DIA 01 – sob ponto de vista de YEDA
Viajar de carro nunca foi minha atividade favorita, e praia nunca foi muito meu destino predileto. Mas naquele ano a Praia dos Amores fez jus a esse nome romântico, poético até. Meu pai dirigia concentrado, minha mãe comentava sobre a paisagem, e Cláudio, meu irmão, observava a estrada com aquele olhar de quem já se imagina no mar. Eu, por outro lado, mergulhava nas palavras de Proust, saboreando a satisfação de lê-lo no original, em francês. Sentia-me quase orgulhosa por isso.
Quando chegamos à cidade, a brisa salgada invadiu o carro, anunciando que estávamos perto. Mas eu mal levantei os olhos do livro. Enquanto Cláudio admirava a praia, eu me refugiava nas palavras, nos labirintos do tempo perdido. Só me distraí quando entramos na pousada para o check-in.
Mostramos as reservas e começamos a preencher a ficha de hóspede.
Foi então que percebi duas mulheres, sentadas em uma mesa próximas ao balcão. A mais velha parecia ter cerca de quarenta anos e olhava para Cláudio com um interesse óbvio. A mais nova, ao contrário, olhava para mim. E que olhar!
Terminado o check in , fomos para o quarto. Foi quando passei perto delas, e finalmente consegui enxergar melhor aquela menina. Meus olhos pousaram nos dela, e foi então que notei algo inusitado: um olho verde e outro azul. Nunca havia visto algo assim antes.
O tempo parou. Ou melhor, pareceu se distorcer ao redor de nós. Seu olhar era penetrante, intenso, quase hipnotizante. Senti-me sugada para dentro dele, como se algo mágico acontecesse naquele instante. Meu coração disparou, minha respiração ficou suspensa. Ela sorriu. Um sorriso leve, enigmático, e então, num gesto quase imperceptível, mandou-me um beijo.
Meu rosto pegou fogo. Meu corpo inteiro formigava. Saí do salão como se estivesse flutuando, as pernas meio trêmulas, o coração pulsando contra as costelas.
Quem era essa menina? Por que seu olhar me causava esse impacto? Eu sequer sabia seu nome, mas já sentia que algo dentro de mim havia mudado. Subindo as escadas, junto com meu irmão e meus pais, tentei organizar meus pensamentos, mas só conseguia lembrar dos olhos dela, do sorriso dela.
Encostei-me à porta do quarto antes de entrar e fechei os olhos. Respirei fundo.
Estaria eu... apaixonada?
Entrei no quarto 31A, que dividiria com Cláudio. Ele começou a desfazer a mala, enquanto eu procurava uma desculpa para sair dali. "Minha perna está doendo, vou dar uma volta antes de arrumar minhas coisas", inventei. Ele assentiu distraído, e eu saí rapidamente, descendo até o térreo.
Dei uma disfarçada, fui até o lado de fora da pousada, logo em seguida entrei novamente e me coloquei no campo de visão da menina. Não demorou para que ela percebesse e fizesse um gesto sutil para que eu me aproximasse. Meu coração acelerou. Obedeci sem pensar, como se algo além da minha vontade me puxasse até ali.
- Céline - ela disse, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa – E essa é minha mãe Catherine. Sou filha de francesa com brasileiro.
Sua voz era suave, mas firme, e havia uma confiança cativante em seu tom, respondi no automático:
- Prazer Celine e Catherine, meu nome é Yeda
Elas fizeram sinal par que me sentasse com elas. Assim que me sentei, ela não hesitou.
- Me encantei por você Yeda.
Ela disse isso com uma naturalidade, mas com um olhar que me atravessou como um raio. De repente, novamente a sensação de que o mundo inteiro sumiu, e só existia aquela francesa de traços suaves e olhos intensos
Minha respiração falhou por um instante, não pela frase em si, mas pela forma como foi dita.. As palavras dela ecoaram dentro de mim, bagunçando tudo o que eu pensava sentir até aquele momento.
Algo dentro de mim dizia que minha vida estava prestes a mudar. ”O que eu devo responder? “– pensei .
- Você sempre é assim tão direta?
Ela sorriu de canto. Um sorriso de quem sabe exatamente o que está fazendo.
- Sempre que preciso ser. Acho que é meu lado francês.
- E como você sabe que... — hesitei, buscando as palavras certas. — Como sabe que eu sou... que eu gostei de você?
Celine se inclinou levemente para frente, os olhos dançando sobre os meus como se pudesse me ler por inteiro.
— Como eu sei que você é lésbica? Eu sei ler pessoas, Yeda. E o amor permite essas conexões.
