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Após comer a pizza que o Bernardo pediu, peguei meu celular para ver se o Lucas havia falado alguma coisa. Não fazia sentido ele não querer se justificar ou dizer qualquer coisa sobre o que aconteceu. Aquilo ficou martelando na minha cabeça, mas acabei adormecendo.
No dia seguinte, acordei exausto. O Bernardo já havia se levantado. Quando saí do quarto, me deparei com meu pai e o Berna na cozinha, tomando café.
— Bom dia, filhão — disse meu pai, se levantando e me puxando para um abraço.
— Oi, pai. Bom dia!
— Vou deixar vocês conversando. Vou na casa do JP e volto mais tarde — falou o Bernardo, se levantando e me dando um beijo no rosto antes de sair.
Fiquei em silêncio com meu pai por alguns segundos, até que ele disse:
Meu pai me olhou sério, mas seus olhos carregavam mais do que apenas preocupação. Havia dor ali, uma angústia que ele tentava esconder. Ele respirou fundo antes de falar:
— Então… posso saber que história é essa de você estar sofrendo desse jeito por causa de homem?
Suspirei, desviando o olhar. Eu sabia que ele não estava bravo, mas aquilo me fazia sentir ainda pior.
— Ai, pai… é o Lucas. Eu nunca gostei tanto de alguém como gosto dele.
Ele assentiu devagar, como se estivesse escolhendo as palavras com cuidado.
— Certo, filho. Mas… você não pode nem pensar em acabar com a sua vida por causa de uma decepção. E as pessoas que te amam? Eu, sua mãe, o Bernardo, seu tio… sua irmã. Você tem ideia da dor que a gente sentiria?
Engoli em seco. Eu sabia que ele tinha razão, e a culpa me sufocava.
— Eu sei, pai. Foi só um surto momentâneo. Depois eu recuperei a consciência…
Meu pai balançou a cabeça, com um olhar triste.
— Filho, a depressão age justamente nesses segundos. Você teve força para sair desse lugar escuro, mas infelizmente, muitas pessoas não têm. Você sabe… eu já passei por isso. Já estive nesse mesmo abismo.
— Eu nunca te contei tudo, mas… anos atrás, eu também quis acabar com a minha vida. Eu já não via mais saída. A única coisa que passava pela minha cabeça era que o mundo ficaria melhor sem mim. A sorte foi que a Yves me encontrou a tempo… e eu fui salvo. Mas eu precisei de ajuda, precisei lutar todos os dias. E eu faria qualquer coisa para que você nunca precisasse passar por isso.
Senti um nó na garganta.
— Me desculpa, pai…
Ele pegou minha mão, apertando com firmeza. Seus olhos estavam marejados.
— Eu te entendo, filho. De verdade. E quero que você saiba que eu estou aqui. Quando o Bernardo me ligou, eu desabei. Chorei. Fui para o seu quarto e fiquei lá, deitado, pensando em você. Pensando na sua infância, nas coisas que eu não aproveitei, no tempo que eu perdi com você… Isso me destruiu.
Ele respirou fundo, sua voz embargando.
— Hoje, eu te amo mais do que tudo. Você não é só meu filho. Você é parte de mim. E eu quero te ver bem. Eu quero te ajudar no que for preciso. Você é mais especial do que imagina. Então, por favor… nunca se esqueça disso.
As lágrimas já escorriam pelo meu rosto quando ele me puxou para um abraço apertado. Fechei os olhos e me permiti sentir aquele momento, a segurança daquele abraço.
— Eu te amo, pai…
— Eu também te amo, filho. Sempre.
Meu pai então se levantou e me puxou para um abraço apertado. Um abraço que me envolveu por inteiro, como se quisesse me proteger de toda dor que eu carregava no peito. E eu desabei.
Era impossível não chorar. Impossível não sentir aquele amor que, por tanto tempo, achei que nunca teria. Minha relação com ele ainda era recente, mas naquele momento, nada disso importava. O tempo que havíamos perdido já não era um abismo entre nós. O que existia ali era amor, puro e genuíno. Amor de pai e filho.
Aquele abraço me fez perceber que eu não estava sozinho. Eu nunca estive. E, de alguma forma, me deu um pouco de força para seguir em frente.
