O sol mal despontava no horizonte, tingindo o céu de tons alaranjados, mas a vizinhança já despertava em um ritmo quase coreografado. O barulho suave de portas se abrindo e passos apressados ecoava pelas calçadas, enquanto os homens, vestidos em seus uniformes de trabalho, saíam de casa um a um. Apesar da pressa, nenhum deles partia sem antes se despedir das esposas — e esse momento, embora breve, carregava uma ternura que parecia fazer parte da própria rotina do bairro.
Na casa ao lado, Júlio, o loiro alto, segurava a cintura da esposa, puxando-a para um beijo demorado antes de murmurar algo ao pé do ouvido dela, que corou e abaixou os olhos, sorrindo. Mais adiante, o velho Antônio, já com o boné surrado na cabeça, acariciava o rosto da mulher, deixando um beijo suave em sua testa. E assim, de casa em casa, repetia-se o mesmo ritual: braços envolvendo cinturas femininas, mãos masculinas deslizando por quadris arredondados, lábios se encontrando em despedidas que, muitas vezes, traziam a promessa de um reencontro apaixonado à noite.
Na varanda de sua casa, Paulo ajeitou a aliança no dedo enquanto Ana, ainda vestida com o robe fino, se aproximou para entregar-lhe a marmita. O tecido leve revelava as curvas recém-transformadas do corpo dela, especialmente o volume discreto que começava a se desenhar em sua barriga. Paulo segurou a cintura da esposa com firmeza, sentindo o calor do corpo dela sob o tecido fino. Seus lábios tocaram os dela em um beijo lento, saboreando o gosto doce da manhã.
— Não se atrase hoje... — murmurou Ana, com um brilho travesso nos olhos.
— Nem penso nisso. — Paulo sorriu contra os lábios dela antes de beijá-la mais uma vez, dessa vez com mais intensidade, até sentir o corpo da esposa ceder levemente contra o seu.
Relutante, ele se afastou e desceu os degraus da varanda, lançando um último olhar para Ana, que o observava da porta com um sorriso suave. Ao cruzar o portão, Paulo trocou acenos rápidos com os vizinhos que seguiam o mesmo caminho. Júlio passou ao seu lado, dando-lhe um tapinha nas costas.
— Aproveita bem esse fogo da patroa, rapaz! Porque depois… — Júlio riu, sem terminar a frase, enquanto os dois seguiam juntos em direção ao ponto de ônibus.
O caminho até a fábrica era curto, mas a rotina dos homens começava antes mesmo de pisarem no chão de concreto da empresa. A conversa entre eles fluía naturalmente, misturando piadas sobre o trabalho com comentários sobre as esposas. Sempre havia alguém se vangloriando — ou reclamando — das noites em casa.
— Minha mulher tá ficando mole. Ontem, mal começamos, ela já pediu pra eu pegar leve. — Disse um sujeito de barba espessa, arrancando risadas dos outros.
— Mole, nada! — interrompeu Júlio, estufando o peito. — A minha aguenta firme. O problema sou eu, que tô sempre com vontade. Outro dia, ela mal tinha se trocado pra dormir e eu já tava em cima!
— Cuidado pra não assustar a coitada! — brincou o grisalho, ajustando o boné. — Não é toda mulher que consegue acompanhar o ritmo da gente.
— Pois a minha deu um jeito de me driblar ontem. Disse que tava com dor nas costas, mas eu conheço aquele truque. — Outro homem comentou, provocando uma nova onda de risadas.
— Vocês falam como se fosse fácil pra elas! — retrucou Júlio. — Imagina aguentar a gente depois de um dia inteiro cuidando da casa e dos filhos. Minha mulher é uma santa!
— Santa? Então eu quero ver a cara de anjo dela quando você tá em cima dela de noite! — disse o homem de barba, arrancando gargalhadas.
Entre piadas e gargalhadas, Paulo seguiu o grupo, ouvindo mais do que falando. Casado há pouco tempo, ainda se sentia um pouco deslocado naquele universo onde os homens pareciam competir pelo título de quem tinha a esposa mais fogosa ou quem aguentava mais tempo na cama.
Ao chegarem à fábrica, o grupo se dispersou rapidamente, cada um seguindo para seu setor. Paulo atravessou o pátio, sentindo o cheiro de óleo e metal no ar. O som das máquinas já ecoava pelos galpões, misturando-se ao vai-e-vem dos operários que se apressavam para ocupar seus postos. A rotina era intensa: oito horas em pé, sob o calor das máquinas, manuseando peças pesadas e repetindo movimentos precisos sem margem para erros.
Mesmo assim, o ambiente mantinha um certo clima de camaradagem. Entre uma tarefa e outra, sempre havia espaço para um comentário engraçado ou uma provocação amistosa. E foi justamente em um desses momentos que Paulo ouviu uma voz familiar chamando seu nome:
— E aí, sumido! Já tá se acostumando com a vida de casado ou ainda tá aprendendo a pedir permissão pra sair de casa?
Paulo se virou e viu Marcos se aproximando com o mesmo sorriso de sempre. O amigo usava o uniforme da fábrica com a naturalidade de quem já estava ali há anos.
— Marcos! — O rosto de Paulo se iluminou. — Achei que você tava em outro setor.
— Tava, mas me transferiram pra cá. Agora não tem mais desculpa pra não me chamar pra uma cerveja depois do expediente!
