Capítulo 9: Ulisses... - Parte 1

Um conto erótico de Novatinho
Categoria: Gay
Contém 6771 palavras
Data: 23/03/2025 05:47:55
Última revisão: 23/03/2025 18:37:48

AGORA ( MANHÃ)

O limpador de vidro lutava contra a enxurrada que descia do céu. O motorista segurava firme o volante, os olhos fixos na rua da capital. Ao lado, o jovem desbloqueou o celular e guiou a última curva até o destino. O carro parou. O som da chuva ficou ainda mais notável.

— Aqui mesmo? — perguntou o motorista.

O jovem fez uma careta e soltou um “humrum”.

— Já disse que confirmei com o pai dele... Número 302.

Houve uma pausa enquanto removiam os cintos.

— Ele é gato... — murmurou o jovem, inclinando-se para olhar melhor a foto no celular.

O motorista franziu a testa.

— Se comporta. Ninguém tá aqui pra brincar.

Saíram do carro e correram até a entrada do prédio, se encolhendo sob a pequena marquise. O portão estava trancado.

— E agora? — o jovem resmungou.

— Espera.

Um morador surgiu no corredor interno, disperso, sem se importar com os dois. Empurrou o portão com o pé para sair. Eles se entreolharam por um segundo — não precisaram dizer nada. Entraram.

Subiram a escada em silêncio. No andar certo, o jovem olhou para o motorista antes de bater na porta.

Bateu três vezes. Nenhuma resposta.

— Qual o nome dele mesmo? — perguntou o mais velho.

O mais jovem desbloqueou o celular e tentou pronunciar, mas foi corrigido assim que a porta se abriu.

— Achéu? Essa é nova... — Axel encarou os dois com um sorriso sem vida.

Silêncio.

— É AXEL! — soltou alto, mas sem nervosismo aparente, deixando clara a pronúncia: Áksel.

Os dois sorriram sem graça, enquanto Axel segurava a porta aberta por um instante a mais, analisando-os. Eles o encaravam de cima a baixo, em silêncio. Axel soltou:

— E quem são vocês, mesmo?

***

Ulisses tinha 22 anos.

Cabelos um pouco longos, castanhos claros. Um leve desvio no olhar, como se estivesse sempre inquieto com o mundo.

Aparentava uma inocência que talvez fosse só resquício das expectativas que os outros criaram sobre ele.

Nem forte, nem fraco. Nem magro, nem musculoso. Corpo indefinido, estatura média. Uma postura que oscilava entre segurança e dúvida.

Trabalhava numa lanchonete no centro, servindo café da manhã e almoço pra gente que sempre parecia com pressa. Gostava do trabalho. Mas não porque amava — era o que dava pra fazer.

Estudava à noite.

Era rotina: acordar cedo, vestir o uniforme, servir, voltar pra casa.

E duas vezes por semana, ir até o apartamento de Davi. Bem em frente ao seu. Seus encontros eram Enquanto Davi trabalhava Ulisses dormia e enquanto Ulisses trabalhava, Davi ja estava indo ao bar.

Às segundas — quando ele tinha folga e o bar de Davi estava fechado — dormia por lá.

Às quintas, limpava tudo à tarde inteira.

Ulisses nunca foi de grandes ambições. Mas também não achava que viveria algo tão estável — e ao mesmo tempo tão frágil. Davi sempre esteve lá. Sempre dele. Mas nunca inteiro. E essa percepção só crescia com o tempo.

Talvez o incômodo tenha surgido junto com uma outra fome. Uma que sempre existiu, mas ele fingia não perceber. Desde que conheceu Davi, algo dentro dele acordou. Não era só desejo. Nem só admiração.

Era fome. Um impulso de descobrir até onde podia ir. E Davi — mesmo sem saber — foi quem despertou isso primeiro.

O que Ulisses não sabia... É que Axel e Hiroshi sabiam mais sobre ele do que ele sabia sobre qualquer um dos dois.

Motivado pelo medo de ser descoberto pela mãe — ou talvez por proteger o que tinham — Ulisses nunca quis saber das amizades de Davi. Não se importava com o bar. Acreditava que o lugar, que antes fora do pai, agora só tinha passado de mãos pra outro empresário. Não fazia ideia de que Davi era o atual sócio e que seu melhor amigo, Axel era seu parceiro no negócio.

Davi, por outro lado, aceitava essa distância. Talvez nem percebesse que era Ulisses quem a impunha. Mas também nunca rompeu o limite.

Porque existia um.

Sempre existiu.

Eles nunca cruzaram certas barreiras. Mesmo depois de tanto tempo, havia um limite invisível. Talvez fosse suficiente para os dois. Ou talvez… fosse só mais uma das coisas que nenhum deles tinha coragem de descobrir.

Só que esse mistério que Ulisses criou sobre sua identidade...

Serviria agora como uma peça no jogo de Hiroshi incentivado por Léo.

Sabendo de tudo — e mais um pouco — Hiroshi e Léo planejaram uma aproximação silenciosa. Em que essa falta seria explorada. O objetivo não era impor uma traição e sim como uma forma de sondar se Davi estava seguro em mais um relacionamento, no mínimo duvidoso.

Mas a isca só funcionaria se o desejo viesse do próprio Ulisses.

E foi numa quinta feira, há 10 dias atrás, que Ulisses estava prestes a conhecer um dos laços mais fortes de Davi: Léo. Sem fazer ideia disso.

E esse era apenas o começo do fim.

***

AGORA ( MANHÃ)

Axel observava, atento, os dois. O olhar deslizava entre Luiz e Caio, tentando decifrar o motivo da visita. Coçou a cabeça em silêncio, esperando que falassem primeiro.

O homem mais velho engoliu seco.

— Eu sou o Luiz. Esse aqui é…

— Caio — cortou, impaciente, e espiou o apartamento. — Que foi? Não vai deixar a gente entrar?

— Desculpa, Axel. O Caio é meio direto…

Antes que Luiz terminasse, Caio já havia passado por Axel e entrado. Axel virou o rosto, sentindo o corpo gelar ao ouvir a próxima pergunta.

— E cadê o boy doido do seu primo?

Axel reconheceu de cara os trejeitos de um dependente. Sua mente relampeou. Um pensamento cruel demais pra ser cogitado.

“Léo... envolvido com usuários?”

