28 - CALMARIA COM PIMENTA

Um conto erótico de Nassau
Categoria: Heterossexual
Contém 5006 palavras
Data: 28/01/2025 18:41:45

CAPÍTULO 28

Seis mulheres grávidas e três homens para sofrer as consequências pode parecer dose pra leão. Entretanto, elas os sintomas não foram muito frequentes e elas se apoiarem umas nas outras, facilitando as coisas para os pais de primeira viagem. De primeira viagem porque sendo o Ernesto o único que já era pai, não havia participado em nada da gravidez de seus dois filhos.

Se bem que nem tudo foram flores. Havia entre as seis certa ruivinha, com menos de um metro e meio de altura e com quarenta e cinco quilos, contando os cinco que ganhou em músculos depois que chegou à ilha, que não ia deixar as coisas ficarem tão fáceis para os homens, pois segundo ela, quem devia parir os filhos eram os homens, pois as mulheres já sofrem na hora de fabricar a criança aguentando a dor da penetração, o peso deles sobre elas e muitas vezes a fungação no cangote. Todos riam quando ela falava desse jeito, mas sempre tinha alguém para dizer que a natureza fez assim, então não tinham como reclamar e Margie respondia apenas:

– A natureza é muito injusta!

A garota barbarizou. Durante os primeiros meses ela sentia enjoos com qualquer coisa à sua volta. Do cheiro do mar ao som das vozes de seus companheiros, tudo causava problemas. Foi Cahya quem mais sofreu as consequências, pois teve que se desdobrar em tentar descobrir algum alimento que parasse no estômago ‘delicado’ da garota, sem descobrir que, quando não estava sendo observada, ela roubava comida e se alimentava escondida.

Nestor e Diana diziam que era fingimento e quando isso caiu nos ouvidos de Margie eles tiveram a promessa de que a amizade entre eles tinha chegado ao fim e, quando lhe perguntaram por quanto tempo, ela não pensou duas vezes para informar que seria por toda a eternidade.

Os outros problemas foram mais fáceis de lidar pelo simples fato de não ter solução. Cahya se recusou terminantemente a deixar de fazer seus passeios submarinos com os golfinhos, dizendo que não acreditava nessa história que a pressão alterada pela profundidade poderia prejudicar o feto e não houve quem convencesse a Milena de que cavalgar em Tornado era perigoso.

Entretanto, quando os desejos começaram a se manifestar, as coisas se complicaram. Normalmente os objetos dos desejos eram frutas, o que existia com fartura. O problema era ter que caminhar durante a madrugada, atravessar um lago a nado, descer pelas pedras, caminhar pela Praia dos Tubarões com os pés afundando na areia macia só para colher uma manga, justo no dia em que tinham juntado abacaxi, laranja e coco para atender a esses desejos e ninguém tinha se lembrado das malditas mangas. Isso, porém, era considerado café pequeno, pois mesmo dando trabalho, as mangas estavam lá. O problema mesmo era aguentar as reclamações de Margie que se recusava a dormir sem antes comer uma barra de chocolate bem gostosa ou duas dezenas de brigadeiros ou outra guloseima qualquer que, por depender de produtos industrializados, era impossível de se obter.

Para piorar a situação, Na-Hi e Pâmela se acharam na obrigação de protegerem Margie e faziam tudo o que a garota pedia, desde que fosse possível. Por causa disso, elas exerciam uma enorme pressão sobre os três homens para atenderem a garota que, sargento disso, exagerava em suas vontades. Quando não havia solução, como no caso do chocolate, Cahya tentava inventar alguma coisa, porém, a inexistência de açúcar não permitia que ela tivesse sucesso e, quando não existia solução, o que restava a fazer era aguentar as reclamações de Margie que ia chorar nos braços de suas duas protetoras e reclamava:

– Quando meus filhos nascerem com cara de ‘Pistole de Marie-Antoinette’ vocês vão se arrepender.

As duas mulheres não tinham a menor ideia do que era isso e recorreram ao Henrique que explicou a elas ser um chocolate produzido na França desde os tempos dos Reis Luizes e que era preferido pela rainha decapitada e, por isso, recebeu esse nome.

