Eu não lembro muito da minha infância. O que eu tenho são flashes, pedaços de memórias que parecem mais um sonho distorcido do que algo real. Lembro daquela instituição, das paredes cinzas e dos quartos cheios de camas. Lembro dos funcionários, sempre ocupados, mas que faziam o possível para cuidar da gente. Eles eram gentis, mas não eram família. Ninguém ali era.
Nas datas especiais, como o Dia das Crianças ou o Natal, a instituição ficava cheia de doações. Brinquedos, roupas, doces. Era como se o mundo quisesse compensar a falta de algo maior com presentes. Eu sempre ganhava algo, mas nunca era o que eu realmente queria. O que eu queria era amor. Alguém que me olhasse e dissesse: "Você é importante para mim." Mas isso nunca aconteceu.
Agora, cá estou eu. Com cara de idiota, sentado na cama, sem saber o que dizer para o Fernando. Ele está ali, deitado, olhando para mim com aqueles olhos sérios, esperando uma resposta. Ele me pediu em namoro. Namoro. Eu não sei o que fazer com isso.
— Acho melhor você ir — soltei, desviando o olhar.
— Espera... — ele começou, mas eu já estava de pé, vestindo a cueca.
— Fernando, eu sou um cara muito complicado — falei, tentando me afastar.
— O que tem de complicado, hein? — ele perguntou, vindo atrás de mim.
— Eu sou complicado — repeti, sem coragem de olhar para ele.
— Joel, olha para mim — ele pediu, e eu senti sua mão no meu ombro. — Vai dizer que você não sente nada?
Ele se aproximou por trás, e eu senti sua respiração perto do meu pescoço. Eu queria me virar, abraçar ele, dizer que sim, que eu sentia algo. Mas as palavras não saíram.
— Só vai, por favor — pedi, cruzando os braços. Uma lágrima escorreu pelo meu rosto, e eu não tive forças para esconder.
— A gente pode se falar... — ele tentou, mas eu já estava fechado.
— Fernando, por favor, não faz isso ser mais difícil do que está sendo. Só vai embora — implorei.
Ele ficou em silêncio por um momento, e então começou a se vestir. Quando a porta fechou atrás dele, eu me senti vazio. Pronto, eu consegui estragar a única coisa boa que eu tinha na vida. Por que eu sou assim? Quando é só sexo, eu consigo lidar. Mas quando as coisas ficam mais intensas, mais íntimas, eu fujo. Tal qual meus pais.
No dia seguinte, tentei me distrair com os estudos. Faltavam poucas semanas para o vestibular, e o Enem era a única coisa que parecia fazer sentido na minha vida. Mas, no fundo, eu sabia que estava me enganando. Eu precisava sentir algo, qualquer coisa. Então, voltei a atender clientes.
Naquela noite, resolvi fazer algo diferente. Um cliente chegou, e fomos para o quartinho. Perguntei se ele se importava de chamar mais uma pessoa. Ele disse que tinha dinheiro só para um, mas eu mandei uma mensagem para o Lucas mesmo assim. Claro que ele topou.
Lá estava eu, no meio dos dois. O Lucas pela frente, o cliente por trás. Eu me sentia desejado, e isso me excitava. O cliente me penetrou enquanto eu fazia sexo oral no Lucas. Era uma mistura de prazer e dor, de algo que eu não conseguia explicar. Eu pedia para eles me penetrarem ao mesmo tempo, e eles fizeram.
O cliente deitou na cama, e eu sentei nele, sentindo cada centímetro. Depois, Lucas veio por trás. Com muito lubrificante, os dois me preencheram, e eu senti um êxtase que eu nem sabia que existia.
Os dois paus lutavam por espaço dentro de mim, e eu gozei sem tocar no meu pau. O prazer foi tão intenso que eu apertei o peitoral do cliente, quase sem perceber. Quando eles saíram, eu me senti vazio. Meu corpo fez um barulho engraçado, e eu ri, mesmo sem graça.
— Gozem na minha boca — pedi, ficando de joelhos.
Eles tiraram as camisinhas e começaram a se masturbar. O cliente uivava de prazer, e eu lambia os paus deles, esperando. Lucas gozou primeiro, e o jato quente entrou na minha boca. Depois, foi a vez do cliente.
— Caralho — ele soltou, ofegante. — Essa transa foi melhor que a encomenda.