Não queria nem imaginar que ele já fosse um. Mas o que mais o inquietava era: quem eram aqueles caras? E por que achavam que Léo estaria ali?

Respirou fundo, recuperando a compostura.

— Léo tá dormindo? — perguntou Luiz.

— Foi mal, cara. Nem te convidei pra entrar. — Axel estendeu a mão, abrindo espaço.

Luiz entrou, murmurando um pedido de desculpas pelo horário. Axel só balançou a cabeça, tentando dissipar o clima tenso. Pegou uma camisa largada na cadeira e vestiu sem pressa e falou, seco:

— Encosta aí.

Caio se jogou na cama, acendeu um cigarro. Luiz sentou na cadeira ao lado. Axel fingiu naturalidade.

— Vai uma água aí?

Luiz ergueu a sobrancelha.

— Aceito.

Pelo canto do olho, Axel viu Caio puxar um pino do bolso e aspirar com um canudo.

— A gente queria fazer uma surpresa pro teu primo — comentou Luiz ao receber de Axel o copo d'agua.

Axel não esboçou reação. Luiz suspirou, retirou o saquinho do bolso e bateu com os dedos antes de abrir. Segurou o olhar de Axel por um segundo a mais do que o necessário.

— Tu se importa?

Axel manteve o olhar firme, deixando a resposta sair sem hesitação:

— Faz o que quiser.

Luiz já levava o canudo ao nariz. A suspeita de Axel se confirmou: não era um usuário qualquer. Os trejeitos eram discretos, quase imperceptíveis. Mas o mais evidente era a naturalidade. Cheirar, pra ele, era como beber água.

Luiz fechou os olhos, fungou rápido e sorriu para Caio, passando um pouco de pó na gengiva.

— Bom saber que acertamos o lugar. Já tava imaginando que o Léo tava aprontando.

Axel captou algo por trás das palavras de Luiz. O tom não era de desconfiança, e sim de preocupação genuína.

— E por que vocês pensariam esse bagulho? — Axel se escorou na parede e cruzou os braços.

Luiz o observou por um instante. Axel percebeu o silêncio alongado — ainda não tinha respondido nada a eles. Precisava retomar o controle. Antes que Luiz entrasse na cabeça dele.

— Tô mandando a ideia por que ele não comentou nada de vocês. Ainda nem sei como acharam meu apartamento.

Luiz sorriu. Caio respondeu:

— O pai de Léo, lindão. Ele me deu teu endereço. fiz o velho ficar de boca fechada.

Axel ergueu uma sobrancelha. Respondeu sem o encarar.

— Você deve ser muito amigo do Leleco, pra meu tio dar meu endereço assim tão fácil.

Caio desviou o olhar e não respondeu.

— Leleco? — Luiz sorriu olhando pra Caio que confirmou esse apelido de Léo pelo primo. olhou pra Axel com o rosto inexpressivo e emendou:

— Que horas ele chega?

Axel ainda não queria admitir que nem sabia que Léo estava na capital. Era melhor prolongar a mentira. Ele queria saber mais.

— Ele chega já. — sacudia o cabelo. Levantou a vista pra Luiz. — Adiante essa surpresa aí pra eu pegar a visão.

Sorriu pra os dois.

— Meu primo adora surpresa.

***

10 DIAS ATRÁS

Pra tudo funcionar, Léo precisava sondar as fraquezas dele. Se percebesse que Ulisses não abriria brecha pra manipulação, o plano mudaria de rota.

Foi numa quinta-feira a tarde que Léo apareceu, fingindo uma visita casual. Davi, claro, nem sabia que ele estava na capital.

O plano era simples: Léo se aproximaria, sondaria as fragilidades que Davi já havia confidenciado.

Se percebesse resistência, mudava o foco. Mas aquilo não seria um momento qualquer. Cada gesto teria peso. Cada palavra, uma intenção. Não era um encontro. Era uma performance.

Uma coreografia. Por quem? Vamos tentar descobrir.

E, como toda grande peça, exige um público e um comentarista.

O público já existe. O comentarista... bem, ele só diz o que pensa.

***

LÉO (sobe as escadas, bate na porta, impaciente)

— Davi! Abre aí, parceiro!

OBSERVADOR: “Davi é surdo, animal. Esqueceu? Vê se não estraga o plano.”

ULISSES (segura a porta com uma mão, balançando a cabeça antes mesmo da pergunta ser feita)

— Oi! Davi não tá.

LÉO (sarcástico, baixando a cabeça)

— Então errei o apê, foi? ou ele se mudou?

ULISSES (arqueia a sobrancelha, sorrindo)

— Não. Errou não. Ele tá no trabalho agora.

LÉO (estala a língua)

— Ah, é. Tinha esquecido que o mano virava o tarde e noite no bar.

ULISSES (abre um sorriso)

— Tu é amigo dele?

OBSERVADOR: “Não é o entregador de pizza.”

LÉO (deixa um silêncio antes de responder)

— É... Tô na cidade por uns dias. Quis dar um salve no mano.

ULISSES (aperta os lábios, pensativo)

— Pode ir no bar, se quiser.

LÉO (fingindo desconforto)

— Vim de carona, mano. E também queria evitar colar num bar.

OBSERVADOR (rindo por dentro): “Ah, que ironia… Um viciado evitando bar. Esse tem prioridades.”

Ulisses só observava. Tímido. Em silêncio.

LÉO (finge uma ligação, olhando de canto para Ulisses)

— Ei, Davi não chegou. Volta aí pra me pegar.

(Silêncio)

Ulisses girava a garrafa de desinfetante na mão, tentando disfarçar o interesse.

LÉO (fingindo continuar a ligação)

— E eu vou fazer o quê até tu voltar? Tem um cara no apê dele.

Ulisses levantou a vista.

LÉO (com cara de nervoso ao telefone)

— Vou ver se me viro no busão, então.

(Desliga a falsa chamada. Coça a nuca.)

ULISSES (sem olhar nos olhos de Léo)

— Quer o número do Davi?

LÉO (voz baixa, hesitante)

— Eu... eu já tenho. Só queria fazer uma surpresa.

ULISSES (constrangido)

— Seu amigo não vem, agora?

OBSERVADOR: “Tão preocupado com um desconhecido. Mas não vou julgar, né? Vai que o cara é só educado.”