Quando chegou a hora dos partos, as mulheres deram à luz a nove crianças e os partos, aconteceram um em cada dia. Era como se houvesse uma força superior controlando tudo, Pâmela deu a luz a um menino enquanto Diana e Cahya tiveram uma menina cada. Os gêmeos foram de Milena, duas meninas, Margie a dois meninos e Na-Hi que gerou um casal.

Os gêmeos de Margie nasceram tão pequenos que começaram a se referir a eles como ratinhos. Lógico que não faziam isso na frente dela, a não ser Nestor que sugeriu dar a eles o nome de Jerry e Espeto. Ao que ela perguntou:

– Jerry eu até gostei, mas Espeto! De onde você tirou isso, Nestor?

– Eram os dois ratinhos do desenho animado Tom & Jerry. – Respondeu o rapaz tentando não rir.

Foi a pior besteira que Nestor poderia ter feito. Margie ficou um mês sem falar com ele e impedia que qualquer um dos filhotes de onça se aproximasse dele.

O que mais chamou a atenção de todos foi o filho de Pâmela. O menino nasceu enorme. Ninguém sabia o tamanho exato, pois eles não tinham como medir, porém, o tamanho da criança, por si só, era suficiente para saberem que ele era muito grande. Além disso, ele tinha os olhos azuis e era loiro, o que fez com que Nestor e Henrique sugerissem que lhe fosse dado o nome de Bonaparte em homenagem ao amigo que sacrificou sua vida para salvar o Henrique. Pâmela concordou sem problemas e a criança cresceu atendendo pelo apelido de ‘Bo’ e desde a infância demonstrou que seria igual ao homem do qual recebera o nome. Aos dezesseis anos já atingiu dois metros de altura e era muito forte, talvez mais forte que Nestor.

Diana deu à sua filha o nome de Kieza. Quando informou isso aos seus companheiros todos notaram que seus olhos lacrimejaram e que aquela era uma homenagem a alguém, porém, ela nunca informou de quem se tratava. Kieza tinha a pele negra como a mãe e era uma criança afável que logo conquistou a todos.

Cahya resolveu dar o nome ao seu filho de Henrique, mas quando percebeu que a ideia dela não estava sendo aceita pelo homenageado, perguntou o nome do pai dele que informou ser Pedro Augusto. Ela achou o nome lindo e batizou a criança com esse nome. Com o tempo, ele passou a ser chamado de Pedrinho.

Milena escolheu dois nomes de sua preferência sem se preocupar em homenagear ninguém. Suas filhas receberam o nome de Ângela e Marta. A primeira era uma cópia exata da mãe e a segunda, apesar dos olhos azuis, tinha um tom de pele moreno claro e os cabelos pretos e era muito parecido com o de Ernesto.

Margie foi a que mais demorou a escolher os nomes de seus filhos, só o fazendo quando percebeu que os nomes Jerry e Espeto estavam se tornando populares, o que causou irritação da parte dela que passou a reagir ofendendo com palavrões qualquer um que pronunciasse qualquer um desses nomes na sua presença. Ela demonstrou que seu dicionário, no que se refere a palavrões, era extenso. Tão extenso que até mesmo Henrique e Nestor, acostumados com xingamentos quando trabalhavam em navios, disseram que estavam aprendendo alguns palavrões novos. Porém, quando finalmente decidiu dar um nome aos filhos, surpreendeu a todos. Deu a eles os nomes de seu pai Alban e Ernesto, explicando que o primeiro era uma homenagem ao seu pai e que o segundo ao Júnior, dizendo que ele fora o homem que, embora a usando em um casamento de aparências, possibilitou a ela entrar naquela aventura. Mesmo com ela dizendo isso, o Ernesto se sentiu homenageado. As crianças logo receberam o apelido de Al e Neto. Al tinha olhos verdes como a mãe, mas seus cabelos eram loiros de um tom dourado como os de Milena e sua pele era branca. Neto, por sua vez, era uma cópia exata da mãe, com seus olhos verdes, cabelos ruivos e a pela branca. Até mesmo no tamanho o menino puxou para ela, pois diferente de Alban que, apesar de ter nascido abaixo do peso, se desenvolveu bem e não demorou a ficar com o mesmo corpo que as demais crianças, Neto ficou baixinho. Baixinho, marrento e encrenqueiro igual à mãe dele.