Fomos para o meu quarto e nos deitamos lado a lado, como se o silêncio entre nós fosse suficiente para acalmar a tempestade dentro de mim. Aos poucos, fui contando sobre tudo. Sobre o Lucas, sobre a briga, sobre a mensagem. Meu pai ouviu cada palavra com atenção, com aquele olhar que dizia que nada do que eu dissesse faria ele me julgar.
— Isso tudo tá muito estranho, filho… — ele disse, pensativo. Depois, um sorriso leve surgiu em seus lábios. — Se eu soubesse que era só pagar, já teria pego meu genro faz tempo.
Soltei uma risada fraca, porque sabia que ele falava sério. Meu pai sempre foi muito claro sobre os desejos que tinha pelo Lucas. Mas, naquele momento, o tom brincalhão dele serviu para aliviar, nem que fosse um pouco, a dor que eu sentia.
Continuamos conversando sobre outras coisas. Falamos de tudo e de nada, apenas para manter aquele momento vivo por mais tempo. Ele então me olhou e disse:
— Eu vou fechar minha agenda por três dias. Vamos viajar? Podemos ir pro Rio… ou pra qualquer outro lugar que você quiser.
Senti meu coração aquecer. Ele queria me tirar daqui, me levar para longe da dor, me fazer respirar um ar novo. Mas balancei a cabeça e sorri, com um nó na garganta.
— Não precisa, pai. Eu quero ficar por aqui mesmo.
Ele apenas assentiu, respeitando minha decisão. Não insistiu. Não pressionou. Apenas ficou ali, ao meu lado, segurando minha mão como se dissesse, sem palavras, que ele ficaria comigo o tempo que fosse necessário.
E, pela primeira vez em muito tempo, eu me senti seguro. Meu pai então me puxou para um beijo, um beijo leve e calmo, ali naquele momento somente meu pai poderia me dar o carinho que eu precisava, e era em seus braços que eu tinha e me sentia confortável, meu pai era meu herói, ele era mais que especial, além do meu pai seria meu eterno amante para sempre, afinal essa era o nosso pacto, a gente não chegou a transar naquele dia, mas ficamos abraçados sem roupas, conversando e ele alisando minha cabeça, conversando sobre alguns casos clínicos, entre outras coisas, a companhia do meu era ali era fundamental para mim.
A semana passou tranquila, ou pelo menos tão tranquila quanto poderia ser. Lucas realmente não mandou mensagem, e isso começou a me angustiar. Ele sequer tentou se justificar, não deu nenhuma explicação, nada. E o mais estranho: não postou nada no Instagram. Era como se ele tivesse sumido do mundo.
Minha fossa durou alguns dias, mas logo voltei à rotina. Peguei alguns estágios de férias, voltei a treinar e tentei me ocupar ao máximo. Nessa semana, Gustavo, aquele menino que trabalhou na fábrica e com quem já fiquei, curtiu algumas fotos antigas minhas. Confesso que por um instante cogitei retribuir, só para ver se rolava algo. Mas, por mais que a ideia de dar uns beijos e uns pegas nele fosse tentadora, eu ainda estava preso ao que sentia por Lucas. No fim, deixei pra lá.
Foi então que Letícia me chamou para conversar. Ela estava diferente, parecia um pouco apreensiva, mas determinada.
— Rafa, eu queria falar com você sobre o Bruninho… — começou, respirando fundo. — Eu tô namorando e consegui um novo emprego em Recife. Vou me mudar pra lá.
Assenti, esperando que ela continuasse.
— Eu queria saber se você pode ficar com ele em tempo integral.
Na mesma hora, meu coração aqueceu. A ideia de ter meu filho morando comigo, de vê-lo todos os dias, de tê-lo por perto… era algo que eu sempre quis.
— Claro, Letícia. Vai ser incrível!
Ela sorriu, aliviada. No fundo, já sabia que eu aceitaria.
Contei a novidade para os meus pais, e a reação foi de pura alegria. Minha mãe, principalmente, ficou radiante. Como ela ainda era uma mãe recente por conta do Juninho, achou maravilhoso que os dois pudessem crescer juntos.
Foi então que comecei a pensar em onde seria melhor criar Bruninho. Eu ainda morava no apartamento do meu pai, mas talvez fosse a hora de voltar para o meu próprio apartamento e contratar uma babá para cuidar dele quando eu estivesse no trabalho. Ele já passava o dia na creche, então à noite precisaríamos de apoio.
Mas meus pais logo descartaram essa ideia.
