Obsidian: A Origem de Vincent - Parte 04

Da série Obsidian
Um conto erótico de Fabio N.M
Categoria: Heterossexual
Contém 4466 palavras
Data: 10/02/2025 15:30:39

A manhã estava fresca e ensolarada, com o céu azul cortado por nuvens dispersas que lançavam sombras sobre o pátio movimentado da escola técnica. O som de passos apressados ecoava pelos corredores, misturando-se às vozes animadas dos alunos que aproveitavam o intervalo para conversas despreocupadas e risadas soltas.

Em meio ao fluxo de estudantes, um pequeno grupo chamava atenção próximo à entrada principal. E não era por confusão ou desordem, mas pela aura de gentileza que emanavam.

Clara Seiwald estava no centro desse grupo, segurando um punhado de panfletos e distribuindo-os com um sorriso contagiante nos lábios. Clara era uma visão de contraste em meio à rotina cinza da escola.

Tinha cabelos dourados, lisos e longos, que desciam até o meio das costas, balançando ao ritmo de seus passos. Seus olhos eram grandes, de um tom azul-claro como a manhã, e possuíam uma doçura natural que parecia iluminar qualquer ambiente ao seu redor.

A pele clara carregava um brilho sutil e saudável, e suas feições eram delicadas, expressivas, um retrato de serenidade e empatia. Vestia o uniforme do curso técnico de enfermagem, uma calça branca e uma blusa azul-clara de manga curta, ajustada à cintura. Sobre os ombros, trazia um jaleco fino, que estava desabotoado, permitindo que o vento o agitasse suavemente.

E foi exatamente isso que chamou a atenção de Vincent.

Encostado contra um muro no fundo do pátio, Vincent estava rodeado por um grupo que exalava rebeldia e desapego.

O cigarro passava de mão em mão, e as risadas eram carregadas de sarcasmo, desafiando qualquer resquício de autoridade que a escola tentava impor.

Vincent, com seus cabelos ligeiramente desgrenhados, e expressão sempre carregada de um ceticismo impenetrável, mantinha-se no centro do grupo, sem nunca demonstrar mais emoção do que o necessário.

Vestia jeans surrados e uma jaqueta preta de couro gasto sobre a camiseta escura, um contraste absoluto ao branco imaculado do uniforme de Clara.

E então ela apareceu, caminhando até eles, com passos deliberadamente confiantes, sem hesitação ou medo.

O grupo logo percebeu e o silêncio foi substituído por sorrisos maliciosos e olhares trocados.

— Mas olha só… — Um dos rapazes riu, cruzando os braços. — Um anjinho perdido no meio do inferno.

Clara parou diante deles, segurando os panfletos com a mesma tranquilidade de sempre.

— Bom dia, pessoal — Sua voz era suave, mas clara — Meu nome é Clara. Estamos fazendo um mutirão de cadastro para doação de medula óssea. Gostariam de participar?

O grupo explodiu em risadas.

— Doação de quê? — Um garoto do grupo zombou, revirando os olhos — Pra quê perder tempo com isso?

— Talvez porque possamos salvar vidas — Clara respondeu, mantendo a calma.

Vincent observava a cena em silêncio. Ele não entendia a presença dela. A maioria das garotas da escola evitava aquele grupo. Elas se afastavam, desviavam o olhar, temiam até cruzar o caminho deles. Mas Clara estava ali, sorrindo.

— Tu acha que alguém aqui se importa, princesa? — Outro rapaz debochou, puxando um dos panfletos e amassando-o sem sequer ler — Isso aqui não é coisa pra gente com sangue ruim como o nosso.

Clara apenas suspirou, sem perder a doçura.

— Pessoas boas existem em todos os lugares.

Isso desarmou Vincent por um breve momento. Ela não estava tentando convencê-los, apenas acreditava no que dizia, e isso o incomodava profundamente.

O grupo continuou as zombarias, e Vincent, sem querer parecer deslocado, acompanhou os amigos nas provocações.

— Tanta gente morrendo no mundo e você acha que vai fazer diferença? — Ele murmurou, o tom carregado de sarcasmo.

Clara virou-se para ele e, pela primeira vez, seus olhares se cruzaram. Houve um instante de silêncio. Vincent esperava que ela recuasse, mas ela não recuou. Ela sorriu e estendeu um panfleto diretamente para ele.

— Talvez não. Mas isso não significa que eu não vá tentar.

