Antônio
Seu Lúcio está irritado com a ideia de sair de casa, mas chegou no ponto em que não tem como continuar sem a cirurgia, ele tem sentido muita dor e Dona Teresa está cada vez mais preocupada. Moro com eles a uns anos e sempre tentei ajudar no que foi possível, eles são como teus avós, me receberam mesmo sem ter nenhuma obrigação e até hoje me dão abrigo, já podia ter mudado para cidade, mas acho que me acostumei a ficar com eles e sinto que nem um dos dois querem que me mude.
Moramos a nove km da cidade, aqui é uma zona rural, mas não ficamos tão isolados assim, estamos entre a cidade de Viçosa do Ceará e Tianguá e tem umas vans que fazem o translado de uma cidade pra outra que passa na Br perto daqui, tipo é como morar em cidade que tem um certo nível de desenvolvimento que é o Tianguá, mas com a paz e tranquilidade do interior, não tem lugar melhor no mundo pra mim.
— Lúcio, não vamos mais ficar na casa do Benjamin, a Ruth falou que o Rubens deu o quarto dele pra gente ficar mais confortável.
— Diga pro Rubinho que não precisa, não vou atrapalhar meu neto — Seu Lúcio é o homem mais apaixonado pelos netos que já vi, a Dona Teresa também é amorosa, mas só que de um jeito mais sério e meio duro.
— Vamos atrapalhar não homem, ele vem pra cá ficar aqui em casa e quanto a gente fica lá — ela explica.
— E o trabalho dele?
— Ele não trabalha no computador homem de Deus, ele trás o computador dele e trabalha daqui, a Ruth disse que foi ideia dele mesmo, e o quarto dele é mais confortável pra você passar o pós operatório, deixe de ser teimoso.
— Teresa o Ben vai ficar chateado da gente não ir pra lá — só ele mesmo pra pensar mais no sentimento do neto do que no próprio cuidado.
— Ele vai entender Seu Lúcio, o Ben só se preocupa com o senhor — entrei no assunto para dar um reforço a Dona Teresa.
— Liga pra ele Teresa, melhor explicar pra ele só pra ter certeza — eita homem teimoso.
— Tá bom, espera — ela responde discando o número do Ben no celular.
Em todo em esse tempo que que moro aqui só o Ben veio visitar, ficamos amigos de cara ele é muito gente boa, meio sério, mas entendo o cara e militar, inclusive quando precisei ir pra Fortaleza por conta da minha formação ele fez questão de me receber, foram meses nessa rotina de vai e volta conciliando com trabalho e tudo mais e foi o Ben que me deu essa força. Sei que ele tem uma irmã chamada Julia e outro chamado Rubens, mas nunca os vi e conversei com eles, tudo que sei é que Júlia não é tão próxima dos avós porque Dona Teresa não aprova seu estilo de vida e o Rubens vive pro trabalho, Dona Teresa disse uma vez que ele nem namorada tem pois não tem tempo para nada.
— Eu vou encontrar com a Luana, a senhora ainda vai precisar de mim hoje? — Pergunto a Dona Teresa.
— Não filho pode ir, diga a ela que eu mandei um abraço.
— Sim senhora.
— Antônio? — Dona Teresa me chama quando já estou quase na porta.
— Oi Dona Teresa?
— Se você for dormir lá lembre-se que temos que estar na rodoviária oito horas.
— Eu volto pra casa, só vamos tocar, depois de levar ela pra casa eu volto pra cá.
Desde muito moleque eu sou apaixonado por música e bicho, costumo de dizer que a Veterinária e o Violão são minhas duas paixões eternas, aprendi a tocar de ouvido — tenho ouvido absoluto — quando me mudei pro Tianguá não conhecia ninguém, só quando comecei a trabalhar foi que fui fazendo amizades e numa dessas saídas conheci Luana, uma morena incrivelmente linda e irresistível com uma voz de anjo, ela é enfermeira e cantora, uma combinação muito interessante, logo na primeira noite a puxei pra dançar e ficamos, depois disso não nos desgrudamos mais, já estamos juntos a dois anos. Nossa paixão pela música foi algo que nos uniu ainda mais, com uns dois meses de namoro ela me convidou pra me apresentar com ela, desde então tocamos em bares da cidade, às vezes com amigos, outras só eu e ela fazendo voz e violão.
