A LUA QUE EU TE DEI - CAP 18 - LUGAR ESPECIAL POR BETO

Um conto erótico de Escrevo Amor
Categoria: Gay
Contém 2765 palavras
Data: 08/01/2025 01:01:33

Crescer em Dom Pedrito, no seio de uma família tradicionalista, foi como carregar uma mala de pedras em uma caminhada que eu não escolhi. Aqui no sul, onde as tradições pesam mais que qualquer tonelada de soja, cada passo que eu dava parecia calculado pelos outros. Meu pai, o Geraldo, sempre foi um homem duro, daqueles que acreditam que trabalho é sinônimo de caráter e que sentimento é coisa de gente fraca. Nunca tive muita prosa com ele. Não porque não tentei, mas porque o homem estava sempre mais preocupado com a fazenda e os negócios do que em entender o próprio filho.

A cegueira dele era tanta que, quando fiz 18 anos, fui prometido em casamento com a Joana, filha de um grande produtor de soja da região. Para ele, eu era só uma peça nesse xadrez que ele jogava com os outros fazendeiros. A ideia era unir as famílias e criar um império do agro. Não perguntei o que eu achava, claro. Nessa casa, meu querer nunca teve importância.

Os tios Genival e Hélio, os verdadeiros urubus da família, faziam questão de atazanar minha vida. Tudo o que eu fazia, ou deixava de fazer, ia direto pros ouvidos do pai. Era como ter dois capatazes atrás de mim o tempo todo. Quando minha mãe, dona Raimunda, faleceu depois de uma longa luta contra um câncer, foi como se o último pedaço de humanidade naquela casa tivesse ido embora. Ela era minha única aliada, quem me via além da herança e da soja. Depois disso, só restou Vanessa, minha irmã mais velha, que aguentava as críticas dos nossos pais mesmo sendo a única apaixonada pelo agro de verdade.

Depois da faculdade de agronomia, voltei para a fazenda, mas em vez de me colocarem em um escritório, me mandaram para o serviço braçal. Não que eu me importasse com o trabalho em si, mas era claro que aquilo era castigo. Os tios haviam descoberto um segredo meu — que eu gostava de garotos. Era como se quisessem me "consertar" à força.

— Tem que fazer esse serviço pra virar macho, guri. Tú não vai atucanar a cabeça do teu pai. — disse Genival, de braços cruzados, com aquele sorriso de desdém.

— Capaz dele te matar se descobrir o que tú aprontou na capital! — completou Hélio, jogando um saco de grãos no chão. — E não demora não, que tem uma baita lista de tarefas te esperando! — rindo como se estivesse no circo.

O ódio que eu sentia da minha família crescia a cada dia. Pensei em pregar umas peças nos dois, mas sempre desistia. Minha mãe não ia querer isso de mim. Então, me fechei. Passei a viver como um espectador da minha própria vida, aceitando as migalhas que o destino jogava.

Naqueles anos de sofrimento, conheci Genaro, um mecânico que trabalhava na fazenda. Foi com ele que aprendi a consertar carros e tratores. Mas mais do que isso, foi ele quem me mostrou que eu não estava completamente sozinho no mundo. No entanto, o pai percebeu. Não precisou muito para o homem tomar uma decisão.

Naquela noite, depois de mais um dia puxado de trabalho, ele me esperava na sala.

— Senta aí. — ordenou, sem olhar na minha direção. — Mandei o Genaro embora. Ele tava te distraindo demais.

Aquilo doeu, mas não tinha forças para reagir.

— Tá. — respondi, esgualepado, mais derrotado do que bravo.

— Falei com o Fernando. Esse fim de semana ele e a Dolores vêm pra cá. Vou marcar o casamento de vocês. — anunciou como se fosse a coisa mais normal do mundo.

Antes que eu conseguisse falar algo, Vanessa interveio:

— Pai...

— Cala a boca, Vanessa! — ele esbravejou. — Tá na hora do teu irmão criar juízo. Vai fazer 26 anos e não arrumou uma mulher. O que as pessoas vão dizer?

— O que os meus tios vão dizer, né? — Vanessa rebateu, com a voz carregada de ironia.

— Tú não vem com chinelagem aqui, guria! — gritou, perdendo de vez a paciência.

— O único que tá fazendo baixaria aqui é tú! — ela devolveu, se aproximando de mim. — Roberto, não vai dizer nada?

Olhei para ela, e depois para ele. Não tinha mais energia para brigar.

— O pai tá certo, Vanessa. — falei, cabisbaixo. Era mais fácil ceder do que enfrentar mais uma peleia.

