CAPÍTULO 23
Mais um dia amanheceu sem que Milena apresentasse qualquer melhora. O terceiro desde o dia que fora ferida.
Preocupados com o estado da garota, além do acréscimo da tarefa de juntar o gado extraviado por causa das travessuras de Neve e Relâmpago, ninguém tinha tempo para perceber o estado de Cahya. A garota, cada vez mais apresentava sintomas de depressão e, como é comum nesses casos, se isolava dos demais. Nem mesmo Na-Hi, que além de participante do trisal que tinha se tornado cada dia mais sólido dedicou algum tempo para lhe dar atenção.
A única alteração que se notava na Enseada era a calma que passou reinar depois que Neve se enfiou em meio às ruínas do abrigo dos filhotes e de Relâmpago que simplesmente tinha desaparecido da vista. O que ninguém sabia é que o potro agora permanecia constantemente ao lado de Ventania que o ameaçava com mordidas todas as vezes que ele tentava se afastar.
Henrique também não alterou os costumes recém-adquiridos e sua rotina que antes se resumia em cuidar do gado, agora estavam voltadas para a localização dos mesmos. Ele passou o terceiro dia ausente. Seguindo as orientações de Diana, que localizou algumas rezes com a ajuda de Áquila, montou Raio e foi até o local indicado por ela, voltando só no final da tarde, conduzindo mais da metade do rebanho.
Diana, notando que entre as reses recuperadas a maioria era de vacas paridas e seus bezerros, achou que o leite para alimentar os filhotes de Chantal estava garantido e sugeriu que suspendessem as buscas e se concentrassem em manter aqueles que tinham por perto. Henrique a contradisse e explicou:
– Não acho uma boa ideia. O leite poderá ser usado também por nós humanos. Mas não é só isso. Temos que nos preocupar com o futuro.
– A gente dá um jeito. Logo os filhotes param de mamar e vão consumir carne. Eles começarão a caçar, pois isso faz parte da natureza deles e da mãe deles. Chantal vai treiná-los e, com um pouco de sorte, além do leite teremos carne em abundância.
– Não é assim que a coisa funciona. Alguns desses bezerros já estão na idade da desmama. Quando isso acontecer, suas mães vão parar de produzir leite e só voltarão a fazer isso quando parirem novamente. Isso quer dizer que vamos precisar daquele touro.
– Nossa! O touro é tão importante assim?
– Sim, é. – Henrique, que andava muito irritado, foi irônico: – É necessário um macho para que as fêmeas procriem. A não ser que essa ilha faça essa mágica também, o que duvido. Isso quer dizer que para manter a produção de leite, vai ser necessário que as vacas sejam fodidas. Eu acho que você já tem idade para saber da diferença entre a realidade e a história da cegonha. Não tem?
Embora o jeito do Henrique falar tenha sido uma tentativa de brincar com a situação, ele não pode evitar que o sarcasmo contido em suas palavras atingisse Diana que reclamou:
– Credo Henrique. Não precisa falar assim também. Que mau humor! Eu hem!
– Desculpe Diana. É que eu ando irritado mesmo. – Se desculpou ele já arrependido pelo que tinha falado.
Entendendo o motivo de Henrique estar aborrecido, pois ela notara durante a expedição que o relacionamento dele com Milena estava bem acima do que apenas tesão, ela tentou distrair o rapaz:
– Quer dizer que aquele touro sozinho vai ter que foder todas essas vacas?
– Vai sim. Já deve estar fodendo aquelas que não estão amojando. Amojando é quando...
– Eu sei o que é amojando. A Milena já me explicou. – Depois sorriu e falou: – Mas que touro sortudo, cara. Bem que você gostaria de formar um harém assim.
– Não sei se isso é uma boa ideia. Aqui nessa ilha só tem cinco mulheres e já é uma complicação daquelas.
– Complicação por quê? Eu não vi você reclamar enquanto fodia com todas elas.
– Não foram todas. Nunca transei com a Pâmela.
– Isso não muda nada. Mesmo porque, é só uma questão de tempo. Logo ela vai se entregar ao desejo que sente por você. E eu não acho que você vai evitar isso.
– Eu não quero mais saber disso, Diana. Isso só causa problemas.
– Sem essa de problemas Henrique. Não foi tão mal assim. Você pareceu bem empolgado em todas as vezes que nos fodeu.
– Não. Não foi isso que eu quis dizer. Foi maravilhoso e é isso me deixa angustiado. Você viu o jeito da Cahya? Ela nem fala comigo. Ela já está convencida que aconteceu algo entre a gente e o pior é que eu não posso negar. Ela nem conversa mais comigo. E estou sendo covarde em não conversar com ela. Eu quero conversar, mas não consigo. Não suporto ver o sofrimento que esta suspeita provoca nela. Imagine depois que passar a ser uma certeza.
– É aí que você decide ficar longe dela? Grande solução essa sua!
– Eu acho que é. Não, não a solução. A solução é péssima. Mas a verdade é que não consigo me aproximar dela sem me sentir mal. Ela não merece isso. Dói muito olhar para ela e ver que está sempre chorando.