Sua voz angelical vai dormir samba ao MPB, o que nosso público pedir ela entrega. Tenho um Fusca 70 preto com o inteiro branco, não era meus planos comprar esse carro, até porque tenho um metro e oitenta dois, ou seja um gigante dentro de uma fusquinha, mas logo quando me mudei precisava de um veículo pra ir e voltar do trabalho, a Tia Zenaide tinha se oferecido pra me ajudar a comprar um carro, pois ela não me queria andando de moto, o que meu dinheiro deu pra pagar na época foi esse Fusca, hoje em dia já tenho condições pra trocar de carro, mas depois que você tem um Fusca nenhum outro carro está a altura de substituir e Luana também já é apaixonada pelo Fuscão preto.
Vesti uma camisa de botões branca e uma calça jeans, meu perfume combinado com o cheiro de gasolina que o Fuscão deixa em mim serve como complemento do meu charme, gosto de manter meu cabelo em um corte curto social que assim não é preciso ficar arrumando ele, nem passo pente só jogo pra trás e fica ótimo, minha barba é completa e está sempre aparada Luana é fissurada na minha barba tanto que ela é quem me dá sempre esses produtos de barba, diz ela que seu maior sonho é fazer minha barba, mas não tive coragem de deixar ainda, sempre brinco com ela dizendo que vai ser seu presente quando casarmos, ela também gosta bastante dos pelos que tenho no peito, não são muitos, mas são o suficiente pra ela ficar puxando sua do meu distraído.
Luana sempre sabe quando estou chegando por causa do Fuscão preto, nem preciso buzinar é só parar em frente sua casa que ela já está na porta a minha espera. Porra até mulher gostosa, ela é baixinha, mas cheia de curvas, seu sorriso me deixou bobão, ela é inteligente e sempre veste uns vestidos que me deixam completamente maluco, Luana é morena do cabelo cacheado, sua pela contrasta com a minha pele branca, mais quando a tenho me meus braços parece que somos feitos um pro outro, parecemos parte de um só todo.
— Boa noite Dona Olívia — cumprinto minha sogra que veio até a calçada me dar boa noite.
— Boa noite Antônio, como estão seus avós?
— Então bens, Seu Lúcio vai para Fortaleza amanhã pra fazer a cirurgia — ela já está a pá da saúde do Seu Lúcio.
— Ai que bom que ele conseguiu, quando o José teve que fazer foi uma luta, imagina pra ele que é mais idoso — ela se refere ao meu sogro que também teve o mesmo problema de Hérnia anos atrás.
— Mãe a gente tem que ir pra não atrasar beijo.
— Você vai dormir aqui hoje Antônio? — No começo minha sogra não me queria dormir junto com Luana, mas depois de um dois anos ela amoleceu e passou a confiar mais em mim e Luana já é adulta, ela não tem mais tanto controle assim, mesmo assim respeitamos tanto meus sogros quanto o gentio casal que me deu abrigo.
Essa noite vamos tocar no bar de um amigo, Brisa da Serra Pub é um lugar agradável e sempre tem música ao vivo, gostamos muito de vir aqui, seja pra tocar ou como clientes mesmo, Luana passa comigo o repertório e nos preparamos pra começar. Quando estou tocando violão parece fazer parte de mim, meus dedos sabem o que fazer sem que eu precise pensar muito sobre e quando se tem uma parceira como a Luana fica ainda mais fácil.
Tocamos por uma hora, depois da gente entra um DJ, normalmente ganhamos o cachê e uma comanda de consumação, eu não bebo pois estou dirigindo então Luana é quem aproveita os drinks do cardápio.
— O que você tem? — Luana me pergunta ao me perceber mais pensativo.
— Não é nada, fiquei sabendo hoje que o neto do Seu Lúcio vai vir passar uns tempos aqui.
— O Benjamin? — Luana também adoro o Ben.
— Não, o irmão mais novo dele, o Rubens.
— Não sabia que o Benjamin tinha irmão — nem mesmo eu sei muita coisa sobre o cara.
— Ele cedeu o quarto dele e tá vindo pra cá, tipo eles trocaram de quarto — explico.