Aquilo me fez estremecer. Um arrepio quente subiu pela minha espinha. Deveria me sentir intimidada? Talvez. Mas, de alguma forma, parecia... certo.
Continuamos conversando, as palavras fluindo como se sempre tivéssemos nos conhecido. Havia uma energia entre nós, uma vibração que eu não conseguia ignorar. Até que ela propôs:
- Vamos dar uma volta na praia?
Sorri e aceitei.
Eu não sabia aonde aquilo me levaria, mas naquele momento, eu só queria seguir ao lado dela.
Catherine falou que iria a praia também, mas pediu que esperássemos um pouco e foi até o quarto trocar de roupas.
Passado alguns minutos, eu também me dei conta que precisava trocar de roupas, colocar um biquini. Falei para Celine que em 10 minutos estaria de volta.
Encarei as escadas novamente para subir até o quarto, mas desta vez eu tinha a sensação de estar flutuando. Perdida em meus pensamentos abri repentinamente a porta do quarto e percebi quando Claudio, próximo a janela, deu um pulo de susto.
. – O que está fazendo? Perguntei, me segurando para não rir
Claudio, com o batimento acelerado e a respiração ofegante me respondeu:
- Nada. Só tô arrumando as coisas – Falou com um jeito de criança que acaba de fazer algo errado.
Dei uma rápida olhada pela janela e vi a mãe de Celine de top less arrumando as coisas dela.
Mas não comentei nada com Claudio.
Avisei pra ele que ia pra praia e que depois arrumava as minhas coisas.
Peguei meu biquini e alguns outros itens na mala. Peguei uma cadeira que tinha no quarto e a levei para o banheiro para ficar mais prático de trocar de roupa.
Me troquei bem rapidinho e fui ansiosa para o térreo me reencontrar com Celine
Chegando lá, todos já estavam prontos, tanto Celine quanto Catherine e Jorge.
A caminho do mar eu ainda tentava me acostumar de volta com o cheiro do mar e a sensação da areia nos meus pés quando a Celine, com aquele sorriso que parecia brilhar mais do que o sol, segurou minha mão. Foi um toque suave, mas firme o suficiente para me arrepiar. A gente acabara de se conhecer, mas parecia que já nos conhecíamos há muito tempo.
Ela não disse nada, apenas me puxou para mais perto e, sem mais nem menos, me abraçou. Foi um abraço caloroso, natural. Senti a sensação de que de alguma maneira finalmente eu estava no lugar certo.
A caminhada até a praia foi leve, divertida. Nossos pés afundavam na areia e eu não conseguia parar de sorrir. Celine estava radiante, com uma energia que eu não sabia de onde vinha, mas que me contagiava de forma deliciosa.
Achamos um lugar na areia. Catherine tirou a parte de cima do biquini e “ficou de topless”, mas deitou de bruços em uma toalha, escondendo seus seios fartos. Jorge sentou na cadeira e disse que iria entrar na agua depois.
Celine me convidou para entrar na agua. Deixei minha sacolas com eles e fui.
Quando chegamos ao mar, ela deu uma risadinha safada, me puxando para dentro da água. O frio da água gelada me fez dar um pequeno grito, mas logo tudo ficou secundário. Ela estava rindo, com os olhos brilhando, e eu não consegui evitar me perder naquele olhar. Fui entrando mais fundo, a água já na altura da cintura, e a risada de Celine ecoava ao meu redor. Eu nunca tinha me sentido tão leve, tão feliz, como se eu estivesse simplesmente sendo eu mesma, sem pressões, sem expectativas.
Nos jogamos nas ondas, nos divertimos muito. Cada gesto, cada olhar, parecia tão natural, tão fácil. Quando ela me olhou e disse que parecia que a gente se conhecia há muito tempo, eu não consegui discordar. Era exatamente o que eu sentia. Como se a praia, a água, as risadas... tudo fosse um encaixe perfeito para algo que estava destinado a acontecer.
Eu sabia que não era só uma conexão de momentos, mas algo mais profundo. E ali, naquela praia, com as ondas quebrando ao nosso redor e o céu se tingindo de tons dourados, não havia mais dúvidas que algo havia começado entre nós.
De repente, uma onda mais forte veio, sem avisar. Antes que eu pudesse perceber, o mar me engoliu, me derrubando com uma força inesperada. Senti a água invadir meus pulmões, o corpo sendo puxado para baixo. Meu primeiro impulso foi tentar me recompor, mas a força da onda me empurrou com mais intensidade.
