A semana foi complicada. Tive muitos problemas com a obra, a clínica estava com a demanda dobrada e eu estava ajudando a secretária em algumas tarefas. Tive uma reunião com o pessoal do curta-metragem e descobri que o filme seria produzido e publicado no ano seguinte. Também palestrei em três cidades diferentes. Mas o que… Milena sempre foi muito inteligente e a ligação não saía da cabeça dela. A palavra "unilateral" era desconhecida até então. Ela interrogou o pai e, como não recebeu as respostas necessárias, buscou descobrir por conta própria.
Fui buscar minhas bênçãos no colégio e, assim que ela entrou no carro, percebi que estava abatida.
— Por que está assim, filha? — Questionei, tocando na perna dela.
— Perguntei à prof o que significa unilateral. — Ela me respondeu baixinho, e eu já engoli seco.
— Huuum, vou mudar um pouco a rota hoje… Parece que evitei demais uma conversa contigo, mas vou consertar isso. — Falei, e paramos na sorveteria.
Juh foi fazer os nossos pedidos e a gente sentou de frente para o mar.
— Eu tô encrencada? — Ela me perguntou, de forma tímida.
— Não, não se preocupe… O que você descobriu na sua pesquisa de campo? — Perguntei, abraçando-a.
— O papai quer que eu more sozinha com ele? — Mih foi direto ao assunto.
— Você quer isso? — Perguntei.
— Não, gosto de morar com as mamães, com meu irmão e gosto de ver o papai e brincar com ele. Mas eu quero continuar morando aqui. — Ela me disse, e tinha muita chateação no seu tom de voz.
— O papai te ama muuuuito, aí ele pensou em passar mais tempo contigo. Mas nós conversamos com seus avós e vimos que nem dá para isso acontecer, por causa do trabalho dele, que você sabe que é bem movimentado... Mas esse nem é o principal motivo... Você acha mesmo que a gente ia conseguir ficar sem você? — Finalizei, perguntando e apertando as bochechas dela com uma mão.
Milena sorriu de forma doce e me abraçou bem forte.
— Amo todo mundo, mas gosto de morar aqui, tô com medo... — Ela soltou, quase em desespero.
— Não precisa ficar com medo, já está tudo bem e nada vai mudar. — Eu respondi, fixando o abraço.
Algum tempo depois, Juh e Kaká vieram até nós com o sorvete, e meu filho já estava todo lambuzado.
— Olha para a cara do seu irmão. — Falei e apontei, rindo.
— Meu Deusssss!!!! — Ela exclamou, com um sorriso lindo no rosto.
Aquele sorriso que cura e tira toda a aflição do coração de uma mãe que se questiona o tempo inteiro se está fazendo o que é certo na criação dos filhos.
Mesmo zoando, ela limpou a boca dele. Pena que foi no uniforme dela... Mas nem ligamos, afinal, roupas e crianças são laváveis.
— Tudo bem? — Juh perguntou para nós.
Eu olhei para Mih e acenei com a cabeça positivamente.
— Sim! — Ela exclamou, se agarrando na cintura de Júlia. — Minha mãe disse que teve uma confusão porque o papai me ama muito, mas que agora tá tudo bem e eu não vou precisar sair daqui. — Concluiu.
— Ufa, a gente não vai precisar fugir e se esconder lá no vovô. Eu nem sei se o Uber sabe chegar lá. — Disse Kaique, super tranquilo.
— KAIQUEEEEE! — Alertou Milena, porém já era tarde demais.
— Que história é essa? — Eu perguntei.
— O que vocês estavam planejando? — Quis saber Juh.
Silêncio total.
— Vocês iam fugir, é isso? — Perguntei.
— E se esconder no vovô José. — Completou Kaká.
Tivemos que fazer um discurso amedrontador explicando que fugir nunca deve ser um caminho, que eles são crianças, nunca se sabe quem pode encontrar, e existem muitas pessoas que podem não ser boas. Além disso, ficaríamos muito preocupadas, sem saber onde eles estavam, se estariam bem, porque muitas coisas perigosas poderiam acontecer. E que, por mais conturbada que fosse a situação, os adultos envolvidos com certeza iriam sentar, conversar e resolver da melhor forma.
O aniversário dos nossos babys seria em uma quinta-feira, e nós não queríamos mais fazer uma festa. Precisava anunciar isso para o pai, já que até então ele se fazia presente nas comemorações. Eu estava com medo de parecer uma vingança pelos últimos acontecimentos e a situação virar contra mim, então, propus o seguinte: no dia, uma pequena comemoração surpresa no colégio, onde Mih já sairia com ele e no final de semana ela voltaria para viajarmos. A minha sugestão foi aceita, para o meu alívio e de Juh, e assim fizemos.
