Remetente: Paulo Viscos Cardoso
Destinatário: Marco de Miranda Guirrard
Marco, meu caro amigo, como vai? Te escrevo este fax em parabenização pelo seu casamento com a Maria, desejo que vocês sejam muito felizes. Eu gostaria de me fazer presente, mas como você muito bem sabe isso não foi possível sob nenhuma circunstância. Hoje tive um dos dias mais angustiantes daqui até então, talvez mais até do que tentaram matar eu e o Delegado responsável também pelo caso. Não quero me aprofundar nisso, mas saiba que foi um banho de sangue como aqueles de antigamente. Acho que por isso que decidi te escrever, como um bom amigo você sabe o que significa. Mas tirei umas horas para descansar e voltar ao trabalho. Eu volto então para o começo: hoje foi um dos piores dias da minha vida.
As características de culto do crime, olhos e bocas costuradas, e corpos colocados especificamente sob as raízes daquelas árvores; no lugar das cavidades das vítimas três moedas para cada uma delas. Corpos mais rígidos que o normal, efeito comum por intoxicação por Cobre Branco também para as garotas vivas, que ao que parece que estavam sendo expostas a dias ao minério. Não havia sinal nenhum de violência, qualquer que fosse, de forma que elas estavam sendo muito bem tratadas.
Mas não era somente isso, tudo parecia ser parte de um fio sem fim. Anos atrás o mesmo crime, sem sobreviventes. Até quem sobreviveu acabou ficando morto por dentro. Outros não somente de forma metafórica: o pai de Marinho acabou sendo uma vítima levada até as últimas consequências físicas e mentais. Algumas prisões, muito sensacionalismo, poucas respostas. Na década de 1980 essa foi a fórmula, o que levou uma cidade inteira a ser mergulhada em caos, que adormeceu profundamente até agora. Tom, o antigo policial que participou do caso naquela época me disse com franqueza que depois daquilo tudo mudou. De uma forma estranha eu havia sentido isso quando cheguei aqui, sabia que nada mais seria como antes.
Foi como um vírus se multiplicando e espalha sobre um organismo vivo e saudável, eu pensava na família Castanho. Havia toda uma cortina de benfeitorias pela economia e vida local, mas todos sabíamos que aquilo não era exatamente verdade. O próprio Marinho na época que traia sua esposa com Tomás havia descoberto uma série de irregularidades com licenças ambientais para as atividades das minas e da madeireira. Além disso, que raios de família era aquela que consumia todas as riquezas naturais daquele lugar sem nada oferecer em troca aquela população, pois, francamente, pagar os salários daquele povo sofrido era somente uma obrigação deles. Minha antipatia crescia, e percebia que a de muitas outras pessoas ali também.
Por outro lado, não era apenas a família em questão o único grupo em três colinas que me preocupava. Eu me interessei de forma genuína pelas práticas e modos de vida da população local de pescadores. Tudo era artesanal, e o grupo guardava de forma séria suas tradições, vivendo da melhor forma possível com a natureza. Mas um detalhe especificamente me chamou a atenção: as produtoras de redes. Quando estive lá com Marinho, lembro de ter visto mulheres tecendo suas redes com muita maestria e por coincidência com um material próximo ao usado para costurar a boca e olhos das vítimas. Mesmo que não fosse igual, sentia que havia algo de curioso naquilo. Foi me dito que nada dessa natureza havia conexão com o modo de vida daquele povo, mas obviamente não acreditei naquilo.
Como se tudo isso não fosse o suficiente, um grupo de mascarados tentou nos matar. Mesmo que agora eu estivesse com acesso a informação, eu não sabia exatamente sobre qual prerrogativa eles foram motivas, já que o ataque no passado pareceu descoordenado. Agora nós sabíamos que não havia nada de descoordenado ali, e que descobrir como isso tudo se articulava era o mais importante para chegar até o ponto em que tudo realmente importava: salvar as duas garotas desaparecidas.
Cordialmente,
Paulo Cardoso, Chefe dos Detetives do Estado de Álamo.
Janeiro de 2008.
***
Esse foi o e-mail que eu escrevi naquela época depois daquele dia extremamente exaustivo em todos os sentidos. Enviei já noite quando encerramos nossas atividades, lembro que Marinho já dormia na cama ao lado a pequena escrivaninha naquele quarto de com cara de “pousada barata”. Mas o que eu gostaria de compartilhar com você que está lendo agora aconteceu na manhã desse dia.