LÉO (expressando confusão)

— Amigo? Que amigo?

ULISSES (dá de ombros, apontando pro celular)

— Ué, não era com ele que tu tava falando no celular agora?

Léo fica em silêncio. Finge refletir. A semente da dúvida tinha que ser plantada.

LÉO (sorrindo forçado)

— Ah, é verdade. Foi mal... É que eu preciso achar um busão e não conheço nada aqui, véio. Ele vai demorar, tá ligado?

Ulisses olhou de canto. Viu o suor no pescoço de Léo.

ULISSES

— Quer uma água? A parada de ônibus é meio longe daqui.

OBSERVADOR: “Já? Que coisa fácil é essa? Mudei de ideia. Vou julgar sim.”

***

AGORA ( MANHÃ)

Luiz passou a mão no nariz, fungando, ainda no rastro do efeito.

— Pra ser franco, só falei isso pra evitar um descontrole do Léo. Tu sabe como ele é… acelerado. — Luiz fungou. — Mas ultimamente... cê deve ter percebido. Léo não ficaria tanto tempo contigo sem usar.

Axel nem teve tempo de processar antes de Caio soltar outra bomba:

— Léo me disse que tu curte farinha também. — Virou-se para Axel, o olhar afiado. — Foi você que gravou aquele vídeo dele, né?

O instinto de proteção por Léo veio automático, mesmo depois de tanto tempo. A expressão de Axel não mudou. Mas algo nos olhos, sim. A voz saiu ligeiramente alterada:

— Qual vídeo?

A troca de olhares entre Luiz e Caio foi rápida. Discreta. Mas Axel percebeu.

Caio hesitou. Luiz, por outro lado, já tinha entendido tudo. Axel se inclinou levemente para frente, sem piscar.

— Me mostra.

Caio apertou os lábios.

— Pra quê? Se você gravou...

Axel apenas estendeu a mão. Sem pressa nem emoção. Luiz suspirou, balançando a cabeça.

— Mostra logo, Caio.

Caio pegou o celular e deslizou rápido pela galeria antes de virar a tela para Axel. O vídeo começou a rodar.

Axel sempre teve controle emocional, mas ao reconhecer Léo — apenas pelo corpo, encapuzado — fechou os olhos. Antes mesmo de ver ele usando. Tremeu por dentro.

Silêncio.

Axel fechou a cara e devolveu o celular.

— Guarda essa merda.

Caio travou um instante, mas obedeceu. Luiz passou a língua nos dentes, desviando o olhar.

— Caio..., acho que a gente se precipitou.

Axel pressionou as têmporas com força.

— Há quanto tempo ele tá usando essa porcaria?

Caio ajeitou o coque samurai. Os dedos tremiam.

Luiz já tremia também. Despejou o pó na tela do celular, aspirou fundo — como se aquilo fosse a única coisa segurando sua sanidade.

— Olha, Axel... — a voz de Luiz falhava. — Respira. Só respira.

O pensamento de Axel girava. Rápido demais. Perigoso demais.

“Leleco...”

“O que houve, com você?”

“Não. isso é mentira.”

Axel levantou o olhar devagar. A paciência tava pendurada por um fio.

— Eu me acalmo... — os olhos cravados nos de Luiz.

Silêncio.

— Só fala... Que merda o Léo tá fazendo da vida.

Foi ali, naquela frase...

Que o Leleco ficou pra trás.

Foi seu primeiro luto.

***

10 DIAS ATRÁS

Léo agradeceu e entrou sem muita cerimônia. O cheiro de limpeza era forte. Tudo limpo, impecável.

OBSERVADOR: "Organizado demais. Quase uma virgem do lar."

ULISSES (sorrindo) — Pode ir na geladeira, fica à vontade.

LÉO (puxando a bermuda de leve)

— Deixa eu dar um mijão antes.

OBSERVADOR: “Ah, pronto. Não me diz que vai querer tocar uma punheta. Já tô cansado de ler isso aqui.”

ULISSES (dando de ombros) — Tranquilo. Fica no quarto.

Léo entrou no banheiro. A vontade era real, mas ao terminar, tirou o saquinho de pó. Já ia cheirar quando... uma ideia atravessou a mente.

LÉO (fungando alto de propósito)

— Só mais uma... TSSHHH... SNFFF!

OBSERVADOR: “E fez questão que o outro ouvisse. Sutil igual um coice.”

Quando voltou, passou a mão no nariz, fungando leve. Ulisses estava na cozinha, limpando a mesa com movimentos automáticos.

OBSERVADOR: “Esse aí é daqueles que limpa um móvel e já pensa na próxima sujeira.”

Léo se aproximou e bebeu um copo d’água, observando as garrafas organizadas em paletes. Se escorou no balcão e riu baixo.

LÉO (segurando a garrafa, rindo)

— Acho que não foi uma boa ideia eu vir aqui. Esse apê parece mais um bar do que o bar do Davi.

ULISSES (rindo junto, balançando a cabeça)

— Você não gosta de beber?

OBSERVADOR: “Sério que o garotinho, não entendeu que Léo falou 'do bar do Davi' e não 'no bar onde Davi trabalha' ? Esse cérebro deve ser seletivo.”

LÉO (rindo)

— E como eu gosto. E tu?

ULISSES (hesitando, rindo sem jeito)

— Não muito.

OBSERVADOR: “Ah, essa resposta foi boa. ‘Não muito’. Traduzindo: só quando dá tesão ou desespero.”

LÉO (fungando)

— Tô ligeiro.

OBSERVADOR: “Eu também tô.”

ULISSES (apontando pro próprio nariz)

— Tu sujou o rosto.

LÉO (piscando, esfregando o nariz com força, fingindo frustração)

— Caralho. Sou um vacilão mesmo.

OBSERVADOR: “Clássico. Se você fosse amador. Mas parece que o sonsinho vai engolir esse teu ‘deslize’. Tô só vendo.”

ULISSES (sorrindo discreto)

— Eu não julgo ninguém. Mas se tu bebe, qual o problema de ir no no bar ver Davi?

OBSERVADOR: “Eu julgo. E esse sorriso aí tem muito mais coisa do que só simpatia.”

Léo jogou o peso do corpo pro outro lado, relaxado.

(silêncio.)

LÉO (batendo os dedos na mesa)

— Complicado. Deixa quieto, mano. E acho que vou nessa... já bebi minha água.

