O clima na filial da Charcutaria Weiser em Chapecó estava pesado naquela manhã. Os funcionários da produção trabalhavam em silêncio, atentos aos mínimos detalhes do processo para evitar qualquer erro. Ninguém queria chamar a atenção da gerente.
Na sala de operações, Sofia Fonseca observava os relatórios de produção com um olhar crítico, as sobrancelhas arqueadas em um traço severo. À sua frente, Patrick, o chefe de produção, segurava um caderno de anotações, evitando contato visual enquanto esperava a tempestade que sabia que viria.
Sofia folheava as páginas lentamente, fazendo questão de criar um suspense cruel. O silêncio prolongado era uma tática sua, algo que aprendera com o tempo, quanto mais deixava alguém esperando pelo julgamento, maior era a tensão e o desconforto.
Por fim, ela largou os papeis sobre a mesa com um suspiro pesado, cruzando os braços.
— Patrick, você pode me explicar o que diabos aconteceu com esse lote de defumados?
O homem, um sujeito de ombros largos e expressão sempre cansada, engoliu seco antes de responder.
— Os defumados saíram com uma leve variação na coloração e no aroma, mas a qualidade e o sabor permanecem dentro dos padrões da empresa. Não há risco algum para a comercialização.
Sofia ergueu o queixo em um gesto de desdém.
— Dentro dos padrões? — repetiu, sua voz carregada de ironia — Então você acha aceitável que enviemos um produto que não está absolutamente impecável? Acha que posso simplesmente ignorar essa falha e confiar que os clientes não vão notar?
Patrick apertou o caderno contra o peito, tentando manter a calma diante do olhar gelado dela.
— Eu já avaliei as opções, e podemos redirecionar esse lote para os fornecedores menores, aqueles que compram em grandes quantidades para venda em mercados populares. O produto ainda é de altíssima qualidade e…
— "Mercados populares", Patrick? — Ela riu de forma curta e cruel. — Estamos falando da Charcutaria Weiser, uma marca que se consolidou pela excelência. Não somos uma feira livre, não vendemos "o que der para vender".
Patrick sentiu o rosto queimar, consciente dos olhares dos funcionários próximos. Ele tentava manter a compostura, mas Sofia fazia questão de humilhá-lo diante de todos.
— Eu entendo tua preocupação, mas eu…
— Não, Patrick, você não entende. Se entendesse, não estaríamos tendo essa conversa ridícula — Ela deu um passo à frente, deixando a voz mais baixa e cortante — Talvez eu tenha sido muito branda com você esse tempo todo. A partir de agora, qualquer erro, por menor que seja, será tratado de forma proporcional. E você sabe o que isso significa.
Patrick apenas assentiu, engolindo o orgulho para evitar um confronto ainda pior.
Sofia olhou ao redor, percebendo os olhares furtivos dos funcionários. Seu olhar varreu a sala como uma lâmina, e os empregados rapidamente voltaram ao trabalho, sem ousar prolongar a tensão.
Ela ajeitou a lapela do blazer e, com um sorriso satisfeito, se afastou, deixando Patrick humilhado e sem palavras.
Naquela tarde, o clima na filial mudou com a chegada de Vincent Weiser.
O dono da Charcutaria Weiser nunca fazia visitas anunciadas, e esse era um de seus maiores trunfos. Ele gostava de sentir o ambiente sem que estivessem esperando por ele.
O carro preto estacionou discretamente próximo à entrada lateral do prédio, e logo Vincent desceu do veículo, acompanhado por Luna e Wagner.
Luna, como sempre, trajava um conjunto elegante, mas discreto, os saltos ressoando levemente no chão de concreto. Seu olhar varria o ambiente com atenção, captando a energia do lugar.
Já Wagner, com fones de ouvido pendurados no pescoço e olhos fixos no celular, parecia desinteressado.
Ao entrarem na recepção administrativa, a tensão dos funcionários era palpável. Mesmo sem anunciar sua chegada, a presença de Vincent era sentida no ar.
