Se eu tivesse que escolher um momento, diria que tudo começou quando eu estava no 9 ano do Fundamental , e Gustavo no 2 ano do ensino Médio. Foi ali que percebi que o que sentia por ele não era mais só o carinho de irmãos criados juntos.
Naquela época, já morávamos juntos há alguns anos, e nossos pais nos viam como irmãos. A convivência diária nos aproximava, mas, até então, Gustavo era apenas uma peça da nova vida que minha mãe havia construído. Eu o admirava, mas também mantinha uma certa distância emocional, talvez por medo de me apegar a algo que eu sentia não ser realmente meu.
Por conta da nossa idade próxima, dividíamos o quarto. Eduardo, já com 19 anos, tinha o próprio espaço, privilégio que ele fazia questão de reforçar, como se quisesse marcar a diferença entre nós. Quando éramos mais novos, Eduardo era meu herói: o irmão confiante que parecia invencível, sempre com uma resposta rápida ou um sorriso que resolvia qualquer problema. Mas, ao crescer, ele começou a se afastar, e sua ausência era como uma sombra que me acompanhava em silêncio.
Enquanto ele saía para festas e vivia a vida, eu me sentia cada vez mais sozinho. Por mais que Eduardo nunca tivesse me abandonado de fato, ele já não era o mesmo irmão que brincava comigo nos fins de semana.
Era 2011, e um novo ano escolar começava. Naquela manhã, Eduardo saiu cedo para o pré-vestibular. Gustavo, como sempre, dormia profundamente, o rosto meio escondido pelo travesseiro, enquanto eu me preparava para sair. O silêncio da casa era quase sufocante. Minha mãe estava ocupada na cozinha, distraída com alguma tarefa doméstica, e eu me despedi apenas com um aceno rápido.
Na escola, entrei na sala e escolhi o último lugar, perto da janela. Era minha estratégia habitual: me esconder do mundo. A luz do sol entrava em um ângulo suave, iluminando as carteiras com um brilho cálido que contrastava com a frieza das paredes bege e da atmosfera abafada da sala. Olhei para a janela, buscando conforto na vista do pátio, mas logo percebi que meu anonimato não duraria muito.
Miguel, o aluno novo, parecia decidido a me tornar o centro das atenções — de forma cruel. Ele era alto, com um ar de superioridade que fazia com que todos ao redor se encolhessem. Naquele dia, ele lançou o primeiro golpe:
— Ei, garoto da última fila, o que você tá escondendo aí? Esquisito.
As risadas foram instantâneas. Fingi não ouvir, meus dedos apertando a caneta até doerem. Não era a primeira vez que enfrentava algo assim, mas, naquele momento, parecia pior.
Nos dias seguintes, Miguel encontrou outras formas de me humilhar. Pequenos empurrões, comentários ácidos, olhares desdenhosos. Era como se ele tivesse me escolhido como um alvo pessoal, e eu não sabia por quê.
Naquela manhã específica, Gustavo percebeu algo diferente. Enquanto eu saía de casa, ele me olhou com uma sobrancelha levantada.
— Você tá com uma cara estranha. Aconteceu alguma coisa?
— Não — respondi rapidamente, desviando o olhar. Eu sabia que ele não insistiria. Gustavo não era do tipo que pressionava, mas, naquele dia, ele pareceu hesitar antes de me deixar ir.
Durante o intervalo, procurei um canto afastado para comer. O pátio estava cheio, o barulho de risadas e vozes ecoando como um zumbido constante. Sentei-me em um banco perto de uma árvore, tentando me esconder na sombra dela. Mas Miguel não demorou a aparecer, acompanhado de dois amigos.
— Olha só, ele tá aqui de novo, escondidinho. Tá com medo de quê, hein? — disse Miguel, chutando minha mochila para longe.
Tentei ignorar, mas um dos amigos dele empurrou meu lanche, que caiu no chão.
— Vai comer do chão? Ou quer que eu te ajude? — Miguel zombou, inclinando-se para me encarar.
Senti meu rosto esquentar, a vergonha queimando como fogo. Não sabia o que fazer. Meu corpo parecia preso, incapaz de reagir.
— Qual é o problema aqui?
A voz de Gustavo soou como um trovão, fazendo com que todos congelassem. Quando olhei para o lado, lá estava ele, parado com uma postura firme e os olhos verdes fixos em Miguel.
Miguel tentou manter a pose, mas sua confiança vacilou.
— Nada, só estávamos brincando — disse ele, forçando um sorriso. — e também, não é da sua conta.
— Isso não parece brincadeira pra mim — Gustavo retrucou, dando um passo à frente. — E é da minha conta quando você mexe com o meu irmão.
Miguel abriu a boca para responder, mas antes que pudesse dizer algo, Gustavo o empurrou com força, fazendo-o cambalear para trás. Quando Miguel tentou se levantar, Gustavo deu um soco direto em seu rosto. O som do impacto ecoou no pátio, e os outros alunos ao redor ficaram em silêncio absoluto.
Miguel caiu no chão, a mão no rosto, e olhou para Gustavo com puro ódio. Ele sabia que não podia continuar. Levantou-se devagar, lançou um último olhar para mim e foi embora com os amigos, murmurando algo que não consegui entender.
