocência. Tinha certeza de que ficaria presa até a investigação terminar. Não havia muito o que fazer, a não ser rezar para as coisas darem certo.
Mas parece que Deus não me ouviu, e as coisas começaram a desmoronar novamente. O investigador foi à clínica onde Rayssa estava e falou com o diretor; Rayssa não saiu em nenhum momento. Ela estava no quarto dela e só saía para tomar sol. Os resultados do suco chegaram e, no resto de suco do copo, não foi encontrado nada além dos componentes de um suco de laranja. Foram encontrados vestígios de bebida destilada nas minhas roupas. Os exames de balística comprovaram que a bala retirada da garota saiu da minha arma, e a outra bala que acertou a parede também era da minha arma. Vestígios de pólvora foram encontrados na minha mão direita. As duas câmeras que pegam a entrada do prédio não tinham imagens de ninguém entrando naquela noite, além de moradores e eu e a garota.
As notícias boas eram que a garota, por milagre, ainda estava viva; porém, estava em coma entre a vida e a morte. Leandra deu um depoimento totalmente a meu favor e até mostrou as receitas dos remédio que eu bebia, confirmando que eu não usava álcool há muito tempo e que estava muito bem mentalmente. Mas as notícias ruins não pararam. Os outros dois exames de sangue feitos no hospital confirmaram o uso de álcool, ecstasy e sonífero no meu sangue.
Mas o pior ainda estava por vir. Toda a minha história de alcoolismo foi parar na primeira página do jornal mais conhecido da cidade. Alguém contou tudo a um jornalista, que fez uma matéria que acabou comigo. Para piorar, ele citou meu vídeo antigo da briga no bar e que a garota no hospital tinha uma filha de quatro anos que poderia perder a mãe por causa de uma policial violenta e desequilibrada. Com a notícia, outros jornalistas foram atrás do meu passado, e as coisas pioraram. Notícias verdadeiras e falsas pipocaram nos sites de fofocas, e, de uma hora para outra, eu era o inimigo público número um da minha cidade.
Com a pressão do público, minha expulsão da polícia veio rapidinho. Eu só não fui transferida para uma cadeia pública porque o delegado não deixou. Ele disse que, enquanto pudesse, iria me deixar segura ali. Para ele, a história toda era estranha; ele não tinha certeza da minha inocência nem da minha culpa, mas, na dúvida, iria me manter segura. Contudo, ele não poderia fazer isso por muito tempo. Se eu fosse para uma cadeia pública ou para o presídio, o risco de morte seria muito grande, já que eu era uma ex-policial.
Mais uma vez, Rayssa tinha acabado com minha vida, mas, desta vez, eu não me entregaria. Eu iria lutar até o fim. O problema era que lutar dentro de uma cela não resolveria muito. Mas assim como meu sucesso chamou a atenção de alguém, minha derrota também chamou a atenção de uma pessoa especial.
Continua...
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper