A LUA QUE EU TE DEI - CAP 17 - FALTA POUCO

Um conto erótico de Escrevo Amor
Categoria: Gay
Contém 1850 palavras
Data: 07/01/2025 00:37:36

Benê, quando quer, é realmente um ditador. Antes de chegarmos à fronteira com o Chile, ele nos fez comer todas as comidas frescas que ainda tínhamos no Leopoldo. Segundo ele, a imigração chilena era extremamente rigorosa. Ele mencionava, como um professor em uma palestra, que alimentos como carne, frutas, verduras, minerais e até ossos estavam proibidos. Apenas enlatados e secos passariam sem problemas. Para "facilitar", ele até fez uma lista dos alimentos permitidos, que repetiu umas três vezes para garantir que decorássemos.

Apesar do incômodo de sua rigidez, eu tinha que admitir: a travessia foi mais tranquila do que esperávamos em termos de preparação. O verdadeiro desafio continuava sendo o vento. Dizem que a Patagônia é indomável, e isso é a mais pura verdade. À noite, o vento não apenas uivava, ele parecia gritar, ecoando por toda a estrutura do motorhome. Graças a Deus pelos protetores auriculares que comprei — única maneira de amenizar o barulho infernal.

Além do som, o frio piorou significativamente. Tanto que Beto começou a dormir com a gente. O Leopoldo tinha uma cama espaçosa, o que era um alívio, porque acomodar três pessoas em um espaço menor, como uma kombi, seria impossível. Ainda mais considerando o Benê, que tem quase 1,90 de altura e ocupa metade do colchão sozinho.

Depois de horas de expectativa, finalmente chegamos à fronteira. Como de praxe, deixamos o espanhol nas mãos de Beto, nosso poliglota e diplomata oficial. O destaque dessa vez foi o Piccolo, que, ao invés de causar problemas, parecia um verdadeiro embaixador felino. Os policiais simplesmente adoraram o gato. Faziam carinho, tiravam fotos, e tudo isso facilitou a inspeção inicial. Claro que isso deixou Benê indignado.

— Comigo esse gato é sempre violento. — resmungou ele, cruzando os braços enquanto os policiais inspecionavam o motorhome. — Falso. Esse gato é falso.

Eu não consegui me segurar.

— Você é muito idiota. Às vezes, acho que você está participando de um reality show, tipo, o Big Brother.

— Meu filho, eu já tinha tirado o Piccolo da casa. — ele argumentou e eu ri.

— Esqueceu que o voto é popular?

— Por isso digo: esse gato é falso. — protestou o Benê.

O vento, porém, não me deixou rir por muito tempo. Ele estava tão forte que parecia atravessar todas as camadas de roupa que eu vestia.

A inspeção foi longa, e, sinceramente, exaustiva. Primeiro, verificaram nossos documentos e os do veículo para a saída da Argentina. Depois, tivemos que passar por um processo semelhante do lado chileno. E foi aí que os chilenos mostraram o quão rigorosos realmente eram. Tudo o que Benê tinha previsto se confirmou, e ele não perdeu a chance de fazer sua típica cara de "eu avisei". Era irritante.

— O policial falou que somos muito organizados. — disse Beto, traduzindo o elogio com um sorriso enquanto segurava a pasta de documentos impecavelmente preparada por Benê.

— Eu fale... — começou Benê, mas não deixei que ele terminasse.

— Cala a boca. — cortei, enfiando as mãos no bolso. O frio estava me congelando. — Falta muito?

— Um pouco. — Beto se aproximou e passou as mãos no meu rosto, me aquecendo por um breve momento. — Tá com frio, né? Vai já acabar, lindo.

O tom dele me derreteu, e eu só consegui murmurar:

— Tá bom.

— Que romântico! Romeu e Julius estão no auge do amor. — ironizou Benê, em uma voz afetada enquanto fazia uma pose teatral.

Eu revirei os olhos, mas a verdade era que, naquele momento, mesmo com o frio e o vento insuportáveis, o toque de Beto e seu jeito carinhoso fizeram tudo valer a pena.

A estrada da fronteira até o porto da balsa levou cerca de quarenta minutos, e durante o percurso o cenário começou a mudar drasticamente. Quando a neve começou a cair, Benê quase implorou para que parássemos. E quem sou eu para negar um momento de festa? Descemos, extasiados, e logo estávamos tirando fotos e gravando vídeos como crianças deslumbradas.

Até o Piccolo participou da festa. Inicialmente, ele estranhou a neve, mas não demorou para começar a lambê-la, como se fosse algum tipo de iguaria felina. Aquilo fez todos rirem, especialmente o Beto, que estava registrando cada detalhe com o celular.

Confesso que fiquei emocionado. Olhando aquele cenário branco e mágico, só conseguia pensar no meu pai. Ele teria amado viver tudo isso conosco. Senti uma pontada de saudade, mas Benê pareceu notar meu momento de vulnerabilidade e se aproximou, me envolvendo em um abraço apertado.

— Estamos perto, Quim. — ele disse.

A voz firme do meu irmão, tão cheia de segurança, me trouxe de volta ao presente.

— Bah, como é lindo ver essa união dos irmãos. — brincou Beto, segurando o Piccolo no colo como se fosse seu próprio filho. — Tá vendo, meu pequeno? Precisamos ser unidos assim.

— Vem cá, bobão. — sorri e o puxei para perto, selando nossos lábios com um beijo rápido. — Essa é uma vitória nossa.

— Verdade, cunhado. — Benê entrou na brincadeira, nos abraçando ao mesmo tempo. — Agora imagina você e esse gato de bicicleta. Sabe, às vezes acho que as coisas acontecem por um motivo. No seu caso, foi para desencalhar o Joaquim!

— Piccolo, eu escolho você! — gritei como um treinador Pokémon. O gato, como se entendesse a deixa, pulou direto no Benê, que começou a correr em círculos, desesperado.

— Sai, gato! No rosto não! Eu já disse, no rosto não! — choramingava, enquanto o Piccolo parecia se divertir com a situação.

Depois da diversão, seguimos viagem e finalmente chegamos ao famoso Estreito de Magalhães. A fila de veículos, composta em grande parte por motorhomes, avançava devagar. Enquanto Beto ia se informar sobre os horários da balsa, nos acomodamos no Leopoldo para um almoço improvisado: miojo com ovos fritos, especialidade do Benê. Era uma das vantagens de viajar com um motorhome: mesmo em meio ao frio e ao vento incessantes, sempre tínhamos um espaço confortável e aquecido.

Quando finalmente a fila começou a andar, Beto assumiu o volante mais uma vez para guiar o Leopoldo até o interior da balsa. Pegamos nossas roupas de inverno reforçadas no porta-malas antes de subir ao convés superior. Casacos e calças apropriadas para neve eram indispensáveis. Aprendi rápido que neve pode ser ainda mais traiçoeira que chuva.

No convés, o chão estava escorregadio. A primeira coisa que fiz foi alertar todos para tomarem cuidado. Já pensou alguém escorregar e cair no mar gelado? Só de imaginar eu já tremia, e não era só de frio.

A tensão não demorou a se justificar. Enquanto descíamos uma escada estreita para acessar o elevador, Beto, que estava logo à minha frente, escorregou. Ele caiu com força no chão de metal, o barulho ecoando no ambiente. Meu coração disparou.

Não corri, mas fui rápido o suficiente para ajudá-lo a levantar. Ele parecia mais constrangido do que machucado, mas o impacto tinha sido considerável. Na sala de espera, que graças a Deus era aquecida, Beto tirou as roupas para verificar os danos. Sua costa estava cheia de hematomas escuros que pareciam tão doloridos quanto horríveis.

— Puxa vida! — exclamou Benê, olhando assustado. — Não quebrou nada?

— Não tá doendo tanto assim. — Beto tentou minimizar enquanto se virava para o espelho na tentativa de enxergar melhor. — Mas ficou feio.

— Tudo bem. No Leopoldo tem Salompas e alguns remédios para dor. — falei com pena, desejando poder aliviar o sofrimento dele.

— Mais tarde vai doer. — cantarolou Benê, fazendo uma cara dramática de dor enquanto imitava alguém andando torto.