ULISSES (franzindo a testa)

— Como assim, ir?

LÉO (desviando o olhar)

— Pode me ensinar o caminho da parada de ônibus?

ULISSES (largando o pano)

— Se quiser esperar aqui até dar a hora, fica à vontade.

LÉO (erguendo o rosto com um sorriso)

— Sério?

OBSERVADOR: “Opa, opa, opa... e não é que o santinho já tá oferecendo abrigo? Como é que é, Ulisses, já quer dar guarida pro malandro? Assim, de graça? Sem nem pedir RG? Rapaz...”

ULISSES (dando de ombros, desviando o olhar)

— Vou terminar de limpar aqui. Tu pode sentar ali na sala.

LÉO (ignorando, puxando a cadeira na cozinha)

— Tu mora aqui também ou só cola aqui pra dar aquele talento?

OBSERVADOR: “Ai, caralho... meteu essa mesmo?”

***

Caio soltou o ar com força e passou a mão no rosto, como se só agora estivesse percebendo o tamanho da merda. Olhou direto pra Luiz, a voz falhando:

— Luiz... a gente precisa encontrar o Léo.

O maxilar de Axel trincou. Os músculos do pescoço endureceram. O tom veio seco, direto, sem margem pra escapatória:

— Há quanto tempo o Léo tá aqui? Já faz uma semana?

Caio permaneceu em silêncio. Os olhos presos num ponto qualquer da parede, como se aquilo fosse responder por ele. Luiz, em vez de responder, se inclinou pra frente. Puxou mais uma carreira de pó.

Axel observou Caio levar o canudo ao nariz. Uma vez. Duas. Três.

Explodiu.

— Vão ficar se drogando ou vão abrir a porra da boca e falar o que tá acontecendo?!

Luiz segurou o nariz, respirando pesado. O efeito do pó ainda vibrava nos olhos.

Mas a voz veio firme, seca, adulta.

— Uns dois meses já... Mas antes de qualquer coisa, Axel, a gente tem que encontrar ele.

Axel não respondeu. Os olhos começaram a brilhar. A raiva fervia, espirrando por dentro, sem ter por onde sair. Então, sem aviso, ele girou no próprio eixo e desferiu dois socos secos na parede atrás de si.

PAFT. PAFT.

O som dos golpes ecoou pelo apartamento. Caio saltou da cama de olhos arregalados pra Luiz.

Era medo.

Axel apoiou o cotovelo na parede e abaixou a cabeça. Os nós dos dedos ardiam. Mas ele não ligava.

O apartamento mergulhou num silêncio fúnebre. Luiz olhou pra Caio. Depois pra Axel.

Nada.

Quando Axel ergueu a cabeça, os olhos ainda estavam baixos.

Luiz entendeu. Tinha sido demais. Muita informação.

— Calma, Axel... O que importa agora é achar o Léo.

Axel ficou parado por alguns segundos. O olhar perfurava o chão. Depois, soltou um suspiro longo. Esfregou o rosto com as duas mãos.

A raiva tinha passado. O que restava... era um peso que só ele sabia carregar.

O silêncio durou mais alguns segundos.

Axel ainda processava tudo. Até juntar as peças.

— Se ele tá na capital… então eu acho que sei onde ele tá.

***

10 DIAS ATRÁS

ULISSES (tenso)

— Quê? Não, não! Davi mora aqui sozinho. Eu só vim dar uma limpada aqui, só isso.

OBSERVADOR: “Ah, meu irmão. O bicho já se denunciou. Primeiro dia de aula e o aluno já levantou a mão sem saber a resposta certa da prova.”

LÉO (rindo de canto)

ULISSES (acelerando a flanela na mesa)

— Por que você tá perguntando isso? Eu não... eu não...

LÉO (rindo, estreitando os olhos, o interrompe)

— Calma, mano. Tava perguntando se tu mora no prédio também, só isso.

(Silêncio)

ULISSES (disfarçando o incômodo)

— Ah... desculpa. É que às vezes parece que tão me olhando torto só porque tô limpando aqui...

OBSERVADOR: “Certeza que ele ensaiou essa desculpa no espelho.”

LÉO (coçando a nuca)

— Cara, eu não suspeitei que você fosse gay só por isso.

ULISSES (sorri, volta a limpar a mesa)

OBSERVADOR: “Aí, Léo, tu já percebeu, né? O moleque tá se escondendo atrás da flanela! Faxinando um lugar que já tá limpo há meia hora. Mas bora lá, deixa ele tentar se enganar mais um pouco.”

LÉO (tocando o ombro dele)

— Eu SEI que tu é gay.

ULISSES (encarando Léo, que retribui com um sorriso farto)

— Por que isso?

LÉO (dando um tapinha no ombro)

— Relaxa. Eu namoro um cara. Eu reconheço.

OBSERVADOR: “Lá vai usar o Hiroshi como boi de piranha. Tu já pediu ele em namoro, mané?”

ULISSES (constrangido)

— Você namora um homem?

LÉO (soltando o ombro de Ulisses, acende um cigarro)

— Namoro sim.

ULISSES (mais calmo)

— Tu fala assim tão tranquilo... é fácil assim pra ti?

LÉO (olhando pro lado)

— Fácil não é. Às vezes ele pega no meu pé por causa do pó, saca?

(Silêncio)

ULISSES (enchendo um copo d’água, suspira)

— Sei como é... a gente namora, mas parece que nunca deixam a gente ter o que precisa, né?

OBSERVADOR: “Aí! O garotinho se abriu. Por enquanto, só a boca. Vamos ver até onde vai.”

***

AGORA ( MANHÃ)

Axel ficou em silêncio, processando. Depois ergueu os olhos para Caio.

— Faz uma chamada de vídeo pra ele.

Caio franziu a testa, sem entender.

— Pra quê?

— Quero só confirmar onde ele tá. Mas sem que ele desconfie.

Caio trocou um olhar rápido com Luiz. Axel já tinha um plano.

— Quando eu fizer um sinal, tu desativa a câmera. Inventa qualquer desculpa.

Caio inclinou a cabeça.

— Que sinal?

Axel estalou os dedos. Rápido, direto. Caio soltou um riso curto, quase nervoso.

— Pô, tá parecendo filme de suspense.

Axel não sorriu. Luiz cortou:

— Isso não é brincadeira, Caio.