Diana ficou em silêncio por um longo tempo. Ela estava tentando processar aquilo que o Henrique acabara de lhe dizer, mas tinha alguma coisa na lógica dele que não se encaixava. Afinal, o rapaz já tinha transado com a Margie e a Cahya não reagiu daquela forma, embora demonstrasse que não estava confortável com isso. Por que será que agora ela reagia como se fosse o fim do mundo? Só porque foi com ela e com a Milena? E tem mais, pensou Diana, a reação dela comigo está normal e eu duvido que ela acredite que eu também não tenha transado com seu marido.
– Tem que ter mais alguma coisa. Esse é um caso em que a história toda ainda não foi contada.
– O que você disse? – Perguntou Henrique.
– Nada não. Estava falando comigo mesmo.
– Sem essa, Diana. Você disse algo sobre ter mais alguma coisa. O que é que você acha que está acontecendo.
Diana ficou em silêncio, porém, quando olhou para o Henrique viu o desespero em seus olhos e ficou dividida entre dizer o que pensava ou se calar. Ela sabia que nenhuma das alternativas ia atenuar o desespero dele e chegou à conclusão de que era melhor falar, pois já que ele estava sofrendo, então pelo menos que sofresse por algo real. Então resolveu explicar:
– Sabe o que é? Eu estou lembrada que a reação da Cahya quando você transou com a Margie não foi assim. Quer dizer, quando nós transamos no iate, aconteceu o acidente e não teve oportunidade para ela brigar com você, principalmente porque depois disso, nós chegamos aqui na ilha e com todas as descobertas e novidades, ela deve até ter se esquecido disso. Mas quando a Margie arrastou você, o Nestor e o Ernesto para o lago e fodeu com vocês a noite toda, a reação dela foi diferente. Não que ela tivesse aceitado numa boa, mas pelo menos não ficou toda estressada e chorando o tempo todo como está acontecendo agora. Você não acha que ela está muito alterada? Isso sem falar no ódio que está sentindo da Milena. E mais estranho, é que esse ódio não é dirigindo a mim. Por que será?
– Sei lá. Talvez seja porque ela não gosta da Milena.
– Duvido que seja isso. Olha Henrique. Todos nós passamos por mudanças nessa ilha. E em vários aspectos, essas mudanças aconteceram de uma forma normal, enquanto outras surgiram através de alguns fenômenos que não tinham nada de normal.
– Do que você está falando?
– Já te explico. – Disse Diana antes de continuar: – Entre aqueles que aconteceram de uma forma normal, temos o caso do Ernesto que finalmente aceitou transar com a Milena, a Pâmela, que antes ficava só na dela, se transformar em uma pessoa solidária, sempre pronta a conversar e aconselhar qualquer um que a procure, dando conselhos ou orientando em alguma coisa e a Na-Hi, que antes mal abria a boca, saiu da casinha e assumiu a liderança sempre que foi necessário alguém para tomar a iniciativa Já as que precisaram de que algo sobrenatural acontecesse, temos o caso da Margie que depois de encontrar a Chantal deixou de ser aquela moleca brincalhona e inconsequente e, embora ainda seja difícil em alguns momentos, quando é necessária demonstra ser uma pessoa responsável. O Nestor, que sempre gostou de uma boa briga, depois que foi presenteado com uma força incrível e uma agilidade que se rivaliza â de Na-Hi, ficou mais calmo. Até mesmo na briga entre vocês, ele não usou essa força para te vencer. O que dava a impressão é que ele evitava te machucar. E você não pode nega que ele está bem mais calmo do que era antes. Até mesmo a Milena mudou.
– Mudou quando? Que jeito? Pra mim ela foi naquela expedição só para me atentar.
– Mas como você é cego! Ela pode até ter nos acompanhado com essa intenção, mas depois que encontrou o Tornado ela mudou da água para o vinho. – Ao ver que Henrique olhava para ela admirado, o que significava que ele estava entendendo o que ela queria dizer, Diana continuou: – Lembra como ela passou a agir depois que encontrou o Tornado? Do nada ela passou a liderar a expedição, sempre dando ordens e fazendo isso de uma forma que não ofendia ninguém. Quer dizer, eu pelo menos não me sentia ofendida.
– Eu também não. Ela parecia sempre saber o que estava fazendo. Agora para de desviar a conversa. Você estava falando do comportamento da Cahya.
– Então Henrique. Eu não quero parecer fofoqueira nem nada. Só estou achando que o motivo da Cahya estar agindo desse jeito não é por causa do que ela acha que aconteceu durante a busca pelo gado. Acredito que ela tem os mesmos motivos que você:
– Que motivos?
– Só existe um motivo. Assim como você, ela está se sentindo culpada.
– O que você quer dizer? Culpada do quê? O que acha que a Cahya fez?
– Isso eu não sei. Mas a única coisa que me ocorre é que ela não ficou comportada esperando por sua volta, Alguma coisa ela fez e agora está com medo de enfrentar as consequências.