A recepcionista se levantou imediatamente, sem disfarçar a surpresa.
— Sr. Weiser! Não sabíamos que viria hoje.
Vincent não precisou dizer nada. Seu olhar por si só já indicava que não gostava de ser anunciado. A recepcionista apenas engoliu em seco e pegou o telefone para avisar Sofia.
Pouco tempo depois, a porta da sala de reuniões se abriu, e Sofia apareceu.
Ela havia retocado o batom nude e ajustado a saia do tailleur grafite sob medida, impecável como sempre. Seus saltos altos ecoaram suavemente quando ela caminhou em direção a Vincent, o sorriso nos lábios perfeitamente calculado.
— Senhor Weiser, que honra recebê-lo.
Vincent, como de costume, mantinha a expressão neutra ao apertar a mão estendida dela.
— Estou aqui para fazer uma inspeção de rotina. Quero um panorama completo da filial.
— Claro. — Sofia sorriu, ajustando o cabelo atrás da orelha. — Tudo está funcionando perfeitamente. Fico feliz em mostrar os resultados.
Ao lado de Vincent, Luna cruzou os braços, observando Sofia com um interesse velado. Algo na energia dominante daquela mulher lhe chamava a atenção de forma inesperada, embora mantivesse o profissionalismo em sua expressão.
Wagner, por sua vez, não parecia impressionado. Enquanto Sofia falava, ele olhava ao redor, tentando absorver algo útil, mas achava tudo um tanto entediante.
— Se não se importar, gostaria de começar pelo setor de produção. — Vincent disse, sem perder tempo com formalidades.
— Claro, senhor — Sofia fez um gesto elegante em direção ao corredor — Por aqui, por favor.
Enquanto seguiam em direção à área industrial, Luna lançou um olhar discreto para Vincent, percebendo que, apesar da eficiência de Sofia, ele não parecia impressionado com suas tentativas de bajulação.
E, pela forma como os funcionários desviavam o olhar ao passar, Luna intuía que havia muito mais naquela filial do que Sofia deixava transparecer.
Sofia caminhava à frente, os saltos ressoando no chão industrial enquanto levava Vincent, Luna e Wagner até o setor de produção.
Wagner, até então desinteressado, finalmente levantou os olhos do celular, capturando o ritmo elegante e controlado do rebolado de Sofia à sua frente. A forma como a saia do tailleur deslizava a cada passo capturou sua atenção de uma maneira que nenhuma explicação sobre a charcutaria havia conseguido até aquele momento.
Ele limpou a garganta discretamente, tentando manter uma expressão neutra, mas agora, seu interesse na visita era outro. Luna, por outro lado, não perdeu a mudança súbita no comportamento do rapaz. O canto de sua boca se ergueu levemente em um sorriso discreto. Wagner ainda tinha muito o que aprender.
Ao chegarem na área industrial, os funcionários mantinham a cabeça baixa e os olhos fixos no trabalho. Era evidente que a presença de Sofia os deixava tensos.
Patrick, o chefe de produção, organizava os últimos ajustes quando viu o grupo se aproximando. Ele limpou as mãos no avental branco, endireitou a postura e tentou não demonstrar o desconforto que crescia ao ver Sofia ao lado de Vincent.
— Boa tarde, senhor Vincent — Sua voz saiu firme, mas os olhos traíram uma hesitação ao deslizar rapidamente para Sofia.
Vincent apenas assentiu, observando o ambiente antes de perceber um grupo de caixas separadas do restante.
— Aquelas caixas ali — Ele apontou com a cabeça — Por que estão separadas?
Patrick engoliu em seco.
Sofia se adiantou, cruzando os braços e lançando um olhar cortante para Patrick.
— Explique ao senhor Weiser, Patrick.
O homem limpou a garganta e escolheu bem as palavras antes de responder.