A risada morreu.

Caio assentiu e pegou o celular. Ligou. O ícone da chamada brilhou.

Segundos depois, a imagem apareceu.

Léo atendeu.

Olhos vermelhos com sorriso torto, cara de quem não dormia há dias.

— E aí, mano?

Caio respondeu com naturalidade.

— De boa, mané?

— Suave, pô. Só descansando um pouco.

Caio tentou manter o clima leve.

— Tá batendo muita punheta cheirado, é?

Léo riu, coçando o nariz.

— Pior que não, véi. Mas dou umas aliviadas quando dá bom.

— E teu primo não apela com esse homem, não?

Léo hesitou por um segundo.

— Tá dormindo, mano... O Axel cheira mais que eu, porra.

Caio e Luiz trocaram olhares.

—É de sangue é? — Caio riu junto de Léo. — E o cara, mano? Ele bate numa lombra?

Léo deu uma risada arrastada.

— Nada. Fica na dele. Mas gosta de um caneco, viu?

Caio arqueou a sobrancelha. Luiz apenas balançou a cabeça. Axel não disse nada.

Léo mudou de assunto.

— Fiz uma tatuagem massa aqui quando cheguei. Olha só...

Ele puxou a bermuda e virou a câmera. Axel estalou os dedos. Caio desligou a sua imagem na hora.

Léo continuou falando do outro lado, alheio a tudo.

Axel esfregou a testa. Fechou os olhos. Ele só queria um sinal de onde Léo estava. Mas viu algo pior. A tatuagem. Um delírio que ele mesmo tinha criado. Agora estampado no corpo do primo.

Não queria ver mais. Não queria ver o rosto dele. Queria guardar a imagem limpa que ainda restava.

Caio reativou a câmera, fingindo leveza.

— Foi mal, apertei errado aqui.

Léo nem ligou. Ajustou a bermuda.

— Como é que eu não vi essa tatuagem no vídeo que tu me mandou?

— Usei uma parada de maquiagem pra cobrir, tá ligado?

— E por que não falou antes, vacilão?

— Queria testar se funcionava, zé ruela.

Axel pegou seu celular, discretamente. Ligou pra Hiroshi. O toque ecoou do outro lado da chamada. desligou assim que ouviu. Mandaria uma mensagem pra Hiroshi depois pra despistar suspeitas.

Léo parou de rir. O semblante travou.

— E tu tá onde, Caio? Essa parede não é do teu quarto.

— Tô na casa de um parceiro. Dando uma calibrada.

— Essa hora, pô?

— Tem hora pra isso, viado? Tu tá virado faz dias.

— Verdade, porra. Já era.

— Vou nessa.

Léo fez um sinal de paz e encerrou a chamada.

Axel estava branco. Respirava como se cada ar machucasse. Os dedos tremiam.

Luiz soltou o ar devagar, se curvando sobre os joelhos.

— Eu devia ter imaginado que tinha merda acontecendo... Precisava falar tanto dessas putaria, Caio. — Suspirou alto. — Demais né?

Caio ergueu os braços.

— Era pra eu falar o que uma hora dessa, porra?

Os dois trocavam discutiam entre eles, enquanto Axel esfregava a nuca, tentando recuperar o controle. Sussurrava pra si: "Agora eu tenho certeza".

Ali estava o segundo luto.

Mais fundo.

Mais definitivo.

Axel sabia disso.

***

10 DIAS ATRÁS

LÉO (baixa a voz)

— Então tu namora, né?

Ulisses desvia o olhar e vai à pia.

LÉO (balança a cabeça, longe da visão de Ulisses)

— Pode confiar em mim.

ULISSES (suspira)

— Não é isso. É que é muito pessoal. E mesmo assim, você nem conhece ele.

OBSERVADOR: “Palmas pro rapazinho. Cuidado, Léo... daqui a pouco, você só vai precisar tirar a roupa. Parece que o fogo dele é maior que o amor por Davi.”

(Silêncio)

LÉO (com um tom calmo demais)

— Cara, eu ainda vou ficar aqui um tempo... se tu quiser conversar.

ULISSES (vira e pega a vassoura)

— Não ia adiantar...

LÉO (tragando o cigarro)

— Vai que eu conheça o cara... Posso perguntar ao Davi.

OBSERVADOR: “Ih, rapaz… pegou no nervo.”

ULISSES (para com a vassoura)

— Não! Por favor, não comenta nada disso com Davi.

LÉO (arregala os olhos)

— O que foi, cara? Por que o Davi não pode saber?

OBSERVADOR: “É ISSO! Oficialmente, chegamos no ‘fudeu’. Tava demorando, né? Agora, me diz... como é que a donzela vai justificar essa?”

ULISSES (trava)

— É que... é que... Davi é muito legal, ele pode se preocupar comigo.

OBSERVADOR: “Caralho, que desculpa esfarrapada.”

LÉO (suspira)

— Ainda bem que é isso... já tava preocupado.

ULISSES (estreita os olhos)

— O quê? Por quê?

LÉO (apaga o cigarro no cinzeiro)

— Nada, não... se liga: se tu prometer não contar pra ele que eu vim aqui e que cheirei pó, a gente fecha no sigilo.

(Silêncio)

ULISSES (baixa a cabeça)

— Eu nem sei seu nome..., mas por que ele não pode saber que você veio aqui?

OBSERVADOR: “Olha o rapazinho já pensando maldade e se jogando. Espertinho ele, né?”

LÉO (indo à geladeira)

— Você tá muito nervoso. Tem cerveja aqui, não? Eu sou Léo, cara. E você?

(Silêncio)

LÉO (Vasculha o congelador. sorri desmotivado ao fechar a geladeira)

— Você tá muito nervoso. Tem cerveja aqui, não? Eu sou Léo, cara. E você?

(Silêncio)

ULISSES (confuso)

— Ulisses...

OBSERVADOR: “Sobrenome ‘quero vara’.”

LÉO (estendendo a mão pra Ulisses)

— Prazer, Ulisses... Davi também se preocupa comigo. A gente é amigo. Assim como você, Né? Imagina se ele descobre isso de mim?

ULISSES (mudando a fisionomia com alívio)

— É sim. E também tem o negócio da surpresa, né?

LÉO (sorrindo)

— Poxa, tô com uma sede de cerveja, bicho.