— Ué não tinha outro lugar onde ele pudesse dormir lá? — Tínhamos planos de aproveitar a casa, não temos muitas chances de ter privacidade, só quando vamos num motel, mas ia ser interessante poder dormir uns dias lá em casa, porém ela não vai querer dormir lá com um estranho.
— Sinto muito, mas o cara é neto deles, mas ele não deve ser tão diferente do Ben — tentei animá-la.
— Ele não trabalha? Tipo está de férias ou algo assim?
— Pelo que entendi ele faz home office, Dona Teresa disse que ele trabalha no computador, deve trabalhar com administração ou algo assim.
— O namorado da prima Josy trabalha com telemarketing só que de casa, ele faz home também, será que é algo assim?
Ficamos por um tempo teorizando que tipo de trabalho o tau Rubens faz, mas não chegamos em nenhuma conclusão, os melhores palpites são RH ou Telemarketing. Já passa da meia noite quando deixo minha namorada em casa, ficamos nos beijando dentro do carro um pouco como de costume, mas como tenho que acordar cedo amanhã não posso ficar muito tempo.
— Uma pena você não poder dormir, porque hoje eu estou com saudades — Luana dá uma apalpada gostosa no meu pau, enchendo a mão, ela me deixa excitado só no beijo então quando me toca ela sente minha dureza.
— Covardia, só porque não posso ficar — ela apenas rir e me beija uma última vez antes de descer do carro.
— Amanhã vou esta de plantão — ela diz se inclinando na janela do lado do passageiro — mas depois de manhã a gente pode ir no nosso cantinho e matar a saudade.
— Combinado — abro um sorriso satisfeito, lembro que demoramos uns meses até transarmos, nossos amassos sempre foram quentes, mas depois que transamos a primeira vez as coisas tomaram outras proporções, Luana é toda comportada, porém quando estamos sozinhos ela é muito safada, isso que né deixa mais maluco.
Na manhã seguinte acordo com uma ligação do Benjamin, acabei chegando um pouco mais tarde do que o planejado e como vou entrar mais tarde no trabalho hoje não coloquei o despertador para às seis como de costume, ainda estou com sono, peguei o celular meio atordoado e atendo a ligação.
— Alô — digo colocando o celular no ouvido.
— Bom dia Antônio, tudo bem? Te acordei?
— Já tinha que levantar mesmo, relaxa, mas aí tá tudo bem? — Ele deve só querer confirmar se está tudo certo em relação à viagem de seus avós.
— Tá tudo bem, cara não sei se a vovó te contou, meu irmão Rubens tá indo pra aí hoje, estou indo encontrar com ele agora na rodoviária pra me despedir.
— Sim ela mencionou que ele estava vindo e que eles vão ficar na casa da sua mãe — respondi.
— Pois é cara, queria te pedir só mais um favor, você tem como buscar ele na rodoviária? Tipo só se não for te atrapalhar — Ben é meu amigo então não tenho nem porque não fazer um favor a ele.
— Posso sim claro, que horas ele chega?
— Cara entre meio dia e uma hora mais ou menos — o horário é até que bom pra mim então não vai ser trabalho algum.
— Vai dar certo é bem no meu horário de almoço, de qualquer forma já tinha liberado minha agenda pela parte da manhã, só tenho uma cirurgia para o final da tarde hoje que não pode desmarcar — meu paciente é um gato que precisa ser operado com urgência devido a um câncer nos rins então não deu para remarcar.
— Cara muito louco que animais passem por cirurgias como a gente — Ben faz uma reflexão que acabou ouvindo bastante na minha profissão.
— Não é sempre que pego casos tão difíceis, faço mais castração ou cirurgias simples, mas sim, existem muitos procedimentos para animais também, são seres vivos que precisam do nosso cuidado.
— Você é o cara Antônio, mas aí vou precisar ir aqui, acabei de ver o Rubens, a gente se fala e olha muito obrigado por quebrar essa pra mim.
— Estamos juntos irmão, o que precisar estou por aqui, diz ao seu irmão que vou estar esperando por ele quando chegar.
