Capítulo 4: O Convite
O silêncio momentâneo na cozinha era quase confortável, com apenas o som das louças sendo lavadas por minha mãe e o ocasional mastigar da maçã de Manuela. Aproveitei a calmaria para finalmente soltar a notícia que vinha ensaiando desde a noite anterior. Mas, como sempre, o timing era tudo com a minha família, e qualquer passo em falso poderia transformar uma conversa normal em um drama épico.
– Então, pessoal... – comecei tentando soar casual.
Manuela levantou os olhos da maçã, e minha mãe virou levemente a cabeça na minha direção, ainda segurando um prato ensaboado.
– Convidei algumas pessoas para o jantar hoje à noite.
– Algumas pessoas? – repetiu Manuela, com a sobrancelha arqueada.
– Sim. A vó Maria, a tia Márcia, a Marcela... – enumerei, observando que ambas reagiam com expressões neutras, até então.
– Faz sentido – disse Manuela, dando de ombros.
Eu sabia que estava andando em terreno seguro, mas agora vinha a parte complicada. Respirei fundo e continuei:
– ...E convidei o Pedro, a Alessandra e a Alice.
A cozinha, que antes parecia um refúgio de tranquilidade, mergulhou em um silêncio tenso. Manuela parou de mastigar, deixando a maçã de lado, enquanto minha mãe congelou com as mãos ainda mergulhadas na espuma da pia.
– Você só pode estar brincando – disparou Manuela, com a voz carregada de indignação.
– Não, não estou.
– Miguel, pelo amor de Deus! – Ela se levantou tão rápido que a cadeira arrastou no chão com um som agudo. – Por que diabos você convidaria o nosso queridíssimo pai e aquela mulher?
Minha mãe suspirou profundamente, como se estivesse reunindo forças para não transformar a situação em um campo de batalha.
– Manu... – ela começou, mas foi interrompida.
– Não, mãe, sério! Ele já abandonou a gente uma vez. E agora o Miguel quer sentar na mesma mesa que ele, a Alessandra e... e... – Ela gesticulava freneticamente, procurando as palavras certas.
– E a Alice? – completei, tentando manter a calma.
– Isso! A Alice! – Ela parecia furiosa. – Eles acham que podem simplesmente aparecer e agir como se fossem parte da família?
– Eles são parte da família, Manu – rebati, tentando esconder minha frustração. – Quer você goste ou não, Pedro é o nosso pai, e a Alice é nossa irmã.
– Me recuso a chamar aquela garota de irmã – declarou, cruzando os braços.
Olhei para minha mãe, esperando algum tipo de apoio. Ela parecia dividida, com os olhos fixos na espuma da pia. Após um momento, ela secou as mãos e se virou para nós.
– Miguel tem razão.
Manuela arregalou os olhos, como se não acreditasse no que estava ouvindo.
– O quê? Mãe, você não pode estar do lado dele nisso!
– Não é questão de estar do lado – respondeu minha mãe, com uma calma que só piorava o temperamento explosivo de Manuela. – É questão de fazer o que é certo.
– Certo? Certo pra quem? Certamente não pra mim ou pra você.
– Certo para o Miguel – continuou ela, sua voz firme agora. – É o aniversário dele. Ele quis convidar o pai, e eu não vou transformar isso em uma briga.
Manuela bufou, claramente irritada, mas sem coragem de confrontar minha mãe diretamente.
– Ele é um hipócrita, mãe! Saiu de casa, deixou você grávida, e agora aparece como se nada tivesse acontecido.
A menção ao passado de minha mãe fez algo mudar em sua expressão. Ela permaneceu calma, mas havia um peso em seu olhar que parecia silenciar qualquer argumento adicional.
– Eu não esqueci o que ele fez, Manu. Nem acho que ele deva ser perdoado tão facilmente. Mas guardar rancor não vai mudar o passado, e talvez... talvez seja hora de pelo menos tentar.
Manuela revirou os olhos, cruzando os braços novamente e se jogando na cadeira com um suspiro exasperado.
– Isso é ridículo.
– Olha, se você não quiser ir, tudo bem – disse, sentindo uma pontada de culpa por ter causado toda essa confusão. – Eu só achei que seria bom tentar... sei lá, algo diferente.
– Diferente, Miguel? Diferente seria ele se desculpar pelo que fez. Diferente seria ele reconhecer o quanto machucou a gente.
– Manu, chega – interrompeu minha mãe, com um tom que não deixava espaço para discussão.
Manuela ficou em silêncio, mas seu olhar para mim deixava claro que ela ainda não tinha terminado com essa conversa.
– Eu vou pensar se vou ou não – declarou finalmente, antes de pegar a maçã de volta e sair da cozinha.
Fiquei parado ali, sentindo como se tivesse perdido alguma batalha que nem sabia que estava travando. Minha mãe se aproximou e colocou a mão no meu ombro.
– Você fez a coisa certa, filho.
– Sério? Porque não parece.
– Manu vai entender, eventualmente. E, mesmo que não entenda, eu estou orgulhosa de você por tentar fazer isso funcionar.
Dei um leve sorriso, mas a sensação de desconforto ainda pairava. O jantar daquela noite prometia ser mais complicado do que eu imaginava.
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