Estacionamos o carro um pouco longe do lugar, pois já não havia espaço entre tantos outros aglomerados em uma valsa desesperada. Todos buscavam respostas, mas no fundo ninguém as tinha completamente. Era impressionante como as coisas pareciam voláteis naquele momento. Até pouco tempo atrás, eu pensava que estávamos fazendo progresso em meio as descobertas que fizemos e o fato de quatro garotas serem resgatadas, apesar das outras.
A chuva tomava conta do ambiente, refletindo as luzes vermelha a azul das sirenes ao nosso redor. Tudo era tomado por aquele cintilante e por todas as vozes que estavam ao nosso redor, estávamos no preparando para sair do carro já sabendo o que estava por vir. Tudo era muito frio, úmido e estranho, com exceção do toque da sua mão sobre a minha. Marinho entrelaçou nossos dedos com força na tentativa de buscar algum conforto, pedindo silenciosamente para que eu dissesse que "tudo ficaria bem...". Ele estava aflito, e eu igual. Eu lembro que pensava “um passo para frente, três para trás” ...
_ Tudo vai ficar bem! – Falei olhando para seu rosto iluminado pelas luzes brancas, vermelhas e azuis de fora do carro.
_ Vai sim... – Ele me respondeu preocupado, pegando minha mão e a beijando sem tirar os olhos do volante. O mesmo aperto no peito que havia sumido durante nossa pequena pausa voltou com toda sua força.
_ Você tinha razão, não deveríamos ter nos ausentado. – me disse sério.
_ Ei, Marinho, nada de pensar assim. Lembra que estava tudo encaminhado e que nós estávamos correndo risco de vida. Os ataques foram direcionados especialmente contra nós, e era preciso ficar em um lugar seguro. Lembra que você pulou em um buraco escuro cheio de água só pela esperança de resgatar uma delas, e graças a você três delas foram salvas naquele momento. Não faz sentido você se culpar assim. Vamos descobrir quem é o rato entre os policiais e agir diante disso. Pelo menos sabemos que o técnico em perícia já tá empacotado, é um a menos. – Falei assertivo, sabendo que ele mais cedo ou mais tarde iria concordar comigo.
_ Obrigado, amor. – Falou encerrando o assunto, mas não me convencendo. Saímos do carro em seguida.
Fomos caminhando até a porta do necrotério, passando por olhares de todos os tipos sobre nós dois. Aqueles rostos molhados com todos os tipos de expressões possíveis serviam como um aviso para nós: estávamos prestes a presenciar algo que dificilmente iríamos esquecer. Era isso: nunca mais esqueci aquilo.
Mesmo sem adentrá-lo, na porta do lugar conseguimos sentir o cheiro metálico de sangue. Vou falar algo interessante: um corpo humano adulto de aproximadamente 100 kg tem cerca de 5 litro de sangue, consideremos que desses 5, l/4 foram espalhados pelo ambiente. Se dessa quantidade obtivemos uma cobertura média de 1mm, entendemos que 4m² do ambiente estaria uniformemente coberto. Mas não é o caso, já que o corpo pareceu ser cortado e arrastado pelo local o que gera uma cobertura menos simétrica, acredito que dê 3 m². Além disso, o sangue humano é composto massivamente por ferro, o que da sua característica cor e cheiro altamente forte e metálico. O sangue do homem morto naquela sala estava espalhado pelo chão, paredes e equipamentos do necrotério, cobrindo uma enorme área. Não se sentia cheiro de mais nada ali além de sangue.
A maior parte do seu corpo estava em cima de uma maca no centro da sala, enquanto suas duas pernas estavam destroçadas no chão pouco perto dali. Entendi que elas foram arrancadas dele enquanto ainda estava vivo. Sua boca estava amordaçada e sua língua cortada, entendendo que havia sido a primeira parte dele que foi removido e no lugar dela havia sido colocado seu pênis e testículos. Sua barriga estava aberta, e seus órgãos espalhados pelo chão em volta dele. Por fim, o médico legista havia comido bolo de carne e bebido vinho no seu último jantar.
Todos ali olhavam incrédulos a cena. O homem havia sido brutalmente assassinado e seu corpo violado em seguida. Não sabíamos se ele acabou descobrindo alguma coisa e acabou sendo alvo, ou se estava somente no lugar e hora errada. O que sabemos, no entanto era que tínhamos mais um homicídio e o sumiço de quatro cadáveres: as jovens que foram encontradas mortas dias atrás. As quatro que estavam vivas, felizmente, estavam seguras e com sua guarda reforçada. Esse era meu maior alívio.