Dizendo isso, Diana virou as costas e saiu andando, voltando para o acampamento e deixando o rapaz perdido em seus pensamentos. Ele não conseguia acreditar que a Cahya pudesse ter feito qualquer coisa assim. Isso era inconcebível para ele. Mesmo assim, decidiu tirar o assunto a limpo. Ele não acreditava que Cahya pudesse ter se entregado a outro homem, mas quanto ao resto, Diana estava certa e ele se achava na obrigação de ajudar sua mulher a resolver esse assunto.
Com esses pensamentos ocupando sua mente, ele começou a caminhar na mesma direção que Diana tinha ido, só controlando seus passos para não alcançá-la, pois não queria mais saber de nenhuma opinião que ela pudesse ter. Quando chegou à praia, viu Diana que seguia a cerca de cinquenta metros a sua frente cruzar com Cahya e percebeu que elas, embora não parassem de caminhar, trocaram algumas palavras normalmente. Tanto o tom das palavras, que ele não entendeu a que se referia, como a forma de falar não transparecia raiva. Era como se estivessem falando sobre algo trivial.
Entretanto, quando Cahya viu Henrique vindo ao seu encontro, mudou bruscamente de direção e se dirigiu para o mar. Para ele, aquilo sim tinha sido uma reação anormal. Então ele foi atrás dela e, quando a alcançou, segurou em seu braço, fez com que ela se virasse para ele. Frente a frente, olhos nos olhos, e foi direto ao assunto que o atormentava, perguntando:
– Acho que você tem alguma coisa para me dizer. Pode começar então. Estou aqui.
– Não ter nada para dizer.
– Tem sim. Eu sei que tem.
– E o que você acha que ser?
– Não sei. Só acho que é sobre alguma coisa que você tenha feito e está com medo da minha reação. Mas isso é bobagem. Quanto mais tempo demorar para falar, mais difícil vai ficar.
– Eu não ter nada para falar; O que você pensa que eu ser? Você pensa que ser você?
Aquela reação, típica das pessoas culpadas que, com medo de assumir sua culpa, passa ao ataque, deixou Henrique ainda mais preocupado. Então falou, ainda demonstrando estar calmo:
– Não faça assim Cahya. Só o jeito de você me falar já mostra que tem algo sim.
– O que ser? O que você pensar que eu fazer? Você que sai fodendo toda puta que aparece na frente.
– É? E quem é que eu fodi dessa vez?
– Seu safado! Quer dar de santinho. Eu ter certeza que você fodeu Milena.
Ao notar o ódio da voz de Cahya ao se referir à Milena, Henrique perdeu a calma e falou:
– E daí? Eu fodi sim. Fodi ela e fodi a Diana também. Por que você não ataca a Diana também? Por que só a Milena é culpada? Você não consegue pensar que a culpa também é minha?
– Milena ser puta. Safada que fode próprio pai. Nunca ser bom para ela. Querer sempre mais. Ela não presta Henrique.
– Vamos deixar a Milena fora dessa conversa. Estávamos falando de nós dois.
Cahya foi pega desprevenida, pois esperava que Henrique defendesse Milena. Em vez disso, ele se acusou. Porém, a amargura que tomava conta do seu coração fez com que a raiva prevalecesse. De repente, ela queria ferir a ele de alguma forma e não pensou para dizer:
– Vou deixar Milena fora sim. O que você quer saber? Estar querendo saber o que eu fez? Então tá. Eu foder Nestor. Eu foder noite inteira Nestor e gozar muito.
Henrique ficou de boca aberta. Exatamente aquilo que ele não imaginava ser possível, tinha acontecido. Com a expressão de raiva, ele ficou encarando Cahya que sustentou aquele olhar raivoso. Por um átimo de tempo, ela chegou a imaginar que seria agredida por Henrique, porém, não foi isso que aconteceu. As feições de Henrique foram se normalizando até que ele colocou as duas mãos sobre o ombro de Cahya. Ele não fez pressão exagerada e nem a empurrou, apenas apoiou as mãos ali como se fosse abraçá-la. Depois começou a falar com voz calma:
– Se você me perguntar se estou triste por isso, estou sim. Mas eu sei que tenho que aceitar. Eu transei com a Milena e você transou com o Nestor. Você tem o mesmo direito que eu. Isso eu aceito. Mas o que eu não aceito, mesmo porque não entendo, é essa sua birra com a Milena. Esse ódio que não consegue esconder a ponto de dizer para todo mundo ouvir que, se depender de sua vontade, ela já estaria morta.
– E isso ser verdade. Quero ver Milena morrer. Ela não presta, Henrique.
– Por quê. O que você sabe dela para desejar isso? Quando foi que você passou a ser o juiz... Juiz não, o Deus que decide quem deve e quem não deve morrer? Isso é errado. Está tudo errado. Eu estou errado em não contar para você que tinha transado com Milena, mas a meu favor tenho a justificativa da sua reação lá no meio da mata. A Milena perdendo sangue, precisando ser trazida para cá com urgência e você brigando porque eu preferi trazer ela em vez de ficar ouvindo suas acusações. E agora eu fico sabendo que você não tinha o direito de acusar ninguém. Conversar a respeito sim, é até obrigação. Nossa obrigação. Mas você não queria conversar, você queria apenas que eu não fizesse nada e a deixasse morrer enquanto tinha feito a mesma coisa com o Nestor.
