Meu príncipe, meu irmão - Capítulo 30: Matar ou morrer

Um conto erótico de Th1ago-
Categoria: Gay
Contém 4763 palavras
Data: 15/02/2025 23:23:38

Eu não sei quanto tempo fiquei ali, caído no chão frio da varanda, sentindo o sangue escorrer pelas minhas costas. Meu corpo ardia, cada golpe de cinto deixara marcas fundas, cortes abertos que queimavam como fogo. A cada pulsar da dor, o ódio subia pelo meu peito como um grito sufocado. Eu queria justiça. Eu queria vingança. Eu queria que ele sentisse tudo o que eu estava sentindo.

Eu pensei em mil coisas naquela noite. Pensei em fugir. Pensei em pegar alguma coisa, qualquer coisa, e acabar com aquilo de uma vez. Pensei até no pior, em algo que hoje talvez me arrependa de ter cogitado. Mas, no fundo, o que eu mais queria era algo que nunca tive: o amor do meu pai.

Ele nunca me olhou como eu queria que olhasse. Nunca me deu um abraço, nunca perguntou se eu estava bem, nunca disse que tinha orgulho de mim. O que ele queria era um filho que se encaixasse na ideia de homem que ele carregava. Alguém que trabalhasse cedo, que se calasse diante da dor, que escolhesse uma mulher para formar uma família perfeita aos olhos dele. Mas eu nunca fui esse filho. Eu nunca poderia ser esse filho.

A verdade é que, mesmo depois de tudo o que ele fez comigo, perdê-lo doeu. Doeu porque, no fundo, eu sempre esperei que um dia ele mudasse. Que um dia ele me visse de verdade. Mas isso nunca aconteceu.

Aquela surra ficou marcada não só no meu corpo, mas na minha alma. Eu senti cada ferida abrindo, senti o gosto amargo do sangue na boca quando caí, senti o desespero de não poder fazer nada além de esperar acabar. Nossa avó me salvou naquela noite. Foi ela quem entrou na nossa casa e nos tirou dali antes que ele continuasse. Foi ela quem cuidou de mim, limpou meus ferimentos e chorou enquanto passava as mãos pelas marcas que ele deixou. Mas quem realmente me manteve vivo... foi você, Léo.

Eu me lembro do dia seguinte, depois de tudo aquilo. Depois de apanhar tanto, depois de cada golpe que me deixou sangrando, depois da dor que eu sentia no corpo inteiro, a gente dormiu na casa da minha avó. Eu não sei se consegui chamar aquilo de dormir, porque eu não conseguia fechar os olhos sem reviver tudo. Cada vez que eu tentava, parecia que eu ainda estava lá, que ele ainda estava gritando comigo, que o cinto ainda cortava minha pele.

Mas você ficou ali. Você segurou minha mão a noite toda, me dizendo que ia passar, que tudo ia melhorar. Eu não sei se você acreditava nisso de verdade, mas, naquele momento, eu precisava ouvir aquilo. Eu precisava acreditar em você. E você não soltou minha mão, não importava o quanto eu tremesse, não importava o quanto eu tentasse disfarçar. Você ficou. E isso foi a única coisa que me manteve inteiro.

Naquela manhã, quando acordei, o quarto ainda estava escuro. Meu corpo doía de uma forma que eu nunca tinha sentido antes, como se cada centímetro da minha pele tivesse sido queimado. A dor latejava nos cortes, nos hematomas, e eu sentia o tecido da roupa grudando nas feridas secas. Meu primeiro instinto foi tentar me virar, mas o movimento me arrancou um gemido involuntário. Foi só então que percebi que minha mão estava presa na sua. Você ainda dormia, os dedos entrelaçados nos meus, como se tivesse ficado ali a noite inteira.

Eu sabia que tinha. Você sempre fazia isso quando percebia que eu estava mal, quando o mundo parecia grande demais pra mim. Você segurava minha mão como se dissesse que não ia soltar nunca. E eu acreditava.