— Esse lote foi separado porque teve uma leve variação na coloração e no aroma. A qualidade não foi comprometida, mas… não atendeu ao padrão rigoroso da empresa.
Vincent caminhou até as caixas, abriu uma delas e pegou um dos produtos. Girou-o nas mãos, analisando cada detalhe.
Luna fez o mesmo, pegando outro item e cheirando de leve, os olhos avaliando criteriosamente.
— Foram muitos que saíram assim? — Vincent perguntou.
Patrick hesitou, olhando rapidamente para Sofia antes de responder.
— Na verdade, senhor, o lote inteiro está em boas condições. A diferença é mínima, algo que a maioria dos consumidores nem notaria. Eu sugeri que esse produto fosse destinado para mercados menores, onde os clientes não são tão exigentes quanto os fornecedores premium. Assim, evitaríamos prejuízo…
Vincent arqueou levemente a sobrancelha, colocando o produto de volta na caixa.
— Solução lógica. Faça isso.
O silêncio na sala foi imediato.
Sofia sentiu o desconforto crescer em seu peito, mas manteve a expressão controlada.
— Senhor Weiser, eu achei melhor descartar o lote para manter o padrão elevado da filial.
Vincent lançou um olhar frio para Sofia antes de responder com simplicidade:
— Desperdício é um luxo que não podemos nos dar. O produto está dentro da qualidade aceitável? Está. Então deve ser aproveitado.
Patrick prendeu a respiração por um momento, tentando processar o que acabara de acontecer.
Sofia forçou um pequeno sorriso, lutando contra o desconforto da situação.
— Claro, senhor Weiser. Providenciaremos o escoamento imediatamente.
Luna não perdeu nenhum detalhe da cena. Seu olhar observador notou a microtensão na mandíbula de Sofia e a forma como ela manteve as mãos crispadas ao lado do corpo por alguns segundos antes de retomar sua postura impecável.
"Ela está acostumada a comandar… mas não a ser contrariada."
Wagner, que até então permanecia atento aos movimentos de Sofia, agora desviou o olhar rapidamente, lutando contra um sorriso. Ele sabia o que era orgulho ferido e gostou de ver como o pai tinha a capacidade de desestabilizar até mesmo a mulher mais imponente.
Após mais algumas verificações, Vincent concluiu que, no geral, a filial estava operando conforme o esperado.
Ele analisou os números finais da produção, conferiu o estoque e conversou rapidamente com alguns funcionários para garantir que tudo estava em ordem.
Quando finalizaram o setor de produção, Vincent voltou-se para Sofia.
— Acompanhe-nos até a sala de reuniões. Quero revisar os relatórios antes de encerrar a inspeção.
Sofia assentiu com um sorriso profissional, mas por dentro ainda sentia o gosto amargo da situação anterior. Ela odiava ser contrariada e, mais do que isso, odiava ter sido contrariada diante dos funcionários.
O som rítmico da caneta de Vincent riscando anotações nos relatórios preenchiam o silêncio da sala. A vistoria havia sido produtiva e, embora estivesse satisfeito com a maioria dos processos da filial, a postura de Sofia ainda precisava de ajustes.
Sentada a seu lado, Luna revisava os documentos, mas sua expressão indicava que havia algo mais em sua mente. Ela mexia no anel do dedo indicador como um sinal de inquietação.
Ele não demorou a notar.
— Quer dizer logo o que tá incomodando você ou vai ficar rodando esse anel até ele gastar? — Ele perguntou sem desviar os olhos do papel.
Luna sorriu de canto, sabendo que não conseguiria disfarçar por muito tempo.
— Eu só tô tentando entender… — Ela cruzou os braços, recostando-se na cadeira — Por que diabos tu promoveu a Sofia?
Vincent finalmente ergueu os olhos para encará-la, o olhar tranquilo, mas afiado.
— Sofia é eficiente. Entende de logística e operações como poucos. Sabe como conduzir uma equipe e mantém os padrões elevados.
Luna arqueou uma sobrancelha.