Enquanto Henrique falava, Cahya ia murchando até que, sem conseguir se controlar, começou a chorar. Em seu desespero, se aproximou mais dele e o abraçou enquanto escondia o rosto em seu peito. Henrique aceitou o abraço, mas não correspondeu. Deixou seus braços caídos ao longo do corpo e continuou a falar:
– Desejar que a Milena morra, é a mesma coisa que desejar que eu morra também.
– Não. Nunca querer isso.
– Mas devia querer. A Milena não me agarrou à força, não encostou uma faca no meu peito e não fodeu sozinha. Uma foda sempre acontece entre duas ou mais pessoas. Então você tem que dividir este seu ódio por dois e se o ódio é tão grande assim que você chega a desejar a morte de alguém, então tem que fazer o serviço completo. Você tem que desejar que eu também morra.
– Nunca, nunca, nunca. Eu te amo.
Henrique sequer notou que, talvez pela primeira vez, Cahya tenha elaborado uma frase da forma correta. Ele estava muito alterado para isso e continuou:
– Eu também te amo. Não sei como explicar isso e nem porque acontece. Mas eu amo você, amo a Na-Hi e amo a Milena. Qualquer uma de vocês três é muito importante para mim e eu não sei que não vai ser fácil viver sem qualquer uma das três. É, vai ser difícil, mas nós dois não podemos mais ficar juntos. Acabou Cahya. E não vá sair dizendo por aí que acabou porque você transou com o Nestor. Não é por causa disso. Quando alguém perguntar, seja sincera e diga que foi porque eu não posso ter nada com alguém que carregue um ódio tão grande no coração. Se nós ficarmos juntos, esse ódio vai nos destruir e eu não vou deixar isso acontecer.
– NÃO! NÃO DEIXAR CAHYA. POR FAVOR, NÃO HENRIQUE…
Mas Henrique já tinha se livrado do abraço de Cahya e caminhava em direção ao local onde estava Milena. Os gritos de Cahya que continuava implorando para que ele não a deixasse eram ouvidos por todos que, imóveis, olhavam para ele esperando por sua reação. Não houve nenhuma. Henrique apenas caminhou até onde estava o corpo inerte de Milena e ficou em pé ao lado dela olhando para seu rosto.
Os ferimentos de Milena estavam todos curados. Exceto algumas marcas mais claras em seu corpo dourado apareciam e ele sabia que elas também desapareceriam em breve e ela voltaria a ter a beleza perfeita de antes.
Henrique permaneceu ao lado de Milena sem dizer uma palavra até que começou a anoitecer e ele, ainda sem dizer uma única palavra, foi para onde as vacas estavam e se preparou para mais uma noite de vigília. Logo percebeu que tinha a companhia de Chantal. A pantera estava ali obedecendo Margie que mandou que ela ajudasse a vigiar o gado e deixou isso claro quando se aproximou para que ele lhe fizesse um carinho na enorme cabeça. Era a primeira vez que a fera se aproximava dele desse jeito.
Depois de ser acariciada por Henrique, Chantal se afastou dele e, antes de se afastar dez metros, parou e se virou para ele, que tinha se levantado, rosnando e mostrando os dentes. Ele entendeu na hora que era para ele descansar e deixar que ela ficasse na vigília. Ele, sentindo-se cansado, falou:
– Tudo bem. Pode ir. Mas me chame se ver ou ouvir qualquer coisa suspeita.
A pantera voltou a arreganhar os dentes como fazia com Margie quando queria comunicar que estava concordando com alguma coisa. Henrique se deitou e ela voltou a se afastar dele que ainda gritou:
– Me acorde quando se cansar que eu faço o segundo turno da guarda.
Chantal sequer olhou para trás e ele ficou sem saber se ela tinha entendido ou não. Mas Henrique demorou a dormir. Em sua cabeça, toda a conversa com Cahya ficava se repetindo sem parar.
Quando chegou a hora em que normalmente todos iam se deitar, dessa vez para dormir, pois desde o ataque sofrido por Milena ninguém tinha ânimo para isso, Ernesto avisou Pâmela:
– Você pode ficar aqui com a Milena? Vou até o lago tomar um banho e lavar essa roupa. Há dois dias que não me afasto daqui.
– Eu também. – Falou Pâmela e depois sugeriu: – Você podia me levar junto. Também estou precisando de um banho.
Eles tinham adquirido o hábito de lavar a única roupa que tinham durante a noite uma vez que o normal era dormirem nus.
– Bem que gostaria. Mas não acho bom a Milena ficar aqui sozinha.
– Ela não está sozinha. Esse cavalo não arreda o pé daqui.