Mas o pior não era a dor no corpo. Era o peso no peito. Era saber que, mesmo depois de tudo, eu ainda queria alguma coisa dele. Um resquício de amor, um vestígio de arrependimento, qualquer coisa que provasse que eu era mais do que um saco de pancadas pra ele. Mas eu sabia que isso não existia. Que nunca existiu. E que, talvez, nunca existiria. Eu odiei isso. Odiei essa parte de mim que ainda esperava.

Fechei os olhos de novo, tentando afastar esses pensamentos. Mas foi quando ouvi sua voz. Abri os olhos devagar e percebi que você não estava mais ali. Sua mão não segurava mais a minha. No começo, senti um pânico irracional. Mas então ouvi você no corredor.

— Eu amo ele, Eduardo. Eu não posso mais fingir que isso não existe.

Minha respiração falhou. O coração martelou contra as costelas. Minha cabeça girou, porque eu não tinha certeza se tinha escutado direito. Mas então ouvi de novo, sua voz mais firme dessa vez.

— Eu amo o Gustavo.

Eduardo respondeu algo que eu não consegui entender direito. Minha mente estava ocupada demais tentando processar as palavras que tinham acabado de sair da sua boca. Você estava ali, do lado de fora do quarto, confessando isso pro seu irmão. Dizendo em voz alta aquilo que eu sempre quis ouvir, mas que nunca tive coragem de perguntar.

Respirei fundo e fechei os olhos. Por um instante, mesmo com toda a dor, eu me senti inteiro.

O Eduardo estava com ódio, perguntando o que tinha acontecido, falando que ia meter a porrada no meu pai. E você... você falou que me amava. Você disse isso com todas as letras, sem hesitação. Você disse que a gente não podia mais esconder isso, que não dava mais para fingir que nada aconteceu. E aí o Eduardo perguntou se você tinha certeza. Ele quis saber se a gente realmente combinava, se tudo isso não estava te machucando mais do que qualquer outra coisa. Ele perguntou se não era melhor esquecer.

E eu fiquei ali, parado, esperando o que você ia responder. Esperando saber se você ia desistir de mim. Mas você não desistiu. E foi naquele momento que eu soube, Léo. Soube que, por mais que tudo estivesse desmoronando ao nosso redor, você era a única coisa que ainda fazia sentido pra mim.

Eduardo respondeu algo que eu não consegui entender direito. Minha mente estava tão focada nas palavras de Léo que nada mais parecia fazer sentido. Léo estava ali, confessando sua verdade, e eu não sabia o que responder. Ele estava tão seguro das suas palavras, tão firme no que sentia. Ele não parecia hesitar.

E eu? Eu? Eu não sabia mais o que fazer. Eu queria me levantar, ir até ele, dizer que tudo ficaria bem, mas a dor ainda queimava nas minhas costas, e meu corpo não queria obedecer.

Mas então ouvi Léo se aproximando, ouvindo os passos dele no corredor, cada um mais firme que o outro. Ele abriu a porta devagar e entrou no quarto. Seus olhos estavam fixos nos meus. Eu podia ver neles uma mistura de dor e alívio, como se ele finalmente tivesse dito algo que precisava ser dito.

Ele se aproximou e se deitou ao meu lado, me olhando com aquela intensidade que me fazia sentir como se ele estivesse me enxergando de uma maneira que ninguém mais conseguia.

Eu não conseguia dizer nada. A única coisa que eu consegui fazer foi segurar sua mão quando ele a estendeu para mim. Era como se, no meio de toda a dor, tudo o que importasse fosse aquele toque. Era como se, finalmente, depois de tanto tempo, tudo tivesse feito sentido.