— Mandou bem, vovô — Lucas riu, se vestindo.
Eu ainda estava de joelhos no chão quando o cliente me entregou duas notas de cinquenta reais e saiu. Lucas vestiu a farda e foi embora também. Fiquei deitado na cama, exausto, e acabei adormecendo.
Acordei com o Lucas me beijando. Levantei assustado, e ele riu.
— O Heitor estava perguntando por você — ele disse. — A Paloma cobriu, falou que você estava no banheiro com diarreia.
Eu ri, mas por dentro, eu me sentia vazio. De novo.Retornei para o posto, ainda com a cabeça cheia de pensamentos e um nó na garganta. A Paloma estava lá, como sempre, arrumando as prateleiras com aquele jeito meticuloso dela. Ela me olhou de lado e percebeu que eu estava estranho.
— O que você tem, Joel? — ela perguntou, erguendo uma sobrancelha.
— Eu fiz uma coisa imperdoável — respondi, encostando no balcão e soltando um suspiro dramático. — Eu rejeitei um cara gostoso... e gente boa.
Ela riu, fazendo aquele sinal de negação com a cabeça, como se eu tivesse acabado de contar a piada mais sem graça do mundo.
— Pena máxima: vai ficar solteiro para sempre — brincou, com um sorriso maroto.
— Sabe quando a vida te fode, mas do nada resolve ser boazinha? — comecei, levantando o dedo como se estivesse dando uma palestra. — Você conhece um cara perfeito: bonito, cheiroso, educado, nerd, não manda áudio gritando no WhatsApp, paga a conta sem fazer drama... e aí, um dia, DO NADA, ele olha no fundo dos seus olhos e te pede em namoro? — questionei, tentando recuperar o fôlego após o meu monólogo.
Ela parou de arrumar as prateleiras e me olhou com uma expressão séria, mas ainda com um brilho de curiosidade nos olhos.
— Sim, mas por que você o rejeitou? — ela perguntou, cruzando os braços.
— Porque era só um flerte inocente — respondi, encolhendo os ombros. — Um lanchinho, um belisquinho emocional. E de repente ele quer o COMBO COMPLETO! E nessa hora minha mente virou um comitê de sabotagem.
— Complexos? — ela arriscou, com um sorriso meio triste.
— Dezenas. Centenas. Sei lá, eu sou o cara órfão. Desde sempre desejei ser amado e desejado, mas isso nunca veio — confessei em voz alta pela primeira vez, como se as palavras tivessem saído sem minha permissão.
Ela ficou em silêncio por um momento, como se estivesse processando o que eu tinha dito. Depois, soltou um suspiho e começou a contar uma história.
— Amigo, uma vez conheci um rapaz e o rejeitei. Dois dias depois, ele já estava saindo com alguém muito melhor que eu. Abri o Instagram e vi que ele estava namorando uma moça que parecia modelo da Victoria's Secret. E ainda escreveu na legenda: "Obrigado por me ensinar o que é amor verdadeiro." — ela contou, com um riso amargo. — E eu lá, com cara de palhaça, segurando um miojo e pensando no erro que cometi.
— Que tenso — comentei, imaginando a cena. — E não tentou reconquistá-lo de volta?
— Já era. Só tive que aceitar o karma e torcer para aparecer um boy maravilhoso aqui nesse fim de mundo — ela disse, e sua voz pareceu triste, mesmo tentando disfarçar com um sorriso.
Fiquei em silêncio por um momento, olhando para ela. A Paloma sempre foi tão forte, tão decidida. Ver aquela vulnerabilidade nela me fez perceber que talvez eu não fosse o único que se sabotava.
— E aí, você acha que eu devia tentar falar com o Fernando de novo? — perguntei, meio sem querer.
Ela deu de ombros, mas seu olhar estava cheio de significado.
— Só você sabe, Joel. Mas, se ele é tão perfeito assim, talvez valha a pena dar uma chance. Ou pelo menos explicar o que se passa na sua cabeça. Quem sabe ele não entende?
Só queria esquecer o Fernando e aqueles olhos castanhos que pareciam me perseguir até nos meus sonhos. Então, me afundei nos estudos e no sexo. Dois extremos que, de alguma forma, me mantinham são. Pelo menos era o que eu tentava acreditar.