Por que aquela garota parecia carregar uma luz tão insuportavelmente pura?

Ele pegou o panfleto apenas para não demonstrar hesitação, dobrando-o de qualquer jeito e guardando no bolso da jaqueta sem sequer olhar para as informações.

— Boa sorte com isso — Ele disse com desdém, dando uma tragada no cigarro.

Clara apenas sorriu novamente.

— Obrigada — agradeceu com uma referência antes de se afastar.

O grupo continuou rindo, mas Vincent permaneceu em silêncio. Seu olhar ainda seguia Clara enquanto ela se misturava aos outros estudantes, distribuindo panfletos com a mesma paciência e bondade inabalável.

**********

O sol começava a mergulhar atrás das árvores, tingindo o céu de tons alaranjados e lançando sombras pelo pátio da escola técnica. A movimentação nos corredores já havia diminuído, e os poucos alunos que ainda circulavam pelo campus pareciam arrastar os passos, cansados do dia de aulas.

Vincent caminhava pelo corredor principal que levava à saída, as mãos enfiadas nos bolsos e a mochila pendurada por uma alça em um dos ombros, a expressão neutra, mas a mente inquieta. Ele odiava admitir, mas a presença de Clara Seiwald ainda o perturbava de uma forma inexplicável.

Aquela garota era… irritantemente diferente.

Enquanto seguia seu caminho, o som de passos leves atrás dele chamou sua atenção. Vincent virou ligeiramente a cabeça e, como se o destino estivesse testando sua paciência, lá estava ela.

Clara caminhava com a serenidade de sempre, segurando os panfletos sobre o peito. Sozinha desta vez.

A expressão dela não era acusadora, mas sim curiosa, como se tentasse decifrá-lo.

— Oi, Vincent — Ela cumprimentou, ainda sorrindo.

Vincent estreitou os olhos.

— Você de novo?

Ela segurava alguns panfletos que sobraram, batendo-os levemente contra a palma da mão.

— Não esperava te encontrar tão cedo.

— E eu não esperava que você soubesse meu nome.

Clara riu, inclinando a cabeça levemente para o lado.

— Tu se destaca.

Ele bufou.

— Não no bom sentido — ele completou

— Tu não te importa com nada mesmo, não é? — Ela perguntou, sem qualquer agressividade na voz.

Era um questionamento genuíno, sem julgamentos, apenas um desejo real de entender.

Vincent bufou, erguendo uma sobrancelha.

— Por que deveria? — Respondeu com desdém, sem sequer olhar para ela — O mundo já está todo fodido, cheio de idiotas que se importam com o que não podem mudar.

Mas então ele cometeu um erro. Ele olhou para ela por um segundo a mais e aquela luz nos olhos dela… aquela maldita esperança ingênua… começou a incomodá-lo. Apertou os punhos dentro dos bolsos da jaqueta, irritado consigo mesmo.

Ela manteve o mesmo sorriso teimoso, a mesma calma que o fazia sentir-se ainda mais inquieto.

— Talvez tu só não tenha encontrado algo que valha a pena — Disse, seu olhar perfurando a fachada cínica de Vincent — Mas eu não vou desistir de ti. Talvez eu te veja naquele mutirão.

A afirmação dela o pegou desprevenido. Não era um convite. Não era um pedido. Era uma certeza. Vincent sentiu uma raiva súbita, mas não contra Clara, mas contra o que ela representava. Uma bondade verdadeira. Uma esperança que ele aprendera a desprezar.

Ele deu um passo para trás, a expressão endurecendo.

— Pare de se importar comigo — Sua voz saiu baixa, cortante, contrastando com o ambiente vazio do corredor — Vai ser melhor para você.

Clara inclinou a cabeça, estudando-o por mais um instante. Então, sem dizer mais nada, seus passos leves se arrastaram para trás.

Vincent a observou desaparecer na esquina, sentindo um peso incômodo no peito. Ela não tinha desafiado sua raiva, nem tentado mudá-lo à força, mas havia algo no olhar dela que o fazia sentir-se pequeno. Um fio invisível parecia ter sido puxado dentro dele…

**********

O restante da semana transcorreu como qualquer outra, mas, para Clara, o mutirão de cadastro de doadores de medula óssea era um evento especial. A sala de aula havia sido transformada em um pequeno centro de cadastro e coleta. As carteiras foram reorganizadas, criando um ambiente mais acolhedor. Cartazes coloridos explicavam o processo de doação, destacando a importância desse ato, mas, apesar dos esforços, o movimento era escasso.