— Nem pensar, Rafa! — Minha mãe foi categórica. — Ele vai ficar aqui, junto com a gente!
Meu pai concordou, mas ponderou:
— Se for pra criar duas crianças juntas, talvez seja melhor nos mudarmos para uma casa maior.
Pensei um pouco sobre isso, mas acabei discordando. Meu pai adorava o bairro onde morava, e o apartamento tinha uma vista linda para o mar. Além disso, era espaçoso: um por andar, com quatro quartos. Um era dele e da minha mãe, outro da Sofia, outro do Juninho e o último era meu.
— Não precisa, pai. O apartamento é grande o suficiente.
Ele refletiu por um instante e sugeriu:
— Então podemos reformular o quarto do Juninho pra ele dividir com o Bruninho, pelo menos por enquanto.
Assenti, achando a ideia viável. Mas ele ainda não tinha desistido completamente do plano de mudar.
— Só não descarto a possibilidade de uma casa maior no futuro. Assim, poderíamos ter cachorro e outros animais…
Na mesma hora, meus olhos brilharam.
— Aí eu gostei da ideia!
A vida estava mudando, mas pela primeira vez em muito tempo, eu sentia que tudo estava se encaixando.
Uma semana se passou. Eu tentava seguir com a minha rotina, mas a verdade é que a ausência de Lucas ainda pesava. Naquela noite, estava jogado no sofá assistindo a um seriado qualquer, tentando ocupar a mente, quando meu celular vibrou.
Ao ver o nome dele na tela, meu coração congelou.
Minha primeira reação foi ignorar. Depois de todo esse tempo sem uma palavra sequer, ele agora resolvia me procurar? Mas sabia que, se não atendesse, ficaria remoendo mil pensamentos. Respirei fundo e deslizei o dedo na tela.
— Alô — falei, firme.
Do outro lado, a voz dele soou estranha, embargada, como se tivesse chorado.
— Rafa, tá por onde?
— Tô em casa.
— No seu pai ou no seu apartamento?
Franzi o cenho.
— No meu pai. Por quê?
Houve um breve silêncio antes da resposta.
— Posso dormir no seu apartamento hoje?
Meu peito se contraiu na hora. Aquilo não fazia sentido.
— O quê? Você some por todo esse tempo e, do nada, aparece me pedindo isso? O que você pensa que eu sou, Lucas? — minha voz saiu carregada de mágoa e raiva.
Ele suspirou do outro lado da linha.
— Fui expulso de casa.
Meu coração deu um salto.
— O quê?
— Contei pros meus pais… e eles não aceitaram. Não tenho pra onde ir, Rafa. Não tenho pra quem ligar. A única pessoa em quem pensei foi você. Mas tudo bem… esquece. Eu me viro.
E então ele desligou.
Fiquei parado, olhando para a tela do celular, sentindo o peito apertar. Uma mistura de tristeza e raiva tomou conta de mim. Lucas estava desamparado, sozinho, machucado… e eu não tinha ideia da dor que ele estava sentindo.
Engoli o orgulho, o ressentimento, e liguei de volta. Ele atendeu no primeiro toque.
— Oi — sua voz veio fraca.
— Onde você tá? Tô indo te buscar.
— Na praça… perto do meu prédio.
— Certo. Me espera aí. Chego em vinte minutos.
Desliguei e, sem pensar duas vezes, peguei minhas chaves e saí.
Peguei as chaves do carro e segui para o endereço que Lucas me passou. O caminho foi silencioso, só o som baixo do rádio preenchendo o espaço. Minha mente, por outro lado, estava um turbilhão. Talvez esse fosse o momento certo para conversarmos, para entendermos tudo o que aconteceu. Mas, acima de qualquer coisa, eu estava preocupado com ele. Sabia que sair do armário para os pais não era algo fácil, e o fato de ele ter sido expulso me deixava angustiado.
Quando cheguei, o avistei sentado em um dos bancos da praça, a cabeça baixa, os ombros curvados, como se o peso do mundo estivesse sobre ele. Buzinei de leve e nossos olhos se encontraram. Meu coração aqueceu e, ao mesmo tempo, se apertou. Ele sorriu de canto, um sorriso fraco, cansado, que deixava claro que ele não estava nada bem. Se levantou devagar e veio em direção ao carro. Meu peito disparou.
