Juliana despertou com o sol estapeando-lhe o rosto. O corpo moído era marcado pelo vestido que, agora, era um fardo de tecido pesado e sujo. Levantou-se da cama dura do hotel, olhou-se no espelho encardido e viu uma mulher devastada. Mas livre. Sim, livre.
Lá fora, Curitiba arfava indiferente ao escândalo de Campinas. O telefone do hotel tocou, assustando-a. Ignorou. Pegou um cigarro do frigobar e acendeu, tragando como uma condenada.
Na mesa de cabeceira, o rádio chiava uma música brega qualquer. O dia começava.
Enquanto isso, em Campinas, o inferno fervia.
A campainha da casa de Pérola tangeu em plena manhã. A cartomante, com seus olhos de bruxa má, abriu a porta e encontrou Magda, mãe de Rafael, com a fisionomia de um cadáver.
— “Me diz. Pérola, me diz! A vadia que iria destruir o meu casamento era a Juliana?” — perguntou a bruaca rica.
A cartomante, de olhos adstringidos, embaralhou as cartas, respondeu:
— “As cartas já haviam dito, amiga. A linda mulher que surgiria na vida de vocês. Eu avisei. Mas o nome, ah… as cartas nunca dizem nomes. Elas somente revelam destinos.”
Magda tremeu. Olhou ao redor, como se buscasse uma saída para o próprio infortúnio. Frederico não voltara para casa. Onde estava o canalha? A resposta estava nas fofocas da internet.
O escândalo era o assunto mais quente do país. As manchetes explodiam nos portais de fofoca:
— “Noiva abandona casamento no altar e revela traições bombásticas!”
— “Jovem dentista confessa casos extraconjugais e foge vestida de noiva!”
— “Extra. Extra. Drama! Noivo destrói apartamento e acaba preso!”
Rafael, virou um animal ensandecido. Bêbado, chegou ao apartamento e transformou tudo em ruína. Quebrou a TV, arremessou cadeiras, jogou os porta-retratos na parede, chutou portas. Fez o diabo. O síndico chamou a polícia antes que o rapaz resolvesse incendiar o prédio.
Quando os tiras chegaram, Rafael, no auge da raiva, partiu para cima dos homens da lei. Foi detido na hora, algemado como um bandido e jogado no camburão como um saco de lixo humano.
Horas depois. Frederico, o pai infiel, apareceu na delegacia com o advogado da construtora. Conversas, assinaturas, fiança de quinze mil reais foi paga. O rapaz foi solto. Mas sua alma continuava presa no escárnio público.
Na delegacia: “Sinto nojo de você, meu pai. Nojo, você é nojento” — pronunciou Rafael, decepcionado com Frederico. Ele, o pai, não tivera o que se defender, baixou a cabeça. “Perdoe-me, meu filho” — tagarelou o velho.
Longe dali, Pilar e Geraldo fugiram de Campinas. Voltaram para Ribeirão Preto envergonhados. As revelações da filha ardiam como lepra nas consciências deles.
E Jean? O namorado traidor? Passou a noite inteira tentando falar com Mayara. Mensagens, ligações, súplicas. Mas a moça, ferida e enojada, deu-lhe o golpe fatal:
— “Entre nós, acabou. Some da minha vida.”
Em Curitiba.
Juliana deu-se a pompa de um banho, polindo o corpo, arrancando os vestígios do altar, do vestido, do tapa de Rafael, do vexame público. Saiu nua do banheiro, olhou-se no espelho e sorriu por estar livre. Ainda era Juliana, a mulher que desgraçou lares e enlouquecia homens pelos ônibus.
Vestiu-se sensualmente, desceu para conhecer Curitiba. Dirigiu até uma padaria. Tomou um café reforçado. Comprou um novo chip telefônico e então: ligou para Pilar.
— “Mãe, sou eu.”
Do outro lado da linha, um grito furioso:
— “Onde você está, Juliana?”
A fujona suspirou, afundando-se no banco do carro.
— “Não posso falar. Preciso ficar sozinha por um tempo, mas estou bem.”
O tom de Pilar veio seco como um tapa:
— “Seu pai está decepcionado. Não quer te ver nem pintada de ouro.”
Juliana apertou os olhos, engolindo um soluço.
— “Sinto muito, mãe. Mas eu não podia me casar com Rafael. Pérola estava certa.”