Poucos alunos demonstravam interesse, e alguns apenas passavam curiosos, mas não se cadastravam. Mesmo assim, Clara não parecia desanimada. Seu sorriso continuava o mesmo. Se ao menos uma pessoa se cadastrasse, já teria valido a pena. Suas colegas de curso, exaustas de tentar convencer alunos no pátio, conversavam entre si, mas Clara ainda mantinha os olhos voltados para o corredor.

Esperando. Sempre que ouvia passos, espiava pela porta, esperançosa.

Então, ela viu Vincent.

Ele passava do lado de fora com as mãos nos bolsos, o olhar vago, o passo preguiçoso.

Por um segundo, seus olhos se encontraram.

E então, Vincent virou o rosto e acelerou o passo.

Clara não pensou duas vezes.

Ela saiu da sala apressada.

— Vincent! Espera aí! — Chamou com a voz suave, mas firme.

Ele parou.

Não se virou imediatamente, mas não continuou andando. Clara aproximou-se com um sorriso genuíno.

— Eu vi que tu olhou lá pra dentro. Fiquei feliz em te ver.

Ela ajeitou o cabelo sobre o ombro, tentando esconder o leve rubor que subiu por seu rosto.

Vincent suspirou pesadamente e finalmente a encarou, seu olhar carregado de ceticismo.

— Olhei porque parecia vazio. O que você esperava? Que alguém aqui realmente se importasse?

Clara não recuou.

— Importar-se pode ser mais difícil pra alguns… mas eu acho que todo mundo tem chance de tentar — Seus olhos brilharam com convicção — Mesmo que sejam poucos, cada um desses cadastros pode fazer diferença. Não acha?

Ele riu, curto, sem humor.

— Diferença? A única diferença aqui é que você perde seu tempo. O mundo já tá fodido.

Ela deu um passo à frente.

— Talvez tu só nunca tenha visto bondade de verdade.

Vincent sentiu um nó apertar em seu peito.

Ela sorriu, sem esperar resposta.

— Mas tudo bem. Tu enxerga o mundo do teu jeito, e eu enxergo do meu.

Vincent cerrou os dentes.

— Quer um conselho? — Sua voz era baixa, perigosa — Fique longe de mim. Não perca tempo tentando me ‘salvar’.

Clara piscou, surpresa com a dureza das palavras, mas então, ela simplesmente assentiu. Seu sorriso permaneceu ali, um pouco mais melancólico, mas ainda presente.

— Eu sei que tu acha que o mundo não tem espaço pra bondade, Vincent. Mas mesmo assim… eu espero que um dia tu encontre.

Ela deu meia-volta e caminhou de volta para a sala, sem olhar para trás.

Vincent ficou parado ali, sentindo um aperto no peito que ele não conseguia explicar. Ele respirou fundo e seguiu seu caminho, tentando ignorar o incômodo que Clara havia deixado para trás.

**********

A noite caiu sobre Blumenau, e a pequena casa de Luna estava iluminada apenas pela luz amarelada do abajur ao lado da cama. O ambiente carregava um aroma sutil de incenso de baunilha, misturado ao cheiro da erva vindo do cigarro que queimava no cinzeiro.

Vincent estava jogado no sofá, uma das pernas apoiada no braço do móvel e a outra balançando levemente no ar. Ele brincava com a pedra de obsidiana pendurada no colar, girando-a entre os dedos enquanto sua mente estava distante.

Luana, vestida apenas com um baby doll preto de seda, caminhava descalça pelo pequeno apartamento, pegando duas taças de vinho e entregando uma para Vincent antes de se sentar ao lado dele.

— Certo, alemão. Tu tá pensativo. Quem foi que bagunçou tua cabeça dessa vez? — Perguntou, cruzando as pernas e levando a taça aos lábios.

Vincent não respondeu de imediato. Seu olhar permaneceu fixo no líquido escuro dentro da taça, como se a resposta estivesse lá dentro.

Luana esperou, pacientemente, acostumada ao jeito dele de falar somente quando quisesse.

Por fim, ele bufou e recostou-se melhor no sofá, passando a mão pelos cabelos.

— Tem uma garota na escola.

Luana arqueou as sobrancelhas.