— E humilha funcionários no processo.
Vincent soltou um suspiro discreto, fechando a pasta de relatórios.
— Eu sei que ela é rígida, mas isso pode ser moldado. Pessoas assim funcionam bem quando sabem que tem alguém acima delas, controlando os fios certos.
Luna deixou um sorriso surgir no canto dos lábios.
— Então tu vai colocar ela nos eixos?
Vincent se recostou na cadeira, observando a amiga por um instante antes de responder com um tom carregado de ironia.
— Aprendi com a melhor professora.
Os olhos de Luna brilharam com um misto de nostalgia e divertimento.
— Então talvez seja a hora de lembrar a Sofia que, por mais que ela goste de mandar, sempre tem alguém que manda nela.
Vincent sorriu de canto.
— Essa é a ideia.
Luna pegou um dos relatórios e folheou sem pressa.
— Marca um jantar com ela. Conversa a sós. Ela precisa saber o que tu espera dela e entender que a posição dela aqui não é inabalável.
Vincent assentiu.
— Boa sugestão.
O restaurante escolhido ficava próximo ao hotel onde Vincent estava hospedado. Um local sofisticado, discreto, onde a iluminação baixa e o jazz suave criavam um ambiente que misturava elegância e mistério.
Sofia chegou primeiro.
Ela havia passado mais tempo do que gostaria escolhendo a roupa. Optara por um vestido preto justo, de tecido fino e elegante, com um decote discreto, mas estratégico. O salto alto fazia com que sua postura fosse ainda mais firme, e os cabelos estavam presos em um coque bem estruturado.
Ela odiava se sentir ansiosa, mas algo naquela reunião a deixava inquieta.
"Controle-se, Sofia. É apenas um jantar profissional."
Vincent chegou minutos depois. Vestindo um terno escuro impecável, sem gravata, com os primeiros botões da camisa abertos, ele caminhou até a mesa com uma presença que automaticamente atraía olhares. Sofia se levantou discretamente ao vê-lo, controlando a aceleração súbita do coração.
— Senhor Weiser.
Vincent parou diante dela, observando-a de cima abaixo com um olhar calculado e uma leve curvatura nos lábios.
— Sofia.
A forma como ele pronunciou seu nome soou quase como um comando, e Sofia sentiu um calor sutil subir por sua nuca. Eles se sentaram, e o garçom se aproximou para anotar os pedidos de bebida.
— Vinho tinto para mim — Vincent disse sem hesitação.
Sofia optou pelo mesmo, tentando manter a compostura. Assim que o garçom se afastou, Vincent se recostou na cadeira, cruzando as mãos sobre a mesa.
— Imagino que esteja curiosa sobre o motivo desse jantar.
Sofia ergueu o queixo sutilmente.
— Presumi que seja para discutirmos a filial.
Vincent sorriu de lado, balançando a cabeça lentamente.
— Não exatamente. Quero discutir você.
Sofia piscou, sua respiração presa por um instante.
— Como assim?
Vincent pegou a taça que o garçom acabara de servir, girando o vinho dentro do vidro com lentidão calculada.
— Seu desempenho. Seu autoritarismo. Sua necessidade de controle absoluto — Ele levou a taça aos lábios, bebendo um gole antes de continuar — Seu desejo de bajulação… e sua relutância em ser contrariada.
Sofia sentiu os músculos tensionarem.
— Eu sou uma líder exigente, senhor. Disciplina gera resultados.
Vincent arqueou levemente uma sobrancelha.
— Não confunda disciplina com opressão, Sofia. Uma equipe que trabalha pelo medo não é produtiva, é uma bomba-relógio.
Sofia segurou a taça com firmeza, mas não respondeu de imediato.
Vincent se inclinou um pouco mais para frente, diminuindo a distância entre eles.
— E você sabe que estou certo.