Os filhos de Na-Hi receberam o nome de Prajna a menina e Dharma o menino. Quando perguntada sobre esses nomes, respondeu que o segundo era o nome de um monge budista que a acolheu e se tornou seu mestre enquanto Prajna era um nome budista feminino que ela gostava muito. Os dois eram muito parecidos com ela, diferenciando o garoto na cor dos olhos que eram azuis e a menina no tom da pele escura, quase negra. Com essa cor de pele e os olhos oblíquos, ela iria se tornar a mais bonita entre as mulheres, sejam as que chegaram à ilha como as que ali nasceram.

O tempo passou depressa e as crianças se desenvolveram sem grandes problemas. Enquanto seus pais trabalhavam, eles ficavam na areia com a liberdade de engatinhar para onde quisessem, só não podendo entrar na mata, o que era evitado por Chantal que ficou incumbida dessa tarefa e, quando ela não estava, do Neve. Já a Ruta e seus golfinhos cuidavam para que não fossem arrastados pelas ondas, o que para os golfinhos se transformou em uma festa, principalmente quando Al e Neto tomaram aquilo como uma brincadeira e passavam mais tempo sendo arrastado para a parte rasa e dali para a areia por um dos filhos de Chantal, mas bastava que a onça se afastasse para que eles engatinhassem de volta para dentro do mar. Para eles, o que seus pais achavam perigoso, era uma grande curtição.

Quando começaram a falar eles entenderam que não tinham apenas uma mãe e um pai. Todos os três homens recebiam esse tratamento e agiam como se realmente fossem pais das crianças. As mulheres também eram todas chamadas de mãe. Quando eles se dirigiam a alguém específico, usavam o tratamento de mãe ou pai acompanhado do nome da pessoa com quem falavam.

O fato de agora terem a responsabilidade de cuidar de nove crianças não mudou em nada a rotina dos moradores da ilha. Cahya se encarregava da alimentação e mantinha a dispensas abastecida com os peixes que capturava com a ajuda dos golfinhos, Milena e Henrique forneciam leite e ajudavam a Cahya no fabrico de queijos e manteiga, assim como forneciam carne bovina obtida do boi que era abatido de tempos em tempos enquanto Margie cuidava das galinhas e selecionava os ovos a serem consumidos e os que eram destinados à produção de pintos. Diana e Ernesto cuidavam das plantações e logo a dieta deles foi enriquecida com milho e estavam procurando encontrar uma forma de moer cana-de-açúcar para a produção de rapaduras, o que era esperado com ansiedade, pois assim poderiam usar o leite e fabricar doces.

Enquanto isso, Na-Hi e Nestor progrediam no que se referia às acomodações e conforto. A coreana era tão criativa que desenvolveu um tipo de forma para construir tijolos com a argila, matéria prima com que contava em excesso. Ela criou um sistema em que os tijolos fabricados tinham uma protuberância no sentido longitudinal de um lado e um sulco correspondente do outro. Dessa forma, os tijolos se encaixavam sem que precisasse de algum material para que aderissem um no outro, construindo assim paredes resistentes e seguras, amparadas por vigas de madeiras trabalhadas por Nestor. O que mais a irritava era o fato de que a madeira disponível não era suficiente para que ela fizesse muitas formas e a produção de tijolos era lenta, o que fez com que a construção não progredisse na velocidade que ela desejava e lhe custou três anos de seu tempo para concluir a construção de uma casa grande, com três quartos enormes, um salão onde eles se reuniam. A cozinha continuava a ser a de antes e ficava separada do prédio principal, porém, ela tinha planos de fazer outra também de tijolos. Mas isso só depois que ela concluísse um sistema de abastecimento de água que atenderia a cozinha, fazendo com que não precisassem se deslocar até o lago diariamente com esse objetivo.