E foi nesse momento, com sua mão nas minhas, que eu soube. Soube que não importava o que acontecesse. Não importava o que as outras pessoas pensassem, não importava que o mundo ao nosso redor estivesse desmoronando. O que eu sentia por ele, o que ele sentia por mim, era real. E, por mais difícil que fosse, era a única coisa que eu não queria perder.

Os minutos pareceram se arrastar enquanto eu permanecia ali, com a mão de Léo firme na minha. A dor ainda estava lá, mas, de alguma forma, ela parecia um pouco mais suportável quando ele estava por perto. O silêncio entre nós era pesado, mas não desconfortável. Era como se estivéssemos compartilhando um momento que só nós dois entendíamos, um momento onde as palavras não eram necessárias.

Eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, teríamos que enfrentar tudo o que estava acontecendo. O que eu sentia por Léo, o que ele sentia por mim, o que nossa família e o mundo ao nosso redor pensavam sobre isso. Mas, por enquanto, naquele quarto escuro, com os sons do mundo lá fora abafados, eu me permiti respirar. Eu me permiti sentir.

Léo estava quieto, seus olhos fixos em mim, mas havia algo mais ali, algo que eu não conseguia ler completamente. Talvez fosse o medo, talvez fosse a insegurança, ou talvez fosse o alívio de finalmente ter se declarado. Mas eu sabia o que ele estava esperando. Ele estava esperando que eu dissesse algo, qualquer coisa que confirmasse o que ele já sabia. Que eu também sentia o mesmo.

Mas, naquele momento, eu não sabia o que dizer. Eu sabia que eu o amava, mas não sabia como dizer isso de uma maneira que fosse verdadeira, que não fosse sufocada pela dor e pela confusão. Eu queria falar, queria expressar tudo o que estava em mim, mas as palavras pareciam me faltar.

Então, Léo foi quem quebrou o silêncio. Sua voz era suave, quase um sussurro, mas ao mesmo tempo tão cheia de verdade.

— Você vai me deixar? — ele perguntou, sua voz trêmula, como se essa fosse a pergunta que ele temia ouvir a resposta.

Eu fechei os olhos por um instante, tentando processar aquilo. A verdade é que eu não sabia o que o futuro nos reservava. Não sabia como as coisas iam se desenrolar, se nós conseguiríamos superar tudo, se nossa família entenderia ou nos aceitaria. Mas havia uma coisa que eu sabia com certeza: eu não queria perder Léo. Eu não queria perder o único amor que eu tinha, o único que sempre esteve lá para mim, mesmo quando tudo ao nosso redor estava quebrado.

Quando abri os olhos novamente, encontrei os dele, aguardando minha resposta. Não havia mais palavras a serem ditas, não havia mais explicações. Eu sabia o que ele queria ouvir, e eu sabia o que eu sentia.

Com a voz embargada, eu finalmente falei:

— Não, Léo. Eu não vou te deixar. Eu não posso.

E naquele momento, quando ele sorriu levemente, eu soube que, apesar de tudo o que ainda teríamos que enfrentar, nós estávamos juntos. E isso, por mais que parecesse impossível, era tudo o que eu precisava.

Mas, por mais que aquele momento com você tivesse me dado uma sensação de alívio, uma sensação de que tudo poderia melhorar, eu sabia que não duraria. Em menos de 24 horas, a realidade voltou com toda a sua força. A sua mãe chegou para buscá-lo. E com ela veio tudo o que eu temia, tudo o que eu sabia que iria acontecer mais cedo ou mais tarde. Ela veio, sem sequer perguntar como eu estava, sem um olhar que fosse de compreensão, de cuidado. Apenas uma mulher determinada, decidida a levar seu filho de volta para casa, sem se importar com os pedaços de mim que estavam espalhados por ali.