ULISSES (dobrando um pano na pia)

— Lá em casa deve ter umas guardadas. Posso buscar se tu quiser.

OBSERVADOR: “Ah, pronto. ‘Se tu quiser, eu pego lá’. É assim que começa. Daqui a pouco, o menino tá de quatro perguntando se o Léo quer que ele segure outra coisa.”

LÉO (assobia)

— Opa! Agora sim!

ULISSES (dando de ombros)

— Pego já já.

(Silêncio)

LÉO (puxa uma cadeira, tira a camisa, abre as pernas e descansa o tecido no ombro)

— Agora sim eu tô tranquilo.

ULISSES (vira o rosto e percebe Léo à vontade. Fica nervoso e sorri forçado)

— Por causa da cerveja?

OBSERVADOR: “A cena tá pronta, hein? O malandro se espalhou todo, o outro já tá nervoso… só falta alguém apagar a luz e botar uma trilha sonora.”

LÉO (cruza as pernas)

— Não, cara. É por que seu namorado não é o Davi... Eu já tava começando a desconfiar. Ia ser pesado.

OBSERVADOR: “Lá vem a isca.”

ULISSES (ri sem graça)

— Com medo dele ter ciúmes, é?

Observador: Medo? Léo? Só se for de você correr da jeba dele.

LÉO (rindo alto)

— Ciúmes?

(pausa)

—Não, cara. Davi até divide o rolê comigo se eu pedisse. Eu tava falando de tu, mano...

(Silêncio)

ULISSES (nervoso)

— Ah? Dividir?

LÉO (rindo alto)

— Tu tá ligado que Davi é o maior mulherengo, né? Um cara legal como tu, levando gaia... Nem merece.

(Silêncio. Léo olhando pro chão. Ulisses pro nada.)

ULISSES (calça os chinelos e corre pra porta)

— Melhor eu pegar logo suas cervejas... volto já.

OBSERVADOR: “Pegou pesado, hein, Léo? Mentiu… ou só jogou com as peças que tinha? E Davi, hein? Santo demais pra ser limpo assim. Vai saber… tem sujeira aqui que nem a faxina do Ulisses dá conta.”

***

AGORA ( MANHÃ)

Axel falou que tinha certeza que já sabia onde Léo estava. Caio bateu palma.

— Então vamo lá agora.

Axel negou com a cabeça.

— Não. Eu só vou no momento certo.

Luiz se recostou na cadeira, esfregando o nariz. Silêncio.

— A gente vai procurar um hotel. Mas, Axel, te digo logo: só saio dessa cidade quando o Léo estiver bem.

Axel o encarou por alguns segundos. Depois, respirou fundo e estendeu a mão com o celular.

— Me passa teu contato.

Antes que Luiz se movesse, Caio pegou o celular de Axel sem aviso e registrou o próprio número.

— Fala direto comigo. — disse, dando um sorriso cheio de segundas intenções.

Luiz revirou os olhos.

— Se controla, Caio.

Caio ignorou Luiz e manteve o olhar. Axel não desviou. A expressão de Caio carregava provocação. Algo entre o deboche e um desafio silencioso.

Axel manteve o olhar. Frio. Analisando. A tensão entre os dois carregava algo que nem um dos dois queria admitir.

Luiz percebeu. Soltou uma risada seca.

— Vocês dois...

Axel esticou a mão e pegou o celular de volta, sem pressa. Guardou o aparelho no bolso.

Só então esboçou um sorriso malicioso. Se inclinou levemente para Caio. A voz veio baixa, carregada.

— Pra que ligar? Você tá aqui mesmo.

O olhar de Caio brilhou. Axel ainda esperou.

Luiz os olhou e suspirou. Levantou devagar.

— Eu espero no carro, Caio. Não demore. Tô cansado.

Saiu sem pressa, mas sem precisar olhar para trás.

***

10 DIAS ATRAS ( horas depois)

Léo saiu do prédio com a mente a milhão. Entrou no carro sem falar nada, só grudou os lábios nos de Hiroshi num beijo rápido e solto.

Hiroshi arqueou a sobrancelha, mas não retribuiu de imediato.

— Eita, tá tudo certo?

Léo jogou o corpo no banco e soltou:

— Só mete o pé, vai.

Hiroshi não discutiu. Girou a chave e acelerou.

O silêncio foi longo. Depois de algumas ruas, Hiroshi lançou um olhar de lado.

— Que foi?

Léo puxou o canudo do bolso, pegou um pouco do pó e mandou pra dentro. Passou a língua nos lábios e acendeu um cigarro.

— Comprou as breja?

— Comprei.

Léo tragou forte e soltou a fumaça pelo canto da boca.

— Preciso beber. Mano, de verdade.

Hiroshi apertou mais o volante. Depois de um tempo, insistiu:

— O que rolou, caralho?

Léo suspirou.

— Achei que ia ser foda, mas nem eu pensei que ia ser tanto.

Hiroshi franziu a testa.

— Que foi, Léo? O cara é complicado?

Léo alinhou os pelos finos do bigode.

— Não tô falando dele.

Hiroshi desviou o olhar da estrada por um segundo.

— Então de quem, porra?

Léo soltou a fumaça devagar.

— Do Davi.

Hiroshi manteve os olhos na estrada.

— Que que tem ele?

Léo passou a língua nos dentes.

— Sei lá, mano... Só acho que Ulisses nem merece tá com ele. Davi é gente boa. Merece coisa melhor.

Hiroshi pisou mais fundo no acelerador. O carro avançou rápido pelo asfalto. Depois de um tempo, ele falou num tom mais sério:

— E aí, qual a dele?

Léo tragou de novo.

— Porque não só acho que o arrombado vai topar ir no cabaré...

Virou o rosto pra Hiroshi.

— Como também vai meter o chifre no Davi do pior jeito.

Hiroshi não respondeu. Apenas manteve as mãos firmes no volante. Prendeu a respiração por um instante. Pisou ainda mais fundo no acelerador. Léo jogou a bituca pela janela, olhando pro nada.

O silêncio tomou conta no carro.

Léo ficou quieto por um tempo, perdido nos próprios pensamentos. Aí, riu baixo, balançando a cabeça.

— Ele é uma puta, mano.

A frase saiu diferente do que imaginava. Ele esticou os braços no banco, passou a língua nos lábios. Murmurou, baixo, como quem fala pra si mesmo:

— Uma puta...