— “Certa uma ova! Você devia ter casado primeiro, depois fazia suas sem-vergonhices! Agora o Brasil inteiro te acha uma vadia!”
Juliana ignorou. Sabia que havia se transformado em uma quenga, mas não precisava que a mãe esfregasse isso em sua cara.
— “Confie em mim, mãe. Logo volto a ligar. Beijo.” — E desligou.
Dez minutos posteriormente, abandonou o carro numa rua qualquer. Deixou as crinas soltas, marchou com um rebolado indecente até uma parada de ônibus. Içou no primeiro coletivo, sem destino, mas com um único propósito: seduzir o próximo homem.
Quando passou pela catraca, seus olhos verdes miraram a presa.
Lucas. Dezoito anos, rosto liso, caderno no colo, uma ingenuidade que evolava a metros de distância. O pobre rapaz ia para a faculdade, mas foi interrompido pela serpente em forma de mulher.
Aproximou-se. Sua expressão era de excitação. Sentou-se ao lado do bacuri. Mil vezes vadia. Tocou a mão na coxa do rapazote. Abriu o fecho da blusa, desabotoou três botões e expôs um dos seios.
Em seguida, deixou a voz sair como uma perversidade açucarada:
— “Desce comigo?”
O rapaz fitou os olhos. Engoliu em ressecado. O rosto dela era um pecado. O cheiro, hipnotizante. O vestido curto, uma armadilha.
— “Sim, eu desço, vou com até para o inferno.”
A naja peçonhenta lançou seu veneno e sorriu, um sorriso de sereia, um riso que tirara homens do casamento, do emprego e até da sanidade.
Ao lado daquela formosura de mulher. Lucas esqueceu a faculdade, esqueceu os pais, esqueceu a namorada. Puxado por uma força maior que a razão, obedeceu. Desceram juntos, como se o destino houvesse delineado aquela desgraça.
Uma hora depois.
Juliana saía do motel como quem sai de uma ablução às avessas. Trepou com o pobre duas vezes. Lucas, ficou jogado no colchão, sua rola chegou tão fundo no reto da promíscua, que ardia. — O jovem ainda tentava entender o que acontecera.
Na calçada, ela já não pensava mais nele. A cachopa tinha outros planos. Ou, pelo menos, tinha instintos. Foi direto a um salão de beleza e radicalizou.
“Corta. Curto, bem curto. Na altura dos ombros.” — ordenou ela, a cabeleireira.
Aquela moça tinha um cabelo digno de capa de revista. Mas quem era ela para discutir? Pegou a tesoura e pôs-se a trabalhar.
“E pinta de loiro.” — ordenou Juliana, se olhando em frente do espelho.
“Platinado? Dourado? Mel?” — perguntou a cabeleireira.
“Platinado, vamos ver como fico.” — Juliana, tagarelou.
Duas horas depois — A dentista não existia mais. No espelho, outra mulher: um cabelo curto, de um loiro fuleiro, uma cara de anjo com um olhar de perdição. Linda e ordinária.
O pouco que andou foi o suficiente para atiçar a libido dos homens, e ouvir fiu-fiu, dos mais ousados.
De volta à espelunca, cruzou com Cininha, a dona do hotel. (Sessenta e dois anos, alta, bonita e fofoqueira profissional.)
“Vai ficar aqui por quanto tempo, senhorita?” — perguntou a mulher, com os cotovelos apoiados no balcão.
Juliana dobrou a sobrancelha: “Pelo tempo que for necessário.”
Cininha mediu a moça dos pés à cabeça. Havia algo nela… um perigo no ar.
“Você veio de onde? Está gostando da cidade?”
“Vim de São Paulo. Pelo que vi, estou gostando.” — respondeu Juliana, ajeitando o vestido.
Cininha sorriu. Gostava de conversar, gostava de saber, gostava de especular.
“Qualquer coisa, fala comigo ou com o Anselmo, meu marido. Ele trabalha à noite.” — falou a velha, fitando a hóspede.
Juliana, curiosa, apontou para o outro lado da rua.
— “Me diz. Ontem, quando cheguei, vi luzes, ouvi música. O que é? Uma danceteria?”
Cininha riu. A inocência era uma encenação descarada.
— “Antes fosse. Ali é a Casa das Pétalas.”