Você estava no corredor quando a vi, e os seus olhos brilharam por um instante, como se ainda houvesse algo de bom naquilo, como se você quisesse acreditar que tudo ia dar certo. Mas logo a sua expressão se transformou, um misto de raiva e dor estampado no rosto, como se você soubesse que não tinha escolha, mas que aquilo ainda o feria profundamente. Você se virou para mim, os olhos brilhando, quase pedindo, implorando para que eu fizesse algo, para que eu dissesse algo que impedisse o inevitável.

— Eu não quero ir, Gustavo! — você gritou, a voz dele cheia de angustia. — Eu quero ficar aqui, com você! Não quero mais voltar pra lá!

Eu queria dizer alguma coisa, fazer algo, mas meu corpo estava tão cansado, tão marcado pelas marcas de meu pai, que eu mal conseguia respirar. Eu estava fraco, não tinha forças nem para me levantar. Aquela sensação de impotência me sufocava. Eu queria gritar, queria impedir tudo aquilo, mas o que eu poderia fazer? O que eu poderia fazer quando nem mesmo eu tinha o controle sobre a minha vida? Eu não podia dar a você o que você queria. Não podia protegê-lo da dor, da separação. Não podia mantê-lo comigo quando tudo ao redor estava desmoronando.

Eduardo apareceu, entrando pela porta de forma rápida, como se fosse uma sombra que só estava ali para cumprir sua missão. Ele olhou para mim, mas seus olhos estavam vazios, sem qualquer tipo de empatia. Não era raiva o que eu via, era algo pior: era arrependimento. Ele já havia se decidido, já sabia o que ia fazer, por mais que não concordasse.

Sem dizer uma palavra, ele foi até você, que continuava se debatendo, tentando se soltar dos braços da sua mãe. Eduardo o pegou no colo, como se fosse uma criança pequena, mesmo que você já fosse grande o suficiente para caminhar sozinho. Mas ali, no momento em que ele o pegou, eu vi uma coisa que me partiu: o seu olhar, aquele olhar de desespero, como se ele estivesse se despedindo de mim.

— Léo... — eu tentei falar, mas minha voz falhou. Você não me ouviu, ou talvez tenha feito de conta não ouviu. Porque já sabia que não havia mais o que fazer.

Juntei toda as minhas forças e tentei correr até você. A vozinha não tava em casa naquela hora, e com certeza seu tio já tinha combinado com sua mãe pra tirar ela de la. Com um suspiro pesado, Eduardo o colocou dentro do carro, sem qualquer consideração pela dor que ambos estavam sentindo. O vidro do carro subiu, e você olhou para mim uma última vez, sem dizer nada. Apenas olhou, com os olhos marejados, e então se virou para sua mãe, como se estivesse tentando aceitar tudo aquilo, como se ainda fosse possível acreditar que, de alguma forma, você voltaria para a vida que um dia tivemos.

Eu fiquei ali, sem forças para me mover. Minhas pernas tremiam, meu corpo estava marcado pelas surras, e minha alma parecia estar despedaçada. O que eu mais queria era correr até eles, puxá-los para longe, e nunca mais deixar que você se afastasse de mim. Mas o que eu sabia era que não poderia fazer isso. O que eu sabia era que não havia mais espaço para nós dois. O que eu sabia era que eu estava completamente sozinho.

E então, enquanto o carro se afastava, levando você com ele, eu fechei os olhos, sentindo a dor pulsando nas feridas abertas. Senti a perda como nunca antes.

Porque, mais uma vez, a sensação de ter perdido o que mais amava me consumia por dentro, e eu não sabia se algum dia conseguiria me recuperar disso.

Eu fiquei ali, em silêncio, por um bom tempo. O som do carro se afastando, levando você, ecoava na minha mente, como uma música triste que não parava de tocar. Cada segundo que passava era um segundo de mais dor. Meu corpo ainda estava marcado, e minha alma, quebrada, me implorava por algum tipo de alívio. Mas, mesmo sem forças, eu sabia que precisava fazer algo. Não podia continuar assim. Eu precisava tentar.