– Eu sei. Mas eu preferia que tivesse alguém perto para o caso dela voltar a si. Eu quero ser avisado imediatamente quando isso acontecer.
– A gente pode pedir para a Diana ficar aqui. – Sugeriu Pâmela.
Ernesto concordou e chamaram a Diana que aceitou permanecer ali. O casal se dirigiu para o lago em silêncio. Ernesto andava perdido em seus pensamentos e Pâmela preferia não invadir sua privacidade e esperava que, quando ele estivesse pronto, contaria a ela o que pensava. Ela temia que Milena morresse, sabendo o quanto isso seria ruim para seu marido. Ernesto jamais se consolaria se perdesse a filha. Afinal, ele já tinha perdido um filho e depois descobriu que o mesmo era homossexual. No fundo, ele se culpava disso. Além do mais, seu convívio com a filha sempre foi uma sucessão interminável de batalhas e, justamente agora que eles se entenderam, perdê-la seria um golpe terrível para ele. Ela não falava com ele sobre isso com seu marido, mas queria estar presente em todos os momentos de sua vida e esse era o motivo dela decidir ir com ele até o lago.
Não se passaram dez minutos desde que Ernesto e Pâmela se afastaram de Milena, quando Diana foi surpreendida pela reação de Tornado. O cavalo começou a resfolegar (som que os cavalos fazem com o nariz para avisar aos outros que um perigo se aproxima) ao mesmo tempo em que batia uma de suas patas dianteiras no chão. Se a mulher entendesse de cavalo, sabia que ele estava pressentindo algum perigo se aproximando, mas como para ela tudo o que se referia a cavalos era novidade, foi até ele com a intenção de acalmá-lo, mas na medida em que ela se aproximava, ele andava para trás enquanto balançava a cabeça para cima e para baixo, sem parar de resfolegar.
Mesmo com o barulho que o cavalo fazia, ela conseguiu ouvir o estalo de um galho seco e, quando se virou, ficou paralisada com o que viu. O vulto de uma mulher magra avançava para Milena com uma faca na mão. Diana abriu a boca para gritar, mas Tornado partiu em direção à atacante esbarrando nela que caiu no chão e não conseguiu evitar que a pata traseira do cavalo batesse em sua cabeça, A pancada foi tão forte que ela perdeu os sentidos.
Nestor estava deitado em sua cama sozinho quando ouviu um rosnado forte e um grito de dor. Com sua agilidade incomum, levantou-se e correu em direção ao local onde estava Milena. Ele sabia que o barulho vinha de lá. Quando ele chegou ao local, só teve tempo de gritar:
– TORNADO! NÃO. SOLTA ELA ARES!
O cavalo sustentava seu enorme corpo apenas nas patas traseiras enquanto as dianteiras se agitavam no ar. Bem embaixo dele, prestes a ser atingida, Cahya se contorcia tentando se livrar das presas de Ares que prendiam seu pulso, pois no justo momento em que ela desferiu o golpe que daria fim à vida de Milena, o filhote de onça surgiu em meio à escuridão e a atingiu no peito com as duas patas, fazendo com que ela caísse para trás. Ele caiu em cima dela e abocanhou o pulso de sua mão esquerda que segurava a faca como se fosse um punhal.
Ares, assustado com o grito de Nestor, pulou para lado e Cahya rolou sobre si, o que salvou sua vida, pois no instante em que ela fez o movimento, saindo de onde estava as patas dianteiras de Tornado atingiram a areia exatamente onde segundos antes estava sua cabeça. Se não fosse pelo movimento que fez, a da pata do cavalo teria esmagado seu crânio.
Nestor não vacilou. Como não precisou lidar com Ares que, ao ouvir sua voz fugiu, ele segurou o pulso de Cahya e a levantou, se colocando à frente dela, pois Tornado já estava preparando para repetir o ataque.
Com a mão direita estendida ele falou, desta vez sem gritar:
– Não Tornado. Calma. Está tudo bem agora. Calma.
O cavalo deixou suas patas caírem novamente longe do corpo dele que continuou falando calmamente com o cavalo, enquanto Margie se aproximava perguntando:
– Mas o que é que está acontecendo aqui?
– O Ares atacou a Cahya. Esses seus animais estão começando a ficar violentos, Melhor nos livrarmos deles.
– O Ares não ataca ninguém.
– Mas ele atacou Cahya.
– Não sem motivo. Ele é o mais dócil entre todos os filhotes.
– E que motivo poderia haver? Olha Margie. Você tem que entender que já está passando da hora da gente se livrar...
– Ela está falando a verdade.
Enquanto discutiam, Nestor e Margie não perceberam que a Diana tinha voltado a si. Agora, ela já estava em pé atrás do Nestor e se abaixava para pegar alguma coisa no chão. Quando ela se levantou, tinha uma faca na mão:
– O Ares acabou de salvar a vida da Milena. Cahya apareceu aqui do nada com essa faca na mão. Tornado tentou me avisar, mas eu fui uma idiota e, em vez de ficar atenta, tentei acalmá-lo.
– Você está ouvindo a loucura que está falando? – Falou Nestor para Diana.