Soltou o ar, fechou os olhos por um segundo. De repente, a boca secou e a respiração veio diferente. Como se, pela primeira vez, ele tivesse escutado as palavras que saíram da própria boca. Pisou os pés no tapete do carro com mais força, como se quisesse se firmar ali.

Piscou devagar, desconfiando do próprio pensamento.

— O que a gente vai fazer... O que eu vou fazer. É pra nós, mano. Mas também é pelo Davi.

***

AGORA ( MANHÃ)

Axel tirou a camisa e a calça, sem dizer nada. Caio, já excitado, percebeu a tatuagem.

Olhou com atenção. Estampou o sorriso malicioso e se aproximou.

— Parece que os primos tem muita coisa parecida..., Tá perdendo só no pau pra ele. — passou o dedo perto do desenho, com naturalidade. Provocando. — Mas de boa... eu adoro esse tipo de safadeza com primo.

Axel não respondeu, mas a fisionomia travou. Era como se aquela frase tivesse atravessado mais do que o ouvido. Tinha batido direto na lembrança. A tatuagem de Léo. A provocação de anos atrás. O lugar escolhido. O olhar que ele evitou. A vergonha que escondeu por tanto tempo. Caio teve o que ele nunca teve coragem de pedir. E ainda falava daquilo como se fosse banal.

Axel se jogou na cadeira devagar. As pernas se abriram como comando mudo.

Caio entendeu. Se ajoelhou entre as coxas dele. A boca envolveu o pau com firmeza. A língua passou da base até a glande, arrancando um arrepio involuntário.

Mas a mente de Axel já não estava mais ali. Calar a mente era melhor do que alimentar o arrependimento. Cravou os dedos nos joelhos, tenso. Fechou os olhos.

Não queria ver.

Não queria lembrar.

Só queria desligar.

Mas o corpo cedeu. E se entregar ao próprio desejo uma última vez parecia… inevitável.

Pensou em Léo.

Mas não no Léo de agora. O quebrado, fodido, distante. O Léo que seus olhos não conheciam ainda. Era o outro. O que sorria por qualquer besteira. O que se jogava no mundo sem medo.

Segurou essa imagem como quem agarra um fio de vida. Prometeu a si mesmo: só mais essa vez.

Axel agarrou o cabelo de Caio e empurrou de leve. Só um teste.

Caio gemeu com a boca cheia. Incentivando.

Axel pressionou mais. Caio acelerou. A boca afundava com fome. A saliva escorria pelos lábios apertados.

Os dedos de Axel apertaram mais nos fios. Guiaram. Dominaram.

Caio gemeu:

— Tô ficando duro só com tua mão na minha cabeça...

Axel não respondeu. Segurou firme.

— Enfia tudo, porra... me faz engolir teu pau inteiro.

Caio se afastou um segundo, ofegante:

— Me fode a garganta, caralho...

Axel abriu os olhos, só por um instante.

— Tu fala demais, Caio. — murmurou, e empurrou a cabeça dele de volta.

Fechou os olhos de novo. Ali estava Léo.

A lembrança. A mentira que ainda queria acreditar. Queria que durasse. Mas não demais. Só o suficiente pra que a dor viesse depois. No tempo certo.

Axel jogou a cabeça pra trás. Não havia silêncio. Nem no corpo. Nem na mente.

O clímax se aproximava. A respiração virou descontrole. Os músculos tencionaram. O corpo inteiro tremeu.

Axel, finalmente, falou com a voz arrastada beirando ao desespero.

— Isso... porra... engole tudo...

Enterrou fundo uma última vez. O corpo travou.

— Aaaaah... caralhooo... porraaaa...!

O gozo veio violento. Caio engoliu tudo, gemendo.

Axel ficou arfando de olhos ainda fechados. Viu cada pedaço do seu primo se desfazer. Apertava os olhos pra prender só mais um segundo. Mas a ilusão desabou junto com o orgasmo.

Abriu os olhos. Léo não estava mais ali.

Só o quarto. E o rastro do que nunca deveria ter existido.

No silêncio depois do gozo, ele entendeu: O Leleco não existia mais. Nem na memória.

Foi o terceiro luto.

O último.

***

AGORA (NOITE)

Axel não dormiu o restante do dia. Era difícil processar tudo de uma vez. Já Léo estava no apê, com o controle vibrando na mão, o rosto pregado na tela, como se o mundo lá fora tivesse deixado de existir. Os dedos se moviam rápido nos botões.

Sentado de qualquer jeito na poltrona, só de cueca, puxava o cigarro sem tirar a atenção do jogo. No chão, latinhas vazias e, ao lado da poltrona, um prato com restos de pó espalhados.

A campainha soou. Léo franziu a testa, largando o controle de lado.

— Caralho, finalmente!

Se levantou, coçou a barriga e foi até a porta. Destrancou a fechadura.

O motoboy segurava uma sacola com cervejas. Entregou pra Léo e olhou pra dentro como quem já conhecia o lugar. Nem pensou duas vezes:

— Se liga, deixa eu dar um tiro aqui antes de vazar.

Foi direto pro prato na mesinha de centro. Léo riu enquanto tirava as latinhas da sacola.

— Se faz em casa, né, menor?

O motoboy só fungou forte, limpou o nariz no braço e pegou uma cerveja.

— Vai dar bom hoje, fi. Tem pó aí suficiente? ou seu boy vai mandar por mim.

Léo pegou o dinheiro e jogou no peito dele.

— Tu já veio aqui alguma vez e faltou?

O motoboy riu, engoliu um gole grande da cerveja. Léo pegou outra. Abriu com o dente. Se largou no sofá.

— Relaxa. Meu boy vai passas o fio pra tu mais tarde. Ele só vem pela manhã, hoje. Pode colar de vez mais tarde.

O motoboy assobiou.

— Quando ele der o toque.

— traz gela, moleque. que essa porra que tu trouxe nao da nem pra o começo.

— Fechou, meu cria.

O motoboy Saiu rápido, como entrou.

Léo voltou pra poltrona. Puxou mais uma carreira. Pegou o controle e se afundou no jogo.

***

A noite avançava.

Léo nem piscava mais, os dedos cravados nos botões, xingando cada erro.