O sexo entre eles continuou com a mesma frequência de antes, só que passou a funcionar ainda melhor. Os homens tinham o lugar fixo para dormir e as mulheres iam se deitar com quem quisesse ou, quando não estivesse a fim de nenhum, na cama que foram construídas para esse fim onde dificilmente ficavam sozinhas, pois sempre havia outra mulher para lhes fazer companhia, o que implica a dizer que elas também não tivessem suas doses de prazeres. Depois que a casa ficou pronta, um dos quartos foi equipado por duas camas enormes onde eles se dividiram ao seu bel prazer.

Outra novidade foi a descoberta da juta. Com uma habilidade que nem mesmo ela sabia possuir, Pâmela conseguiu fiar as ramas e dessa fiação resultou um tecido grosseiro, mas que foi muito bem aceito quando usado para fabricar colchões e também roupas.

O amor entre eles era o que mais chamaria a atenção de alguém que chegasse naquele local. Eles cuidavam uns dos outros e se preocupavam com cada detalhe para tornar a vida de todos mais fácil. Nem mesmo as encrencas provocadas por Margie atrapalhavam esse amor, pois eles já estavam acostumados com o jeito da garota e sabiam quando se tratava de alguma coisa séria ou algo sem importância que ela colocara na cabeça. No caso de ser sério, eles a ajudavam em tudo para solucionar o problema e, caso não fosse, se divertiam com ela que ficava ainda mais irada, o que era resolvido durante as noites, quando lhe davam uma atenção especial e a garota se sentia uma rainha, pois nesses casos, era comum os três homens se dedicarem exclusivamente a ela que se esbaldava.

Cerca de um ano depois da reunião regada a sexo na caverna, eles voltaram a se reunir. Dessa vez, porém, não foi possível para os nove deixarem a Enseada ao mesmo tempo e eles tiveram que criar um sistema de revezamento, onde um homem e duas mulheres ficavam cuidando das crianças enquanto os outros seis se dedicavam ao enorme prazer que era transar ali dentro. Esse revezamento só era feito depois que fosse confirmado que as mulheres que iriam substituir as que ficavam com as crianças já tivesse transado com os dois homens que lá estavam. Mais tarde, elas retornariam para poder transar com o que restava. Essa era uma regra entre eles. Todos tinham que transar com todos e novamente aconteceu das seis mulheres ficarem grávidas e eles passaram a acreditar que essa era uma necessidade. Ou seja, a reprodução só acontecia quando houvesse uma interação entre todos eles.

Nessa altura, o rebanho de gado já tinha aumentado e algumas bezerras do tempo em que foram recolhidas já tinham sido enxertadas e estavam prenhas, assim como as primeiras vacas a terem seus bezerros desmamados também. A grande novidade foi que Relâmpago se tornara um belo cavalo e Ventania já tinha um novo potro e, justo nessa época, apareceram no local duas outras éguas, o que aumentou a tropa e logo contribuiriam para aumentar mais ainda, pois não demorou para que ambas ficassem prenhas..

No primeiro ano, na mesma época em que as crianças nasceram, aconteceu uma coisa que passou despercebido para todos. O fato se repetiu por ocasião em que as mulheres deram à luz outras crianças e também não foi notado. Só quando a terceira leva de filhos nasceu foi que um comentário de Margie chamou a atenção de Na-Hi:

– Aquela nuvem na montanha está mais alta. Ela nunca desce abaixo daquela caverna.

Ninguém tinha notado isso. As nuvens que impediam a visão da montanha não a cobriam mais até a base, pairando acima de, não uma, mas várias cavernas que eles nem tinham notado antes. Foi o suficiente para Na-Hi decidir que deveriam explorar o que tinha naquela montanha e, principalmente, no interior das cavernas.

Quando lá chegaram, notaram que a vegetação próxima à montanha, que antes era seca e quebradiça, estava viçosa e verde. Não houve como alcançar as cavernas em virtude de ser muito íngreme e de uma dureza fora do comum. Além disso, eles não contavam com equipamentos que permitissem escalar. Isso não fez com que a expedição fosse um fracasso, pois na base da montanha foi encontrado minério de ferro e Na-Hi decidiu que estava na hora de entrarem para evoluírem para o que ela chamou de a Era do Ferro. Já o Henrique comentou:

– Com isso, quando completar cinco anos de nossa chegada aqui, teremos evoluído o que a humanidade levou cinquenta mil anos para conseguir.