Como 2019 estava sendo o ano do Flamengo e eles se conectaram mais com o time, nós achamos legal fazer nesse tema e foi um sucesso. Finalmente associei os nomes que são ditos na minha casa com frequência a um rostinho. Já conhecia a maioria, mas Kaique e Milena são muito sociáveis, então fazer novas amizades é um fator comum.
Acho lindo vê-los sendo miss simpatia. Isso sempre me encanta. Eu também sou uma pessoa que tem facilidade de me comunicar, mas com eles é algo além disso. Eles têm um jeitinho tão cativante, as pessoas realmente se encantam por quem eles são, e é algo que me enche de orgulho. Fico muito feliz de ver como eles se conectam com os outros de forma tão natural e genuína. Meus filhotes são especiais!
Virou uma bagunça quando Lorenzo, Sarah, Loren e Victor apareceram com meus pais em uma videochamada. Sem explicar muito, minha irmã e meu cunhado enfiaram o que eu julguei ser um palito de início nas mãos dos meus filhos, e dele saiu uma fumaça azul e rosa.
— Um casaaaal!!! — Alguém gritou.
E aí entendemos que se tratava dos meus sobrinhos. Com certeza foi o chá revelação mais louco que já aconteceu nesse mundo. Nós comemorando muito, por mais que existisse a possibilidade de vir um casal, de forma natural, a gente acabava sempre sugerindo que viria duas meninas ou dois meninos, acabou sendo uma "surpresa" legal.
No final, Lorenzo irritou Kaká puxando a música "Com quem será?", os coleguinhas fizeram a revelação e meu filho e a garota citada ficaram super envergonhados.
— É mentira, é mentira, é mentira! — Ele falava em desespero.
Juh o abraçou, enchendo-o de beijinhos.
— Ele é meu bebê, não faz essas coisas ainda. — Júlia disse, e todos ali riram.
— Cê é bebezinho, Kaká? — Perguntou Mih, em tom sarcástico.
— Prefiro ser bebê do que namorar. — Meu filho respondeu satisfeito, se agarrando em Juh.
~ E isso era como músicas para meus ouvidos. 🤣
— Tá zoando seu irmão por quê? Você também é... — Brinquei, fazendo cócegas em Milena, que foi ao chão, gargalhando.
Logo depois, o pai a levou para casa dele.
Ceder nessas datas dá sempre um aperto no coração. Por um lado, eu sei que é importante para o bem-estar dela, para que tenha tempo com todas as partes da família e que esses momentos de convivência sejam equilibrados. Mas, por outro, parece que estamos abrindo mão de um momento precioso que também tem um grande valor emocional para nós. Como se um pedacinho do coração ficasse longe. E, mesmo sabendo que a decisão é a mais adequada e saudável, nunca consegui me desprender do sentimento de querer estar 100% presente nesses momentos marcantes.
E tem outro porém: Kaique e Milena são muito apegados, eles têm uma conexão surreal e intensa, e é difícil achar palavras para tentar explicar certas situações.
No início, Juh e eu achávamos que Kaká se sentiria menos importante ou negligenciado. Porém, o que conseguimos observar é justamente o contrário. Os dois se sentem culpados de se divertirem um sem o outro, por isso, sempre que Mih vai ficar com o pai, Kaique geralmente vai para a Pousada dos meus sogros ou, com menos frequência por conta da distância, para a casa dos meus pais. Nós criamos esse cenário de: "Tá tudo bem, vocês dois estão indo para um momento recreativo", e sempre deu muito certo.
Como era o aniversário, fui com ele para casa, passamos a tarde inteira brincando na piscina: ele, Brad e eu. Júlia não pôde vir conosco, contudo, prometeu que tentaria chegar um pouquinho mais cedo, e conseguiu. Ela se juntou a nós e finalizamos o dia ainda ali, em uma videochamada com Mih. Ela nos contou que fazia o mesmo que a gente, junto com os primos. Evidenciamos a saudade que sentíamos de tê-la conosco e concluímos a ligação empolgados. Eu enchi os três de expectativa, dizendo que faríamos algo bem legal no final de semana e, de certo ponto de vista, até um pouco radical... Do jeitinho que eles gostam!
Milena chegou no sábado extremamente animada. Mais ou menos às nove horas, já estávamos prontos esperando-a, e partimos para o meu interior preferido. Após longas horas, finalmente terra firme e fomos rapidinho para casa trocar de roupa porque tínhamos horários a cumprir.
Estava um pôr do sol bem laranjão, vibrante e muito convidativo.
Ficamos sentados na beira do rio com um pessoal, mas somente quando os caiaques começaram a chegar que eles sacaram mais ou menos o que íamos fazer.
— Nós vamos andar de caiaque!!! — Mih apontou, ficando de pé, em um pulo.