Depois de encerrar a chamada levanto e vou cuidar na vida, tomei um banho depois me junto a mesa com. dona Teresa para tomar nosso café da manhã, Seu Lúcio está deitado no quarto descansando, essa viagem vai ser difícil pra ele, não conseguimos uma ambulância para levá-lo e ficar sentado muito tempo vai ser bem ruim, o médico deu uma receita de medicamentos para tentar ajudar pelo menos, mesmo assim é desconfortável passar seis horas dentro de um ônibus, ainda mais tendo problema de hérnia.
— Antônio, o Rubens vai ficar no nosso quarto, acredito que ele vai usar a biblioteca do Lúcio pra trabalhar de lá que é melhor.
— Certo, sem problemas.
Moramos numa casa grande, o terreno em si é muito bom, tem uma horta da Dona Teresa que vai ficar aos cuidados da tia Marli que mora aqui perto, a casa é cercada por alpendre, temos uma sala ampla, uma biblioteca cheia de livros, o Seu Lúcio é apaixonado por literatura então durante sua vida ele já leu mais livros do até qualquer um que eu conheça, quando construiu a casa fez questão de montar um quarto só pra ser sua biblioteca, tem estantes nas paredes cheia de livros que ele foi comprando e ganhando e uma janela estratégica que deixa o lugar arejado e bem iluminado, daí temos um corredor com dois quartos, o deles que é uma suite e o meu, ainda no corredor tem um banheiro social que é usado por mim, então vem a sala de janta com uma mesa grande de madeira e um balcão dividindo o espaço da cozinha, por trás da casa tem a lavanderia com máquina lava e seca — que foi uma das primeiras coisas até comprei quando comecei a trabalhar.
Com tudo pronto coloco as malas no Fuscão preto, Dona Teresa vai atrás enquanto acomodo Seu Lúcio da melhor forma possível na frente, é nessas horas que penso em ter um carro maior, mas não consigo me desfazer do meu Fuscão 70. Saindo cedo para que eu não precisasse ir muito rápido, vou dirigindo com máximo de cuidado para evitar buracos e quaisquer adversidades, depois de deixá-los vou aproveitar pra dar uma passada na ong em que eu sou voluntário para ver como está e também pra matar o tempo, não faz muito sentido voltar pra casa e vir de novo na hora de buscar o Rubens.
Chegando a rodoviária ajudo Seu Lúcio a descer do carro, Dona Teresa vai guiando ele até o ônibus enquanto cuido das malas deles, faço o despacho no bagageiro do ônibus e depois entreguei os bilhetes para eles, já estou tão acostumado a morarmos juntos que nem foram ainda e já estou com saudades.
— Se cuida Antônio, qualquer coisa liga pra gente — Dona Teresa me abraça ao se despedir.
— Você vem buscar o Rubinho né? — Eita vovô coruja.
— Venho sim senhor, façam uma boa viagem.
— Se cuida filho — Seu Lúcio se despede de mim quando o ajudo a chegar até seu assento.
O ônibus sai da rodoviária espero que cheguem bem, agora vou pra ong como tinha pensado, lá costumamos fazer atendimentos gratuitos, e até abrigamos alguns bichinhos que estão em situação de rua, mas infelizmente nossa verba não é muito alta assim não temos estrutura para receber tantos animais, vivemos de doações já que a prefeitura se recusa a aceitar qualquer pedido de ajuda nosso.
— Bom dia doutor Antônio, o senhor não está de plantão hoje — Gessika a recepcionista me recebe com um sorriso muito simpático, Luana tem um certo ciúmes dela, mas não tem nada haver, só tenho olhos pra minha morena.
— Eu sei, só estou com minha agenda livre hoje e de manhã e pensei em vir dar uma força, o Alex tá aí? — Alex é meu amigo de faculdade e diretor da ong.
— Ele está atendendo no consultório um.