Assim que entrou, ficamos um tempo nos encarando. Fazia pouco mais de dez dias desde o nosso término, mas parecia que havia se passado uma eternidade. O silêncio se alongou, até que ele, com a voz baixa e carregada de cansaço, disse:
— Rafa, quero muito conversar com você, mas hoje não estou bem. Quero te contar tudo, explicar o que aconteceu… mas minha cabeça tá a mil. Me deixa ir pra sua casa, se possível me deixa sozinho. Quero chorar, tentar entender qual rumo minha vida vai tomar.
Fiquei em silêncio, absorvendo suas palavras. Apenas assenti e dei partida no carro. O caminho foi todo sem palavras, mas não era um silêncio desconfortável. Era o silêncio de quem respeita a dor do outro.
Ao chegarmos no meu apartamento, Lucas foi direto para o meu quarto. Estava abatido, exausto. Pensei em ir embora, mas sabia que não conseguiria deixá-lo sozinho assim. Esperei alguns minutos e, então, bati na porta do quarto antes de entrar.
— Vou pedir uma pizza pra você comer — falei, tentando quebrar a tensão.
— Não precisa… não tô com fome.
— Quando chegar, te aviso.
Saí e, assim que fechei a porta, ouvi o som abafado do choro dele. Meu peito apertou de um jeito indescritível. Eu não fazia ideia do tamanho da sua dor, porque minha relação com meus pais sempre foi diferente. Eles me aceitaram sem questionamentos. Mas o Lucas… ele estava machucado, confuso, sem chão.
Pedi a pizza e me joguei no sofá, tentando me distrair com a TV, mas minha cabeça não desligava. Peguei o celular e mandei mensagem para o meu pai, avisando que ia dormir no apartamento e que estava com o Lucas. Ele me ligou na hora, preocupado.
— Tá tudo bem aí?
— Tá sob controle. A gente ainda não conversou, ele pediu um tempo. Mas… ele tá mal, pai. Muito mal.
Meu pai suspirou do outro lado da linha.
— Se precisar de alguma coisa, me liga, tá?
— Pode deixar.
Pouco tempo depois, a pizza chegou. Ajeitei a mesa e, sem saber se ele aceitaria, fui até o quarto chamá-lo.
— Vem comer, Lucas.
— Não precisa, já disse.
— Para de birra e vem logo antes que esfrie.
Ele suspirou, mas acabou se levantando. Assim que o vi de perto, notei o quanto estava abatido. Seu rosto estava marcado, os olhos vermelhos… provavelmente havia chorado esse tempo todo. Sentamos à mesa e comemos em silêncio. Lucas evitava me olhar, e eu fazia o mesmo. O clima entre nós estava carregado, pesado. Quando terminamos, ele pegou os pratos para levar até a pia, mas eu interrompi:
— Não precisa, deixa que eu arrumo.
— Tudo bem…
— Pode voltar pro quarto. Vou dormir no outro, qualquer coisa é só chamar.
Ele hesitou por um instante antes de murmurar:
— Valeu… obrigado por tudo.
Foi então que, finalmente, nossos olhares se encontraram. Pela primeira vez naquela noite, Lucas me encarou de verdade. E eu fiz o mesmo. Meu peito apertou. Queria abraçá-lo, queria beijá-lo… queria xingá-lo também. Mas não podia avançar o sinal. Não agora. Ele abaixou a cabeça e voltou para o quarto sem dizer mais nada.
Arrumei a cozinha, tomei um banho e fui para o outro quarto. Me joguei na cama e peguei o celular. Comecei a conversar com Arthur, perguntei se ele tinha ouvido algo sobre o Lucas nos últimos dias.
“Faz tempo que não falo com ele”, ele respondeu.
Expliquei o que tinha acontecido, que Lucas havia sido expulso de casa e estava mal. Arthur ficou preocupado. Conhecia bem os pais dele e sabia como podiam ser cruéis.
“Quer que eu vá até aí? Pego um avião agora, sem problemas.”
— Não precisa — respondi. — Ainda nem conversamos direito. Quero entender o que rolou primeiro. Depois te conto.
Ficamos conversando mais um pouco, até que acabei pegando no sono.
Horas depois, acordei com um toque leve no meu braço. Pisquei algumas vezes, meio desnorteado, até perceber que era Lucas.
— Afasta — murmurou, a voz rouca. — Quero me deitar com você.
Meu coração disparou.