Apesar de entendermos que nossa prioridade seria as duas jovens ainda desaparecidas, daquele momento em diante precisaríamos agora encontrar quatro cadáveres e duas meninas ainda desaparecidas. O telefone de Marinho não parava de tocar, e o meu também não havia sinal de um episódio de descanso para ele. O sol ainda não havia nascido quando saímos dali e fomos a delegacia.
***
O sol começava a nascer enquanto nós estávamos ocupados com nossas atividades. Aquele clima ameno de pausa ficou no chalé em que estávamos, e agora tudo o que havia ali era trabalho. Eu lhe servi um café a passei minha mão por suas costas, dando um breve beijo em sua nuca. O sentir arrepiar, mas não houve outra reação além dessa. Ele se recostou brevemente em mim e voltou ao trabalho em seguida, fiz o mesmo.
_ A gente precisa fazer a reconstituição do que rolou no necrotério, e tentar entender como isso tudo se relaciona com o sequestro e com nossa tentativa de homicídio. Ainda não entendi bem o que foi aquilo, nem parecia que a gente tava chegando perto de alguma coisa importante... – Eu disse.
_ O pior de tudo é que a inteligência não conseguiu detectar que gente nossa tava articulando alguma coisa. Não se sabe até que ponto o técnico conseguiu prejudicar algum detalhe da investigação ou das provas, nem quem podem ser os outros envolvidos.
Na noite passada, todas estavam sob efeito do Cobre Branco segundo a perícia do falecido legista. Antes até poderia ser mais difícil, nas agora com a escassez das jazidas sabíamos onde investigar. Não havia muito o que fazer.
Chegamos ao escritório das atividades comerciais da família Castanho na madeireira e eu em adiantei dizendo que iria sozinho. Marinho não queria deixar eu fazer isso, mas ao mesmo tempo eu tinha um bom motivo: falar com Tomás, o sobrinho encarregado da administração enquanto Marinho tentava descobrir alguma coisa sobre as pessoas que foram mortas por nós e os policiais, algumas pessoas das comunidades tradicionais, outras que trabalhavam nas minas e na madeireira.
Assim que entrei no escritório a secretária ameaçou falar alguma coisa e discar um telefone, fui mais rápido e tomei de sua mão, mandando-a calar a boca em seguida. Estava com a arma no coldre muito próxima da minha mão, e com toda certeza não iria me importar de ameaçar ninguém naquele momento. A corregedoria poderia fazer o que fosse depois daquele momento, eu já não pensava nisso.
Thomás estava olhando para a grande floresta através da janela panorâmica da sua sala, enquanto falava no telefone com alguém. Ele parecia ouvir instruções de forma muito atenta, quase não percebendo minha presença ali, caso eu não tivesse feito barulho dificilmente ele teria me escutado. Só escutei um “Teremos que adiantar tudo para depois de amanhã, não podemos esperar mais tempo. A lua cheira será nesse...”, mas ele não terminou a frase. Tomei o celular de suas mãos, coloquei ele em cima da mesa e o quebrei com um soco. A tela do celular foi fragmentada em diversas partes, mostrando que o aparelho já não servia. Não esperei ele falar nada, simplesmente o peguei pelo colarinho e dei um soco forte em seu rosto, quebrando imediatamente seu nariz.
Aproveitei a ocasião para descontar toda a raiva que estava sentindo desse merda por ter batido no meu namorado. Ele estava no chão tentando entender o que estava acontecendo, quando eu o ergui e coloquei sentado em sua cadeira, amarrando suas mãos e pés em seguida. Ele tentou se soltar, mas sem sucesso... Se debatia e chamava por sua secretária, mando-a chamar por ajuda... Eu dei outro soco com força em seu estômago que o fez calar a boca, saindo calmamente da sala em seguida. Fui até a secretária que estava pálida e com o telefone em mãos, arranquei o aparelho de sua mesa e o joguei na parede o quebrando em vários pedaços. Peguei minha arma e coloquei em sua cabeça, explicando que se ela falasse com alguém ou gritasse eu iria explodir sua cabeça ali mesmo. A mulher acabou se urinando enquanto ia embora do lugar, me deixando só com o homem amarrado em sua cadeira.
Voltei para a sala calmamente, trancando a porta atrás de mim. Ele ainda soltou um “Você vai pagar por isso!”, mas eu só pude sorrir daquela frase o respondendo “Chama a polícia, ué!”. Tirei as balas da minha arma, deixando somente uma e girei o tambor. Peguei minha pistola e coloquei em sua testa, sem nada falar. Aproximei meu rosto do seu olhando em seus olhos e pude ver o pavor estampado neles, ele sabia que eu não estava brincando. Puxei o gatilho. Nada saiu da arma, ele se assustou e ficou com os olhos cheios de lágrimas, mas não disse nada nem chorou.