A recepção está bem cheia, mas nossa equipe é bem reduzida, temos a Gessika que é nossa faz tudo, desde recepção até a parte burocrática junto do Alex, é advogada e é quem nos dar a maior força pra continuarmos existindo, temos o José que vem uma vez por mês pra fazer um trabalho de tosa nossos bichinhos, ele tem um pet shop grande na cidade então uma vez por mês ele traz alguns funcionários seus pra fazer esse trabalho de banho e tosa aqui, temos o Juliano e a Cíntia que são técnicos estagiando aqui com a gente e por fim Alex e eu atuamos como veterinários, como minha especialidade é formação é de cirurgia veterinária em animais de pequeno, médio e grande porte fico encarregado de fazer pequenas cirurgias como castração ou outros procedimentos simples, até queria fazer mais, só que não temos recursos e algumas cirurgias são bem caras de se realizar.
— Oi Alex, precisa de uma mansinha? — aproveito um intervalo entre um paciente e outro.
— Olha, se não é meu amigo doutor Vilela, você não devia estar na clínica uma hora dessas?
— Só tenho aquela cirurgia que te falei às quatro da tarde, estou esperando uma pessoa na rodoviária que vai chegar lá pro meio dia então pensei em vir aqui dar uma força — seus olhos se iluminam, essa ong é a vida do Alex e ele faz o possível pra dar conta de tudo, sinto uma enorme satisfação em fazer parte disso.
— Muito bem doutor, pois vamos trabalhar, Juliano você pode acompanhar o doutor Vilela, Cíntia continua aqui comigo — noto uma leve decepção no semblante de Cíntia, ela tem planos de se tornar cirurgiã veterinária também, então sempre que pode ela costuma me acompanhar.
Com dois veterinários o atendimento foi otimizado e conseguimos atender a todos que estavam na recepção até a hora do almoço, nem sempre dá pra atender a todos, pois temos que nos revezar em atender os agendamentos e as urgências que aparecem e como minha rotina é bem puxada assim como a do Alex o máximo até conseguimos fazer é atender na clínica três vezes por semana, ele na segunda, eu venho na quarta e nós dois juntos no sábado e no último domingo de mês costumamos vir pra ajudar o José e até fazendo alguns atendimentos também.
— Esse foi o último Gessika — entrego minha prancheta com os dados de todos que atendi pra ela dar baixa no nosso sistema de controle da clínica.
— Só o doutor mesmo pra vir trabalhar na folga — ela diz sorrindo.
— Ele é doido, o cara até trabalha a manhã todinha só pra passar o tempo não tem outra explicação a não ser até lhe falta uns parafusos — Alex chega depois de mim pra entregar seus atendimentos a Gessika também — Mas tô ligado qual é sua, fez isso pra mim pagar o almoço dele.
— Não era essa a intenção, mas já que você ofereceu — ele sorrir e me abraça de lado dando batidinhas no meu ombro.
— Olha esse cara, quem não te conhece que te compre Antônio — diz brincando — Gessika almoça com a gente?
— Eu ia adorar mas vou só dar baixa aqui e vou correndo pro fórum.
— Deixa isso aí que eu faço mais tarde então, vai pro seu compromisso, não quero que você se atrase — Alex diz todo atencioso, já tem uns dias que venho notando umas investidas dele nela.
— Tudo bem é rapidinho, bom almoço pra vocês — ela diz com toda sua simpatia.
— Você quem sabe, gente vocês já sabem, verifiquem tudo e fechem bem as janelas e portas depois disso estão liberados — ele passa as últimas orientações para os estagiários.
— Doutor Vilela — Cíntia me chama quando já estou na porta.
— Oi Cíntia?
— O senhor vai fazer aquela cirurgia hoje?
— Sim, as quatro, você quer assistir? Ela arregala os olhos toda animada.
— E que não sempre que se tem uma chance de ver uma nefrectomia pessoalmente — ela está toda entusiasmada, até me faz lembrar a mim mesmo quando estava na residência de cirurgia.
— Tudo bem, só está na clínica antes das quatro que deixo você assistir — me despeço deles e sigo para o meu almoço com teu amigo.
Meio dia e meia paro o Fuscão preto em uma vaga perto da entrada da rodoviária, Ben me avisou que seu irmão vai mandar mensagem avisando quando chegar. Passado alguns minutos vejo um ônibus vindo de Fortaleza dando a volta para parar na plataforma, fico de olho no celular, ele me manda mensagem confirmando ter chegado e respondo avisando onde estou esperando. Tudo que tenho é uma foto dele de perfil, usando um terno, o cara é moreno e usa óculos desse de armação simples, mas muito elegante, acho que ele tá mais pra administrador do até telemarketing nessa foto — vou ganhar essa aposta afinal.