— Não é só andar de caiaque... A nossa mochila tem roupa e é de um tamanho ok, mas olha a mochila de Lore. — Disse Juh.
Realmente, a minha era maior, nela tinha alguns mantimentos, pois não voltaríamos para casa naquela noite.
— Oh, mamãezinha, deixa a gente ver o que tem deeeentro. — Falou Kaká, tentando me tapear com beijinhos.
— Não criem expectativas, não é nada demais. — Disse-lhes, rindo.
O passeio de caiaque é sempre incrível, mas esse é bem especial e bonito. Quando eu era criança/adolescente, costumava fazer esse percurso de canoa, então tenho ótimas recordações.
Como Júlia e Kaique são mais medrosos, achei melhor ele ser o meu parceiro e Mih a de Juh. No trajeto, tem um manguezal, onde dá para observar vários animais, e foi engraçado nós três olhando para a gatinha meio apreensiva. Também foi engraçado quando eu balançava o caiaque pelo deck, fazendo Kaká quase que recuar para meu colo com medo de cair.
Durante o percurso, paramos em alguns lugares para mergulhar, tirar fotos e se divertir. Nós acabamos perdendo a maioria das explicações porque nos empolgávamos muito em nossas brincadeiras.
Tem um certo momento, já à noite e em terra não tão firme assim, em que acende-se uma fogueira, e aí pudemos pegar nossas coisas que vieram em um barco logo atrás.
Eu fiz alguns combinados com os responsáveis pelo turismo e um deles foi substituir o lanche por um kit festa. Então, quando eles já estavam cansadinhos, jogados em nosso colo, começaram a entoar o parabéns, e foi lindo observar aqueles olhares que sorriam para a gente, quase que agradecendo sem dizer uma palavra sequer.
Uma das poucas vezes que eu os vi realmente envergonhados e não fazia ideia o porquê. Com certeza não era pelas pessoas que ali estavam, eles amam ter público. Mas seguimos para a segunda parte do passeio, que era o que eu mais estava ansiosa para que eles vissem.
Lá tem um fenômeno natural FANTÁSTICO com os fitoplânctons, chamado bioluminescência. E entrar naquela água, com tudo escuro, vendo aqueles pontos brilhosos conforme nos movíamos, foi uma experiência incrível.
A primeira recomendação era: manter-se dentro do caiaque, e foi a primeira a ser quebrada. Eles não resistiram, ficaram fascinados, e para a segurança deles, eu também fiz o mesmo e puxei a minha muiézinha.
~ Mentira, eu gosto de uma baguncinha. 🤣
Tecnicamente, esse é o ápice da tour e ela é finalizada. Porém... Veio a parte dois do meu combinado.
Enquanto todo mundo se preparava para retornar, abracei minha família e disse:
— Estão prontos para a trilha?
— Agora? Tá brincando? — Juh me perguntou, incrédula.
Por outro lado, as crianças comemoraram.
Chamar de trilha foi um exagero proposital. O local que íamos ficar era bem perto. Caminhamos uns dez minutos e logo deu para avisar duas barracas armadas. Logicamente, ligaram uma coisa a outra e sacaram onde íamos dormir.
Deitamos com a cabeça para o lado de fora, temporariamente, e ficamos conversando sobre o nosso dia, até que cheguei no assunto timidez.
— Por que vocês, que são tão sem vergonha, ficaram tão miudinhos? — Perguntei.
— Não sei... — Me respondeu Kaká, mas ele tinha um sorrisinho no rosto.
Mih ficou pensativa, porém com o mesmo sorriso bobo.
— Por que, Mih? — Juh perguntou.
— Também não sei direito... Mas, tipo... Eu fiquei sem jeito porque não esperava mais uma surpresa... E foi um dia tão legal... Eu não sabia o que fazer, nem o que falar... Só queria te abraçar, mãe... E a mamãe também, claro. — Milena respondeu.
— Eu senti a mesma coisa – começou a dizer Kaique. — Me deu até um calorzinho nas bochechas. — Nesse momento, ele tocou as bochechas, ainda com um sorriso nos lábios. — Eu me senti... amado? – ele se questionou, e logo corrigiu-se: — Não, acho que sou mais importante do que isso. — E finalizou.
Definitivamente, eu não esperava por isso. Fiz a pergunta somente porque estávamos batendo um papo furado, olhando para as estrelas, não achei que sairia algo assim.
— Aaaaah, vem cá dar um abraço na gente – pediu Júlia, e eles vieram correndo.
— Amo vocês mais que tudo nessa vida e não tem nada melhor do que saber que vocês gostaram e se sentiram assim... – falei, em meio a uma sequência de beijinhos.