No quarto, me joguei na cama. Piccolo, meu gato, pulou ao meu lado. Ele era sempre carinhoso comigo, mas genioso com o resto da família. Lembro até hoje do dia que o encontrei, ainda filhote, dentro de uma caixa de sapatos. Resgatei ele quando voltei pra fazenda, e desde então ele era minha única companhia de verdade.

Nossa história era parecida. Ninguém se importava com nós dois.

— O que eu faço, guri? — perguntei, enquanto acariciava o gato.

— Beto! — uma afobada Vanessa entrou no quarto. Ela andava de um lado para o outro. — Que porra. Vai deixar o pai fazer isso?

— O que eu posso fazer, Vanessa? Eu sou um prisioneiro. Sabia que na capital, eles mandaram um segurança para me vigiar? — questionei para a surpresa da minha irmã.

— O pai tá louco, Beto. — ela me abraçou. — Eu sinto muito, irmão.

Eu nunca me senti tão deslocado como naquela noite. Sentado à mesa de jantar, cercado por rostos que transbordavam entusiasmo e faziam planos para um noivado que eu jamais desejaria, era como se minha presença ali fosse apenas uma formalidade. Meu pai, como sempre, comandava a conversa, enquanto meus tios faziam questão de ressaltar a "grande oportunidade" que essa união com os Carvalhos representava. Claro, o Fernando Carvalho, um homem que eu sequer conhecia, era a solução mágica para unir terras e aumentar fortunas.

Eles falavam como se estivessem no século 18, ignorando completamente que minhas primas e minha irmã eram infinitamente mais capazes do que eu para gerir a fazenda. O patriarcado ali parecia inabalável.

Enquanto minha mente fervilhava de frustração, pedi licença e me retirei. No meu quarto, a ideia de fugir começou a tomar forma. Pesquisei sobre Ushuaia, o "fim do mundo". Quanto mais lia sobre a cidade, mais ela parecia um santuário para a liberdade que eu tanto desejava. Vi que um homem tinha feito o trajeto até lá de bicicleta. Aquilo despertou algo em mim.

Passei os dias seguintes planejando cada detalhe. Usei um celeiro desativado para transformar minha bicicleta em uma máquina capaz de enfrentar longas jornadas. Preparei uma gaiola para o Piccolo, meu inseparável companheiro de penas, porque sabia que ele não sobreviveria sem mim.

Na noite da partida, deixei uma carta para minha irmã, Vanessa. Ela sempre foi meu porto seguro. Mas sabia que, para conquistar minha liberdade, precisava deixá-la para trás.

Quando o telefone tocou naquela primeira noite, no meio da estrada, eu sabia que era ela.

— Pai! — eu interrompi, minha voz embargada pela emoção. — Eu sou gay. Seu filho perfeito não existe, tá?

A linha ficou em silêncio, mas, dentro de mim, algo gritou: liberdade.

As dores da jornada eram imensas, mas o sentimento de estar livre me fazia avançar. Cheguei a Chuí depois de uma semana. Mal sabia eu que aquele era o começo de uma nova vida — e de encontros inesperados.

Quando cheguei na cidade, busquei adiantar os documentos do Piccolo. Tive que conseguir um certificado veterinário para o gato entrar comigo na Argentina. Graças a Deus, que o tal documento era gratuito e emitido através do Ministério da Agricultura. Obrigado, internet.

Bah, o frio deste lugar não está no gibi. Montei a barraca em um camping e tremi de frio. Apesar de tudo, estava feliz e torcia para novas oportunidades. Só não sabia que precisaria ser atropelado por um carro para a continuação da minha história.

O atropelamento não foi grave, mas mudou tudo. Joaquim, o rapaz que me ajudou, parecia ter saído de um sonho. Não era só lindo; ele também tinha um coração generoso. Ao lado dele e de seu irmão Benê, minha jornada ganhou um novo significado.

— Você está bem? — perguntou Joaquim, com seus olhos inquietos e cheios de preocupação.

Foi ali que nossa história começou. Entre as brigas de Benê e as piadas do Joaquim, eu encontrei algo que jamais imaginei: uma nova família.

O som do celular me tirou de um breve devaneio. Estava deitado de bruços na cama, enquanto o Piccolo brincava no chão com seu brinquedo. Peguei o telefone, e meu coração deu um salto quando vi o nome "Vanessa" na tela.

Atendi hesitante, sabendo que aquela ligação carregava mais do que simples palavras.

— Alô? — minha voz saiu mais baixa do que eu pretendia.