O Murillo apareceu com mais uma daquelas festas. Dessa vez, era numa fazenda. O lugar era lindo, com um clima que parecia ter saído de um filme. O céu estava limpo, o ar fresco, e os homens já estavam se pegando quando chegamos. Deixamos nossas coisas no quarto e fomos direto para a ação.
E, como sempre, eu me tornei o centro das atenções.
Não demorou muito para eu estar de quatro em uma espreguiçadeira, com homens ao meu redor, usando meu corpo como quisessem. Alguns me penetravam, outros batiam na minha bunda, e alguns esfregavam seus paus na minha cara. Era uma mistura de dor e prazer, algo que me fazia sentir vivo, mesmo que por alguns instantes.
Diferente da última vez, o Murillo decidiu participar também. Ele me penetrou com uma intensidade que me fez gemer mais alto do que o normal. Eu senti cada centímetro dele dentro de mim, e aquilo me levou a um êxtase que eu nem sabia que era possível.
Depois, sentei em dois paus ao mesmo tempo, descendo e subindo, sentindo o prazer de ser preenchido por dois corpos. Aquilo era intenso, quase avassalador. Eu era desejado, e todos ali queriam um pedaço de mim. Era uma sensação que eu não conseguia explicar, mas que me mantinha preso naquele ciclo.
Foi então que vi ele. Um rapaz magro, com marcas roxas pelo corpo, deitado ao meu lado. Ele estava sendo usado da mesma forma que eu, e eu vi o prazer nos olhos dele. Mas havia algo mais, algo familiar. Quando nossos olhares se encontraram, eu o reconheci.
— Carlos? — perguntei, ainda ofegante.
Ele virou assustado, mas logo um sorriso iluminou seu rosto.
— Quem é você? — ele questionou, tentando se concentrar no meu rosto.
— Sou eu, Joel. A gente foi do mesmo orfanato — revelei, e ele me abraçou forte, como se estivesse segurando um pedaço do passado.
— Joel! Cara, que loucura. Você aguentou bem — ele disse, rindo.
— Você também — respondi, sentindo uma mistura de alívio e nostalgia.
Depois daquela sessão, fui atrás dele enquanto ele tomava banho perto da piscina. A água escorria pelo seu corpo magro, e eu vi as marcas mais de perto. Ele parecia frágil, mas havia uma força nele que eu admirava.
— Sinto muito por você não ter sido adotado — ele disse, enquanto se secava. — Acho que todos deveriam ter tido a mesma chance que eu. Tipo, meus pais não foram os melhores do mundo, mas consegui chegar onde estou graças à adoção.
Eu balancei a cabeça, tentando não pensar muito no assunto. — E você, tá só sendo puta ou aquele moreno gostoso que estava com você é mais que um amigo? — ele perguntou, mudando de assunto.
— O Murillo é meu personal na academia. Ele que me arrastou pra esse antro de perdição — brinquei. — Somos só amigos. Por enquanto, estou focado no Enem e em ter um tempo de qualidade.
Carlos riu, mas logo seu olhar ficou sério. — Ei, quer ir para o meu quarto e...?
— Você é ativo? — perguntei, meio desconfiado.
— Melhor que isso — ele respondeu, com um sorriso maroto.
Meio hesitante, segui ele até o quarto. Ele abriu a mochila e tirou um dildo enorme, que parecia uma espada Jedi do prazer. Ele explicou que dava pra ser usado dos dois lados e que estava com tesão.
Eu sorri, intrigado, e topei a experiência. Deitamos na cama, passamos lubrificante em nossos cús e começamos a brincadeira. Peguei uma parte do dildo e penetrei em mim, sentindo o objeto entrar centímetro a centímetro. Carlos fez o mesmo do outro lado.
Estávamos deitados de barriga para cima, pernas levantadas, quase como na posição de frango assado. Cada movimento que fazíamos era um estímulo intenso. O dildo entrava e saía em uma velocidade que me deixava sem fôlego.
— Eu sempre quis fazer isso com outro passivo — comentou Carlos, gemendo entre as palavras.
— Quantos centímetros tem esse negócio? — perguntei, já sentindo o prazer tomar conta de mim.
— Um metro — ele respondeu, antes de dar um gritinho quando empurrei o dildo na direção dele.