Apesar da situação tensa, o humor de Benê conseguiu arrancar risadas de todos. Isso era típico dele: mesmo nos piores momentos, sempre havia espaço para uma piada.

A travessia pelo Estreito de Magalhães foi muito mais tumultuada do que eu havia imaginado. O vento parecia brincar com a embarcação, e o mar revolto dava a sensação de que estávamos em um brinquedo de parque de diversões — daqueles que você não tem como sair no meio, mesmo que se arrependa amargamente. Meu estômago, é claro, decidiu se revoltar contra mim. Perdi a conta de quantas vezes corri ao banheiro. Tomei um remédio para enjoos, mas era como jogar uma gota d'água no fogo: completamente inútil.

Quase uma hora depois, finalmente pisamos em terra firme. O cenário à nossa volta era bucólico e cinzento, com uma beleza melancólica que combinava com o céu carregado. Seguimos até a pequena cidade de Cerro Sombrero, onde havia um camping gratuito. A parada já era prevista, mas, dadas as circunstâncias — meu estômago revirado e as costas machucadas de Beto —, tornou-se obrigatória.

Assim que estacionamos, Beto e eu nos jogamos na cama do Leopoldo. Ele de bruços, para não pressionar os hematomas, e eu ainda me recuperando da travessia. Passamos pomadas nas costas dele, aplicamos Salompas e administramos um relaxante muscular. O efeito dos medicamentos não demorou a nos derrubar.

Acordei com um aroma irresistível de carne assada. Benê, sempre incansável, havia comprado algumas provisões no mercado local e preparado um jantar caprichado. Sentamos ao redor da mesa improvisada no motorhome e comemos enquanto assistíamos a um episódio de Masterchef — um momento simples, mas que carregava um aconchego raro em viagens como essa.

Benê decidiu dormir na antiga cama de Beto para que ele pudesse se esticar melhor. No entanto, a dor de Beto parecia mais intensa, e uma pontinha de preocupação começou a crescer. Liguei para o meu tio Alberto, médico de confiança da família. Ele pediu para ver as costas de Beto por chamada de vídeo e, após analisá-las, recomendou continuar com os medicamentos e fazer compressas quentes. Se a dor persistisse ou aumentasse, precisaríamos procurar um hospital no dia seguinte.

— Hospital para essa família não é novidade. — soltou Benê, acariciando o Piccolo, que estava aninhado em seu colo.

— Eu sou da família? — perguntou Beto, fingindo emoção antes de fazer uma careta de dor. — Bah!

— Obrigado, Jesus. — Benê olhou para o teto e fez uma piscadela dramática. — Bem, eu já vou para a minha caminha. — ele colocou o gato no chão, aninhou-se sob as cobertas e murmurou: — Boa noite. E sem sons altos, por favor.

Depois que Benê adormeceu, me virei para Beto, observando o semblante cansado, mas sereno dele.

— Você não tá se fazendo de machão, né? — perguntei, preocupado.

— Não. Tá doendo, mas não é como se eu tivesse quebrado nada. Poderia ter sido pior. — Ele confessou, estendendo a mão para acariciar meu rosto. — Sabe, fiquei pensando no que o Benê disse...

— Qual das besteiras? Foram muitas hoje. — brinquei.

— Sobre eu ter vindo de bicicleta e arrastado o Piccolo comigo. — ele riu de leve, mas logo ficou sério.

— O que houve, Beto? — perguntei, sentindo que ele queria desabafar.

— Não sei, Quim. Eu me sentia sufocado, sabe? Não conseguia respirar naquela cidade. — Beto falou com uma honestidade que doeu de ouvir.

— Não é todo mundo que tem a sorte de ter uma família compreensiva. — ele continuou, os olhos perdidos em alguma memória distante.

— Sinto muito, Beto. — lamentei, apertando sua mão.

— Ei, tá tudo bem. O importante é que, sei lá, do meu jeito, eu estou encontrando meu lugar no mundo. — Beto sorriu de leve, mas havia um peso naquelas palavras.

Do lado de fora, o vento uivava forte, como se ecoasse os sentimentos que ficavam entre nós naquela noite.

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