Sofia sentiu o coração acelerar. Aquela voz, o olhar firme e inabalável, a forma como Vincent tomava controle da conversa sem esforço algum… Ela não estava acostumada a ser a parte subjugada em uma conversa e isso a intrigava tanto quanto a irritava.
— Eu apenas exijo que façam um trabalho impecável — Ela desafiou, erguendo uma sobrancelha.
Vincent sorriu lentamente, mas dessa vez, havia algo perigoso no olhar dele.
— Sei que você quer se destacar, Sofia. Mas saiba que ninguém é insubstituível. Nem mesmo você.
O silêncio entre eles foi carregado de tensão. Sofia apertou os lábios por um instante, engolindo a resposta que queria dar no impulso.
Vincent se recostou na cadeira novamente, tomando outro gole do vinho, sem tirar os olhos dela.
— Pense nisso, Sofia. Você é inteligente. Sabe muito bem qual é a escolha certa.
Sofia respirou fundo, sentindo uma mistura de frustração, irritação… e algo mais perigoso.
Aquela maldita atração crescente.
E pela primeira vez em muito tempo, ela se perguntou se havia encontrado alguém que poderia realmente dominá-la.
**********
Após o jantar, Sofia caminhava ao lado de Vincent, acompanhando-o até a entrada do hotel onde ele estava hospedado. Havia algo diferente nela agora. Seu corpo, antes tenso e carregado de autoridade, parecia mais relaxado, mais fluído em seus movimentos. A forma como andava, como olhava para ele de canto, tudo indicava uma mudança sútil, mas perceptível. Não era submissão completa, mas ela havia absorvido a lição.
Enquanto se aproximavam da entrada do hotel, ele parou, voltando-se para encará-la.
— Bom trabalho na filial, Sofia — Sua voz era firme, mas sem hostilidade — Mantenha o nível, sem excessos.
Sofia ergueu o queixo ligeiramente, como se aquele comentário fosse um presente inesperado.
— Sempre entrego o meu melhor, senhor Weiser.
Vincent sorriu de canto.
— Então continue assim.
Ela manteve o olhar nele por mais um instante, como se quisesse prolongar aquele momento. Então, por fim, assentiu e se despediu.
Quando se afastou, sentia o corpo leve… e algo mais. Uma excitação incômoda, um frio na barriga que ela não deveria sentir diante de seu chefe, mas sentia.
A noite pairava sobre Chapecó, e Sofia Fonseca caminhava ao lado de Vincent em direção ao hotel onde ele estava hospedado. O jantar havia sido uma experiência desafiadora e instigante para ela. Durante anos, estivera acostumada a comandar e ser temida, mas naquela noite, foi ela quem sentiu o peso de uma liderança superior, e não pôde contestar.
Mesmo agora, enquanto os dois andavam sob a iluminação suave dos postes de rua, Sofia se pegava absorvendo cada palavra que Vincent havia dito. Seu tom não era de censura aberta, mas de algo muito mais difícil de ignorar: um comando velado, uma imposição firme e silenciosa.
— Você faz um bom trabalho, Sofia — A voz de Vincent rompeu seus pensamentos.
Ela se virou para ele, escondendo sua ansiedade atrás de um sorriso controlado.
— Agradeço, senhor Weiser. Eu realmente me esforço para garantir a excelência da filial.
Vincent parou na calçada, virando-se para ela. Seus olhos a estudaram com um misto de paciência e autoridade, um olhar que Sofia já havia aprendido a temer e admirar.
— Então mantenha o bom trabalho — Ele pausou, permitindo que a tensão da frase pairasse no ar — Mas sem excessos.
Sofia sentiu um arrepio percorrer a espinha. Ela sabia exatamente o que ele queria dizer. Por mais que Vincent não tivesse explicitamente mencionado Patrick ou seus métodos rígidos, a mensagem estava clara como o cristal: Ele sabia.
E se continuasse testando limites, ele não hesitaria em colocá-la em seu devido lugar. Sofia não tentou contestar. Apenas assentiu, controlada e respeitosa.