Cerca de 40 minutos depois, com o último fio de força que me restava, estendi a mão até o telefone. Minha visão estava embaçada pela dor, pela raiva, pela sensação de perda, mas eu precisava fazer aquilo. Precisava ouvir algo, qualquer coisa que me tirasse daquela solidão amarga. Dedo a dedo, eu disquei o número do telefone de casa.

O telefone tocou.

Esperando. Um minuto... dois minutos. O tempo parecia parar enquanto eu esperava que alguém atendesse. Mas, nada. Ninguém. Eu me forcei a não desistir. Fiquei ali, com a mente fervilhando, os pensamentos se atropelando, imaginando todas as coisas que eu queria dizer a ele. Como eu queria gritar, exigir explicações, pedir um pouco de empatia, de humanidade. Não era muito. Era só o que eu precisava.

E então, depois de um tempo que parecia eterno, alguém atendeu. Era Eduardo. A voz dele estava fria, distante, como sempre.

— O que você quer? — ele perguntou, o tom impessoal.

Eu não consegui mais segurar a raiva. Não queria conversar. Não queria pedir nada. Eu estava cansado de esperar que ele me tratasse como alguém. Mas ali, com o telefone na mão, eu só queria uma coisa: explodir tudo o que estava dentro de mim.

— Eu... eu não sei como você tem coragem de me atender, cara. Como você tem coragem de se fazer de vítima, como se fosse o inocente da história! — minha voz estava embargada pela raiva, pelas lágrimas que eu não deixava cair. — Você não tem noção do que você fez, Eduardo! Você deixou ele se afastar de mim, deixou ele ir embora sem nem olhar para trás!

Havia uma pausa. Eu sabia que Eduardo queria responder, mas talvez ele não soubesse como. Talvez ele tivesse medo daquilo.

— Não é o momento para essa conversa, Gustavo. — ele tentou, quase exausto.

Mas não adiantava. Não podia esperar mais. Eu continuei.

— O momento! O momento nunca vai ser o certo, nunca vai ser o suficiente para você! Porque você é um merda! Sempre foi, desde o começo! Você acha que eu não vejo isso? Você acha que eu não percebo como você e ele me olham como se eu fosse um peso morto? — a raiva crescia dentro de mim, inflamando tudo o que eu sentia. — O que você fez foi me jogar para o lado. Você me tratou como se eu fosse um lixo, um problema. E agora você quer que eu aceite isso?

Ele não respondeu. Não podia responder. Mas nesse silêncio, algo me dizia que o que eu precisava era de mais. Algo mais forte. Algo para calar a boca dele de vez.

Foi quando eu escutei a voz dele do outro lado da linha, algo em tom de desdém:

— Você não tem coragem de falar com o seu pai? Ele não quer falar com você.

Eu sabia o que isso significava. Eu sabia que meu pai havia sido chamado, que ele estava ali agora, prestes a atender o telefone. O silêncio no ar fez meu coração acelerar, mas eu não recuei. Não podia.

Quando ele atendeu, não foi a voz de Eduardo que veio ao meu ouvido. Era o tom grave e autoritário do meu pai. Ele sempre tinha sido assim: frio, insensível, como se eu fosse apenas uma sombra da vida dele.

— O que você quer, Gustavo? — ele perguntou com aquela voz impassível, como se fosse apenas mais um problema do qual ele precisava se livrar.

Eu senti a pressão no peito, uma mistura de raiva e dor, mas, mais do que isso, senti uma necessidade de fazer ele entender. Precisava que ele visse o que ele era. Ele não podia continuar achando que ia me humilhar para sempre. Não podia.

— Você... você não é meu pai. Você nunca foi! — eu gritei, sem me importar com as palavras. — Você nunca se importou, nunca me deu uma chance, nunca me ouviu! Você me bateu, me desprezou, e agora vem aqui, achando que pode mandar em mim? Você me chama de viado, mas quem é o verdadeiro covarde aqui, hein? Quem é o verdadeiro merda? Quem é o verdadeiro fracassado aqui?