O cigarro queimava até o filtro. A cerveja descia sem gosto. O pó sumia em carreiras cada vez mais rápidas.

E entre cada tragada, cada gole, cada puxada...Ele ligava e mandava mensagem pra Hiroshi.

A preocupação era com o pó. Não queria falar com o entregador — soaria desesperado. Tinha receio do portão do prédio fechar no toque de recolher pelo horário. Não queria descer tarde pra abrir pra o entregador.

Pensamentos que só quem estivesse na pele de Léo entenderia.

O motoboy tinha virado parceiro de farra quando Hiroshi não podia dormir no apartamento. Agora, com o momento de Ulisses se aproximando, Hiroshi estava preso no cabaré com mais frequencia.

Léo insistia. De novo e de novo. Mas o telefone só tocava. Sem resposta. Sem retorno.

Ele bufava, jogava o celular no sofá e voltava pro jogo.

Mas cada vez que perdia...Cada vez que o personagem morria na tela...Cada vez que a ligação caía na caixa postal...

A raiva crescia. Até que...Recebeu mensagens de Hiroshi.

Meu Japa (21:58): Tá lotado aqui. Não tive com atender.

Meu Japa (21:58): Já mandei pelo cara. faz 10 min. foi 5g.

Meu Japa (21:59): Vou tentar chegar antes das 5:00.

Meu Japa (21:59): Se cuida, mano!

22:00: "Beijão! Se cuida tu. Vá deixar nenhum baitola chegar perto de tu não. kkkk

Meu Japa (22:03): KKKKKK. OK! mais tarde falo contigo. Vou lá

O alívio veio só de saber que o pó estava a caminho. Quando recebeu a mensagem do motoboy que já estava perto, a mente voltou a funcionar.

O jogo voltou a ser diversão. Os minutos pararam de se arrastar.

Não demorou muito até duas batidas ecoarem na porta.

Léo abriu um sorriso, acendeu um cigarro e gritou:

— Já, mano? Tá com a gota mesmo. Tá so encostada essa porra, entra logo, meu mano.

A porta abriu.

Léo nem olhou.

— Chega aí... Trouxe mais gela, filhote?

Silêncio.

— Perdeu a língua, caralho?

O silêncio ficou mais denso que o ar.

A TV era o único som no apartamento.

Léo franziu a testa. Se ergueu da poltrona. Girou o corpo mais rápido do que precisava.

Congelou.

Axel.

Em pé.

Braços cruzados.

Os olhos dele varreram o apartamento até os pés de Léo. Como um raio-x subiu para panturrilhas, subiu as coxas, deslizaram pela cueca, ergueram pelo abdômen em seguida peito. Pararam nos lábios onde o cigarro queimou rápido antes de cair ao chão. Os olhos de Axel desceram junto com o cigarro aceso.

Segundos depois, Axel ergueu o queixo só um pouco. Os olhos de Léo travaram. Nem piscavam.

Axel sorriu de canto.

Seco.

Cortante.

Então, sem pressa, falou:

— Pensei que tu ia visitar o primo.

.

Por R. Rômulo

***

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Foto de perfil de NovatinhoNovatinhoContos: 23Seguidores: 33Seguindo: 4Mensagem Olá, sou um jovem apaixonado por leitura e escrita! Meu coração pertence à literatura clássica, e não sou muito fã da literatura pós-moderna. Minhas preferências literárias se inclinam para obras da era romântica e realista. Gosto de opiniões: Me fortaleça e deixe seu comentário ou voto. Sou um cara do bem!

Comentários

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Vou voltar ao início! Muito bom parabéns! Escrita muito gostosa de acompanhar!

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Fala, Azinho! Muito bom ter mais um leitor (e autor, né?) por aqui prestigiando meu trabalho. Fico felizão que esse capítulo tenha te dado vontade de voltar ao começo da série. Faz isso sim, parceiro — e quando for lendo, não deixa de passar aqui pra trocar uma ideia ou contar o que achou.

A gente que escreve sempre fica naquela expectativa pelas impressões de quem tá acompanhando, ainda mais numa história que, de cara, pode parecer meio cansativa ou até com furos de roteiro pra alguns. Mas acredita: nada ali foi escrito por acaso. Tudo vai ter resposta, tudo vai se encaixar com o tempo — e de forma verossímil, sem mágica forçada.

Fica à vontade pra comentar o que quiser, até quando achar o capítulo chatinho. Kkkkk Sério mesmo, gosto dessa troca sincera.

Ah, vi que tu tá na equipe também! Tenho algumas leituras pendentes por aqui, mas assim que der, vou conferir teus contos com o maior prazer.

Abraço, cara!

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É engraçado e trágico observar como cada um dos personagens se preocupa em salvar o outro, ou pelo menos evitar que o outro sofra, mas ninguém se dá conta de que está todo mundo no mesmo barco, e esse barco não é seguro. Muito pelo contrário, esse barco tem um furo onde as vidas vão escoando, em gotas, para alguns, em torrentes para outros. Para o leitor é um deleite observar o que acontece, mas também é aflitivo, como toda boa literatura deve ser. Um jogo de sentimentos alternados. Mandou bem mais uma vez meninão! Boa semana!!!

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Eu tenho um arquivo onde salvo frases que mexem comigo. Uma delas me veio na cabeça lendo teu comentário: “O inferno são os outros.”

Cada um querendo evitar a dor ou salvar o outro… e ninguém percebe que estão todos cavando mais fundo o mesmo poço — e o pior, sem saber se vai achar água lá no fundo. No fim, o furo do barco é essa omissão coletiva. Talvez uma ou duas conversas sinceras resolvessem tudo... mas o ser humano não é tão simples assim, né?

E tua sacada só confirma isso: tá todo mundo afundando, tentando manter o outro acima d’água.

Valeu, Tito. Grande abraço!

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Caio e Luiz...esses dois viu. E o Ulisses? Já tô vendo que o personagem dele vai crescer muito!

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Tu pegou o espírito da coisa, hein, Jota! Caio e Luiz chegaram causando mesmo. Esses dois são fogo! Kkk. Curti que você lembrou bem da personalidade da galera.

Quanto ao Ulisses... Você tem visão. Vou dizer nadinha. Fiquei só de 👀 que estamos bem pertinho de amarrar tudo. Vai ser uma laçada firme. 😏

Brigadão por continuar nessa comigo! 👊

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