O silêncio foi a primeira coisa que Jace percebeu ao abrir os olhos.
Não havia eco de passos apressados, nem o som metálico de espadas sendo desembainhadas, nem os gritos de dor daqueles que caíram na masmorra. O chão frio e áspero sob seu corpo fora substituído por algo diferente: uma superfície lisa, como vidro, mas quente ao toque.
Ele se forçou a sentar-se, sentindo uma dor surda pulsar por todo o seu corpo. Mas… algo estava errado.
A ferida em seu abdômen – aquela lâmina traiçoeira que Hector lhe cravara – não estava mais lá. Ele puxou a camisa, esperando ver carne dilacerada e sangue seco, mas tudo o que encontrou foi pele limpa, como se o golpe nunca tivesse existido.
Seu coração acelerou. Ele deveria estar morto.
Lentamente, levantou-se e olhou ao redor.
Estava em um espaço que parecia não ter fim, um vasto salão onde o chão refletia o céu negro acima, pontilhado de estrelas que giravam em padrões impossíveis. Estranhas colunas de obsidiana erguiam-se ao redor, brilhando com inscrições arcanas que mudavam constantemente, como se estivessem vivas.
E então, ele viu.
No centro daquele espaço, um trono de pedra negra se erguia, envolto em névoa prateada. E sobre ele, uma figura aguardava.
Um homem.
Ou algo parecido com um homem.
Seus cabelos eram prateados, quase luminosos, e seus olhos ardiam como brasas azuis. Vestia um manto escuro, bordado com símbolos que Jace nunca tinha visto antes, mas que, de alguma forma, pareciam familiares. Sua pele era pálida, e havia uma aura ao seu redor que fazia o ar vibrar – algo poderoso, antigo, irresistível.
A figura observava Jace com um interesse velado, como um predador avaliando sua presa.
"Você finalmente chegou."
A voz soou diretamente em sua mente, profunda e hipnótica.
Jace recuou um passo instintivamente. “Quem é você?” Sua voz saiu mais rouca do que esperava.
O homem sorriu – um sorriso lento, que parecia esconder mil segredos.
"Eu sou Aran."
O nome ressoou dentro dele como uma lembrança distante, um eco de algo que não deveria conhecer, mas que, de alguma forma, compreendia.
Jace umedeceu os lábios, tentando ignorar o arrepio que percorreu sua espinha. “O que é esse lugar? O que você fez comigo?”
Aran inclinou a cabeça, como se estivesse estudando sua pergunta. "Este é o limiar entre o que você era e o que você pode se tornar."
Jace franziu a testa. “Isso não faz sentido.”
"Não agora." Aran se levantou do trono e desceu os degraus lentamente. Seu manto flutuava ao seu redor, como se estivesse imerso em sombras líquidas. "Mas em breve, fará."
Jace deu um passo para trás, sentindo um instinto de alerta gritar dentro dele. Mas Aran estendeu a mão, e o movimento foi estranho, quase... íntimo.
"Eu posso lhe dar poder, Jace. O poder para nunca mais ser traído. Para nunca mais ser fraco. Para nunca mais ser deixado para trás."
O coração de Jace disparou. O peso daquelas palavras era esmagador. Ele se lembrou dos olhos de Hector, frios e calculistas. Da lâmina perfurando seu corpo. Do olhar hesitante de Lyra, da indiferença de Dorian e dos outros.
Eles o abandonaram para morrer.
Se ele aceitasse… nunca mais seria vítima de ninguém.
Mas algo dentro dele hesitava. Esse poder… de onde vinha? O que aconteceria se aceitasse?
Aran percebeu sua hesitação e sorriu de novo, mas dessa vez havia algo diferente naquele sorriso – algo que fez o estômago de Jace se revirar.
"Você não precisa decidir agora." Aran abaixou a mão. "Mas quando quiser a resposta… basta chamá-la."
Jace franziu a testa. “Chamá-la?”
Aran ergueu a mão, e um livro negro surgiu no ar entre eles. Suas páginas viravam sozinhas, sussurrando palavras antigas que Jace não conseguia entender.
"O Livro das Sombras." Aran olhou para ele, seus olhos brilhando na escuridão. "Quando estiver pronto para abraçar seu verdadeiro poder… tudo o que precisa fazer é abrir este livro."
Jace engoliu em seco. Ele sentia a energia pulsando daquele tomo, algo vivo e pulsante, como um coração sombrio esperando ser desperto.
Então, tudo ficou branco.
Ele acordou ofegante.
O frio da pedra sob seu corpo voltou a ser real. O cheiro de umidade e sangue seco encheu seus pulmões.
Ele ainda estava na masmorra.
Mas algo estava diferente.
Ele sentiu um peso em sua mão. Quando olhou, seu coração parou.
O Livro das Sombras estava ali.
O mesmo livro que Aran lhe mostrara.
O mesmo livro que sussurrava para ele agora.
Jace sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Ele não sabia o que havia acontecido. Não sabia como tinha voltado. Mas sabia de uma coisa.
Ele não era mais o mesmo.
E isso era só o começo.