— Parabéns, Beto. — A voz dela era suave, mas cheia de emoção. — Feliz aniversário.

Fechei os olhos e inspirei fundo. Fazia tanto tempo que eu não comemorava meu aniversário de verdade, e ouvir isso de Vanessa aqueceu meu peito.

— Obrigado, Nessa. — tentei soar casual, mas a saudade escapou na forma de um suspiro pesado. — Como tú está?

— Não tão bem quanto eu gostaria. — houve uma pausa, como se ela escolhesse as palavras certas. — Mas não importa agora. Quero saber de ti. Está tudo bem?

Olhei ao redor. A paisagem era simples, mas imponente, com a estrada de terra se perdendo no horizonte.

— Estou bem. Melhor do que já estive em anos, para ser honesto. — sorri, mesmo sabendo que ela não podia me ver. — Mas também sinto falta de casa... de ti.

Houve um silêncio do outro lado da linha, seguido por um suspiro profundo.

— Eu também sinto sua falta, Roberto. As coisas não são as mesmas sem tú por aqui. Mas, sinceramente, fez a coisa certa. Esse lugar... esse ambiente... nunca foi justo contigo.

Seu tom era firme, como se quisesse me assegurar de que não havia mágoa, apenas compreensão.

— Obrigado, Nessa. — minha voz falhou um pouco. — Eu precisava ouvir isso. Às vezes, me pergunto se fui covarde por fugir.

— Covarde? — ela quase riu, mas a emoção ainda estava lá. — Tú teve coragem de fazer o que eu e tantas outras pessoas jamais conseguiríamos. Tú buscou sua felicidade, sua liberdade. Isso é tudo menos covardia.

Aquelas palavras me pegaram de surpresa, e por um momento, as lágrimas ameaçaram cair.

— Só quero que tú saiba... — Vanessa continuou, sua voz agora mais trêmula. — Que eu te apoio, sempre. Mesmo que isso signifique te ver partir. Mas, droga, eu sinto tanto a sua falta, Beto.

— Eu também, Nessa. Muito.

Ela respirou fundo do outro lado da linha, como se estivesse se recompondo.

— Ah, antes que eu esqueça, a empresa do Fernando ainda quer o acordo. — Ela mudou de assunto, tentando soar casual. — Mas, adivinha? Ele me chamou para jantar.

Fiquei em silêncio por um segundo, processando o que ela disse.

— E tú quer isso?

— Eu... gosto dele. — ela riu suavemente. Era tão bom ouvir a voz da Nessa. — Ele é gentil, sabe? Não é como o pai ou os tios. Talvez, pela primeira vez, eu possa escolher algo por mim mesma.

— Então escolha. Só não deixe ninguém te forçar a nada, Nessa. Tú merece mais do que isso.

— Obrigada, Beto. — Sua voz estava cheia de carinho. — Estou adorando as suas aventuras. — ela soltou.

Aparentemente, algumas pessoas da cidade assistiam ao canal do Joaquim. Logo, Vanessa também se tornou uma seguidora assídua. Minha irmã contou que o seu favorito era Benedito.

— E vocês fazem um casal lindo, viu. No caso, o Joaquim e tú. — minha irmã soltou me deixando com vergonha. — Ei, tudo bem, viu. Eu torço por vocês.

— Parabéns pra você! — gritaram Joaquim e Benê ao entrarem no Leopoldo. Joaquim segurava balões e Benê carregava um bolo. Ambos usavam chapéus de aniversário.

No meu aniversário, a surpresa foi completa. Vanessa, sempre tão atenta, entrou em contato com Benê, e os dois organizaram uma festa improvisada no Leopoldo, o motorhome que agora era meu lar itinerante.

— Tem um pra você. — disse Joaquim colocando um chapéu de aniversário em mim.

— E pra você também, gato rabugento. — Benê colocou um chapéu no Piccolo também, que aceitou de boa.

Ver o Piccolo com um chapéu de aniversário foi a cereja do bolo. Não consegui conter as lágrimas. Joaquim pegou meu celular e fez uma chamada de vídeo com Vanessa. Pela primeira vez em muito tempo, senti que todos que importavam estavam comigo.

A noite daquele aniversário ficará para sempre guardada no meu coração. Pela primeira vez em muito tempo, senti que estava exatamente onde deveria estar. Vanessa rindo e me chamando de "piá, bobo" na chamada de vídeo, Benê sendo o piadista incorrigível, e Joaquim, com aquele sorriso que derretia qualquer insegurança dentro de mim, me fizeram sentir amado de uma forma que eu nem sabia que precisava.