Eu podia ouvir o ar pesado do lado dele, a falta de resposta. E isso só fez a raiva crescer ainda mais.

— Eu sou muito mais homem do que você! Muito mais homem do que você jamais vai ser! Você acha que me chamou de viado e isso me derrubou? Não me derrubou, seu merda! Você não tem coragem de ser um pai de verdade! Você não tem coragem de assumir um filho de verdade! — Eu quase consegui ouvir o esgarçar da expressão dele no outro lado da linha, como se ele estivesse tentando entender o que estava acontecendo. — Eu sou mais homem do que você, porque não preciso fingir ser alguém que não sou para agradar a ninguém! E você... você é um fracassado que nunca soube amar ninguém, nem a si mesmo! Então, o que você tem pra dizer agora, hein?

A linha ficou em silêncio, só a respiração pesada dele do outro lado. Ele não conseguiu responder. E eu sabia que não conseguiria. Eu sabia que as palavras tinham sido ditas, que ele jamais seria capaz de me ver como eu merecia. Mas ao menos, naquele momento, eu havia finalmente dito a ele tudo o que eu precisava.

E por mais que tudo aquilo me machucasse, por mais que minha dor ainda estivesse ali, era como se, pela primeira vez, eu tivesse realmente me libertado da cadeia que ele havia colocado em mim.

O silêncio do outro lado da linha parecia pesar mais a cada segundo. Eu sabia o que ele queria dizer, sabia que ele estava preparando algo venenoso para despejar em mim. E então, finalmente, a voz dele quebrou o silêncio.

— Gustavo, entenda de uma vez — ele começou, com um tom de desprezo claro, como se estivesse finalmente confessando algo que sempre pensou. — Eu não tenho filho viado. É questão de tempo até eu me livrar do outro também.

Eu senti uma onda de raiva varrendo meu corpo, mas não apenas raiva. Era como se a verdade, finalmente, tivesse sido exposta para mim, de forma crua e brutal. A cada palavra que saía da boca dele, o ódio se alimentava, e a dor se transformava em algo mais profundo: a humilhação.

Mas eu não me deixaria abater dessa vez. Eu não seria o fraco, o coitado, o que se esconde. Eu ia mostrar a ele, finalmente, quem eu era.

— Quer saber de uma coisa? Você que deve ser o viado dessa história, que não tem coragem de se assumir. — minha voz saiu baixa, mas com uma fúria que eu nunca havia expressado antes. — E se você não consegue admitir isso, tudo bem. Mas é você quem se esconde, quem se esconde atrás da sua merda de orgulho e machismo. Você, que se acha tão macho, não tem coragem de demonstrar um sentimento sequer. Eu sou viado, sim, mas sou muito mais homem do que você nunca será. Porque, pelo menos, eu tenho coragem de mostrar quem eu sou. Eu tenho coragem de dizer que eu amo alguém, de me entregar, de viver quem eu realmente sou. E você, seu merda, fica aí escondido atrás dessa máscara de macho que nunca te serviu, fingindo ser alguém que não é.

Eu podia ouvir a respiração dele do outro lado da linha. Ele estava puto, eu sabia, e isso me dava mais força.

— Se você fosse homem o suficiente, teria coragem de olhar pra mim e falar tudo isso na minha cara. Porque eu já apanhei de você uma vez, mas na segunda não vai acontecer. Não vai acontecer. Eu te desafio a vir, se você for homem o suficiente. Não tem mais medo. Não tem mais nada que me faça me calar.

Eu ouvi o som dele engolir a raiva, tentando controlar a raiva que estava fervendo em suas veias. E então, finalmente, a explosão:

— Quer ver então? Eu vou ver quem é mais homem aqui, seu viado de merda. Se você quer uma porrada, é o que você vai ganhar!