– Loucura nenhuma. E quer saber o que mais? O Ares não salvou apenas a Milena. Ao fazer isso, ele salvou também a Cahya porque o Tornado me derrubou e na queda eu fui atingida por uma de suas patas e fiquei momentaneamente desacordada. Se o filhote não atacasse a Cahya, ela teria assassinado a Milena e depois disso teria sido morta por Tornado. Isso é uma certeza.
– Meu Deus! Você tem certeza disso, Diana? – Perguntou Margie com a mão na boca, demonstrando o quanto o ataque à Milena assustava.
– Tenho sim. Ao cair, ainda tive tempo de ver Cahya indo em direção à Milena com a faca na clara intenção de atacar a ela.
Justo quando Diana falava isso, Ernesto chegou correndo. Ele ouviu o final da frase e depois olhou para Cahya que estava atrás do Nestor e partiu para o ataque:
– Sua vagabunda assassina. Eu vou te matar com minhas próprias mãos.
Todavia, ele não chegou até Cahya. Com um simples movimento, Ernesto segurou seu braço e torceu com força fazendo com que o homem ficasse imobilizado e de joelhos na areia. Nesse momento, outras duas pessoas chegaram ao local. Pâmela, que não tinha conseguido acompanhar o ritmo de Ernesto em sua corrida desenfreada, e Na-Hi, que surgiu um segundo depois dela.
– O que está acontecendo aqui? – Disseram as duas ao mesmo tempo.
Nestor repetiu a mesma explicação que ouvira de Diana e Margie completou:
– Foi o Ares que salvou a Milena. Ele atacou a Cahya e a derrubou no chão. E se não fosse o Nestor, o Tornado teria esmagado a cabeça dela.
Os olhos arregalados de Pâmela se fixaram em Cahya enquanto Na-Hi se aproximava de Nestor e pedia em voz baixa:
– Solte o Ernesto, Nestor. Pode soltar que nada vai acontecer.
O rapaz obedeceu e Nestor se levantou esfregando o pulso e olhando para Cahya ainda com um olhar assassino. Na-Hi o advertiu:
– Não é esse o motivo de você estar nessa ilha, Ernesto. Seu dever é julgar a todos. Você não pode agir como se fosse o carrasco. Procure se acalmar.
Ernesto desviou os olhos para Na-Hi e procurou se acalmar. Ele não sabia por que, mas tinha certeza que ela estava certa. Enquanto isso, Na-Hi se dirigia a Cahya:
– Você ia mesmo matar a Milena? Era essa a sua intenção?
Cahya apenas assentiu com um movimento da cabeça e depois começou a chorar. Mas Na-Hi continuou a falar:
– Vá para sua cama. Deite-se lá e amanhã de manhã, levante cedo e faça suas obrigações. Fora isso, não faça mais nada. Não se afaste dessa praia para nada. Nada mesmo, entendeu? Se precisar ir até o lago, fale comigo que eu te acompanho. Você está proibida também de entrar no mar. Não se aproxime de Ruta. Amanhã ou depois vai ser decidido o que fazer com você.
Cahya andou em direção à Diana e estendeu a mão para pegar a faca que ela segurava. Mas a Na-Hi a impediu dizendo:
– Não. Essa faca fica comigo.
– E como eu vou cozinhar sem ela? – Perguntou Cahya ainda chorando.
– Não sei. Se precisar cortar alguma coisa, chame alguém para fazer isso. Não tente pegar uma faca. Se você tentar, vai se dar mal.
Cahya obedeceu e se afastou dali. Pâmela perguntou:
– E agora? O que vamos fazer com ela? Não podemos permitir que ela tente matar a Milena novamente.
– Isso não vai acontecer. Eu prometo. – Disse Na-Hi antes de dizer o que tinha em mente:
– Pelo que percebi, a pessoa mais indicada para julgar alguém aqui é o Ernesto, entretanto, dessa vez ele não pode fazer isso. Então temos que encontrar alguém que tome essa decisão.
Dizendo isso, Na-Hi se afastou e, logo depois Margie também foi se juntar aos filhotes que estavam agitados por causa da ausência de Chantal. Diana, antes de sair dali juntamente com o Nestor que demonstrava estar apenas esperando por ela, se dirigiu ao Ernesto:
– Desculpe-me. Eu falhei com você.
Ernesto apenas a olhou. Em uma expressão de raiva, provando que não estava propenso a desculpar ninguém. Mas a Pâmela falou:
– Não foi culpa sua, Diana. Você agiu corretamente e sua presença aqui foi muito importante. Não fosse você, a gente não saberia quais eram as intenções da Cahya.
Diana apenas abaixou a cabeça e saiu andando, com Nestor caminhando ao seu lado.
Na manhã seguinte, ao aparecer para o desjejum, Henrique foi informado do que tinha acontecido na noite anterior. Preocupado, tentou falar com Cahya que permanecia sentada na areia próxima das ondas, mas foi dissuadido por Na-Hi o convenceu de que, sendo ele o motivo do ódio de Cahya, não era aconselhável se aproximar dela. Ele entendeu e voltou para sua constante vigília, Ele se sentia descansado, pois Chantal não o acordara em momento algum durante a noite e ele pode, depois de muitos dias, ter um sono prolongado e repousante.