“Casa das Pétalas? Como assim?” — Juliana, tentando decifrar o lugar.
— “Bordel, minha filha. Prostíbulo. Mulheres da vida.”
Juliana não reagiu. Deu três passos, olhou pelo vidro da recepção. Do outro lado da rua, um letreiro em néon piscava num vermelho condenável.
“Interessante. Muito interessante.” — Virou-se para Cininha, um riso no canto da boca.
“Boa tarde.” — Despediu-se da fulana e subiu para o quarto. Na mente, uma ideia.
A noite caiu, e com ela ruiu também a moralidade. Perto da meia-noite. Juliana apareceu na recepção do hotel, um escândalo de mulher. Vestia-se como quem não trama a perdição.
Saia curta, suéter preto colado ao corpo, um perfume que fazia qualquer um trair a própria esposa sem pensar duas vezes. — Parecia uma sereia soprando a flauta, chamando os desgraçados para a decadência.
Anselmo, marido de Cininha há mais de trinta anos, deixou cair o garfo com um pedaço de carne assada. Ficou ali, catatônico, os olhos estacados na moça, como um condenado que vê a aparição de um anjo diabólico no corredor da morte. Havia outras três pessoas na recepção. Dois homens gordos e uma mulher malvestida que usava óculos de grau.
Juliana aproximou-se, perversa como uma Femme-fatale de cinema noir.
“Boa noite, senhor.” — A soada era um veneno doce.
Anselmo catarreou, ajeitou-se na cadeira. A idade não o impedia de sentir a rola endurecer dentro das calças encardidas.
— “Boa noite, dona. Aonde vai tão bonita?”
Juliana deu um riso sensual, expondo os dentes brancos.
“Será que eu posso entrar ali?” — apontou para o antro de perdição do outro lado da rua. A Casa das Pétalas.
Anselmo pregueou a testa.
— “Sério que uma mulher tão linda como a senhorita queira entrar naquele lugar?”
Juliana virou o rosto na direção do prostíbulo.
— “Morro de curiosidade de conhecer esses lugares.”
Anselmo fungou fundo.
— “Esse tipo de lugar não é para a senhorita. Ali só vai gente da ralé. Malandros, mulheres condenadas pela vida, pessoas de baixa classe. Recomendo a senhorita ir a outro lugar da sua classe.”
Juliana armou uma sobrancelha.
“Mas esse tipo de gente também são pessoas. Decidi. Vou até lá conhecer.” — Ajustou a fivela da bolsa no ombro esquerdo.
Anselmo contrapesou a cabeça e gritou.
— “Beto!” O faxineiro apareceu uniformizado. Negro, alto, de mãos calejadas.
“Acompanha a senhorita Juliana até a Casa das Pétalas.” — ordenou o chefe.
Beto arfou e curvou um dos sobrecílios.
— “Tem certeza, seu Anselmo?”
“Tenho, seu idiota! Faz o que eu tô mandando!” — Jogou um trapo no peitoral do funcionário. — “Vai com ele, senhorita. É mais seguro. Todos o conhecem.”
Juliana propeliu um lindo sorriso. Pegou na mão áspera de Beto. O pobre homem arreganhou os olhos pela simplicidade da mulher tão linda de 1,60 cm. Juntos, caminharam para fora do hotel.
Na calçada, os olhares se voltaram para eles. Juliana atravessou a rua firme, curiosa, como uma moça virgem inocente que não tem juízo.
Os dois seguranças na porta bateram os olhos nela. Olharam um para o outro. Aquilo era novo. Mas não fizeram perguntas. Somente abriram a passagem.
Juliana e Beto subiram um lance de escadas. Ao abrir a porta, um espetáculo de perdição se desenrolou diante dos olhos da moça.
Luzes coloridas. Música dançante de boate. Homens de todos os tipos. E as donas do pedaço: as prostitutas. Uma renca de mulheres pintadas. Outras sentadas pelos sofás, mas não estavam vestidas com a roupa de baixo, prontas para sentar em qualquer rola que as pagasse.
Assim que bateram os olhos na moça de olhos verdes, os cochichos logo começaram. Um bochicho só. Queriam saber quem era ela.
Bel, a mais curiosa das prostitutas da Casa das Pétalas, foi a primeira a chegar.
— “Está perdida, moça?” — perguntou a puta, com aquele olhar de quem já viu de tudo e ainda espera o pior.