A voz dele ficou mais áspera, mais raivosa, e eu podia sentir a tensão no ar, como se ele fosse explodir a qualquer momento. Eu sabia que ele estava prestes a fazer algo, mas não me importava mais. Não me importava com o que ele fosse fazer. Eu já estava farto.

Ele soltou um palavrão do outro lado da linha, sem mais uma palavra, e o som do telefone desligando foi o único som que restou.

Fiquei ali, ouvindo o silêncio absoluto. Ele havia desligado. Mas, naquele silêncio, algo dentro de mim se quebrava, mas se reconstruía ao mesmo tempo. Era como se um peso tivesse sido tirado de mim, mas um vazio estranho permanecia. A raiva tinha me libertado, e agora eu estava livre para sentir qualquer coisa. Mesmo que a dor ainda estivesse lá, era como se eu fosse mais forte agora. Mais preparado para enfrentar o que quer que fosse. E, naquele momento, era só isso que eu podia fazer.

Eu me levantei devagar, sentindo o peso do corpo ainda marcado, ainda ferido, mas com uma determinação que eu nunca soubera que tinha. O ódio me impulsionava. Eu já não me importava mais com nada. Não com as consequências. Não com o que o mundo pensaria. Não com o que poderia acontecer. Eu só queria ser livre. Eu queria o Léo. E para isso, eu faria o que fosse necessário.

Caminhei até a cozinha, os passos firmes e rápidos, o coração batendo forte no peito, como se o próprio sangue me empurrasse para frente. Eu não tinha mais medo. O medo já tinha ido embora, dilacerado por tudo o que ele me fez passar. Ele não era mais nada. Ele não ia mais ser nada na minha vida.

Eu abri a gaveta, peguei a faca. Era afiada. O brilho da lâmina refletia a luz da cozinha, e por um momento, eu fiquei parado, encarando aquilo. Não era para me intimidar. Não era para me fazer hesitar. Era só mais uma ferramenta. Algo que eu usaria para garantir que nada mais fosse capaz de me deter. Nada mais seria capaz de separar o que eu mais queria, que era ficar com o Léo. Eu não importava mais com limites. Eu não me importava mais com o que qualquer pessoa pensasse. Ele estava prestes a pagar por tudo o que fez comigo. A única coisa que me restava agora era ter o final feliz que eu merecia, com o Léo. Só com ele.

Mas a faca nunca foi usada. Porque a história não foi para onde eu esperava.

O que aconteceu depois foi um soco no estômago da realidade, uma quebra de tudo o que eu pensei que controlava. Eu soube logo depois. Não demorou. Foi rápido. O telefone tocou mais tarde. Eu não consegui entender direito quando a voz do policial do outro lado da linha falou. Meu pai… meu pai tinha sofrido um acidente de carro. Ele estava indo para casa. Não demorou muito. Ele não chegou. Ele nunca ia chegar.

Eu lembro da sensação de vazio quando a notícia caiu sobre mim. Não foi alívio, como muitos poderiam imaginar. Não foi a alegria que deveria ter vindo após tanto sofrimento. O que eu senti… Por mais que eu tentasse, não conseguia negar a culpa que começou a se espalhar dentro de mim, como veneno.

Eu sentia que havia uma parte minha que, de alguma forma, tinha causado isso. Porque, no fundo, eu acreditava que eu tinha feito ele chegar até aquele ponto. Que toda a dor, toda a raiva que eu deixei sair, e todo o meu desejo de vingança, tinha feito tudo acontecer daquela forma. Se eu não tivesse me rebelado, se eu não tivesse ameaçado… Será que ele ainda estaria vivo?

Eu olhei para a faca na minha mão, e, pela primeira vez, ela não parecia mais uma solução. Não parecia mais uma ferramenta de libertação. Agora, ela parecia apenas mais um lembrete de que, de alguma forma, eu ainda estava preso. Não ao meu pai. Mas à culpa que se arrastava dentro de mim, uma culpa que eu sabia que eu jamais poderia livrar.