Quando ele chegou ao seu ponto de vigília, a pantera veio até ele que mais uma vez fez carinho em sua cabeça enquanto falava:
– Obrigado, Chantal. Agora vai descansar. Vai logo que seus filhotes devem estar morrendo de fome.
Chantal olhou para ele com um olhar triste. Certamente ela queria dizer que seu leite não estava sendo suficiente para alimentar seus filhos. Como ele pareceu não entender, ela lambeu sua mão em um gesto de carinho que normalmente só usava com Margie e depois se afastou dele, indo em direção ao acampamento.
A manhã do quarto dia transcorreu normalmente. Cahya executou suas tarefas como sempre fazia, só necessitando de ajuda uma única vez, que foi quando precisou abrir os peixes para limpá-los. Ela pediu para que Na-Hi a ajudasse, mas como a coreana estava muito ocupada, quem se encarregou desse serviço foi Pâmela. Margie se ofereceu para ajudar, porém, foi logo expulsa por estar fazendo muita sujeira e confusão. A ruivinha saiu da cozinha, como sempre, reclamando:
– Tudo que eu vou fazer vocês implicam. O dia que precisarem de ajuda de novo, por favor, não contem comigo.
– Tudo bem, Margie. Tchau.
Diana, que se aproximava nessa hora, perguntou o que estava acontecendo com a Margie e Pâmela respondeu rindo:
– Não está acontecendo nada. É apenas a Margie sendo a Margie.
– Ah! Entendi. – Disse Diana antes de olhar a quantidade de peixes que tinha para limpar. Antes de ser convocada para ajudar, falou em tom de desculpa: – Bom gente. Tenho que ir ver se está tudo bem com o Henrique e o gado e também verificar se o Áquila encontrou alguma coisa.
– Que foi. Limpar peixes é muito nojento para suas mãos delicadas? – Perguntou Pâmela.
– Do que você está falando? – Respondeu Diana com uma pergunta enquanto se esforçava para não rir.
– De nada Diana. De nada. Vai embora daqui antes que eu desista de ajudar a Cahya e aí quero ver quem vai limpar esses peixes.
– Tudo bem. Desculpe aí se tenho outras coisas para fazer.
Depois de uma refeição satisfatória, onde o prato principal era peixe com peixe, todos voltaram aos seus afazeres, menos Cahya que, não podendo se ausentar da praia, ficou sentado na areia com olhar perdido no horizonte, enquanto sua mente vagava sobre os acontecimentos da noite anterior. O arrependimento logo se apoderou dela que começou a chorar. Como não havia ninguém por perto, ela deu vazão ao seu pranto e se deitou na areia, deixando suas lágrimas se juntarem às ondas que estavam cada vez mais altas e já cobriam metade de seu corpo. Chorou até que o cansaço tomou conta de seu corpo e dormiu.
Sentiu que havia algo estranho ao notar que seu corpo se aquecia mais que o normal, o que fez com que ela ficasse sentada na areia e seus olhos se arregalaram com o que viu. Um globo de luz muito forte brilhava no local onde as ondas se quebravam. Cahya olhou para os lados e para trás para pedir ajuda e percebeu que estava sozinha na praia. Quando olhou novamente para frente, a luz já estava próxima dela, a menos de três metros. De repente, a luz foi mudando suas formas e pareceu que havia uma mulher na sua frente. Mas não era uma mulher de carne e osso. Era apenas a luz que tomava essa forma, pois Cahya conseguia ver as ondas quebrando atrás dela.
A imagem olhou para ela e Cahya definiu seu rosto como se fosse uma bondade personificada. Os olhos tão claros que era impossível para ela definir sua cor, a pele translúcida e brilhante ia mudando de cor e essas cores eram as mesmas que suas peles adotavam quando estavam expostas ao sol. O amarelo que era dela e de Na-Hi, o azul e o verde, o brilhante de Margie e depois novamente o amarelo e, quando assumiu essa cor, parou de alterar as cores e começou a alterar as formas. De repente, a imagem era uma reprodução dela. Não fosse ser translúcida e luminosa, ela julgaria estar diante de um espelho.
Quando assumiu suas formas, a expressão da imagem foi alterando e imagem da bondade passou para surpresa, depois para contrariedade e assim por diante, até que ficou desfigurada como se o ódio demonstrado em sua expressão provocasse a ruína de tanta beleza.