— Opa! Isso é novidade — Deu um sorriso enviesado, girando o vinho na taça — E o que tem essa garota?

— Ela é… estranha.

Luana riu, jogando a cabeça para trás.

— Estranha, como?

Vincent estreitou os olhos, buscando as palavras certas.

— Ela é… boa demais. Ingênua, acredita nas pessoas, acha que pode salvar o mundo.

Luana observou Vincent com um olhar mais atento agora.

— E por que isso tá te incomodando tanto?

Vincent franziu o cenho, como se a pergunta o irritasse.

— Porque não faz sentido.

Luana riu de novo, mas dessa vez com menos sarcasmo e mais curiosidade.

— Ah, então o problema não é ela. O problema é que tu não sabe lidar com alguém que não é fodida por dentro, que não carrega um monte de cicatriz emocional igual tu.

Vincent não respondeu, apenas tomou um longo gole de vinho.

Luana inclinou-se para frente, apoiando o cotovelo no joelho, estudando-o.

— Tu acha que tá sentindo alguma coisa por ela?

A pergunta pairou no ar como uma faca suspensa, e Vincent sentiu o peso dela em sua mente.

Ele riu, um riso curto e cínico.

— Não. Eu não sou idiota.

— Hmmm… — Luana apertou os lábios, pensativa — Tu pode não ser idiota, mas tá todo incomodado. E isso significa alguma coisa.

Vincent revirou os olhos e jogou a cabeça para trás no sofá.

— Não significa nada.

Luana deu de ombros.

— Bom, se tu diz…

Ela se aproximou mais, inclinando-se até que seus lábios quase roçassem a orelha de Vincent.

— Mas eu não sou essa guria, Vincent. Eu nunca precisei de romance. Nunca precisei de amor. Eu só preciso de uma coisa…

Vincent girou a cabeça para encará-la, seus olhos se estreitando levemente.

Luana sorriu, provocante, e murmurou contra os lábios dele:

— De alguém que saiba me dominar.

Luana não esperou por um sinal ou permissão. Ela nunca precisou disso.

Em vez disso, simplesmente se colocou no lugar que desejava estar, de joelhos no chão, entre as pernas de Vincent, erguendo os olhos para ele com expectativa.

A taça de vinho de Vincent foi esquecida no braço do sofá.

Seu olhar escureceu. Ele conhecia essa dinâmica. Sabia exatamente o que ela queria. Luana não era uma mulher que buscava laços emocionais, promessas ou esperança. Ela buscava poder e submissão no mesmo nível e Vincent sabia que poderia dar isso a ela. Ele segurou seu queixo com firmeza, forçando-a a manter o olhar fixo no dele.

O sorriso dela se alargou, satisfeita.

— Isso. Assim que eu gosto — Murmurou.

Vincent não sorriu de volta. Ele não precisava. Naquele momento, ele era o único que detinha o controle e, diferentemente de quando estava com Clara, ali não havia espaço para sentimentos confusos ou emoções desconhecidas. Ali, tudo se resumia a dominação e desejo, nada mais.

Ajoelhada entre as pernas dele, sentia seu próprio corpo reagindo ao comando invisível que Vincent exercia sobre ela, um domínio silencioso, sem necessidade de palavras, apenas pelo olhar frio e penetrante que a avaliava de cima.

Ela ergueu os olhos, sorrindo de forma preguiçosa, e deslizou as mãos por suas coxas, subindo lentamente, deixando os dedos pressionarem o tecido da calça. Vincent não moveu um músculo. Ele queria ver até onde ela iria.

Luna não hesitou. Com dedos ágeis, desabotoou a calça de Vincent, puxando o zíper sem cerimônias, sentindo o calor pulsante do pau em suas mãos. O olhar dela se incendiou ao perceber sua resposta. Ela gostava de vê-lo assim. Intocável. Observador. No controle absoluto.

Vincent apenas inclinou a cabeça para o lado, como se estivesse avaliando o próprio efeito sobre ela. Então, quando os lábios carnudos dela o envolveram, ele soltou um suspiro baixo e satisfeito, deslizando os dedos pelos cabelos dela, acompanhando seus movimentos. A sensação era exata, precisa, controlada. Luna se movia com maestria, conhecendo cada nuance do jogo, explorando cada reação dele.