— Entendido, senhor Weiser.
Vincent manteve o olhar sobre ela por mais alguns segundos, como se testasse a veracidade de sua resposta.
Então, sem delongas, deu as costas e entrou no hotel.
Sofia permaneceu ali, parada na calçada, olhando para as portas automáticas se fechando atrás dele. Ela não sabia se deveria se sentir aliviada ou inquieta.
A luz da manhã entrava suavemente pelas janelas do escritório de Sofia, mas o ambiente dentro da sala estava longe de ser tranquilo. Patrick estava acuado diante da mesa, os punhos cerrados ao lado do corpo, os ombros rígidos, mas o olhar evitava cruzar com o de Sofia.
— Não importa o que Vincent tenha dito ontem — A voz dela era fria e cortante. — Aqui dentro, sou eu quem manda.
Patrick tentava manter a compostura, mas sua frustração era palpável.
— Eu só faço o meu trabalho, senhora.
Sofia soltou um riso seco.
— E faz pessimamente. Por sorte, Vincent não percebeu o quanto você é dispensável ainda, mas eu não me esquecerei.
Foi nesse momento que a porta do escritório se abriu sem aviso.
O som ecoou no silêncio pesado da sala, e Sofia sentiu o estômago revirar ao ver Luna parada ali, olhando a cena com frieza absoluta.
Patrick virou-se rápido demais, surpreso, mas Luna não olhou para ele. Seus olhos estavam fixos em Sofia.
— Patrick, pode nos dar um minuto? — A voz de Luna era suave, mas a ordem era clara.
Patrick não hesitou em sair.
Sofia, no entanto, manteve a postura rígida, mesmo sentindo o coração acelerar.
A porta se fechou atrás deles, e um silêncio cortante se instalou.
Luna cruzou os braços, mantendo os olhos fixos em Sofia por longos segundos.
— Então é assim que tu gerencia tua equipe? — Sua voz era fria, controlada, mas com um peso que não deixava espaço para evasivas.
Sofia endureceu o maxilar.
— Isso não é da tua conta.
— Na verdade, é sim. — Luna deu um passo à frente, sua presença preenchendo a sala. — E tu sabe muito bem que Vincent não toleraria esse tipo de coisa.
O impacto da frase foi imediato. Sofia sentiu a pele gelar. Por um instante, ela se imaginou sendo exposta diante de Vincent. A humilhação, a perda do cargo, a destruição de tudo o que havia construído.
Ela não podia permitir que isso acontecesse. Sofia tentou controlar a respiração e recuperar o autocontrole.
— Eu já entendi o recado dele ontem. Não preciso de um sermão seu.
Luna arqueou uma sobrancelha, estudando-a.
— Se tu realmente tivesse entendido, não teria feito isso hoje.
Sofia desviou o olhar, apertando os punhos ao lado do corpo. Luna deu mais um passo, estreitando os olhos.
— Vincent já sabe?
O coração de Sofia bateu mais forte. Ela não respondeu.
Luna sorriu de canto.
— Ele vai saber.
Sofia sentiu o pânico crescer. Ela não podia perder a confiança de Vincent, mas também não podia demonstrar medo agora. Então, engolindo em seco, forçou um tom mais controlado.
— O que você quer?
Luna manteve o olhar fixo nela por mais alguns segundos, antes de simplesmente se virar e sair da sala, sem dizer uma palavra.
Quando Sofia entrou na sala de reuniões, percebeu imediatamente que algo estava diferente. Os olhos de Vincent estavam sobre ela, impassíveis, mas afiados. Ao lado dele, Luna estava sentada, sua postura descontraída, mas com um brilho sutil de satisfação no olhar.
“Ela já contou a ele”
O pensamento fez um arrepio correr pela espinha de Sofia. Patrick estava sentado à mesa, parecendo confuso. Ele ainda não sabia que Vincent já estava ciente de tudo.
Sofia dissimulou e caminhou até seu lugar.