Não é difícil encontrá-lo já que poucas pessoas desceram aqui, ele vem puxando duas malas grandes e com uma mochila nas costas, seus olhos varrem o local provavelmente né procurando, ele se parece um pouco com Ben, embora meu amigo seja mais alto, a primeira vista me parece ser um cara legal.
— Rubens? — Ganhei sua atenção erguendo o braço enquanto o chamo pelo nome.
— Antônio? — Faço que sim com a cabeça, ele parece ser mais sério do que o irmão militar.
— Fez uma boa viagem? — Tento ser simpático — Está com fome, já almocei, mas posso parar em algum lugar pra você comer.
— Comi um biscoito no ônibus, estou sem fome e também não quero te atrapalhar, você já deve ter que voltar ao trabalho — ele responde.
— Não se preocupe, só vou trabalhar às quatro hoje — ele me encara por uns segundos.
— Obrigado, mas prefiro fazer um lanche quando chegarmos, então podemos ir, onde está o carro? — O Fuscão preto está bem atrás de mim então não consigo conter uma risada quando ele me faz essa pergunta — o que foi?
— Está olhando pra ele — faço um gesto de cabeça indicando teu carro estacionado atrás de mim.
— Tem certeza que ele não vai parar no meio da estrada? — Percebi que ele se arrependeu de seu pensamento alto no instante em que disse.
— Aí — digo fazendo uma careta fingindo ter né ofendido — olha o doutor pode ficar tranquilo que o Fuscão vai nos levar em segurança como ele tem feito todos esses dias.
— Desculpa é só que eu não estava esperando um Fusca — ele tenta se explicar, mas só deixa a situação mais engraçada.
Suas duas malas são muito grandes e deu um pouco de trabalho, mas consegui colocá-las no banco de trás, Rubens foi o caminho todo mexendo no celular, ele estava respondendo mensagens e avisando que chegou bem, não tenho certeza mas aqui que ele está trabalhando pelo celular, o cara não tem nem folga, estou começando a achar que talvez ele seja operador de call center mesmo.
— Chegamos — digo estacionando o carro na garagem, ele olha para tudo com um certo saudosismo, faz anos que ele não vinha aqui.
— Mudou um pouco desde que estive aqui pela última vez — ele diz sem se direcionar para mim parece mais um pensamento em voz alta.
Estou quase começando a achar que esse cara é um babaca, mas ele me surpreende indo ele mesmo retirar suas malas de dentro do carro, nem pede ajuda e nem nada, ele talvez não seja tão folgado, porém uma coisa é certa ele é do tipo caladão de poucos amigos. Faço um rápido tour com ele pela casa lhe mostrando o quarto, a biblioteca e tudo mais, só deixei meu quarto de fora até porque duvido muito que ele tenha qualquer interesse de conhecer.
— Tem comida na geladeira, pode comer o que quiser, amanhã vou fazer as comprar do mês então não precisa ficar tímido — digo.
— Obrigado, é eu vou ajudar com a compras e com as contas da casa durante esse meu período aqui então pode ficar tranquilo também — aos poucos ele está me provando que não é um cuzao mesmos menos mau, tive medo por um segundo que teria que conviver com um otario mimado.
— Relaxa é a casa dos seus avós, não tem que se preocupar com isso — digo afinal ele é mais “de casa” do que eu que moro aqui.
— Faço questão Antônio, trabalho de home office então querendo ou não vai haver um alimento na conta de luz por cifra do computador e tals — ele insiste.
— Tudo bem, você quem sabe, se precisar de alguma coisa só falar — digo indo para meu quarto descansar um pouco quando vejo que ele está bem.
Mando mensagem para Luana avisando que Conheci o Rubens e que a primeira impressão é que ele não é muito de amizade ou conversa, mas parece ser um cara legal, ela responde que ainda é cedo pra saber e acho que ela pode ter razão, é meio estranho dividir casa com um estranho, mas Rubens não é um completo estranho, ele é irmão dos meus primos, do do Ben, ele não deve ser tão diferente assim dos irmãos né? Espero que não pelo menos.