Comecei a me masturbar ao ouvir os gemidos de prazer dele. Nem preciso dizer que gozei horrores.
As semanas passaram e eu foquei ainda mais no Enem. Meus clientes e minhas aventuras sexuais continuavam, mas confesso que a ansiedade para o dia da prova me consumia. Durante os simulados, me destaquei a ponto de ganhar um notebook num concurso do próprio curso preparatório. Nem preciso dizer que vendi. Precisava juntar todo o dinheiro possível.
Naquele chuvoso dia de novembro, acordei antes mesmo do despertador tocar. O quarto estava escuro, apenas o som da chuva contra a janela preenchia o silêncio. Levantei devagar, respirei fundo e conferi todos os meus documentos e materiais para a prova. Também coloquei na mochila algumas barrinhas de cereal, sanduíches naturais e uma garrafa de dois litros de água. Tudo pronto. Agora, era só ir.
Cheguei ao local dentro do horário. A escola estava cheia, e o fiscal da sala explicou todas as regras com a rigidez de um sargento. Eu mal piscava, com medo de fazer qualquer movimento suspeito. O ambiente era tenso, mas bastava olhar ao redor para perceber que todos estavam ali pelo mesmo motivo: entrar na universidade. Alguns pareciam tranquilos, outros roíam as unhas ou tamborilavam os dedos sobre a mesa.
O primeiro dia foi intenso. 90 questões. Linguagens. Ciências Humanas. Redação. E o tema? "As políticas de adoção em questão no Brasil contemporâneo". Sério, destino? Podia ser menos óbvio? Revirei os olhos, mas logo me concentrei. O momento de brilhar era esse, porque exatas sempre foi meu calcanhar de Aquiles. Fiz a prova com a máxima atenção, revisando cada resposta, torcendo para que minha redação fosse no mínimo excelente.
Fiquei até o último minuto para garantir o caderno de questões. Quando finalmente saí da sala, senti o ar fresco bater no rosto e puxei o celular do bolso. Uma notificação apareceu na tela. Era o Fernando.
"Boa sorte, Joel."
Droga. Meu coração apertou, e antes que eu pudesse pensar direito, disquei o número dele. A ligação chamou duas vezes antes de ele atender.
— Fernando? — minha voz saiu trêmula.
— Oi, Joel. Você tá chorando? — ele perguntou, preocupado.
Engoli em seco. Eu nem tinha percebido que estava.
— Eu preciso falar com você...
— Então, fala. Vira para trás.
Franzi a testa, confuso. Me virei e, ali, no estacionamento, estava ele. Fernando. Com um sorriso de canto e as mãos enfiadas nos bolsos da calça jeans. Ele se aproximou, e antes que eu dissesse qualquer coisa, me puxou para um abraço apertado. E foi aí que desabei. Não sei se foi o nervosismo da prova, a tensão acumulada ou simplesmente a saudade absurda que eu sentia dele.
— Ei, tá tudo bem. — A voz dele era calma, quase um sussurro.
— Não, não tá. Eu fui um idiota contigo. — Funguei, tentando me recompor. — Não quero que você namore um modelo.
Fernando franziu o cenho, confuso. — O quê?
— Nada. — Enxuguei as lágrimas rapidamente e fiz uma careta. — O que você está fazendo aqui?
Ele riu, balançando a cabeça. — Cara, você só falava do lugar da prova. Fez até um desenho de mapa pra se localizar. Como eu ia esquecer?
Soltei uma risada fraca. Era bem a minha cara. Suspirei fundo antes de tomar coragem.
— Fernando, eu sou complicado, mas eu gosto de você. Eu não quero que você saia da minha vida. Eu sei que fiquei meses sem te ver, que você não tem obrigação nenhuma comigo e...
Antes que eu terminasse, ele me calou com um beijo. Um beijo cheio de saudade, de desejo, de todas as palavras que ficaram presas entre a gente por tanto tempo. Quando se afastou, olhou nos meus olhos e sorriu.
— Eu tentei seguir em frente, Joel. Mas não consegui. Eu não quero te pressionar, só... quero tentar. Nem que seja uma amizade colorida.
Me permiti sorrir de volta. O coração mais leve, a cabeça menos caótica.
— Quer lanchar? — ele perguntou, divertido.
— Estou morrendo de fome. — confessei.
— Então vamos. Você merece um lanche gostoso.