Ficamos naquela posição por algum tempo. Eles já estavam morrendo de sono e, então, nos despedimos.
— Se aparecer um bichinho, vocês me chamam; se aparecer um bichão, eu amo vocês! – brinquei, e eles riram.
— Se aparecer um bichinho aqui, você sabe que eu saio correndo, não é?! – falou Juh, e eu ri.
— Contra bichinhos, eu sou eficaz, não se preocupe – disse-lhe, abraçando-a e beijando seu pescoço.
— Queria te dizer muitas coisas, mas estou cansada... Você é incrível, uma mulher incrível, uma mãe incrível... Ainda bem que você entrou na secretaria da escola naquele dia e flertou comigo, porque mudou completamente a minha vida... Amo a nossa vida, tudo o que nós temos e como você é uma pessoa maravilhosa, com um coração enorme... – ela concluiu.
Foi um dia muito foda... De maneira alguma eu previ que ouviria tantas belas palavras. Eu tinha plena certeza de que faríamos uma ótima experiência, criaríamos novas memórias e que seria muito bom para esfriar a cabeça. Contudo, não imaginei que eles ficariam tão agradecidos.
— Eu te amo, sabia, gatinha?! – disse-lhe, e demos alguns selinhos.
Em meio aos carinhos, dormimos. Só acordamos no dia seguinte, bem cedo. Com o sol? Não! Com a barraca balançando muito.
— HAHAHAHAHA, SOMOS OS BICHÕES! – Kaique imitava uma voz grossa.
— VOU COMER VOCÊSSSSS! – Milena também tentava.
Saímos bem rápido da barraca e começamos a correr atrás deles, perseguindo-os. Eu gritava que eles seriam o meu café da manhã. Eu tinha ajuda, e minhas presas estavam gargalhando, então foi um abate bem fácil.
Depois de recolher tudo o que usamos, voltamos de barco para casa, e agora meus pais já estavam por lá e puderam paparicar os netos. Eles estavam empolgados, contando tudo o que vivemos, enquanto Juh e eu nos preparávamos para partir logo após o almoço. Foi um tal de: "Deixa eles ficarem até amanhã, faltar um dia de aula não faz mal" e "Por favor, mãe, só mais um pouquinho"... Olhei para Júlia, na intenção de saber o que ela achava, só que o olhar dela também dizia: "Deixa, amor, não tem problema."
— Tá bom... – falei, e os gatinhos comemoraram.
Nós retornamos sozinhas e, no caminho, percebemos que teríamos uma noite livre.
— Vamos descansar? – sugeri, rindo.
— Ah, sim! Por favor!!!! – Juh concordou.
~ Em outros tempos, a cinta ia cantar... 😭 🤣🤣 Mas, de fato, foi um final de semana puxado.
Chegamos em Salvador e passamos o restinho da tarde dormindo. Despertamos com minha irmã e Victor nos chamando. Eles acharam que não comemoraram decentemente o fato de agora terem um casal de filhos e nos chamaram para sair naquela noite. Lorenzo e Sarah já haviam confirmado, e então Juh e eu topamos, mesmo estando bem cansadas.
Fomos jantar, e naturalmente o pessoal começou a beber, exceto Loren, Juh... e eu. Todo mundo estranhou. Em situações normais, eu nunca nego um vinho, um chopp. Na verdade, sou a primeira a sugerir o álcool na mesa. Como eles ficaram de certa forma chocados, ninguém me perguntou nada, mas os olhares estavam cheios de questionamentos.
— É, pessoal, tô grávida... – falei, e ouvi os talheres sendo soltos nos pratos. — Ia esperar mais um pouco para contar, mas vocês me descobriram... – completei.
— Vo-você disse que nunca mais... Ia... Meu Deus, parabéns!!!! – falou Loren, após um bom tempo de silêncio.
E Júlia e eu começamos a rir.
— É brincadeira, é brincadeira... – disse-lhes, e todos foram relaxando.
— Filha da puta! – minha irmã me xingou.
— Parei de beber por um tempo. Quando for o tempo certo, conto para vocês, mas está tudo sob controle... Não se preocupem – menti, e, como eu não minto muito bem quando realmente preciso, não soou tão convincente.
Contudo, Juh desenrolou muito bem, mudando de assunto. Começamos a falar dos bebês e como, futuramente, nossos pais também estariam insistindo para Victor e Loren deixarem os gêmeos com Kaique e Milena na casa deles...
Estávamos tendo um momento feliz e descontraído. Eu não queria estragar aquilo e, também, não estava à vontade para me abrir em um restaurante. Talvez, em um ambiente mais familiar, fosse possível tornar menos difícil.
Foi uma noite muito agradável. Demos boas risadas como não fazíamos há algum tempo. É sempre muito bom estar com eles!