A sala de espera era silenciosa, quase sufocante. Léo estava sentado na poltrona de couro cinza, os cotovelos apoiados nos joelhos, as mãos entrelaçadas em um aperto tão forte que seus dedos começavam a formigar. Ele olhava para o piso, um mosaico brilhante que refletia a luz fria do teto, mas sua mente estava longe dali.
Por que parecia que nunca iria superar aquilo? Os anos haviam passado, as pessoas haviam seguido em frente, mas ele permanecia preso. Toda vez que entrava naquele consultório, era como se uma fissura se abrisse em seu peito, e tudo que ele passara voltava a emergir.
Ele suspirou, sentindo a respiração pesar em seus pulmões. Era difícil descrever o que sentia. Culpa? Arrependimento? Saudade? Talvez fosse tudo isso junto, e algo mais que ele nunca conseguira identificar. Um vazio, uma dor silenciosa, que se tornava mais forte sempre que estava prestes a confrontá-la.
O som de uma porta se abrindo o tirou de seus pensamentos. Léo ergueu a cabeça e viu a doutora Mônica saindo da sala, acompanhada de um jovem alto, de aparência descontraída, que parecia estar se despedindo.
— Tchau, Yuri. Até a próxima sessão. — A voz da doutora era gentil, mas profissional, carregando um tom acolhedor que fazia até o ambiente frio da clínica parecer menos rígido.
— Até, doutora. — Yuri sorriu, ajustando a mochila nas costas. — Sempre um prazer estar aqui.
Eles trocaram um aceno rápido antes de Yuri seguir para a saída, deixando um rastro de confiança quase contagiante. Léo observou aquele breve momento, tentando se lembrar da última vez que tivera tanta facilidade em lidar com algo tão difícil. Não conseguiu.
— Léo, bom te ver. Entre. — A voz da doutora Mônica o chamou de volta à realidade.
Ele levantou-se, o movimento automático, quase robótico, e caminhou até a porta aberta.
A sala do consultório tinha paredes claras decoradas com quadros abstratos, uma estante repleta de livros e pequenos enfeites organizados com precisão. A doutora Mônica gesticulou para que ele se sentasse na poltrona à sua frente.
— Está pronto para falar dessa vez? — ela perguntou, inclinando-se levemente para frente, com o bloco de notas equilibrado nas mãos.
Léo soltou uma risada seca, sem humor, balançando a cabeça.
— Acho que nunca vou estar pronto. Isso ainda... machuca muito.
— Eu entendo. — Mônica fez uma pausa breve, os olhos atentos aos de Léo. — Vamos tentar começar do começo, então. Você lembra do exato dia em que conheceu o Gustavo?
O silêncio se estendeu na sala por alguns segundos, mas Léo não hesitou na resposta.
— Eu lembro de todos os detalhes.
Sua voz saiu firme, mas carregada de emoção, como se as palavras carregassem o peso de todas as lembranças. Ele fechou os olhos por um instante, deixando-se levar pelo passado.
“Eu estava na alfabetização. Era uma manhã ensolarada de domingo, e eu lembro exatamente como minha mãe começou aquela conversa. Estávamos sentados na cozinha, ela preparava torradas para o café, e eu brincava com uma miniatura de carro na mesa.
— Léo, meu amor, preciso conversar com você.
Aquele tom sério dela fez meu estômago revirar. Minha mãe, Beatriz, sempre foi muito direta, mas também carinhosa. Eu sabia que o que ela diria seria importante, mesmo que minha cabeça de criança não compreendesse totalmente.
— Faz muito tempo que somos só nós três, não é? Você, eu e o Eduardo.
Eu assenti, ainda mais confuso. Meu irmão Eduardo era meu herói naquela época. Quatro anos mais velho que eu, sempre cheio de histórias da escola, e mesmo quando brigávamos, ele estava lá para me proteger.
— Bem, eu conheci uma pessoa. Ele é muito especial. — Ela parou por um momento, talvez tentando medir minhas reações. — O nome dele é Ricardo, e estamos namorando.
Namorando? Eu lembro de ter franzido a testa, sem saber o que isso realmente significava.
— E... ele tem um filho. — Ela fez uma pausa, como se cada palavra precisasse ser pesada antes de dita. — O nome dele é Gustavo, e ele tem dois anos a mais que você.
Foi aí que comecei a sentir o primeiro desconforto. Não era só minha mãe que eu teria que compartilhar; era tudo. Nosso tempo juntos, nossos momentos, e talvez até o carinho dela.
Ela tentou me acalmar, dizendo que eles eram boas pessoas, que queriam muito nos conhecer. Mas minha mente de seis anos já estava armada contra a ideia.
Naquela mesma semana, fomos almoçar na casa do Ricardo. Minha mãe estava animada, e Eduardo parecia indiferente, apenas carregando seu game portátil como se fosse mais um compromisso tedioso. Eu, por outro lado, sentia uma mistura de curiosidade e resistência.
Quando chegamos, a casa de Ricardo era maior do que a nossa. Tinha um jardim enorme na frente, com flores que minha mãe elogiou assim que saímos do carro. Ele nos recebeu com um sorriso largo, e Gustavo estava ao lado dele, meio tímido, mas observador.
Gustavo era... diferente do que eu imaginava. Ele tinha cabelo castanho claro, quase dourado, e olhos verdes brilhantes. Era magro, com uma postura um pouco retraída, mas quando sorriu, parecia que a casa toda ficou mais clara. Eu não gostei dele de imediato, mas não por causa do sorriso. Era porque ele estava lá. Era porque eu sabia que ele ia roubar alguma coisa de mim.
— Você deve ser o Léo! — Ricardo disse, se abaixando para me cumprimentar. Ele parecia legal, mas eu me recusei a sorrir. — E esse é o meu filho, Gustavo.
Nós nos encaramos por um momento, em silêncio.
— Oi. — Ele disse, meio sem jeito, e eu apenas assenti, segurando a mão da minha mãe com força.
O almoço foi estranho. Ricardo era muito atencioso, e minha mãe parecia feliz, mas eu estava inquieto. Eduardo, como sempre, se enturmou rápido, fazendo perguntas sobre os videogames do Gustavo. Já eu, ficava tentando achar algo de errado com tudo aquilo.
A certa altura, Gustavo me ofereceu um dos carrinhos dele para brincar, e, sem pensar, eu recusei. Mas ele insistiu, e minha mãe me lançou um olhar que não dava margem para discussões.
Acabei brincando com ele, embora de forma relutante. E sabe o que foi pior? Ele era legal. Era bom demais para ser verdade.
Quando voltamos para casa, eu ainda sentia aquele ciúme corroendo por dentro. Não queria que Gustavo entrasse na nossa vida, e muito menos que ele tomasse qualquer parte da minha mãe. Mas, ao mesmo tempo, havia algo nele que eu não conseguia ignorar. Uma espécie de... curiosidade.
E foi assim que começou. Eu só não sabia que aquele dia mudaria tudo.”
-Quando você acha que começou a nutrir sentimentos por ele? - perguntou Dra. Mônica
-Acredito que quando cheguei no 9o ano - respondeu Leo - ali as coisas começaram a mudar.
-Então vamos fazer o seguinte - disse ela puxando um caderno de uma das gavetas de seu escritório - eu quero que você escreva pra mim nesse caderno e separe por datas tudo que você se lembra, e toda semana eu irei ler e discutiremos algumas coisas aqui.
-Combinado - disse eu pegando o caderno de sua mão.
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Galera, quem quiser ler mais no Wattpad, a leitura é melhor pois aqui tenho que mudar muitas coisas por conta da política do site.