Pela primeira vez em muito tempo, sentiu-se em uma posição vulnerável.
**********
A sala de reuniões ficava vazia e silenciosa. Os funcionários saíam um a um. A reunião havia transcorrido dentro do esperado, análise de desempenho, projeções de vendas e ajustes operacionais, sem qualquer menção ao episódio que Sofia tanto temia que viesse à tona, mas agora, todos estavam dispensados. Todos, menos ela.
Sofia permaneceu sentada, as costas retas, os dedos entrelaçados sobre a mesa, esperando o momento inevitável. Seus olhos acompanharam discretamente Vincent, que se levantou e fechou a pasta de anotações com calma calculada.
Do outro lado da sala, Luna cruzava os braços, encostada à porta, observando tudo com um olhar indecifrável.
— Luna, garanta que ninguém nos interrompa — Vincent disse, a voz baixa, mas carregada de comando.
Sofia sentiu o estômago revirar.
Luna apenas assentiu, girando a chave da porta e permanecendo ali, como uma sentinela.
Vincent deu a volta na mesa com passos lentos, sem pressa, como um predador estudando sua presa.
Sofia engoliu em seco. Ela não sabia o que esperar. Um sermão? Uma demissão sumária? Seu corpo estava tenso, pronto para o impacto de palavras cortantes, mas o que veio foi algo completamente diferente.
As mãos de Vincent desceram suavemente sobre seus ombros, pressionando de leve antes de começar a massageá-los com firmeza.
Sofia esticou-se na cadeira, surpresa, mas não teve coragem de se afastar. O toque dele era pesado, quente e calculado, e cada pressão sobre sua pele parecia carregar um significado velado.
Sua respiração oscilou levemente.
— Tão rígida… — Vincent murmurou, a voz baixa e arrastada — O peso da autoridade, não é?
Sofia não respondeu. Seu corpo estava tenso, mas não era apenas pelo medo da situação. A proximidade dele, a forma como suas mãos trabalhavam em sua pele com precisão exata, o tom de voz que não precisava se elevar para ser completamente dominante… tudo isso estava a deixando desnorteada.
— Você é eficiente, Sofia. Extremamente competente — Vincent sussurrou, aproximando-se de seu ouvido — Mas isso não te dá o direito de ultrapassar limites.
Sofia fechou os olhos por um breve segundo, tentando recuperar o controle sobre si mesma.
— Eu… — Sua voz saiu quase num sussurro, mas ela mesma não sabia o que queria dizer.
Vincent sorriu de canto, percebendo isso.
— Não se engane — Ele pressionou os polegares contra os pontos tensos na base do pescoço dela, deslizando lentamente. — Eu sei quem você é. Sei como você opera.
Sofia sentiu um arrepio descer pela espinha. Era um misto de temor e fascínio. Ele não precisava levantar a voz para que cada palavra se infiltrasse fundo nela.
— Eu exijo disciplina, Sofia, mas também exijo respeito.
A forma como ele enfatizou a última palavra fez o corpo dela reagir antes que sua mente pudesse processar.
— O que você quer de mim? — Ela sussurrou.
Vincent se inclinou levemente, sua respiração quente contra a lateral de seu rosto.
— Ou você está sob meu controle… ou está fora.
O choque percorreu cada nervo do corpo dela. Não era uma ameaça aberta. Não era uma proposta clara. Era um ultimato envolto em autoridade, desejo e poder. Sofia poderia recuar, mas não o fez. Sua respiração estava alterada, o corpo completamente desperto, e, pela primeira vez na vida, ela se sentiu pequena diante de alguém. E ela gostou.
Sua mente gritava que era um erro, mas o calor que consumia seu corpo dizia o contrário. Ela baixou levemente o olhar, resignada, aceitando o que quer que aquele momento significasse. E Vincent soube naquele instante que havia vencido. Luna, de onde observava tudo, sorriu de leve. O pupilo havia aprendido bem.