Gustavo virou-se para mim, ainda com a respiração pesada, mas agora a raiva dava lugar à preocupação.
— Há quanto tempo isso tá acontecendo? Por que você não me falou nada?
Quis responder, mas as palavras não saíam. Minhas emoções estavam à flor da pele, e as lágrimas começaram a rolar pelo meu rosto. Sem dizer nada, me levantei e saí de perto dele, deixando-o sozinho no pátio.
Naquela noite, ninguém tocou no assunto. Eduardo perguntou casualmente como tinha sido meu dia na escola, enquanto passava manteiga no pão.
— Foi legal — menti, sem olhar para ele.
Minha mãe parecia cansada demais para notar algo errado, e Gustavo estava calado, o olhar perdido em algum ponto distante. Após o jantar, fui direto para o quarto, querendo ficar sozinho.
Sentei-me na cama, observando a janela. A luz do poste na rua iluminava parte do quarto, criando sombras que dançavam nas paredes. Ouvi passos no corredor e, logo em seguida, a porta se abriu. Gustavo entrou, fechando-a atrás de si.
— Léo... há quanto tempo isso tava acontecendo? Por que você não falou comigo?
Respirei fundo, tentando manter a compostura, mas falhei.
— Porque a única pessoa que podia me ajudar... já não se preocupa mais comigo. O Eduardo tem a vida dele agora. E eu... eu não quero incomodar ninguém. Tá tudo bem.
Gustavo ficou em silêncio por um momento, me observando. Então, deu alguns passos até mim e me puxou para um abraço.
— Você também é meu irmão, Léo. E eu me importo com você. Sempre. Se precisar de qualquer coisa, vem falar comigo, tá?
Enterrei o rosto no ombro dele, sentindo o calor daquele abraço. Era como se, pela primeira vez em muito tempo, alguém estivesse realmente me ouvindo.
Gustavo permaneceu abraçado a mim, sem dizer mais nada, apenas deixando que o silêncio fosse preenchido pelos meus soluços. O calor do abraço dele parecia criar uma barreira contra o frio que eu sentia por dentro, um frio que vinha crescendo há meses.
Minhas lágrimas molhavam a camiseta dele, mas ele não parecia se importar. Eu queria dizer alguma coisa, mas as palavras continuavam presas na garganta. Tudo o que consegui fazer foi me segurar nele, como se soltar significasse cair em um abismo sem fim.
— Eu só... — minha voz saiu entrecortada, fraca. — Eu só queria meu irmão de volta.
Gustavo apertou o abraço, como se estivesse tentando me manter inteiro, mesmo enquanto eu desmoronava.
— Léo, eu sei que não sou o Eduardo. — Ele fez uma pausa, sua voz carregada de um peso que eu nunca tinha ouvido antes. — Mas, a partir de agora, eu tô aqui. Seja o que for, você pode contar comigo, entendeu?
Eu assenti, ainda chorando, incapaz de responder com palavras. A sinceridade no tom dele mexeu comigo. Por um momento, senti que talvez ele pudesse preencher o vazio que Eduardo tinha deixado.
Depois de alguns minutos, Gustavo me soltou com cuidado e olhou nos meus olhos. Eu devia estar um desastre: olhos vermelhos, rosto inchado, um cansaço que parecia vir de dentro.
— Deita um pouco — ele sugeriu, a voz mais suave agora.
Eu não argumentei. Estava exausto, tanto física quanto emocionalmente. Deitei na cama, virando o rosto para a parede, enquanto ainda sentia as lágrimas escorrendo. Pensei que ele fosse sair, mas, em vez disso, ouvi o colchão afundar ao meu lado. Gustavo tinha se deitado ali, comigo, sem dizer nada.
— O que você tá fazendo? — perguntei, minha voz mal acima de um sussurro.
— Fica quieto. Só quero garantir que você tá bem.
Ele se virou para o meu lado, passando o braço ao redor de mim de forma protetora. Eu não sabia como reagir. Ninguém nunca tinha feito isso por mim. Fechei os olhos, mas as lágrimas continuavam a cair, como se eu tivesse guardado tudo por tanto tempo que não conseguia mais controlar.
O calor do corpo dele ao meu lado, o peso do braço em volta de mim, eram reconfortantes de uma forma que eu não sabia explicar. Pela primeira vez em meses, me senti protegido, como se nada pudesse me atingir enquanto ele estivesse ali.
— Obrigado — murmurei, sem abrir os olhos.
— Não precisa agradecer. Eu sou seu irmão, lembra? É isso que a gente faz.
Não sei exatamente quanto tempo levou, mas, aos poucos, o cansaço venceu a tristeza. O choro foi diminuindo, e minha respiração começou a se estabilizar. Antes de adormecer, senti Gustavo apertar o abraço, como se estivesse reafirmando o que tinha acabado de dizer.
Naquela noite, pela primeira vez, dormimos juntos na mesma cama. Eu ainda sentia o peso do dia, mas, com ele ao meu lado, era diferente. Era como se, mesmo em meio ao caos, houvesse um pequeno espaço onde eu pudesse descansar.
Enquanto o sono me dominava, pensei que talvez, só talvez, eu não estivesse tão sozinho quanto achava. Gustavo estava ali. E, pela primeira vez, isso parecia suficiente.
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