_ Thomás, eu vou ser bem direto com você: eu sou um psicopata narcisista que por coincidência está como detetive. Eu não vou ter problema nenhum em matar você e sua família e esconder os corpos de vocês na floresta. Você tem mais cinco chances de me dar o que eu quero, então vou ser bem breve nas perguntas: qual o envolvimento da sua família nisso?
_ Olha, cara, você não sabe com o que está se metendo, você precisa entender que...
Ele falava com voz trêmula, era nítido que estava apavorado. Eu sabia disso e iria me aproveitar dessa situação. Eu sabia muito bem ser um bom profissional, ético, diplomático, acessível e adaptável, mas sabia ser mais ainda um manipulador psicótico. Eu não o esperei falar mais, simplesmente aproximei novamente minha arma da testa dele e apertei o gatilho. Nada saiu do cano novamente.
Nesse momento ele não aguentou, lagrimas escorreram pelo seu rosto e ele acabou mijando nas calças também. Mantive a arma em sua testa, e perguntei em seguida onde estava o cofre e qual era a senha. Ele somente me mostrou um quadro na parede e disse: Eu não disse, somente fui até lá e destranquei o cofre. Papeis, algumas joias, cápsulas e dinheiro, muito, muito dinheiro. Obviamente o que me interessava não era o dinheiro nem as joias, e sim os documentos e as capsulas.
Muitos documentos com teor diverso. Algumas licenças ambientais evidentemente manipuladas, folhas de pagamento para declaração de imposto que não faziam muito sentido, por fim, algumas fotos bem interessantes. Fotos de paisagens, de trabalhadores, da família Castanho em vias tranquilos de verão, fotos de símbolos estranhos nas cavernas em que os minérios eram extraídos. Estranho, muito estranho.
Uma pequena caixa de ferro fundido estava fechada e demandava uma senha e autorização biométrica. Eu estava com poucas ideias nesse dia e peguei um canivete em meu bolso, fui até ele que me olhava em choque. Arranquei sua unha do polegar enquanto ele gritava desesperado, pedindo para eu não fazer aquilo. Eu nada disse antes fazer aquilo, somente fiz. Em seguida perguntei: “Qual a senha, por favor?” ele, chorando, me disse a senha e a coloquei, seguida colocando sua impressão digital. Dentro da caixa, fotos antigas da fundação da madeireira e da mineradora, fotos das meninas desaparecidas durante os crimes na década de 1980, fotos das dez meninas vivas que estavam desaparecidas. Tudo estava ali.
Eu olhei para ele muito sério, declarando que ele estava preso, mas que eu não o levaria para a prisão. Iriamos dar uma volta e tomar um ar fresco. Eu o algemei e amordacei, enquanto ele fazia de tudo para se soltar. Dois seguranças entraram na sala, mandando que eu o largasse, mas fui mais rápido e atirei nos dois imediatamente, os deixando sangrando no chão. Só lembro que ter jogado aquele merda no porta malar do meu carro e sair cantando pneu, com o banco de trás com as provas que acabei conseguindo na minha visita. Naquela hora eu não pensava em legalidade, somente em resolver aquele crime.
***
Ele acordou após eu jogar um balde de água fria em sua cabeça. Marinho me ligou uns minutos atrás, mas eu disse que estava tudo sob controle e que em breve eu iria encontrá-lo. Thomás estava amarrado e me olhava com medo, tentando compreender onde estava, e especialmente o que iria acontecer com ele. Eu, por outro lado, não tinha reação nenhuma, estava sério e não desviava dos olhos dele nem por um segundo. Novamente, só restava uma bala na minha arma e agora sua testa era meu alvo. Ele já não escondia, havia choro como trilha sonora daquele momento.
_ Você tem que acreditar em mim, eu não tenho nada a ver com isso. Se eu não fizer isso vamos todos morrer, as coisas não são como parecem ser. – Ele me disse, tentando se controlar ao máximo. Apertei o gatilho mais uma vez, nada saiu da minha arma.