E eu fiquei ali, parado. A faca ainda em minha mão, mas meu corpo já sem forças para usá-la. No final, a única coisa que restou foi a dor. A dor que eu sempre senti, mas agora multiplicada, porque, mesmo com a morte dele, eu não sabia se conseguiria viver com o que sentia. O que eu fiz? O que eu realmente fiz? Será que se ele não tivesse morrido eu teria coragem de fazer algo? Eu usaria aquela faca? Como eu tinha que me sentir com a morte dele? Feliz? Triste? Eu olhei para as marcas no meu corpo, e ali, deitado no chão com a faca na mão, chorei até adormecer.

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Fala galerinha, primeiro queria pedir desculpas pela demora (mestrado, pós e minha terceira faculdade, ta tudo muito corrido).

Depois queria agradecer a vocês que seguem acompanhando essa história.

Lembrando que continuo com a meta do fim de semana, batendo 27 curtidas eu lanço outro capítulo até hoje mesmo.

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Comentários

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Um capítulo repleto de dor e revelações! Gustavo enfrentou provações terríveis, e acredito que foi o amor por Léo que o manteve firme na relação. Ele encarou desafios quase insuportáveis—o abandono nas ruas, as drogas e um vício que o arrastou por caminhos sombrios e tortuosos. Ainda assim, todas essas dificuldades apenas reforçam o quanto esse amor foi testado por lutas intensas, capazes de fazê-lo sucumbir. Mas, como sabemos, até nos momentos mais escuros, é possível encontrar a felicidade, desde que se lembre de acender a luz. Espero que essa luz traga esperança, força e ânimo!

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Uau! Tô sem palavras. As peças se encaixando no passado...vamos ver o futuro agora!

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Esses capítulo foi tão carregado que tô com dor de cabeça,já no aguardo do próximo capitulo

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Th1ago! Neste capítulo você superou-se. Nada que me tivesse surpreendido pois era de prever qualquer coisa do gênero. A única surpresa foi a morte do pai de Gustavo num acidente de carro provocado pelo ódio e raiva com que conduzia. E eu pensei que o eliminasse com um enfarte cardíaco. Sempre vi o Gustavo como a maior vítima desta história e você está a conduzir o conto com uma mestria espantosa. Todo o desenrolar deste capítulo foi de uma intensidade tal que o li com a respiração suspensa.

Os próximos capítulos serão o clímax do conto que é uma construção fantástica do seu talento. Confesso que fico cada vez mais intrigado com o que você comentou lá atrás desta história ser muito próxima de uma realidade que o tocou profundamente. Sinto uma curiosidade enorme sobre qual é a sua personagem. Talvez possa confidenciar-nos no final.

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QUANTA DOR NÉ? DOR FÍSICA, DOR EMOCIONAL, DOR DO DESAMPARO, DA REJEIÇÃO, DO SOFRIMENTO, DA TRISTEZA, DA ANGÚSTIA. GUSTAVO NÃO TEM TANTO PODER ASSIM. SEU PAI NÃO MORREU POR SUA CAUSA, MORREU PORQUE TINHA QUE MORRER. MAS CREIO QUE VC SERIA CAPAZ SIM DE COMETER ESSE CRIME. UMA PESSOA ACUADA PRA SE DEFENDER É CAPAZ DE MATAR SEJA LÁ QUEM FOR.MAS FICO AQUI PENSANDO NA MERDA QUE É ESSE EDUARDO, OUTRO GRANDE VILÃO E COVARDE NESSA HISTÓRIA. MUITO PAPO FURADO DE SER O PROTETOR MAS SÓ JOGOU O CORDEIRO NAS GARRAS DOS LOBOS. GRANDE BABACA.MEU TOTAL DESPREEZO POR EDUARDO.

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