– Isso é normal. A humanidade teve que aprender com suas necessidades, enquanto nós já temos o conhecimento. Só nos falta a matéria prima que, pouco a pouco, essa ilha vai nos presenteando. – Comentou Na-Hi.

Na-Hi não perdeu tempo e providenciou na mesma hora o transporte de uma quantidade que somente a força de Nestor tornou possível. Lá chegando, ela não perdeu tempo e usou argila para fazer uma vasilha e assim poder derreter o ferro, além de formas para despejar o ferro derretido para que assumissem a forma desejada. No dia seguinte, quando a argila que formavam as formas secaram, Ela derreteu o ferro e fabricou três picaretas e várias peças triangulares pequenas que ninguém sabia qual finalidade delas, mas quando a Pâmela perguntou, ela foi lacônica em sua resposta:

– São pontas para as flechas.

– Não sei pra quê? Nunca precisamos usar as flechas. A gente não costuma caçar.

– Nunca se sabe, Pâmela. De repente poderão ser úteis. – Ao dizer isso, Na-Hi notou que Pamela estava desconfortável com aquilo e perguntou: – O que você tem contra estarmos preparados para nos defender?

– Defender de quem se não tem mais ninguém nessa ilha?

– É verdade. Mas não sabemos que tipos de animais existem aqui. Vai que existam outros que sejam hostis e a gente fique em uma situação em que tenhamos que nos defender. Talvez, se tivéssemos flechas, teríamos matado os lobos antes que eles se aproximassem de nós e a Milena não teria sido ferida.

– Não sei não Na-Hi. Seus argumentos podem até estar certos. Eu só fico receosa porque somos humanos e, como você sabe, os humanos não consegue viver em paz por muito tempo. Principalmente quando se sentem poderosos e começam a lutar por mais poder.

– E o que as flechas têm a ver com isso? Embora eu não acredite que algum de nós vá se rebelar contra os outros e, se isso acontecer, não vai ser a falta de flechas que impedirá. Como você disse, somos humanos e nossa história registra que na hora da divergência, qualquer coisa serve de arma. Nas primeiras batalhas que tivemos na terra foram usados porretes, o que prova que a guerra é mais velha que as armas.

– Nisso você tem razão. Eu só fico apreensiva.

– O que temos a fazer é ensinar essas crianças que somos todos iguais e precisamos viver em paz. Nossa sobrevivência depende disso.

– Assim espero Na-Hi. Mas eu não estou falando de um futuro breve. No ritmo que estamos crescendo, logo seremos tantos que muitos nem se conhecerão e, sem essa convivência, qualquer desavença pode levar a uma situação belicosa.

– Pode até ser. Mas quando isso acontecer, você e eu não estaremos mais vivas.

– Isso é outra coisa que eu não apostaria.

– Como assim? Você está querendo dizer que nos tornamos imortais?

– Imortais eu não diria. Só quis dizer que vamos viver muito tempo.

– Por que você está dizendo isso?

– Prestando atenção. – Antes que Na-Hi fizesse outra pergunta, Pâmela continuou: – Você já reparou que a gente não mudou em nada nesses anos que estamos aqui? Eu sei que três anos não é muito, mas preste atenção em alguns detalhes que aparentemente não têm nenhuma importância, mas que no fundo dizem muito. Por exemplo: Quantas vezes você já se depilou desde que chegamos nessa ilha?

– Nunca me depilei!

– Nunca se depilou na vida ou nunca se depilou depois que chegamos aqui?

– Depois que chegamos aqui. Mas eu não tenho muitos pelos, então é normal.