Os dois trocaram um aperto de mão firme, seguido por um tapa amigável no ombro. Por um instante, foi como se o tempo tivesse voltado à adolescência, quando passavam as tardes juntos, sem preocupações. Mas o olhar de Marcos trazia algo a mais — uma centelha de algo não dito, uma lembrança que ambos preferiam não mencionar.
— E aí, pessoal! — Marcos se juntou ao grupo durante o intervalo, rapidamente entrando no ritmo das piadas. — Vocês tão pegando leve demais nas histórias. Lá em casa, o problema era o contrário: tinha noite que eu é que pedia arrego!
— Aham, sei… — Júlio riu, balançando a cabeça. — Aposto que a culpa era da cerveja, não da mulher!
— Vai sonhando! — rebateu Marcos. — O dia que eu precisar de desculpa pra não dar conta, podem me aposentar!
— O problema é quando elas criam gosto demais e a gente não dá conta! — comentou um dos mais velhos, arrancando gargalhadas.
— Ou quando elas vêm com aquele olharzinho inocente depois de um dia inteiro e a gente já sabe que não vai dormir cedo! — acrescentou outro.
As histórias continuaram, agora com os homens se alternando para contar as próprias experiências — algumas mais exageradas que outras, mas sempre recebidas com risadas e comentários provocativos. Paulo, embora mais reservado, não pôde deixar de sorrir com o clima descontraído.
O sol entrava suave pelas cortinas brancas da sala, anunciando o início de mais um dia. Ana caminhava descalça pelo piso frio, o tecido leve do vestido caseiro balançando a cada passo. A casa estava silenciosa depois que Paulo partira para o trabalho, deixando para trás o eco suave de um beijo de despedida.
Com gestos delicados, ela abriu as janelas para deixar o ar fresco da manhã circular pelos cômodos. Começava o dia arrumando a sala: almofadas no lugar, cortinas ajeitadas e um olhar atento aos mínimos detalhes. O som da chaleira na cozinha a chamou de volta ao fogão, onde preparou um chá de ervas para acompanhar o pão recém-torrado. Sentada à mesa, saboreou o café da manhã em silêncio, apreciando a tranquilidade da casa que agora era seu lar.
Após o desjejum, seguiu para o quarto. Dobrou as roupas de Paulo, sentindo o cheiro suave do perfume dele ainda impregnado no tecido. Ajeitou a cama, esticando o lençol com capricho e alisando a colcha floral. O espelho ao lado refletiu sua figura: o corpo esguio começava a ganhar contornos mais arredondados, e o tecido fino do vestido marcava o formato dos seios, que já haviam crescido nos últimos meses.
Com um sorriso discreto, desceu para a lavanderia. Enquanto estendia as roupas ao sol, sentiu o calor da manhã aquecendo sua pele. O vento leve balançava seus cabelos soltos, e ela deixou-se levar por aquele instante simples e bom. De volta à cozinha, lavou a louça do café da manhã e limpou o balcão, sempre com movimentos suaves, quase ritmados. O rádio tocava baixinho uma melodia antiga, preenchendo o ambiente com uma sensação nostálgica.
À tarde, depois de um almoço simples — arroz, legumes refogados e frango assado —, Ana se permitiu um momento de descanso. Sentada na varanda, folheou um livro de receitas enquanto observava os vizinhos passarem pela rua. De vez em quando, trocava acenos com as mulheres que voltavam das compras ou buscavam os filhos na escola. O tempo parecia correr em outro ritmo ali, como se cada dia tivesse sido feito para ser vivido sem pressa.
Quando o sol começou a se pôr, Ana voltou à cozinha para preparar o jantar. O cheiro de temperos se espalhou pela casa, anunciando a proximidade da hora em que Paulo chegaria. Arrumou a mesa com esmero: toalha de linho, pratos bem dispostos, taças limpas. Antes que ele chegasse, subiu ao quarto para se trocar. Escolheu um vestido leve de tecido acetinado, que delineava suas curvas sem exagero. Um toque de perfume nos pulsos e no pescoço, um penteado simples deixando alguns fios soltos.
O som da chave na fechadura fez seu coração bater mais rápido. Ana desceu a escada com passos suaves, e quando Paulo entrou, seus olhos se encontraram em um instante silencioso de cumplicidade. Ele deixou a pasta sobre o aparador e aproximou-se para um beijo que começou casto, mas logo se prolongou em algo mais intenso.
O jantar transcorreu entre sorrisos e conversas leves. Depois de recolher os pratos, Ana sentiu o olhar de Paulo acompanhando seus movimentos. Ao terminar, virou-se lentamente, encontrando o marido ainda sentado à mesa, o olhar fixo nela. Sem dizer uma palavra, ele se levantou e aproximou-se, passando os braços ao redor de sua cintura. O calor das mãos dele sobre o tecido fino fez o coração de Ana acelerar.
Subiram juntos para o quarto, os passos ecoando pelo corredor em meio ao silêncio da noite. A porta se fechou suavemente, e o vestido escorregou pelos ombros de Ana, revelando a pele quente sob a luz suave do abajur. Os corpos se encontraram em movimentos lentos, sem pressa, como se o tempo ali dentro não seguisse as mesmas regras do mundo lá fora. Entre suspiros e beijos, a noite seguiu seu curso, marcada pelo ritmo suave dos corpos e pelo som abafado da respiração compartilhada.
E assim, em meio às tarefas simples do dia e aos momentos íntimos da noite, Ana vivia a rotina que sempre sonhara: dedicada ao lar, ao marido, e ao papel silencioso, mas essencial, de ser a mulher da casa.