Os dedos de Vincent apertaram a nuca dela, controlando o fluxo dos movimentos, conduzindo-a com firmeza e precisão. Luna gostava disso. Gostava da dominação absoluta que ele exalava, da forma como cada comando silencioso fazia seu próprio corpo arder ainda mais, mas Vincent não queria que terminasse assim. Ainda não.

Antes de atingir o ápice, ele interrompeu os movimentos, puxando-a para cima com um comando seco e firme.

— Sobe.

Luna obedeceu sem questionar. Ela subiu sobre ele, sentando-se sobre suas pernas, sentindo o calor da masculinidade forçando a entrada, provocando arrepios que subiam pela sua espinha. O sorriso dela era puro desafio, e Vincent gostou disso.

— E agora? O que tu quer que eu faça? — A voz dela saiu baixa, provocante.

— Não precisa perguntar. Você já sabe.

Os lábios dela se uniram com os dele com voracidade, as mãos agarrando seus ombros, as unhas pressionando a pele sob o tecido da jaqueta.

Vincent retribuiu o beijo com a mesma intensidade, segurando sua cintura, seus dedos apertando a carne quente e firme, guiando os movimentos de subida e descida com precisão calculada. Tudo era feito sob seu comando e Luna o seguia. Se entregava. Se perdia no domínio que Vincent exercia sobre ela, sabendo que ele a fazia dançar conforme sua vontade. O ritmo se intensificava. Os movimentos aceleraram e o calor de seus corpos unidos aumentou. E então, o ápice veio. O corpo de Vincent se contraiu, os músculos tensos, sua mente se dissolvendo em um prazer arrebatador quando a última onda de tensão se rompeu em um orgamo intenso. Luna não resistiu ao próprio clímax, seu corpo tremendo contra o dele, um gemido rouco escapando de seus lábios enquanto seus braços se apertavam ao redor do pescoço dele.

— Aaaaah… Caralho…, Vincent! — Gritou.

**********

Já era tarde da noite. A sala de espera do Hospital Regional estava imersa em um silêncio pesado, pontuado apenas pelo ruído distante dos passos apressados e o sussurro abafado de conversas ao longe. O ar cheirava a antisséptico, e a luz fluorescente lançava uma palidez desconfortável sobre os rostos dos pacientes e familiares.

Vincent odiava hospitais. Odiava o cheiro. Odiava a sensação de impotência que esses lugares lhe traziam, mas, naquela noite, ele não tinha escolha. Sentado em uma cadeira dura de plástico na sala de espera, ele encarava o nada, as mãos fechadas entre os joelhos, o maxilar travado.

Rudolph havia desmaiado em casa. Por mais que Vincent tentasse ignorar a saúde debilitada do pai, não conseguia simplesmente deixá-lo morrer ali, sozinho, sem ajuda. Não importava o quanto o desprezasse. Odiava admitir, mas, no fundo, se importava mais do que gostaria.

A cada minuto que passava, a tensão crescia em seu peito.

Então, ele ouviu uma voz familiar.

— Vincent?

Ele não precisou levantar o rosto para saber quem era. Aquela voz já havia ecoado em sua mente mais vezes do que ele gostava de admitir, mas, mesmo assim, ergueu os olhos. Clara.

Clara usava o uniforme do estágio, um jaleco branco simples sobre uma blusa azul-clara, os cabelos presos em uma trança baixa.

O olhar dela brilhava com surpresa e, acima de tudo, preocupação.

Vincent arqueou uma sobrancelha, impassível.

— Tá me seguindo agora? — Perguntou, sua voz carregada de ironia.

Clara ignorou o tom.

— Tu tá bem? O que aconteceu?

Vincent bufou, desviando o olhar.

— Se eu tô aqui, obviamente aconteceu alguma coisa.

Clara percebeu que ele não queria falar sobre isso, mas isso não a impediu de tentar.

— Alguém da tua família tá internado?

Vincent passou a língua pelos dentes, irritado.

— Meu pai.

A palavra saiu mais áspera do que ele pretendia. Clara ficou em silêncio por um momento, enquanto Vincent esperava que ela dissesse algo óbvio e irritante, como "sinto muito" ou "vai ficar tudo bem", mas ela apenas assentiu.

— O que ele tem? — Perguntou com a mesma calma de sempre.

Vincent passou a mão pelos cabelos, frustrado.

— Diabetes. Vive bebendo, não se cuida. Agora tá aí, porque insiste em se matar aos poucos.