– Pois é. Mas eu tenho. Sempre tive as pernas cabeludas e a vagina então, nem se fala. Mesmo assim, depois que aqui chegamos, nunca precisei me depilar. Está tudo como estava no dia de nossa chegada. Ah! E os meus cabelos não cresceram um milímetro sequer. Isso sem falar que, com a minha idade, eu nem poderia ficar grávida e já tive três partos, sendo dois deles de gêmeos. – Ao ver que Na-Hi ia falar alguma coisa, Pâmela a interrompeu: – Não, espere. Depois você fala. Eu notei isso prestando atenção em Ernesto que sempre teve a barba cerrada e depois parecia que nem tinha barba. Isso sem falar que os cabelos dele que estavam ficando brancos não se alteraram. Do jeito que estava antes, já era para ele estar com os cabelos grisalhos.

– Meu Deus! Eu nunca prestei atenção em nada disso.

– Nenhum de nós mudou, Na-Hi. No que diz respeito ao envelhecimento, estamos exatamente do jeito que chegamos. Eu sei que três anos não é um tempo tão longo assim para provocar grandes mudanças, porém, alguma coisa já era para ter se alterado e até agora nada disso aconteceu.

As duas ficaram discutindo sobre aquela possibilidade e depois sobre o que fazer com as conclusões que chegaram, pois Na-Hi estava plenamente convencida de que Pâmela tinha razão. Ao se perguntarem se os outros deveriam ficar a par do fato de eles estarem todos paralisados no tempo no que se refere ao envelhecimento, acharam que não haveria problema nenhum em comentar com os outros, mesmo sabendo que alguns deles a chamariam de malucas por acreditarem nessa possibilidade.

A conversa sobre armamento e envelhecimento se passou de forma tão sutil que o primeiro assunto caiu no esquecimento e Na-Hi continuou fabricando as pontas de ferro para armar as flechas. Ela fazia isso com o que restava do ferro que derretia, dizendo que era para não haver desperdício.

As crianças agora eram em número de trinta. Nove do primeiro parto, onze do segundo e dez do terceiro. Se no primeiro parto os homens foram em uma maioria de cinco a quatro, nos seguintes a situação se inverteu e agora eles eram minoria, havendo duas meninas para cada menino, ou seja, a mesma proporção dos que se salvaram do naufrágio e chegaram à ilha.

As mulheres estavam no quarto mês de gravidez quando algo inesperado e preocupante aconteceu. Foi Pâmela que, tendo sido criada no Canadá, um país onde o inverno é extremamente rigoroso, apontou para umas nuvens que surgiram no horizonte e falou preocupada:

– Olhem para aquelas nuvens. Se elas chegarem até nós iremos passar frio. Aquelas são as formações que normalmente provocam a queda de neve.

Embora alguns demonstrassem ceticismo com relação ao que Pâmela disse, todos aceitaram trabalhar no sentido de se prevenirem para um inverno rigoroso. Lenha e alimentos foram armazenados e roupas de couro dos bois abatidos e de alguns animais que Chantal caçara começaram a ser produzidos. As plantações foram cobertas com folhas de bananeira e de palmeiras na tentativa de salvar alguma coisa.

Pâmela estava certa. Uma semana depois de avistar as nuvens, nevou sobre a ilha. Já preparados, eles não sofreram tanto, sendo o único inconveniente ficarem inativos dentro de uma casa na companhia de trinta crianças. Felizmente para todos, o inverno durou apenas uma semana e o sol voltou a brilhar aquecendo a ilha. Porém, Ernesto alertou a todos que aquilo poderia ter sido apenas um aviso e logo eles teriam que conviver com invernos rigorosos.

A neve não retornou e, apesar dos dias mornos, aquecidos pelo sol diário, as noites eram frias e todos se viram obrigados a ficarem confinados na casa assim que o sol se punha.

Quatro meses depois veio outra notícia ruim, essa da parte de Diana.

A angolana estava admirando o sol sumir por trás do pico da montanha a oeste, agora totalmente livre das nuvens que se deslocaram para o norte, quando resolveu segurar a pena que servia como meio de comunicação entre ela e Áquila. Ela queria ver o ocaso por mais tempo, mesmo sabendo que não era nada diferente, pois as montanhas que se erguiam diante dela se prolongaram para oeste até se perderem de vista.