_ Vou te dar uma chance de falar tudo o que você sabe. Use bem essa chance e pense em bem antes de falar agora. – Falei olhando em seus olhos, retirando a arma e colocando em frente dele na mesa. Ele suspirou aliviado e com temor e começou a falar:
_ Eu sou um sobrinho de criação deles. Não sou reconhecido pela família como membro, eu sou só um faz tudo. Eles possuem todos nas mãos e fazem o que bem entendem. Eles pagaram minha faculdade, mas tudo isso tem um preço muito alto. As jazidas do minério estão acabando, e eles querem se apropriar das terras que são ocupadas pelas comunidades tradicionais aqui, por isso das falsificações. Tem uma mulher que eles chamam de “A Virtude”, ela quem está por trás de tudo isso, ela faz com que todas essas coisas aconteçam aqui, mas não sei quem é. Tudo o que sei é que eles me mandaram continuar com os trabalhos aqui até a lua cheia, que é quando eles iriam fazer um ritual de passagem pra um novo momento da vida deles. Tem um lance sobrenatural nisso tudo, mas eu não faço ideia do que seja, eles nunca me deixaram participar. – Falou tentando encontrar fôlego. Depois de um breve respiro, ele continuou:
_ As minas são o caminho que eles usam para chegar e se comunicar com essa mulher ou entidade, eu só sei até aí. Eles estão me chantageando, eles possuem gente deles eu todo lugar, e se eu não fizer o que eles pedem eu vou morrer e iram matar minha irmã e irmã, que é só uma criança, e está entre as vítimas que estão desaparecidas ainda. Se eu não fizer o que eles mandam, ela vai morrer. – Nessa hora um embrulho me passou pelo estômago, senti verdade em cada uma das palavras do homem. Me senti uma pessoa péssima, mas não deixei com que ele soubesse disso. Me adiantei em falar:
_ Eu posso te ajudar, me diz mais do que você sabe... Eu estou aqui para isso, cara. Estamos muito perto de resolver tudo, se você falar, ela estará com você em algumas horas. – Falei sem desviar o olhar dele.
_ Eu só sei disso, eles estão mantendo as duas últimas para completarem o ritual, e pegaram os corpos para isso. Eles também vão tentar pegar as quatro que estão vivas. Disseram que se eu colaborasse minha irmã seria polpada, mas não sei. Não acredito neles. O que sei é que essa mulher está com essas meninas nas minas, e que alguns trabalhadores estão envolvidos. Vocês precisam descobrir qual o caminha a ser seguido em uma mina abandonada ao sul da madeireira, ela está oculta por uma grande árvore de Álamo morta, a entrada fica em suas raízes. Tem um mapa no meio daqueles papeis que você pegou, mas é só uma parte dele. Não sei ao certo, mas você precisa colocar um mapa em cima do outro para descobrir o caminho. É tudo o que sei, eu juro. – Ele chorava enquanto falava.
_ Tudo o que eu quero é que isso acabe, quero poder ir pra bem longe daqui e tentar ser feliz... Esse lugar só me trouxe desgraça e é a última coisa que quero é morrer aqui. – Concluiu em seu momento de pranto.
Aquela foi a primeira e única vez que conversei com Thomás. Somente há dois anos soube que ele estava morando na Austrália e casado com uma bela loira e com duas filhas. Eu o deixei ali amarrado, mas alimentado e hidratado, ainda não confiava completamente nele, mas senti verdade em seu relato. Eu tinha razão, ele era uma vítima também... Covarde, evidentemente, mas uma vítima... Logo eu, não estava em posição de julgar ninguém. Agora, mais do que nunca, eu sabia: preciso decifrar esse mapa, entrar na mina oculta e pegar essa mulher.
Deixei dois policiais de fora e que são de total confiança minha cuidando do Thomás, acabei decidindo retirar ele da cidade e colocando no programa de proteção a testemunhas. Dada a natureza dos documentos também, mandados de prisão e de busca e apreensão foram emitidos contra a família, que a essa altura já estavam com seus advogados caros acionados.
Aquele dia se encerrou comigo falando tudo isso a Marinho, que me ouvia atentamente. Uma força tarefa era iniciada: proteger as meninas vivas que estavam no hospital e procurar a passagem da mina e iria solucionar o nosso caso. Além disso, Marinho acabou descobrindo que há uma forma de tratamento antigo para os efeitos da intoxicação causada pelo Cobre Branco, que estava sendo colocada em prática.
Mais pessoas estavam presas e seriam interrogadas, e eu lembrava de mandar um e-mail para meu amigo que estava se casando hoje. Marinho deitado na cama, repousava, tentando descansar. Eu me deitei ao seu lado, me aninhando em seus fartos pelos do peito, onde dormimos algumas horas juntos. Era exatamente 3:45 quando o celular dele toca, fazendo com que acordássemos desesperados: encontraram a entrada para a mina desativada. O oculto seria revelado.