Depois que a festa improvisada terminou, Benê precisou limpar o banheiro químico do motorhome, mas Joaquim permaneceu na cozinha, lavando os poucos pratos enquanto eu guardava os restos do bolo na geladeira improvisada do Leopoldo. Fiquei tão feliz que a dor deu uma folga e pude ajudar.

— Ei, guri, tú sabe que não precisava fazer tudo isso, né? — disse, me apoiando no batente da porta, observando seus movimentos.

— Claro que precisava. Você é parte da nossa família agora, e nós cuidamos uns dos outros. — ele se virou para mim, os olhos castanhos brilhando sob a luz fraca. — Além disso, foi ideia da Vanessa. Ela queria que você tivesse algo especial.

Sorri, embora uma parte de mim ainda sentisse um peso no peito ao pensar na minha irmã sozinha lidando com a nossa família e seus dramas.

— Acho que tú e Benê têm feito muito mais por mim do que eu imaginava. — admiti, cruzando os braços e me sentindo vulnerável.

Joaquim deu de ombros, enxugando as mãos no pano de prato.

— Talvez seja porque a gente vê o quanto você merece isso. E... — ele hesitou, parecendo um pouco desconfortável, mas com um brilho travesso nos olhos. — Talvez porque seja divertido cuidar de alguém que é teimoso e acha que pode fazer tudo sozinho.

Soltei uma risada, jogando um guardanapo em sua direção.

— Você me conhece há pouco tempo, mas já fala como se fosse um especialista.

Ele apenas sorriu e se aproximou, parando a poucos centímetros de mim.

— Às vezes não é sobre o tempo, Beto. É sobre o que a gente sente. — sua voz saiu baixa, mas carregada de significado.

Meu coração disparou. Era algo no jeito como ele me olhava, como se pudesse ver além das camadas que eu escondia. Por um momento, o mundo parecia parar, e tudo o que existia era aquela conexão.

— Obrigado, Joaquim. Por tudo. — disse, quebrando o silêncio, mas sem desviar o olhar. Me aproximei e o beijei. Apesar da pontada nas costas não me arrependi.

Ele apenas assentiu, os lábios se curvando em um sorriso gentil.

— Sempre.

— O casal está se divertindo e eu com todo o trabalho, né? Benê ligou o sistema de som e começou a tocar 'Pink Pony Club' da Chappell Roan. — Eu amo essa música! — começando a dançar no meio da motorhome. — Vem dançar comigo, cunhado.

— Bah, guri, eu passo. Consigo nem mexer o pescoço. — lamentei.

— Vou dançar por nós dois. — disse Joaquim, que pegou guardanapo de pano e começou a sensualizar. — Isso é sexy para ti, gaúcho? — imitando meu sotaque.

Deus, o que você fez?

Você é uma garota pônei rosa

E você dança no clube

Oh, mamãe, eu estou apenas me divertindo

No palco, de salto

É onde eu pertenço, no

Pink Pony Club

Eu vou continuar dançando no

Pink Pony Club

Eu vou continuar dançando em

West Hollywood

Eu vou continuar dançando no

Pink Pony Club, Pink Pony Club

Naquele momento, tive certeza de que encontrar o "fim do mundo" não era sobre geografia. Era sobre encontrar pessoas e lugares que faziam minha alma se sentir em casa. E ali, naquele pequeno trailer, com um bolo pela metade, dois irmãos malucos dançando e um chapéu de aniversário torto, eu me senti no lugar mais especial do universo.

No fim da noite, o Benê apagou e dormiu na minha antiga cama. Tive um momento especial com o Quim. Sério, eu nunca pensei que fosse gostar tanto de alguém assim. Mas o que eu tinha a oferecer? Sou um sem-teto. O Joaquim merece o mundo. E se eu começar com a minha história?

— Eu estou pronto. — falei, enquanto estava de mãos dadas com o Joaquim.

— Tem certeza? — Joaquim perguntou, ele parecia surpreso com a minha decisão.

— Sim. Só não sei por onde começar. — admiti.

— Começa pelo início e me conta o que te deixar confortável. — aconselhou.

— Bem, crescer em Dom Pedrito, no seio de uma família tradicionalista, foi como carregar uma mala de pedras em uma caminhada que eu não escolhi. — comecei. E foi na noite do meu aniversário, que contei para o Joaquim como fui atropelado na frente do Leopoldo.

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Comentários

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Por favor não mate os 4 do Leopoldo,por favor.

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