Diana foi arrancada de seu estado de êxtase quando Áquila, sem que ela pedisse, começou a voar velozmente para o sul. Irritada, ela ordenou que ele retornasse, porém, pela primeira vez desde que ela estabelecera aquela conexão, foi desobedecida e, muito irritada, largou a pena, o que fez com que não tivesse mais a visão daquilo que Áquila via.

Na manhã seguinte, ela se arrependeu disso e voltou a pegar a pena e descobriu que a águia tinha voado para o sul e agora fazia círculos sobre um local que ela já conhecia, pois embora nunca tivesse ido até lá, já a vira através de Áquila. Era um vale coberto de vegetação baixa ladeado de colinas cobertas por florestas. Ela não entendeu porque Áquila permanecia sobre aquele local até que viu algo correndo entre o capim alto que existia no vale. Firmou a visão e quando conseguiu identificar o que era, seu corpo tremeu e, sem conseguir se conter, gritou:

– LOBOS! MUITOS! MEU DEUS, ELES ESTÃO VINDO.

A princípio ela exagerou a dizer que eram muitos. Ela viu uma alcateia com aproximadamente vinte lobos cruzando o vale, indo de uma floresta para a outra e quase que ficou com apenas essa informação, pois logo foi rodeada pelos outros que queriam mais informação do que ela tinha visto. Mas quando ela ia retirando seus dedos que deslizavam pela pena e os lobos já tinham atingido a floresta para a qual corria outro grupo de lobos, com a mesma quantidade, sai do meio das árvores e começa a correr na mesma direção em que os outros estavam escondidos, e então pediu:

– Esperem. Está vindo mais.

A ansiedade ao seu lado era palpável e Diana teve dificuldade em se concentrar, porém, manteve-se firme e assistiu a passagem de outros dois grupos. Era quatro, o que significava que o número total era superior a oitenta lobos, todos adultos. O que ela não sabia era se, antes de começar a olhar, algum outro grupo já tinha passado por ali, aumentando ainda mais esse número.

Depois de explicar para todos o que tinha visto, Diana foi submetida a um verdadeiro interrogatório. Quantos eram e para onde se dirigiam eram as perguntas mais repetidas e justamente aquelas para as quais não tinha uma resposta exata. Decidiram então manter os lobos sob vigilância.

A partir daquele dia, a tarefa da angolana era vigiar os lobos. Tinha dia que ela não conseguia vê-los por permanecerem protegidos sob as florestas que eram muito densas, mas a permanência de Áquila pairando sobre aquele local dava a certeza de onde eles estavam. Para melhor observação, outras quatro águias se juntaram à Áquila e agora ela podia ver a todos quando eles se dividiam em grupos.

Diana viu Sétan duas vezes. Na primeira, nada aconteceu, pois ela, depois de reconhecer o lobo, ficou em estado de choque e não teve nenhuma reação. Na segunda ela agiu e ordenou às águias que atacassem. O lobo negro e gigantesco conseguiu se desviar do ataque de Áquila que mergulhou sozinho e quando a águia subiu para se posicionar e desfechar o segundo ataque, o enorme logo negro já tinha desaparecido sob as árvores da mata para onde se dirigia. Depois disso, não foi mais visto.

A jornada dos lobos era errática. O normal era eles se deslocarem juntos e em outras ocasiões se dividiram em grupos indo cada um para uma direção diferente. Muitas vezes, eles davam meia volta e retornavam pelo mesmo caminho que tinham caminhado por dias, até que voltassem a se deslocarem para o norte. Isso deu a todos a certeza que o destino final dos lobos era a Enseada. O que ninguém entendia era o motivo dessa marcha ser lenta, como se não tivessem pressa.

Com a certeza de que, cedo ou tarde seriam atacados, os preparativos para a defesa começaram e os meses foram passando. Enquanto Na-Hi trabalhava febrilmente para produzir mais flechas e Henrique, juntamente com Ernesto passavam horas estudando a estratégia que deveriam adotar para se defenderem.