Houve um instante de silêncio. Clara se sentou ao lado dele, fazendo-o franzir o cenho.

— O que tá fazendo?

Ela sorriu de leve.

— Te fazendo companhia.

Vincent não soube como reagir. Nenhuma outra pessoa teria feito isso. Ninguém nunca fazia. As pessoas se afastavam dele, ou, no máximo, olhavam de longe, sem coragem de se aproximar, mas Clara, com sua paciência e sua bondade teimosa, simplesmente se sentou ali, ao lado dele, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

— Eu não quero companhia — Resmungou.

Clara deu de ombros.

— Mas talvez tu precise.

Vincent bufou, mas não a mandou embora. O silêncio entre eles não era desconfortável e de alguma forma, isso o irritava ainda mais.

Minutos se passaram assim até que uma porta ao fundo do corredor se abriu, e um médico saiu empurrando uma cadeira de rodas. Nela, Rudolph Weiser parecia mais pálido e fraco do que nunca, mas ainda assim tinha forças o suficiente para ser um desgraçado. Assim que viu Vincent, os olhos dele se estreitaram em puro desprezo.

— Olha só quem veio bancar o filho preocupado — Rudolph cuspiu as palavras, a voz ainda rouca pelo mal-estar — Já chega de ficar aí sentado, esperando feito inútil. Você não serve pra nada mesmo, hein? Não consegue nem me acompanhar direito, moleque?

Vincent trincou o maxilar, sentindo a raiva borbulhar sob sua pele, mas não disse nada. O médico olhou para os dois com um ar desconfortável, mas nada disse. Clara, no entanto, não conseguiu esconder o choque ao ouvir o tom agressivo do pai de Vincent. Ela viu a forma como os ombros de Vincent se enrijeceram. Viu a dor silenciosa escondida atrás da máscara de frieza.

Rudolph riu de forma amarga.

— Eu não pedi pra você vir.

— Se eu tivesse escolha, eu não viria — Vincent rebateu de imediato.

Então, Rudolph olhou para Clara pela primeira vez.

— E essa aí?

Clara manteve a postura, mas sentiu um arrepio desconfortável. Vincent apertou os punhos.

— Não interessa — disse tentando desviar as ofensas do pai sobre Clara.

Rudolph bufou e desviou o olhar, murmurando algo inaudível. Vincent pegou a cadeira de rodas e começou a empurrá-la para fora do hospital.

Clara ficou ali parada, sem saber se deveria dizer algo, mas, antes de atravessar a porta de saída, Vincent parou e olhou para trás. Seus olhos encontraram os dela.

— Valeu por ficar aqui — disse, saindo sem esperar resposta.

Clara ficou parada, vendo Vincent desaparecer e, pela primeira vez, percebeu que, por baixo de toda a frieza e arrogância… havia alguém que ainda se importava. Alguém que ainda carregava feridas abertas e, de alguma forma, ela queria curá-las.

**********

O sol da manhã despontava sobre Blumenau. Clara caminhava pelo pátio da escola, os passos leves e ritmados, a mochila apoiada em um dos ombros, mas sua mente estava longe dali. Na noite anterior, ela havia visto um lado de Vincent que ninguém mais via. Havia algo escondido por trás daquele olhar frio e distante, algo que ele não queria mostrar, mas que estava lá e, de alguma forma, Clara agora sabia o que era.

Ela suspirou, ajeitando os livros nos braços enquanto se aproximava do prédio principal. Então, ouviu as vozes, risadas altas e tons debochados. Seu corpo enrijeceu antes mesmo de vê-los.

Encostados contra o muro lateral da escola, o grupo de encrenqueiros se reunia como sempre, cercados por uma névoa fina e o cheiro inconfundível de maconha. Vincent estava no centro, tragando um baseado sem pressa, a jaqueta de couro aberta sobre a camiseta escura, o olhar perdido enquanto soltava a fumaça lentamente. Seus olhos azuis-acinzentados tinham sempre aquele brilho letárgico de quem via o mundo de cima, como se nada pudesse atingi-lo, mas Clara sabia que isso era uma mentira.

Ela desviou o olhar e tentou passar direto, mas Léo não ia deixar isso acontecer.

— Ei, olha só quem tá aqui… — A voz dele veio carregada de malícia — A santinha da escola.

Clara congelou por um segundo, mas forçou um sorriso educado.

— Bom dia, Léo — Tentou manter o tom leve, sem dar espaço para provocações.