Cahya olhava assustada para aquela figura que, depois de deixá-la deslumbrada, a assustava com sua expressão horrenda. Era uma cópia dela sim, mas não como se conhecia. Em vez disso, era uma Cahya envelhecida, com o rosto cheio de rugas, os olhos destilando raiva e ódio e a boca retorcida. Então o brilho amarelo ao qual ela já estava acostumada a ver em sua própria pele começou a desaparecer até ficar branca como a neve. Mais uma vez Cahya admirou a figura e viu uma mulher velha, feia como se o tempo lhe tivesse dado todo o sofrimento do mundo O rosto era encarquilhado e raivoso. Então ela ouviu uma voz rouca e trêmula, como se tivesse dificuldade de falar em virtude do ódio que parecia ser o combustível que a mantinha em pé e ainda com forças para falar:
– Venha comigo, Cahya. Você já cumpriu sua missão. Você já ensinou a todos como é que o ódio funciona.
Enquanto Cahya se esforçava para responder que não, sem conseguir emitir nenhum som, notou que outra luz surgia ao lado daquela. Essa segunda imagem repetiu o mesmo ritual que a outra. Porém, quando tomou as formas de uma mulher, adotou o tom dourado e o rosto de Milena surgiu esplendoroso e belo. Muito mais belo do que já era e em sua plena maturidade. Então o vulto que se parecia com Milena, falou se dirigindo a ela:
– Não Cahya. Não vá. Nós precisamos de você. Não se deixe levar pela amargura.
– Saia já daqui. – Ordenou a voz rouca do outro mundo.
– Não vou sair. Deixe a Cahya em paz. Nós precisamos dela. Respondeu a outra com o mesmo tom melodioso de antes.
– Não adianta mentir. Ela já fez a sua escolha. Ela escolheu a mim. Vocês não vão conseguir evitar que ela vá comigo porque é isso que ela quer. Agora, vá embora. Saia já daqui.
– NÃO! SAIA DAQUI VOCÊ! – Gritou o vulto que representava a Milena e depois voltou a falar da mesma forma que antes, se dirigindo à Cahya: – Fala pra ela Cahya. Diga que você não quer ir. Diga que nós precisamos de você e que todos nós te amamos.
– Mas ela não ama ninguém. Ela pensa que ama o Henrique e a Na-Hi. Não os ama. Ela só tem por eles um sentimento de propriedade. Pensa que é dona do sentimento deles.
– Isso é mentira. É mentira Cahya. Você não é assim. Você é a garota doce e carinhosa que cuida de todos nós.
– Você já fez sua tentativa. Agora chega. Ela é que tem que decidir. – Ao dizer isso, o vulto que representava Cahya se dirigiu a ela: – Vamos querida. Eu posso te dar tudo o que você deseja. Posso te dar um poder onde você não vai comandar apenas os golfinhos, mas todos os seres vivos. Tudo. Só eu posso te dar esse poder.
– A Cahya não precisa desse poder. Ela já...
– CALE-SE. JÁ TE DISSE QUE A DECISÃO É DELA.
O vulto dourado parou de falar e olhou para Cahya que correspondeu àquele olhar e viu, mais do que sentiu, a chama do amor que refletia nele. Então ela pensou sobre como seria ser poderosa, poder se comunicar com todos os animais e revolucionar qualquer mundo com esse poder. Isso seria maravilhoso, se não fosse por um único detalhe. A oferta do poder podia oferecer muitas coisas. Talvez pudesse oferecer tudo. Mas não oferecia algo que Cahya só foi conhecer depois que conheceu o Henrique e mais ainda quando passou a conviver com as outras oito pessoas que chegaram com ela naquela ilha. O ódio a cegara a ponto dela não enxergar mais esse amor, mas agora, na iminência de obter um poder ilimitado, sentiu que a ausência de amor faria com que isso não significasse nada.
Então ela se encheu de coragem e conseguiu falar em uma voz limpa e cristalina:
– Eu não vou com você. Eu não quero viver na escuridão. Vá embora daqui.
Enquanto falava, percebeu que as palavras pareciam sair de sua boca e tomavam a forma de pequenos raios de um tom amarelo e brilhante. Esses raios atingiram diretamente o vulto que tinha a sua imagem que, ao ser atingido, dirigiu a ela um último olhar de ódio e começou a se desvanecer.
O vulto dourado ainda olhou para ela com um sorriso que era a mistura de tudo o que é bom: harmonia, carinho, amizade, confiança e, o mais importante, muito amor, Depois foi se afastando até que, ao passar do local onde as ondas se quebravam, desapareceu de vez, depois de falar:
– Nunca se esqueça, querida. Só o amor incondicional entre vocês todos permitirá que cumpram a missão que foi cocada em seus ombros. Todos os noves têm que estar unidos em uma única corrente de amor.
Naquele exato momento, Cahya que estava deitada na areia e se agitava com o sonho estranho que foi tão nítido que parecia ser real. Acordou assustada com a gritaria que ouviu Atordoada, se apoiou sobre as mãos e ergueu a cabeça, o que lhe permitiu ver a Diana correndo em direção à Pâmela e Na-Hi enquanto gritava:
– Ela se mexeu. A Milena mexeu a mão e seus olhos tremeram. Acho que ela está acordando.
Lembrando-se do sonho que acabara de ter, Cahya entendeu que aquilo não era uma simples coincidência e, mesmo sabendo que não podia se aproximar de Milena, levantou-se e correu na direção em que ela estava.