A certeza de que o ataque era iminente aconteceu quando Pâmela, olhando para as nuvens, anunciou:

– O inverno está chegando e logo vai começar a nevar.

Todos olharam para as nuvens sem ficarem preocupados com isso. Enquanto se preparavam para enfrentar os lobos, eles também tinham se preocupado em se prepararem para um inverno rigoroso. Mas foi Margie que uniu os dois problemas ao dizer

– Claro que é isso, como é que pudemos ser tão idiotas?

– O que foi, Margie? O que está pegando? – Perguntou Nestor que estava mais perto dela.

– O inverno! É isso que está pegando. Inverno e lobos. Taí. uma combinação muito fodida.

– Já te falei para não usar palavrões na frente das crianças. Olha o respeito. – Falou Pâmela chamando a atenção da ruivinha.

– Respeito o cacete. Será que ninguém notou ainda? Aquele lobo filho da puta ficou enrolando esse tempo todo a espera do inverno. É isso que o infeliz pretende, nos pegar fragilizados pelo frio.

– Não é que você está certa? Concordo com você baixinha. Agora sim estamos todos fodidos.

– Olha a boca, Nestor.

– Desculpe Pâmela. Mas eu acho que você não entendeu. Os lobos vão atacar assim que a neve cobrir toda a paisagem. O que Margie quis dizer é que lobo e neve é uma combinação que nos deixa ainda mais fragilizados.

Todos ficaram olhando para onde estavam Nestor e Margie e a ruivinha não se conteve e gritou:

– VOCÊS ESTÃO OLHANDO PRA MIM POR QUE, PORRA? SERÁ QUE NÃO ENTENDERAM AINDA.

E Nestor se juntou a Margie a ambos falaram em uma só vez:

– OS LOBOS ESTÃO VINDO!

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Comentários

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Bom diaaa!!

O que mais chamou a atenção de todos foi o filho de Pâmela. O menino nasceu enorme. Ninguém sabia o tamanho exato, pois eles não tinham como medir, porém, o tamanho da criança, por si só, era suficiente para saberem que ele era muito grande. Além disso, ele tinha os olhos azuis e era loiro, o que fez com que Nestor e Henrique sugerissem que lhe fosse dado o nome de Bonaparte em homenagem ao amigo que sacrificou sua vida para salvar o Henrique. Pâmela concordou sem problemas e a criança cresceu atendendo pelo apelido de ‘Bo’ e desde a infância demonstrou que seria igual ao homem do qual recebera o nome. "Aos dezesseis anos já atingiu dois metros de altura e era muito forte, talvez mais forte que Nestor".

Fiquei confuso dessa parte da passagem de tempo entre aspas, de 16 anos, entendi na conversa da Nahi com a Pâmela, que havia se passado 3 anos desde que chegaram e que não mudaram nada, mas essa passagem de 16 anos me confundiu, apesar de saber que todos estariam vivos até lá, os 16 anos sendo ditos referente ao filho da Diana.

No todo muito boa a estória e que venha o ataque do Setan, lobo safado, kkkk, mas escolheu uma boa estratégia. Atacar no momento de fraqueza, onde ele poderia não perder de novo.

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Ao citar os 16 anos, apenas quis referenciar o quanto ele iria crescer, sendo uma cópia daquele que faleceu e não pode chegar na ilha.

Acredito que não tenha feito isso da forma correta. Vou revisar mais tarde.

Obrigado por sua gentileza em me alertar para o fato é obrigado pelo comentário.

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De nada!!

Penso que talvez possa ter sido eu a interpretar errado o que estava escrito.

Mas está ótimo o texto.

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Só uma correção da minha parte, não prestei atenção e citei a Diana, no lugar da Pâmela como mãe dele!!

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Aquele lobo safado montou um exército para atacar... Desculpe a pergunta, mas eu sou meio atrapalhado espacialmente: eles vieram de que direção? Do norte? 😃

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Não do Sul.

Ao norte fica as formações rochosas e depois a praia dos tubarões, e nunca foi devidamente explorado.

Todas as outras ações fora da Enseada aconteceram no sul.

Esse Norte pode ter algu.as coisas que serão uma surpresa.

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