Mas ele não estava interessado em gentileza. Ele queria se divertir às custas dela.

— Tão cedo e já tão séria — Ele se aproximou, bloqueando seu caminho — Não precisa fugir, a gente não morde… a não ser que tu peça.

Os outros riram.

Clara tentou ignorar o calor incômodo do nervosismo subindo por seu pescoço. Ela sabia lidar com pacientes difíceis, com famílias em desespero, com pressões no hospital… mas não sabia lidar com isso.

— Eu tô atrasada pra aula — disse, tentando contornar Léo.

Mas ele colocou a mão na parede ao lado dela, bloqueando sua passagem.

— Calma, calma… — Seus olhos deslizaram lentamente pelo corpo de Clara, de cima a baixo — Dá para relaxar um pouco, não precisa ser tão certinha o tempo todo. Podemos te ensinar algumas coisas… se você quiser.

O riso dos outros se intensificou. Clara sentiu o estômago revirar. Então, de repente, o riso cessou e o ar pareceu ficar mais pesado.

Léo franziu a testa, sentindo algo atrás de si. Quando se virou, Vincent estava ali. Seu olhar não tinha qualquer traço de humor. A mão que segurava o baseado abaixou lentamente. O silêncio que se formou fez até os mais ousados do grupo recuarem. Vincent não precisou levantar a voz.

— Sai da frente — Disse, simplesmente.

A tensão era palpável. Léo engoliu em seco, forçando um sorriso.

— Que foi, cara? Só tô brincando.

Vincent estreitou os olhos.

— Ela não tá brincando.

Léo perdeu o sorriso. Ele sabia que não valia a pena comprar briga com Vincent, então, deu um passo para trás.

Clara, ainda nervosa, tentou agradecer com um olhar discreto, mas Vincent não olhou para ela, ele apenas tragou o cigarro mais uma vez e voltou a encostar-se ao muro, como se nada tivesse acontecido.

O resto do dia passou em um borrão para Clara. Ela tentou se concentrar nas aulas, mas a cena continuava voltando à sua mente. Vincent não precisava ter feito nada. Ele poderia ter rido junto. Poderia ter simplesmente ignorado, mas não ignorou e isso significava alguma coisa.

Quando o sinal bateu anunciando o fim das aulas, Clara se apressou pelos corredores, correu até o pátio e o encontrou já se afastando da escola. Sem pensar, ela acelerou o passo.

— Vincent!

Ele parou, mas não se virou de imediato. Clara correu até ele e, antes que ele pudesse dizer qualquer coisa… ela o abraçou. Vincent ficou completamente imóvel. Seu corpo ficou rígido como uma estátua de pedra. Por um momento, ele não soube o que fazer. Ele nunca era tocado assim. Nunca dessa forma. Nunca com esse tipo de… calor.

O perfume suave dos cabelos dela invadiu seus sentidos, sentiu a respiração dela contra seu peito e, por um segundo, apenas um segundo… Seu mundo inteiro pareceu parar. Clara não disse nada de imediato, apenas segurou o abraço por mais alguns segundos, como se quisesse que ele entendesse algo sem precisar de palavras.

— Obrigada — ela finalmente sussurrou.

E foi nesse instante que a armadura de Vincent rachou. Só um pouco, mas o suficiente para que ele percebesse que, por mais que tentasse, ele não poderia ignorá-la para sempre.

Então, fez a única coisa que sabia. Afastou-se com um movimento curto, quebrando o contato.

— Não precisa me agradecer — murmurou, evitando o olhar dela.

Clara sorriu de leve. Ela viu além da máscara.

— Mesmo assim… obrigada.

Vincent apertou os punhos dentro dos bolsos. Sem responder, virou-se e continuou andando, mas, dessa vez, ele não conseguiu afastar a sensação de que aquele abraço havia mudado algo dentro dele e isso o incomodava.

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Foto de perfil de Fabio N.MFabio N.MContos: 119Seguidores: 149Seguindo: 45Mensagem Segredos para uma boa história: 1) Personagens bem construídos com papéis e personalidades bem definidas qualidades e defeitos (ninguém gosta de Mary Sue ou Gary Stu); 2) Conflitos: "A quer B, mas C o impede" sendo aplicado a conflitos internos e externos; 3) Ambientação sensorial, descrevendo onde estão seus personagens, o que estão vendo ou sentindo.

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