Tentei me orientar, mas o mundo parecia girar. Fui puxada pelos braços de Celine. Ela estava lá, me segurando com firmeza, puxando-me de volta para a superfície. Fiquei ali, meio tonta, mas com um olhar de gratidão fixado nela. Seus olhos estavam cheios de preocupação, mas ao mesmo tempo, havia uma suavidade neles, uma ternura.
Ela sorriu para mim, e perguntou: "está tudo bem” . Neste exato momento que percebi que a sensação de estar nos braços dela ia além do simples resgate. E, como se o mar estivesse colaborando para que esse momento fosse inesquecível, foi ali, com o som das ondas ao fundo e a água salgada ainda nos envolvendo, que nossos lábios se encontraram pela primeira vez.
O beijo foi suave, mas intenso. O medo que eu sentira, a surpresa da onda, tudo desapareceu naquele instante. Eu não queria mais estar em nenhum outro lugar. Só com ela.
Depois de nos divertirmos, saímos da água e voltamos para onde estavam os pais de Celine.
Catherine tinha dormido na areia, e nós a acordamos.
Agora era a vez dela e de Jorge entrarem na água enquanto eu e Celine cuidávamos de nossos pertences.
Eu estava arrumando minhas coisas, procurando o meu chapéu e protetor solar e notei que eu tinha trazido até mesmo o livro que vim lendo no carro “ À la recherche du temps perdu” . Deixei-o de lado e notei algo estranho. Havia uma camiseta, chinelos e um relógio que pareciam ser do meu irmão.
- Ah , essas coisas aí – Disse Jorge apontando para dentro do mar – são daquele garoto ali, ele pediu para eu tomar conta.
Eu olhei e agora tinha certeza, era o Claudio!
Os pais da Celine entraram no mar e só ficamos ali na areia eu e ela. Uma hora o Claudio iria vir buscar as coisas dele. Expliquei para Celine que era meu irmão, e que preferiria me afastar quando ele viesse.
- Você não quer que ele saiba que você é minha namorada? - Disse ela sempre naquele tom natural
Eu achei engraçado ela já me chamava de namorada. Eu adorei, mas me espantava como ela era direta e falava tudo com naturalidade.
- Por enquanto não. Quero primeiro te apresentar para meus pais, para depois o Claudio ficar sabendo! Não que tenha algum problema, é mais porque eu prefiro assim.
- Eu vou respeitar sua vontade, meu amor! – Falou enquanto me dava um selinho.
Fiquei de olho em Claudio, quando percebi que ele ia sair da água eu me levantei.
- Vou dar uma volta por aí! Também estou com sede, vou tomar alguma coisa!
- Traz um suco para mim quando voltar!
Eu saí e fui andando pela praia, o calor estava gostoso, mas eu já estava com a garganta seca. Entrei num quiosque e pedi um suco de laranja!
A mocinha do quiosque era bem simpática, o lugar estava vazio e ela me atendeu rápido!
Tomei meu suco e precisava ir no banheiro. Mas antes chamei-a novamente e pedi que preparasse mais três e colocasse em uma garrafinha, pois ia levar para a Celine e os pais dela.
Quando olho pela janela vejo o Claudio se aproximando do quiosque . Não havia problema algum que ele me visse ali. Mas como eu já estava indo no banheiro mesmo, resolvi não espera-lo.
O banheiro ficava próximo ao balcão. De lá eu pude ouvir o Claudio conversando com as duas mocinhas.
- Você voltou mesmo! — disse uma das mocinhas
- Com esse visual, aposto que você recebe um monte de cantadas dos clientes – respondeu Claudio, com uma das suas cantadas baratas.
- Alguns tentam me dar cantadas, mas nenhum tão bonito e gostoso quanto você!
“Acho que vai rolar alguma coisa entre ela e meu irmão” pensei
- Dí, cadê a cliente do suco? – perguntou a outra mocinha
“ Tá perguntando de mim, rsrsr” – pensei.
- Ela deve estar no banheiro. Mas antes vem cá que quero te apresentar para o Claudio!
- Essa é a Lawana, minha colega aqui no quiosque. Lawana, esse é o Cláudio, de quem falei.
- Eu queria muito conversar mais com você, mas estou na correria – disse a atendente. - Meu turno vai até umas onze e meia ou até o último cliente sair. Se você puder passar aqui depois, a gente coloca o papo em dia.
- Com certeza, volto mais tarde – respondeu Claudio animado
Depois que Claudio foi embora do quiosque, eu saí do banheiro. Peguei os sucos, efetuei o pagamento e voltei para onde a Celine estava.
Continua ...