Juliana deslumbrava-se, admirando o ambiente como uma debutante num baile de máscaras.
“Não, não, minha cara. Só estou de visita.” — A voz era doce, desinteressada, como se estivesse numa livraria e não num prostíbulo de quinta categoria.
Bel ergueu os supercílios e disse: “Sente-se aqui, venha.” — Apontou para uma das mesas gastas, onde tantas outras histórias de desonra já haviam se desenrolado. Beto, puxou uma cadeira para Juliana se sentar.
— “Vocês querem beber o quê?” — perguntou Bel.
Beto coçou a nuca.
— “Traga uma cerveja gelada e dois copos.”
Bel deu as costas e foi buscar. Juliana não reparou, mas todas as putas da casa, como os homens, já a olhavam de rabo de olho.
O lugar era uma ruína. Garrafas de bebida empilhadas atrás de um balcão de madeira que já vira dias melhores. O garçom baixinho, sem pescoço, exibia destreza ao preparar uma caipirinha, enquanto clientes malandros e endinheirados se misturavam à escória.
Juliana não tocou no copo de cerveja antes de devorar o ambiente todo. A Casa das Pétalas era um lugar completamente novo para a moça. Foi quando Maria do Socorro, a matriarca daquele reino de perdição, apareceu. Mulher de porte suntuoso, seios fartos apertados num vestido negro, olhar de águia. Bastava um deslocamento de sobrancelha e as meninas tremiam.
Chegou perto da nova visita e lançou a pergunta fatal:
— “Quem é você, de onde veio, tem família, onde mora?”
Silêncio. Juliana poderia inventar. Poderia mentir. Mas não.
Contou tudo. Do altar destruído ao sogro canalha. Do escândalo à fuga. Algumas a reconheceram da internet. Outras não tinham nem celular.
Maria do Socorro ouviu sem pressa: “Alguém te expulsou de casa, foi?”
Juliana segurou o copo, brincando com a borda.
— “Não. Vim porque quis. Não suportava mais a vida que levava.”
A cafetina cruzou as pernas e acendeu um cigarro, tragou, soltou a fumaça para o teto e disse: “Entendo, moça.”
E como entendia! Quantas mulheres não haviam acabado ali por motivos semelhantes? Então, fez as apresentações:
“Essa aqui é a Divinésia. Essa, a Eslô. Essa, a Fulana.” — Outras não puderam ser apresentadas. Estavam trabalhando.
Foi quando Eslô puxou o celular e mostrou a tela para Juliana.
“Seus vídeos estão pela internet toda.” — A meretriz disparou o aviso, jogando mais gasolina no fogo.
Juliana arremessou um olhar indiferente. O mundo que comentasse. Ela tinha coisa mais interessante para ver. Tinha tomado uma decisão. Endireitou a postura, esticou o pescoço de rainha destronada e sentenciou:
— “Ah, é? Pois diga a todos que amanhã começo a atender.”
O tempo parou. Um “Ohhhhhh” longo reverberou no antro. — O burburinho estourou como um ribombo. Em minutos, até os seguranças na porta já sabiam da fofoca.
Maria do Socorro não perdeu tempo. Aproximou-se, felina, e estendeu a mão.
— “Então seja bem-vinda.”
Apertaram-se as mãos. Ali, naquele instante, um pacto silencioso foi selado. Juliana levantou-se. Não bebeu um gole da cerveja. Girou nos calcanhares e desfilou até a saída. Beto foi atrás, feito sombra.
O bando seguiu, sedento de escândalo. Na calçada, Juliana atravessou a rua, agarrada ao braço de Beto. Portas de vidro se abriram. O hotel a engoliu.
Anselmo viu o bando pela porta. Olhos esbugalhados, ruga franzida.
— “O que aconteceu? Por que essas pessoas estão na porta do meu hotel?”
Juliana parou. Virou-se como atriz no auge do terceiro ato.
— “Porque topei trabalhar lá.”
O silêncio de Anselmo valia mil tragédias. Boquiaberto, trêmulo, jogado no abismo do próprio espanto. Juliana deu um meio sorriso. — O teatro da infâmia estava só começando.
“Se a imprensa quer notícias, agora vai ter.” — E subiu a escada, degrau por degrau, como quem sobe para o cadafalso.
— Contínua na parte final…